ANEXO ÚNICO (ATO DIAT Nº 073/2023)

PeSEF de 26.10.23

NOTA TÉCNICA N° 002/2023

            Do Complexo Industrial Naval de Santa Catarina: conceitos acerca da aplicação do benefício de que trata a Seção XXXIX do Capítulo V do Anexo 2 do RICMS.

1. Considerações iniciais

Trata-se de esclarecimento quanto ao alcance do Regime Especial “Do Complexo Industrial Naval de Santa Catarina” de que trata a Seção XXXIX do Capítulo V do Anexo 2 do RICMS, consubstanciado nos arts. 189 a 195 do respectivo Anexo do Regulamento.

2. Fundamentação

A hermenêutica jurídica nos estabelece diversos procedimentos interpretativos que buscam auxiliar no alcance do sentido da norma. Tais conceitos precisam ser vistos de modo concatenado, não podendo se analisar um de modo que outro não existisse.

É assim que Iamundo[1] leciona:

Os procedimentos interpretativos são os modos ou técnicas aplicadas que fazem uso de parâmetros que se intercalam, mesmo porque, não há como fazer uso de uma única forma de interpretação. Como exemplo: não há como se fixar no caráter gramatical e ignorar a lógica, ou ainda, aplicar o procedimento histórico e deixar de lado os valores socioculturais.

Dentre as formas expostas nos livros e doutrinas relacionadas ao Direito, tem-se, sobretudo, os procedimentos gramaticais, lógicos, teleológicos, sistêmicos, histórico e valorativo.

A respeito do procedimento gramatical, discorre Iamundo[1]:

Assim, a marca maior no início de um processo hermenêutico jurídico é a compreensão do texto legal a partir das referências linguísticas, portanto, apesar de isoladamente o processo de tal análise ser insuficiente, ele é impiedosamente colocado como inicial. Posteriormente é que a insuficiência será suprida por outras perspectivas e instrumentos interpretativos.

(...)

Assim, deve-se entender que é o sentido da palavra que proporciona para as normas jurídicas ou as leis o vigor de se estabelecerem como o dever-ser. Portanto, muito mais significativa a compreensão do sentido que o significado.

Com relação ao procedimento lógico, também Iamundo[1] explica que:

É desse modo que se apreende, então, a produção dos diversos discursos: apesar de ser pensando, nem tudo o que é pensado pode ser entendido como pensado logicamente, isto é, diversas são as visões de mundo.

No entanto, na perspectiva de pensar o mundo logicamente a forma desse pensar não há outra possibilidade: a identidade e a não contradição são imperiosamente colocadas como parâmetro ao lado do terceiro excluído.

Pelo princípio do terceiro excluído firma­-se por definitivo tanto a identidade quanto a não contradição, pois por tal princípio não há possibilidade lógica de determinada proposição ser ela mesma verdadeira e falsa. As junções de tais princípios formam um referencial do pensar lógico.

Já a interpretação teleológica é:

O efeito distante e amplo, evidentemente, é o fim que se pretende atingir de modo eficaz, na perspectiva de atender as demandas mais do que jurídicas, isto é, atender as demandas sociais, pela própria função do ordenamento jurídico.[1]

Já a interpretação histórica se traduz em “concepção hermenêutica pelo sentido e significados dos discursos no momento em que foram enunciados.”[1]

Na esteira desse raciocínio, vê-se ainda a possibilidade de se socorrer da interpretação autêntica, ou seja, o encontro da “justificativa, isto é, da exposição dos motivos pelos quais foi elaborado o diploma legal.”[1]

Há ainda que se atentar ao fato de que, na esfera tributária, o Código Tributário Nacional é incisivo ao estabelecer a necessária interpretação literal dos dispositivos que suspendem ou excluem o crédito tributário, bem como sobre a outorga de isenção e, por arrastamento, de benefícios tributários em geral:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Bom, passemos então para o dispositivo legal em análise (arts. 189 e 190 do Anexo 2 do RICMS):

Seção XXXIX

Do Complexo Industrial Naval de Santa Catarina

(Lei 10.297/96, art. 43)

Art. 189. Mediante regime especial, de competência do Secretário de Estado da Fazenda, poderá ser concedido à Complexo Industrial Naval e Atividades Correlatas que atenda aos requisitos previstos nesta Seção quaisquer dos tratamentos tributários referidos no art. 191.

