CONSULTA 8/2015

EMENTA: ICMS. CRÉDITOS ACUMULADOS EM DECORRÊNCIA DE OPERAÇÕES PRATICADAS COM DIFERIMENTO DO IMPOSTO.

1. Nas operações amparadas com diferimento do imposto, em face de o adquirente ser beneficiário de Programa de incentivo à indústria náutica - Pró-Náutica, é permitida a manutenção do crédito do imposto relativo às entradas de mercadorias.

2. Somente é autorizada a transferência de créditos acumulados a terceiros nas situações expressamente previstas nos artigos 40 a 52-a do regulamento do ICMS.

3. Deste modo, é vedada a transferência dos créditos de ICMS acumulados em razão das saídas amparadas por este tratamento tributário, em face de ausência de previsão legal expressa na legislação tributária estadual.

Publicada na Pe/SEF em 09.03.15

DA CONSULTA

A Consulente, devidamente qualificada, exerce a atividade de fabricação de produtos químicos e petroquímicos, especificamente a Resina de Poliéster, Gel Coat e Massa Plástica que são comercializadas para empresas fabricantes de embarcações navais, situadas em Santa Catarina, que as utilizam como matéria-prima.

Como as empresas adquirentes estão enquadradas no Regime Pró-Náutica, as operações são realizadas com diferimento do imposto.

Como decorrência desse tratamento, a Consulente apresenta saldo credor de imposto na conta gráfica, pois apropria os créditos relativos às aquisições, mas não apresenta débito de imposto nas saídas.

Considera que se não há como compensar o saldo credor com débitos das operações seguintes, e inexistindo restrição expressa de uso do crédito acumulado, está permitida a transferência de créditos de ICMS a terceiros, com fundamento no princípio da não-cumulatividade insculpido na Constituição Federal e delineado na Lei nº 10.297/96 e Regulamento do ICMS/SC.

Com base no exposto questiona se:

1) é permitido o acumulo de créditos resultantes da entrada de insumos advindos de outras unidades da Federação, que após sua industrialização são comercializados como matéria-prima para empresa beneficiária do Programa de incentivo à indústria náutica - Pró-Náutica com diferimento do imposto?

2) os créditos acumulados em razão de as saídas ocorrerem com diferimento do imposto, uma vez que o destinatário é detentor do Pró-Náutica, são passíveis de transferência a terceiros?

No que se refere aos aspectos formais, destaca que a matéria objeto do pedido não está sujeita aos impedimentos do artigo 152-C do Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário - RNGDT/SC.

A consulta foi informada na GERFE de origem, conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984, manifestando-se favoravelmente ao recebimento e análise do pedido, em face do atendimento dos critérios de admissibilidade.

LEGISLAÇÃO

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,  artigo 155,  §2º.

Lei complementar nº 87/96, de 13 de setembro de 1996, artigo 25, §1º.

Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, artigo 31.

Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 2.870, de 27 de agosto de 2001, artigos 40 a 52-A.

FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, cabe ressaltar que o crédito do ICMS é um direito constitucional conferido ao sujeito passivo, com a finalidade de dar concretude ao princípio da não-cumulatividade, que se materializa pela prerrogativa de abater do débito do imposto, o valor que incidiu efetivamente nas operações e prestações anteriores.

Este princípio encontra-se previsto nos incisos I e II, do §2º, do artigo 155, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

"§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: 

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;"

Do texto constitucional extrai-se que o crédito do ICMS cobrado nas operações ou prestações anteriores é, regra geral, um direito vinculado à compensação do débito resultante das operações ou prestações subsequentes.

A situação trazida à análise envolve operações amparadas por diferimento, previstas no artigo 177, do Anexo 2, do RICMS/SC:

"Art. 177. Poderá ser concedido diferimento do pagamento do imposto devido:

II - pela realização de operação interna com destino à indústria náutica:

b) de matéria-prima, para uso em processo industrial no estabelecimento do adquirente; e

§ 2º O imposto diferido na forma das alíneas b do inciso I e b do inciso II, todas do caput, subsume-se na operação tributada subsequente com as mercadorias referidas no art. 176, observado, quando for o caso, o disposto no Anexo 3, Capítulo I."

O diferimento não se confunde com a isenção. A isenção, na forma como está inserida no Código Tributário Nacional, permite tanto afirmar que se trata de uma dispensa do pagamento do tributo, que já se formou pela ocorrência do fato gerador, como entender que o crédito sequer chega a se constituir, porque a norma impositiva estava suspensa. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 263).

A despeito dessa controvérsia, para os fins desta análise é suficiente compreendê-la como um favor legal consubstanciado na dispensa de pagamento do tributo devido, como há muito já se posicionou o Supremo Tribunal Federal (Cita-se como exemplo o RE 113.711/SP, 1ª turma, relator Min. Moreira Alves, D.J. 26.06.1987).

