ESTADO
DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO
DA FAZENDA
DIRETORIA DE
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE
TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 009/2012
Lei da
Transparência e sigilo fiscal
1. Considerações iniciais:
Sem dúvida a Lei 12.527/2011,
conhecida como Lei de Acesso à Informação, representa uma das maiores
conquistas em anos recentes da democracia e da cidadania, na medida em que
reduz as hipóteses de sigilo a exceções e impõe ao Poder Público
a prática da transparência na gestão da coisa pública.
Não se trata apenas de controle do
gasto público e prevenção da corrupção, mas de propiciar uma
outra forma de exercício da democracia, qual seja, o controle social da
gestão pública.
Feitas essa considerações, uma
pergunta se impõe aos espíritos: com base na Lei 12.527/2011 pode ser
solicitado o acesso a informações protegidas pelo sigilo fiscal, previsto no
art. 198 do Código Tributário Nacional?
2. A Lei da Transparência (Lei 12. 527, de 18-11-2011):
O art. 5º, inciso XXXIII, da
Constituição da República assegura a todos o “direito a receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou
geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado”.
Devemos distinguir entre as
informações do interesse particular do requerente (que são prestadas
exclusivamente ao requerente) e as informações de interesse coletivo ou geral,
que podem ser requeridas por qualquer membro da coletividade interessada. O
dispositivo prevê ainda um limite às informações que podem ser requeridas,
quais sejam: aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado. Leciona a esse respeito José Afonso da Silva:
“O direito previsto é o de receber
informações requeridas que sejam do interesse do requerente ou de uma
coletividade a que ele pertence, ou gerais. A esse direito, devidamente requerido
e formulado, corresponde a obrigação dos órgãos
públicos de satisfazê-lo, mediante prestação
das informações requeridas no prazo que a lei estabelecer, que gira em
torno de 15 a 30 dias. A prestação deve ser a mais completa possível. Se a
obrigação não for cumprida no prazo de lei, fica a autoridade a que cabia
satisfazê-la sujeita à pena de responsabilidade”[1].
O acesso á informação foi
disciplinado pela Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, que em seu art. 4º,
inciso III, define “informação sigilosa” como aquela submetida temporariamente
à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a
segurança da sociedade e do Estado. A “informação pessoal”, por sua vez, é
definida no inciso IV como aquela relacionada à pessoa natural identificada ou
identificável. Por fim, o inciso VI define “disponibilidade”
como a qualidade da informação que pode ser conhecida e utilizada por
indivíduos, equipamentos ou sistemas autorizados.
O art. 7º dispõe que o acesso à
informação compreende tanto o direito a obter informações dos órgãos públicos
como orientação sobre como a informação desejada poderá ser obtida. Em
particular, fica assegurada informação sobre: (i) as atividades exercidas pelos
órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e
serviços; (ii) administração do patrimônio público, utilização
de recursos públicos, licitação e contratos administrativos; (iii) implementação,
acompanhamento e resultados dos
programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e
indicadores propostos; (iv) resultado de inspeções, auditorias, prestações
e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo,
incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.
O § 3º do mesmo artigo esclarece
que o “direito de acesso aos documentos ou às informações
neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato
administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo”.
No caso de ser negado o acesso ás
informações solicitadas, o servidor deverá fundamentar a negativa, dando as
razões porque as informações não podem ser fornecidas, sob pena de o
responsável ser submetido a medidas disciplinares (§ 4º).
Nos termos do art. 10, o pedido de
acesso a informações poderá ser apresentado por qualquer interessado, devendo o
pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação
requerida. Contudo, o § 3º desse artigo veda “exigências relativas aos motivos
determinantes da solicitação de informações de interesse público”, ou seja, é
direito de qualquer um solicitar informações de interesse público,
independentemente das razões do pedido. A Administração não poderá restringir
ou condicionar as informações à determinada finalidade.
Ainda relativamente à negativa de
acesso à informação solicitada, o requerente tem o direito de obter o inteiro
teor da decisão que a negou, por certidão ou cópia (art. 14).
Mas, não poderá ser negado acesso
a informações necessárias à tutela judicial ou administrativa de direitos
fundamentais (art. 21). São direitos fundamentais os previstos no art. 5º da
Constituição, como o direito de petição (inciso XXXIV, a), o devido processo
legal (inciso LIV), o contraditório e a ampla defesa (inciso LV), a publicidade
dos atos processuais (inciso LX) etc.
O acesso à informação, entretanto,
não é um direito absoluto e sem restrições. Pelo contrário, a própria Lei de
Acesso à Informação estabelece restrições. Assim, conforme art. 22, o disposto
na Lei “não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça”.