Art. 190. Para os efeitos desta seção, entende-se por Complexo Industrial Naval e Atividades Correlatas o projeto empresarial composto por unidades e estabelecimentos que compreendam estaleiro destinado à construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações, tais como navios, plataformas, fixas ou flutuantes, módulos, partes, peças e demais equipamentos navais, empregáveis ou não em atividades de lavra, perfuração, exploração e pesquisa de petróleo ou de gás, bem como atividades complementares.

A se iniciar pela interpretação gramatical do dispositivo, a primeira pergunta reside na definição do que é um “complexo”, essa expressão é que dá azo ao título da Seção XXXIX do Anexo 2 do RICMS, seção em que é veiculado este benefício fiscal.

O dicionário Michaelis[2], aponta complexo como “Conjunto de coisas ou fatos, com ou sem relação entre si: ‘À parte essa hipótese absolutamente instável, porém, o certo é que um complexo de circunstâncias lhes tem dificultado regime contínuo, favorecendo flora mais vivaz’” e, mais especificamente, Complexo Industrial sendo o “conjunto de empresas de diversos ramos, num mesmo local, sob uma única administração.”

O dicionário Aulete[3] ensina que complexo é o “conjunto, reunião de várias coisas, elementos, circunstâncias etc., com algum tipo de relação entre si (complexo petroquímico): complexo de propostas, de circunstâncias.”

E quando se acessa a doutrina própria da área econômica ou de negócios, outra não é a definição, colhe-se em Hansenclever[4]:

Inicia com uma apresentação da evolução do conceito de empresa – de um objeto estático e reativo para um organismo em crescimento e expansão –, define os conceitos de mercado e indústria e termina mostrando que a unidade de análise dos estudos microeconômicos tem evoluído do atomismo – empresa – para as redes – complexo industrial –, mostrando a crescente interdependência entre os agentes econômicos no processo de produção industrial.

Por sua vez, Haguenauer et al.[5] esclarecem ainda:

Define-se, portanto, complexo industrial como um conjunto de indústrias que se articulam, de forma direta ou mediatizada, a partir de relações significativas de compra e venda de mercadorias a serem posteriormente reincorporadas e transformadas no processo de produção.

Historicamente, o benefício em tela foi acrescido ao RICMS por intermédio do Decreto nº 3.166, de 2010. Colhe-se da Exposição de Motivos nº 33, de 2010, assinada pelo Secretário de Estado da Fazenda[6] que:

A medida encontra fundamento no art. 43 da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, que autoriza o Poder Executivo, sempre que outro Estado ou o Distrito Federal conceda benefícios fiscais ou financeiros de que resulte redução ou eliminação, direta ou indiretamente, de ônus tributário, com inobservância do disposto em na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, a tomar as medidas necessárias para a proteção dos interesses da economia catarinense. Nesse sentido, cumpre informar que o Estado de Pernambuco concede benefício semelhante ao ora proposto (Decreto nº 29.592, de 24.08.2006, que dispõe sobre o Programa de Desenvolvimento da Indústria Naval e de Mecânica Pesada Associada ao Estado de Pernambuco – PRODINPE).

Para efeito de entendimento comparativo, o PRODINPE, benefício do Estado de Pernambuco, fundamenta-se na Lei de Pernambuco nº 12.710, de 2004, que assim dispõe (obs: as alterações em 2006 e 2008 não mudaram a essência do benefício):

Art. 1º Fica instituído o Programa de Desenvolvimento da Indústria Naval e de Mecânica Pesada Associada do Estado de Pernambuco – PRODINPE, com o objetivo de, mediante a concessão de incentivos fiscais, fomentar investimentos a partir da instalação neste Estado de estaleiro naval, viabilizando a construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações, plataformas, módulos e partes de plataformas.  (Lei 13.507/2008)

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se: (Lei 13.177/2006)

I - estaleiro naval: estabelecimento industrial voltado para a construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações e de plataformas ou respectivos módulos; (Lei 13.177/2006)

