CONSULTA N° 073/2010

EMENTA: ICMS. MERCADORIA IMPORTADA DE PAÍS MEMBRO OU ASSOCIADO AO MERCOSUL. PARA EFEITOS DO ART. 148-A DO ANEXO 2 DO RICMS/SC, CONSIDERA-SE ORIGINÁRIA DE UM PAÍS A MERCADORIA QUE TENHA SIDO PRODUZIDA OU QUE TENHA SOFRIDO SUA ÚLTIMA TRANSFORMAÇÃO SUBSTANCIAL NESSE PAÍS.

DOE de 15.04.11

1 - DA CONSULTA

A empresa realiza, dentre outras atuações no comércio internacional (trading company), importações por conta própria, por encomenda e por conta e ordem de terceiros.

Para tanto, obteve tratamento tributário diferenciado com fulcro no art. 148-A do Anexo 2 do RICMS/SC que lhe autoriza importar mercadorias, diferindo o imposto devido no desembaraço aduaneiro para a etapa seguinte de circulação, preenchidas as seguintes condições (item 1.1.4 do Parecer TTD 1059/2009 - COGAT, que concedeu o Regime Especial): i) que a importação seja realizada por intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteiras alfandegados situados neste Estado; ii) em se tratando de importação realizada exclusivamente por via terrestre de mercadorias oriundas de países membros ou associados do Mercado Comum do Sul - Mercosul.

Declara que, por questões mercadológicas, vem realizando a importação de produtos fabricados em Países que não fazem parte do Mercosul, porém estocados pelo fornecedor em Países membros deste bloco econômico, os quais, uma vez adquiridos, ingressam no território brasileiro através de Estados vizinhos, seguindo por via terrestre até o ponto de fronteira alfandegado de Dionísio Cerqueira, situado no Estado de Santa Catarina, para, através dele, ser nacionalizados. (sic!)

À sua crítica, a rotina descrita no parágrafo anterior encontra amparo no § 3º do art. 148-A do Anexo 2 do RICMS/SC e no item 1.1.4 do Parecer TTD nº 1059/2009 - COGAT. Continua, argumentando que a expressão “oriunda”, utilizada no parecer, significa “proveniente”, bastando, portanto, que a mercadoria seja adquirida em país membro ou associado do Mercado Comum para que reste atendida a condição imposta pelo referido item do parecer.

A consulente provoca esta comissão com o intuito de obter a ratificação desse entendimento.

No âmbito da Gerência Regional, a coordenadora do Grupo Especialista Setorial Comércio Exterior - GESCOMEX prestou informação sobre presente pedido de consulta. Relata que, em cumprimento ao disposto no art. 111-A da Lei nº 3.938/66, estabeleceu contatos com a empresa com o intuito de persuadi-la a recolher o imposto devido nas operações descritas, no momento do desembaraço aduaneiro. Aliás, justamente por ter sido objeto de ação auxiliar de monitoramento (art. 111-A), a autoridade fiscal considera que a empresa já se encontrava sob ação fiscal, quando encaminhou o pedido de consulta (cita como exemplo, três outras empresas em situação idêntica, que por não terem “atravessado” uma consulta à COPAT, já foram intimadas oficialmente através da lavratura de Termo de Início de Ação Fiscal).

 Por fim, o GESCOMEX manifesta entendimento de que as operações descritas na presente consulta não atendem os requisitos previstos na legislação tributária estadual pertinente tampouco na cláusula 1.1.4 do parecer concessório do seu tratamento tributário diferenciado, não podendo usufruir de quaisquer dos benefícios inerentes ao regime especial (diferimento do ICMS no momento do desembaraço aduaneiro, diferimento parcial na operação interna e o crédito presumido de 96,5%).

É o que tinha de ser relatado.

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 148-A, §§ 3º e 7º.

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A ação fiscal à qual já estaria sendo submetida a consulente quando encaminhou o presente pedido, conforme relato do GESCOMEX, merece análise preliminar.

De fato, há impedimento legal para recebimento como consulta de pedido que verse sobre matéria que constitua objeto de medida de fiscalização já iniciada (alínea “b” do inciso V do art. 213 da Lei nº 3.938/66). Ocorre, no entanto, que os procedimentos levados a termo por conta de ações auxiliares de monitoramento/acompanhamento, previstos no art. 111-A, não caracterizam início de procedimento fiscal, nos termos do § 2º deste mesmo artigo:

Art. 111-A. A autoridade fiscal poderá:

I - solicitar, por qualquer meio, ao sujeito passivo que preste esclarecimento sobre indício de inconsistências no cumprimento de obrigação tributária, principal ou acessória, obtidos em curso de ação auxiliar de monitoramento, a partir de cruzamento de informações ou outros meios de que disponha; e

II - orientar o sujeito passivo a tomar as providências necessárias para corrigir inconsistências no cumprimento da obrigação tributária, principal ou acessória, cujo indício tenha sido constatado no curso de ação auxiliar de acompanhamento.

(...)

§ 2º Os procedimentos previstos no caput não se constituem em início de procedimento fiscal de constituição do crédito tributário, conforme art. 45, ficando dispensada a lavratura do termo a que se refere o art. 111.

Percebe-se, a teor do disposto na alínea “b” do inciso V do art. 213 da Lei nº 3.938/66, que o pedido tem de ser aceito como consulta. Passemos, então, à análise do caso.