É o caso do sigilo fiscal, previsto na Lei 5.172/1966, que obedece a regramento
próprio.
O art. 23, VIII, por outro lado,
considera imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado, o sigilo das
informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possa comprometer atividades
de “investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou
repressão de infrações”. Entre estas últimas se incluem as infrações à legislação
tributária.
O grande mérito da Lei de Acesso à
Informação é tornar o sigilo uma situação excepcional. Ainda assim, nenhum
sigilo é permanente, pois, com o tempo, todas as informações devem ser tornadas
acessíveis ao público. Com efeito, o art. 24 permite a classificação das informações,
consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, em (i) ultra-secretas,
(ii) secretas e (iii) reservadas. Conforme § 1º do
mesmo artigo, a restrição de acesso à informação será mantida pelo prazo máximo
de (i) 25 anos no caso de informações ultra-secretas, (ii)
15 anos, no caso de informações secretas, e (iii) 5 anos, no caso de
informações reservadas. Transcorrido esse prazo, a informação, conforme dispõe
o § 4º, “tornar-se-á, automaticamente, de acesso público”.
As informações pessoais, no
entanto, que somente interessam ao requerente, têm tratamento
diferente. Conforme § 1º do art. 31, as informações pessoais, relativas á intimidade,
vida privada, honra e imagem, terão seu acesso restrito, independentemente de
classificação de sigilo, pelo prazo máximo de 100 anos, podendo, entretanto,
ser autorizada sua divulgação e acesso a terceiros diante de previsão legal ou
consentimento expresso da pessoa a que se referirem.
O art. 32 considera ilícitas e que ensejam a responsabilidade do agente público
as seguintes condutas:
a) recusar-se a fornecer informação requerida nos
termos da Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la
intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;
b) utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir,
inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente,
informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento
em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função
pública;
c) agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações
de acesso à informação;
d) divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou
permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;
e) impor sigilo à informação para obter proveito
pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si
ou por outrem;
f) ocultar da revisão de autoridade superior competente
informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de
terceiros; e
g) destruir ou subtrair, por qualquer
meio, documentos concernentes a possíveis violações de direitos humanos
por parte de agentes do Estado.
3. O sigilo fiscal:
O sigilo fiscal está previsto no
art. 198 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional:
“Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por
parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão
do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. A esse
propósito, leciona Hugo de Brito Machado:
“O dever legalmente atribuído à
Fazenda Pública e a seus servidores, de manterem sigilo
a respeito de informações obtidas em razão do ofício sobre a situação econômica
ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado
de seus negócios ou atividades, é uma contrapartida do poder dever de
fiscalizar”.
“Os contribuintes, como os
cidadãos em geral, têm direito à privacidade. Privacidade pessoal,
absolutamente necessária à preservação dos valores da individualidade e da dignidade
humana, e privacidade empresarial, absolutamente necessária à prática da livre
iniciativa econômica e da livre concorrência. Por outro lado, a preservação dos
interesses do Estado na arrecadação de tributos exige que os seus agentes
tenham acesso a informações a respeito dos fatos que sejam relevantes para fins
tributários. Por isto mesmo a Constituição estabelece que, especialmente para
conferir efetividade aos princípios da pessoalidade dos impostos e da
capacidade econômica, é facultado à administração tributária identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
“A ação da administração
tributária no exercício do poder dever de fiscalizar há de ser desenvolvida
‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’. Há de respeitar,
portanto, o direito à privacidade, que é um dos mais importantes direitos
individuais. A guarda do sigilo, é portanto, a
contrapartida da faculdade, ou, mais exatamente, do poder dever de fiscalizar”[2].
Acrescenta Fernando Lemme Weiss que também devem ser protegidos “os segredos do
processo produtivo, que constituem patrimônio imaterial”[3] da
empresa. Cuida-se, no caso, de informações a que o Fisco tem acesso em razão do
ofício e que devem ser utilizadas apenas para a pesquisa do fato gerador da
obrigação tributária e da respectiva base de cálculo. Por conseguinte, não devem
ser disponibilizados a terceiros.
O sigilo fiscal, entretanto
conhece limites, previstos no próprio CTN. O primeiro deles encontramos
no art. 199 que prevê a troca de informações entre as Fazendas Públicas da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, “na forma
estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio”.
O § 1º do art. 198 prevê ainda a
divulgação de informações protegidas por sigilo fiscal, nas seguintes
hipóteses:
a) requisição de autoridade
judiciária no interesse da justiça – hipótese em que as informações serão
prestadas exclusivamente à autoridade judiciária que a requisitou; e
b) solicitações de autoridade
administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada
a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade
respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. Também
nesse caso, a informação será fornecida exclusivamente à autoridade
solicitante.