II - embarcação: estrutura flutuante destinada ao transporte de carga ou de pessoas; (Lei 13.177/2006)

III - plataforma: superfície plana e horizontal, flutuante ou submersível, sobre a qual podem ser assentados objetos pesados, destinada à lavra, perfuração, exploração e pesquisa de petróleo ou de gás. (Lei 13.177/2006)

E o Decreto pernambucano (nº 29.592, de 2006), ao regulamentar a referida lei, por sua vez dispõe:

Art. 7º Para os efeitos deste Decreto, considera-se estaleiro naval o estabelecimento industrial voltado para a construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações, tais como navios e plataformas destinadas à lavra, perfuração, exploração e pesquisa de petróleo ou de gás.

Nota-se, claramente que, apesar de baseado no benefício de Pernambuco, houve uma proposital troca das palavras na redação do dispositivo catarinense, onde se lia apenas “estaleiro naval” na legislação pernambucana, escreveu-se “Complexo Industrial Naval e Atividades Correlatas” na legislação catarinense.

E nossa legislação foi além, com o claro objetivo de restringir o alcance da benesse tributária, conceituou-se “Complexo” no art. 190 como “o projeto empresarial composto por unidades e estabelecimentos”. Aqui, faz-se presente uma clara escolha de palavras: veja, não optou o Estado em conceder a benesse apenas para o “projeto empresarial” nem para o projeto empresarial composto por unidade ou estabelecimento; de modo contrário, optou-se por conceituar projeto empresarial como o formado por “unidades e estabelecimentos”.

Dessa redação, colhe-se um dos objetivos da norma: a atração do investimento por intermédio da formação de um complexo naval dentro de Santa Catarina de modo a fomentar tal segmento e, simultaneamente, gerar 4 mil empregos diretos (a quantidade necessária de empregos diretos a se gerar foi posteriormente reduzida).

A partir da finalidade é que também decorrem as previsões do art. 193 do RICMS. Observando atentamente, percebe-se que o Regulamento não se ocupou de prever apenas o funcionamento, mas também no inciso I, a data de início das obras, ou seja, um benefício a ser interpretado a partir da possibilidade de gerar novos polos e complexos industriais navais em Santa Catarina.

O art. 193 do Anexo 2 do RICMS, assim dispõe:

Art. 193. A manutenção do tratamento tributário diferenciado previsto nesta Seção está condicionada à satisfação, pelo estabelecimento do Complexo Industrial, das seguintes condições:

I – início das obras de implantação de estaleiro junto ao complexo industrial no art. 190 dentro de 8 (oito) meses contados a partir da data da outorga da Licença Ambiental de Instalação;

II – início da operação de estaleiro componente do complexo industrial referido no art. 190, dentro de 36 (trinta e seis) meses contados a partir da data da outorga da Licença Ambiental de Operação;

III - geração de mil empregos diretos, neste Estado, no prazo de 36 (trinta e seis) meses a partir da data do início da operação do estaleiro de que trata o inciso II.

Há um encadeamento que conduz a uma sequência lógica para fruição do benefício, qual seja:

I – a obtenção do Tratamento Tributário Diferenciado;

II – o início das obras;

III – o início da operação; e

IV – a geração de mil empregos diretos.

Ou seja, a fruição do benefício é condicionada à realização dos investimentos para instalação neste Estado.

O arremate regulamentar se dá na redação do art. 194 do Anexo 2 que, expõe, justamente esses dois pontos necessários e verdadeiras pedras de toque do benefício:

Art. 194. O tratamento tributário diferenciado previsto nesta Seção vigorará pelo prazo previsto no regime especial, não inferior a 30 (trinta) anos, a partir de sua concessão, podendo ser prorrogado, por períodos iguais e sucessivos, em razão de novos investimentos ou da importância econômica adquirida pelo Complexo para o Estado.

Esses dois pontos, de forma minuciosa, são que a prorrogação dar-se-á apenas:

i) quando previstos novos investimentos; ou

ii) quando o Complexo tenha adquirido suficiente importância econômica para o Estado.