Basicamente, a tese da consulente escora-se na expressão “oriunda” utilizada no já referido parecer da Consultoria de Gestão da Administração Tributária - COGAT. Muito embora o termo tenha realmente sido utilizado ao arrepio do que dispõe o § 7º do art. 148-A (que utiliza a expressão “originária”), o mesmo parecer, prudentemente, limitou a abrangência do regime especial exarado por seu intermédio, no item 7.5:

7.5 Regime Especial é liberalidade do Fisco, podendo a qualquer tempo, respeitado o Protocolo de Intenções, ser aditado, alterado, revogado ou cassado, sujeita-se à legislação vigente e à superveniente; não gera direito, tampouco expectativa de direito em favor de quem quer que seja; não dispensa o beneficiário - ou qualquer outro interessado - do cumprimento das obrigações tributárias, principal e acessórias, que não estejam expressamente excepcionadas neste ato. (o texto não é grifado no original)

Equivale afirmar que, se o que estiver disposto no corpo do parecer permitir interpretação divergente daquela que possa ser obtida do texto legal, valerá o que dispõe este último. É o primeiro ponto.

 O segundo, diz respeito à imprecisão semântica dos termos envolvidos na polêmica - oriundo e originário. É que, não obstante o fato de a língua portuguesa ser relativamente precisa com relação ao termo “originário” - que, a exemplo do verbo “originar”, do adjetivo “originado” e dos substantivos “originalidade” e “original”, transmite a idéia de algo inédito ou novo, que é primitivo ou inicial, ou que surge ou passa a existir[1] -, não é o que ocorre com a palavra oriundo que, tanto poderá significar originário, como procedente ou proveniente[2].

Discorrendo sobre o vocábulo “originário”, De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, 26ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p.990) torna-o mais preciso ainda:

“Do latim originarius, emprega-se o vocábulo para designar tudo que dá causa ou origem a alguma coisa. É indicativo da procedência ou da fonte, de onde as coisas provêm. Dá a idéia de primitivo ou inicial: ato originário, documento originário, que dão origem ou servem de base ou fundamento.” (o texto não é grifado no original)

Mesmo sentido é dado ao termo pelo Tratado de Assunção (que estabeleceu o Mercosul), em seu Anexo II, art. 1º e pelo Código Aduaneiro do Mercosul, arts. 19 e 20. Seguindo a mesma linha, a legislação aduaneira brasileira faz nítida distinção entre “origem” e “procedência”, como podemos constatar:

Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002 - Regulamento Aduaneiro

Art. 497. A fatura comercial deverá conter as seguintes indicações:

(...)

VIII - país de origem, como tal entendido aquele onde houver sido produzida a mercadoria ou onde tiver ocorrido a última transformação substancial;

(...)

X - país de procedência, assim considerado aquele onde se encontrava a mercadoria no momento de sua aquisição;

Importante lembrar que, conforme aduz o inciso VIII, do art. 22 da CFB, a competência para legislar sobre comércio exterior e interestadual é privativa da União, tendo sido muito claro o Regulamento Aduaneiro: país de origem é aquele onde é produzida ou nacionalizada a mercadoria que está sendo importada; e o local de onde saiu essa mercadoria, antes de entrar no Brasil, é o país de procedência.

Já vimos que nossa legislação prestigia a expressão “mercadoria originária” (§ 7º do art. 148-A, por exemplo), mas o importante aqui é observar o seguinte. Não obstante o fato de o Pró-Emprego (Lei nº 13.992/07, art. 7º, § 8º, inciso I) e o § 2º do art. 10 do Anexo 3 do RICMS/SC, também utilizarem o termo “originária”, não foi sempre assim. As redações foram modificadas (de proveniente para originária) justamente em obséquio à idéia de surgimento - contrapondo-se a de proveniência - e à maior precisão do termo como demonstrado linhas atrás.

Não bastasse o que foi dito, há uma outra questão. O que se pretendeu foi incentivar as importações realizadas por intermédio de nossos portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados. De tal sorte, uma mercadoria não pode adentrar o país por outra unidade federativa e ser enviada para Santa Catarina por intermédio de Despacho de Trânsito Aduaneiro - DTA, para que seja desembaraçada em nosso estado. Não, se quiser fazer jus ao benefício. (“do contrário, as importações, especialmente da China, iriam “invadir” o Estado “por terra”, sem usar os nossos portos, mas os do Chile”, como bem asseverou a Coordenadora do GESCOMEX, no parecer apensado aos autos).

Portanto, não basta que o desembaraço ocorra em recinto alfandegado catarinense, mas que, ressalvadas as exceções legais, a zona primária (unidade de entrada da mercadoria no país) seja um porto, aeroporto ou ponto de fronteira alfandegado, localizado em nosso estado. À exceção, obviamente, do disposto no famigerado § 7º do art. 148-A.

Repisando o que foi dito, responda-se à Consulta nos termos seguintes. O entendimento da COGAT - o que considera como oriunda de país membro ou associado ao MERCOSUL, qualquer mercadoria que venha desses países, independentemente de terem, neles, sido produzidas - não se sobrepõe ao que dispõe a legislação pertinente: mercadoria originária de um país é a mercadoria produzida nesse país ou que nele tenha sofrido sua última etapa de industrialização/transformação. Sendo assim, a importação de produtos fabricados em países que não fazem parte do Mercosul, estocados pelo fornecedor em países membros desse bloco econômico, não podem ingressar no território brasileiro por intermédio de outras unidades federativas e, ainda assim, gozarem do benefício insculpido no art. 148-A do Anexo 2 do RICMS/SC.

À crítica desta Comissão.

GETRI, 30 de novembro de 2010.

Nilson Ricardo de Macedo

AFRE IV - matr. 344.181-4

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 6 de dezembro de 2010, ressalvando-se, a teor do disposto no art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule entendimento diverso.

Alda Rosa da Rocha                 Almir José Gorges

Secretária Executiva                 Presidente da Copat



[1] Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

[2] Dicionário Aurélio da língua portuguesa.