De modo diverso, diferimento significa adiar, retardar. É nesta acepção que a palavra é utilizada na linguagem técnico-tributária. Nessa linha, para Celso Ribeiro Bastos "o diferimento é o não recolhimento do ICMS em determinada operação ficando adiado para etapa posterior. Por esta técnica, o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria (no caso do ICMS) é transferido para as etapas posteriores de sua circulação." (Lei Complementar Teoria e Comentários. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.)

Destarte, é possível concluir que o diferimento não afasta propriamente a incidência do imposto, como ocorre com a isenção, mas apenas transfere para etapa futura da operação de circulação, o momento da sua exigência, se houver. 

Com base nestas informações é possível responder à primeira pergunta formulada, de que nas operações amparadas com diferimento do imposto, em face de o adquirente ser beneficiário de Tratamento Tributário Diferenciado do Pró-Náutica, é permitida a apropriação do imposto constante nos documentos fiscais relativos às entradas de mercadorias.

No que se refere à possibilidade de transferir os créditos acumulados resultantes de operações de saída diferidas, cabe distinguir o significado de "créditos acumulados" de "créditos acumulados transferíveis".

Os créditos acumulados dizem respeito aos saldos credores que se encontram registrados nos livros fiscais e declarados na DIME. São reflexo, especialmente, de operações ou prestações amparadas por imunidade, isenção integral, redução de base cálculo (em razão de expressa autorização legal para a sua manutenção) ou diferimento.

Referidos créditos podem ser utilizados para deduzir do débito do imposto, se existente, em cada período de apuração, conforme prescreve o artigo 32, da Lei nº 10.297/96. Entretanto, o direito à manutenção de créditos de ICMS não pode ser confundido com o direito de transferi-los a terceiros. São matérias com regulação distinta.

As hipóteses de transferência de crédito acumulado de ICMS foram estabelecidas no § 1º, artigo 25, da Lei Complementar nº 87/96, com amparo no artigo art. 155, § 2º, inciso XII, da Constituição Federal, compreendendo as operações de exportação. No § 2º, do mesmo artigo, foi delegado ao legislador estadual a competência para definir também outras possibilidades de o contribuinte transferir seu crédito acumulado a terceiros.

Em Santa Catarina, as hipóteses de créditos acumulados transferíveis estão previstas no artigo 31, da Lei nº 10.297/96 e reguladas nos artigos 40 a 52-A do Regulamento do ICMS. Dentre as hipótese que a legislação tributária estadual autorizou a transferência de créditos acumulados, não há previsão legal para a situação aventada pela Consulente. Portanto, a ausência de disposição expressa, impede a fruição do direito.

É nessa linha que tem seguido a jurisprudência, a exemplo da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Mandado de Segurança nº MS 178503 SC 2008.017850-3, na qual o Relator assevera que a instituição de outras hipóteses de transferência de créditos acumulados de ICMS, além daquela já prevista na LC 87/96, situa-se no âmbito da discricionariedade permitida ao legislador estadual.

Assentou ainda o Superior Tribunal de Justiça que a "transferência de créditos acumulados de ICMS a terceiro, embora seja operação tributária admitida, somente pode ser deferida quando o contribuinte enquadrar-se nas exigências impostas pela legislação que regulamenta a matéria" (STJ. RMS nº 21.240/RJ, Rel. Minª Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 11/02/2009)

Por fim, tendo em vista o entendimento da Consulente de que o direito à transferência de créditos acumulados resultante de operações diferidas, teria como fundamento o princípio da não-cumulatividade, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal vem se manifestando em sentido diverso.

Traz-se o entendimento da Ministra Ellen Gracie ao asseverar que é impertinente a invocação do princípio da não cumulatividade para permitir a transferência dos créditos de ICMS, referente à compra de insumos e maquinário, para os compradores da produção agrícola, sob o regime de diferimento. (RE 325.623-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 7.12.2006). Ainda, noutra decisão a Ministra Cármen Lúcia ressaltou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é possível a invocação do princípio da não cumulatividade para permitir a transferência de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS, nos casos em que o recolhimento do tributo sujeita-se a regime de diferimento. (RE 572925 / MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 17/06/2010).

RESPOSTA

Isto posto, responda-se à Consulente que nas operações amparadas com diferimento do imposto, em face de o adquirente ser beneficiário de Programa de incentivo à indústria náutica - Pró-Náutica, é permitida a manutenção do crédito do imposto constante nos documentos fiscais relativos às entradas de mercadorias. Contudo, é vedada a transferência dos créditos de ICMS acumulados em razão das saídas amparadas por este tratamento tributário, em face de ausência de previsão legal expressa na legislação tributária estadual.

JOACIR SEVEGNANI

AFRE IV - Matrícula: 1849336

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 12/02/2015.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                                Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                                  Secretário(a) Executivo(a)