Quanto ao último ponto a ser esclarecido nesta Nota Técnica, a expressão “à construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações” deve ser entendida como una e integrante de uma só cadeia, ainda que o estabelecimento não atue efetivamente em todas as etapas, há de se perquirir se a atividade ordinariamente desempenhada pela empresa está dentro desse ciclo de possibilidades.

Isto é, na cadeia normal de operações, a embarcação é construída e posteriormente pode ser ampliada, reparada, modernizada ou transformada. Aqui tem-se a definição da destinação do estaleiro.

Esse é um único encadeamento e o que se deve perquirir na situação fática é se as atividades ordinárias do estabelecimento estão ou não insculpidas nesse fluxo. Exemplificando: uma empresa que, dentre várias atividades, também repara embarcações não se enquadraria no conceito por não ser estaleiro; todavia uma empresa apenas de reparação de barcos, se enquadraria no conceito de estaleiro.

É por esse motivo também que se ressalta novamente a imperiosa necessidade de que o empreendimento integre um complexo naval, ou seja, a necessidade de que esse estaleiro esteja dentro de um projeto maior, composto por outros estabelecimentos também destinados a este fim.

Por fim, a parte final do dispositivo, que trata dos objetos em que atua o estaleiro, ao fixar “tais como navios, plataformas, fixas ou flutuantes, módulos, partes, peças e demais equipamentos navais, empregáveis ou não em atividades de lavra, perfuração, exploração e pesquisa de petróleo ou de gás, bem como atividades complementares” é introduzido pela expressão “tais como”, claramente carregada de conceito exemplificativo, de modo que a atividade do complexo pode embarcar uma ou algumas das ali exemplificadas, bem como outras correlacionadas.

3. Conclusão

Desse modo, firma-se a conclusão de que:

a) o benefício não pode ser usufruído por uma única operação isolada, mas apenas quando existentes diversas unidades e estabelecimentos integrantes, relacionados e capazes de configurar a existência de um complexo industrial (projeto empresarial composto por unidades e estabelecimentos);

b) a destinação do estaleiro deve estar relacionada a uma das etapas do ciclo de vida das embarcações, qual seja, atuar tendo por finalidade a execução de algum dos procedimentos relacionados à construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações (destinado à construção, ampliação, reparo, modernização e transformação de embarcações);

c) o objeto em que atua o estaleiro (parte final do caput do art. 190 do Anexo 2 do RICMS) é rol exemplificativo, admitindo-se a atuação em qualquer daqueles objetos ou correlacionados àqueles (tais como navios, plataformas, fixas ou flutuantes, módulos, partes, peças e demais equipamentos navais, empregáveis ou não em atividades de lavra, perfuração, exploração e pesquisa de petróleo ou de gás, bem como atividades complementares); e

d) o benefício deve ser concedido antes da instalação do empreendimento, constituindo-se o investimento para implantação do estaleiro em requisito essencial para a concessão do benefício e a efetiva instalação do empreendimento em condição necessária para a manutenção do benefício.

À consideração superior.

GETRI, em Florianópolis, 19 de outubro de 2023.

Pedro Alves Izé

Auditor Fiscal da Receita Estadual

DE ACORDO. À apreciação do Diretor de Administração Tributária.

GETRI, em Florianópolis,

Fabiano Brito Queiroz de Oliveira

Gerente de Tributação

APROVO a proposta de Nota Técnica.

Encaminhe-se para as devidas providências.

DIAT, em Florianópolis,

Dilson Jiroo Takeyama

Diretor de Administração Tributária



[1] IAMUNDO, Eduardo. Hermenêutica e hermenêutica jurídica. Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547218065. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547218065/. Acesso em: 24 jul. 2023.

[2] Disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/complexo/

[3]  Disponível em https://aulete.com.br/complexo

[4] HANSENCLEVER, Lia. Economia Industrial - Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil. Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788595157194. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595157194/. Acesso em: 24 jul. 2023.

[5] HAGUENAUER, Lia. et al. Os complexos industriais na economia brasileira. Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1984.

[6] Exposição de Motivos nº 33, de 2010, que submeteu o Decreto nº 3.166, de 2010, à apreciação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.