Por outro lado, o § 3º do mesmo
artigo dispõe que “não é vedada a divulgação de informações relativas a (i) representações fiscais, para fins penais; (ii)
inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; e (iii) parcelamento ou moratória.
O servidor fazendário que divulgar
informações protegidas por sigilo fiscal poderá ser enquadrado no crime de
violação de sigilo funcional ou no de excesso de exação.
O crime de violação de sigilo
funcional está previsto no art. 325 do Código Penal com a seguinte tipificação:
“revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em
segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. O § 1º do mesmo artigo dispõe que
incorre nas mesmas penas quem: (i) permite ou facilita, mediante atribuição,
fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas
não autorizadas a sistemas de informação ou banco de dados da Administração
Pública; ou (ii) se utiliza, indevidamente, de acesso
restrito.
Já o crime de excesso de exação
vem capitulado no § 1º do art. 316 do Código. Compreende dois comportamentos
típicos: (i) exigir imposto, taxa ou emolumento que sabe indevido ou (ii) quando devido, empregar na cobrança meio vexatório ou
gravoso, que a lei não autoriza. Assim, fica caracterizado o excesso de exação,
na segunda figura típica, a divulgação de lista dos maiores devedores do Estado
e práticas semelhantes.
4. Ponderação de valores na interpretação de princípios e
garantias constitucionais:
A interpretação da Constituição
deve atender ao princípio da máxima efetividade ou eficiência, pelo qual “a uma
norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia
conceda-lhe. Conseqüentemente, todas as normas constitucionais têm validade,
não cabendo ao intérprete optar por umas em detrimento total do valor de outras”.
Além disso, “exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em
conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros”[4].
Nessa perspectiva, como devemos
interpretar o inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal que assegura o
direito “a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”? Devemos distinguir entre informações:
a)
do interesse particular do solicitante; e
b)
de interesse coletivo ou geral.
As
informações do interesse particular do solicitante somente a ele interessam e
não podem ser disponibilizadas a terceiros, pois, tanto quanto o direito à
informação, o direito a intimidade também é protegido pela Constituição (art.
5º, X). Assim, a Lei 12.527/2011, a conhecida Lei de Acesso à informação, instrumentaliza
o direito previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição, no que se refere aos
direitos de interesse coletivo ou geral, já que não se reconhece hierarquia
entre princípios constitucionais: não se pode negar aplicação de um princípio
em nome de outro.
O
art. 10 dessa Lei assegura a qualquer interessado pedido de acesso a informações
aos órgãos públicos, por qualquer meio legítimo, desde que o pedido contenha a identificação
do requerente e a especificação da informação requerida. No caso de informações
protegidas por sigilo fiscal, disciplinado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional,
o art. 22 da mesma Lei ressalva que não ficam excluídas as demais hipóteses
legais de sigilo. Ou seja, a Lei de Acesso à Informação não revogou os demais
diplomas legais que disciplinam o sigilo em casos específicos.
Da
mesma forma, o art. 31, § 1º, I, ressalva que as informações pessoais,
relativas à intimidade, terão seu acesso restrito, independentemente de
classificação legal de sigilo, a agentes públicos e à pessoa a que elas se referem.
Ou seja, o direito de acesso à informação (CF, art. 5º, XXXIII) não prevalece
sobre o direito à intimidade (CF, art. 5º, X).
Ora,
a doutrina brasileira aponta como fundamento constitucional do sigilo fiscal
exatamente o inciso X do art. 5º da Constituição da República: “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Por sua vez, o inciso XII do mesmo artigo assegura que “é inviolável o sigilo
de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal”.
Nesse
sentido, decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do HC 160.646 SP que: “o sigilo fiscal se insere no direito à privacidade
protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do art. 5º da Carta Federal,
cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão pela qual, para
que se mostre legítima, se exige a demonstração ao Poder Judiciário da
existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a sua adoção”[5].
Ainda
o mesmo tribunal, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 26.236,
decidiu que os membros do Ministério Público “não estão autorizados a
requisitar documentos fiscais e bancários sigilosos diretamente ao fisco e às
instituições financeiras, sob pena de violar os direitos e garantias constitucionais
da intimidade e da vida privada dos cidadãos”. Acrescenta ainda que “o
próprio texto constitucional (art. 5º, XII) exige a prévia manifestação da
autoridade judicial, preservando, assim, a imparcialidade da decisão”[6].
5. Lei complementar e lei ordinária:
Dispõe
o art. 24, I, da Constituição Federal que “compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário”. No
entanto, dispõe o § 1º do mesmo artigo que “no âmbito da legislação concorrente,
a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”. Já o art.
146, III, da Carta, reserva à lei complementar “estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária”.
A
despeito disso, o Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de
1966) foi editado como lei ordinária. Poder-se-ia questionar a validade do CTN,
frente às sucessivas constituições brasileiras, a partir da Constituição de
1969 até a de 1988 que exigem lei complementar para tratar de normas gerais de
direito tributário. Sobre os argumentos levantados nesse sentido, se manifestou,
com incontestável autoridade, Aliomar Baleeiro:
“Acreditamos
que são insubsistentes, porque permanecem em vigor as várias leis ordinárias
reguladoras de dispositivos constitucionais da Carta Política de 1946, muito
embora a de 1969 tenha exigido, para alguns assuntos, o processo legislativo da
lei complementar. Evidentemente, agora, só poderão ser alteradas por esse
processo. Mas a lei ordinária com caráter de complementar, segundo a
Constituição de 1946, não perde a sua vigência quando, para o caso, seja hoje
necessário o processo do art. 50 da CF”[7].
Embora
lei ordinária em sua origem, porque o ordenamento constitucional de 1946 não
previa lei complementar, o CTN foi recepcionado como lei complementar pelos
ordenamentos constitucionais subseqüentes, de modo que suas disposições somente
podem ser modificadas por lei complementar.
Nesse
sentido, o próprio Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
93.850, rel. Min. Moreira Alves, em 20-5-82 (RTJ, vol. 105-1, p. 194),
reconhece que é pacífica a jurisprudência que considera o CTN lei complementar.
Ora,
do ponto de vista formal, a Lei de Acesso à Informação é lei ordinária, enquanto
o Código Tributário Nacional goza do status
de lei complementar. Como lei ordinária não pode modificar dispositivo de lei
complementar, as disposições da Lei de Acesso à Informação não se aplicam ao
sigilo fiscal, previsto no art. 198 do Código Tributário Nacional.
6. Considerações finais:
Diante de todo o
exposto, impõe-se a conclusão de que as disposições da Lei 12.527, de 8 de
novembro de 2011, não atinge as informações obtidas pelo Fisco, em razão do
ofício, sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo tributário
ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades,
protegidas por sigilo nos termos do art. 198 do Código Tributário Nacional.
Essa conclusão impõe-se, devido às
seguintes considerações:
1) o art.
22 da Lei de Acesso à Informação não exclui outras hipóteses legais de sigilo,
como é o caso do sigilo fiscal que obedece a regramento próprio;
2) o art.
23, VIII, por outro lado, reconhece que é imprescindível à segurança da sociedade
ou do Estado manter sigilo sobre informações cuja divulgação possa comprometer
fiscalizações em andamento, relacionadas à prevenção ou repressão de infrações,
inclusive da ordem tributária;
3) o
sigilo fiscal, previsto no art. 198 do CTN, é a contrapartida dos consideráveis
poderes de investigação do Fisco, inclusive assegurados pelo § 1º do art. 145
da Constituição Federal;
4) a
divulgação de informações protegidas pelo sigilo fiscal sujeita o servidor fazendário
a responder por crime de violação de sigilo funcional (CP, art. 325) ou de excesso
de exação (CP, art. 316, § 1º);
5) os
direitos e garantias constitucionais estão no mesmo nível hierárquico, de modo
que não há prevalência de um sobre o outro, devendo ser ponderadas, quando em
conflito, de modo a evitar o sacrifício total de uma em relação a outras;
6) a Lei
12.527/2011 dá efetividade ao direito de obter dos órgãos públicos informações
de interesse coletivo ou geral, previsto no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição
da República;
7) o
sigilo fiscal tem como fundamento a proteção à intimidade, assegurada pelos incisos
X e XII do mesmo artigo 5º da Constituição;
8) por
fim, a Lei de Acesso à Informação é lei ordinária que não pode ser oposta ao Código
Tributário Nacional que tem status de
lei complementar e, portanto, somente pode ser modificada por lei complementar.
Getri, em Florianópolis, 2
de outubro de 2012.
Velocino Pacheco Filho Amery Moisés Nadir Jr.
AFRE – mat. 184244-7 p/Gerente
de Tributação
[1]
SILVA, José Afonso da. Comentário
Contextual à Constituição. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 131
[2] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III, São Paulo: Atlas, 2005, p.789
[3] WEISS, Fernando Lemme. O sentido e a abrangência do sigilo fiscal. RDDT 178: 69
[4] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª e. São Paulo: Atlas, 2003, p. 108.
[5] RDDT 195: 234
[6] RO em HC 26.236 / RJ; Ministro Arnaldo Esteves Lima; Quinta Turma; DJe 01/02/2010; RT vol. 895 p. 559
[7] Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 39