ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

REVOGADA E SUBSTITUÍDA PELA NOTA TÉCNICA 01/2020Ato Diat nº 033/2020, art. 2º – Efeitos a partir de 29.09.20.

 

NOTA TÉCNICA N° 16/2017

 

 

Incidência do ITCMD na instituição e extinção de usufruto

 

1. Introdução

              Discute-se a incidência do imposto de transmissão no caso da instituição e extinção de usufruto sob a égide de leis distintas.

              É o caso do antigo Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, instituído pela Lei 3.933, de 26 de dezembro de 1966 e do atual Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, instituído originalmente pela Lei 7.540/1988 e, mais recentemente, disciplinado pela Lei 13.136/2004.

              O ITBI foi criado na vigência da Constituição Federal de 1967 e contemplava tanto as transmissões de bens imóveis “inter vivos” como as decorrentes de “causa mortis” e, nos casos de usufruto incidia integralmente por ocasião da sua instituição, conforme previa o inciso III, do artigo 1º.

              Com a Constituição Federal de 1988, o imposto cindiu-se em dois, ficando a transmissão onerosa na competência tributária dos Municípios e a transmissão não onerosa na competência dos Estados. No que se refere ao usufruto, até a vigência da Lei 7.540/1988, o ITCMD incidia integralmente na sua instituição. Com o advento da Lei 13.136/2004, passou a incidir sobre a metade do valor venal do imóvel na instituição desse direito real e a outra metade na sua extinção.

              A matéria foi tratada pela Comissão Permanente de Assuntos Tributários (Copat) na resposta à Consulta 60/2008 e, mais recentemente, na resposta à Consulta 83/2012.

              Porém, apesar do posicionamento pacífico da Copat, tendo em vista a permanência de posições divergentes entre os órgãos regionais, há necessidade de manifestação definitiva da Diat sobre a matéria, inclusive porque a divergência suscita incerteza junto aos oficiais dos cartórios de imóveis que se tornam solidariamente responsáveis pelo recolhimento do imposto nos atos em que intervierem, conforme art. 134, VI, do Código Tributário Nacional.

             

 

2. Usufruto como fato gerador do imposto de transmissão

              O fato gerador do imposto de transmissão, tanto no caso do ITBI como do ITCMD, abrange a transmissão de propriedade e de direitos reais sobre a propriedade.

              O direito de propriedade compreende os direitos de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem injustamente a detenha (Código Civil, art. 1.228). No caso de instituição de usufruto, o direito de propriedade se reparte, de modo que passa ao usufrutuário o direito “à posse, uso, administração e percepção dos frutos” (C.C., art. 1.394). O nu-proprietário detém a propriedade, mas despida de seus atributos (nua-propriedade). No momento em que cessar o usufruto, a propriedade reveste-se novamente de seus atributos, voltando a ser plena. No escólio de Marco Aurélio da Silva Viana, temos que o usufruto:

Como direito real, assegura ao titular a utilização da coisa alheia diretamente, com oponibilidade erga omnes. Necessariamente o usufrutuário terá a posse da coisa. Como direito temporário, ele, embora possa ser vitalício, não se prolonga além da vida do beneficiário. Extinto o usufruto, recompõe o domínio no seu titular”. É possível a cessão do seu exercício, mas não a do direito, que é intransmissível. Com a morte do usufrutuário cedente dá-se a extinção (VIANA, 2004, p. 616).

              Mais adiante, prossegue o mesmo autor (p. 671):

Quando as qualidades de usufrutuário e nu-proprietário são reunidas na mesma pessoa, têm-se a consolidação e a conseqüente extinção do usufruto. O vocábulo consolidação é empregado no sentido de confusão. Se o usufrutuário adquire a propriedade, ou o nu-proprietário o usufruto, volta ela a ser plena (Idem, p. 671).

              A doação com reserva de usufruto e a subsequente consolidação da propriedade, devida à morte do instituidor, devem ser consideradas de modo integrado. O doador usufrutuário detém a posse e a administração do bem e o direito de usar o bem e perceber os seus frutos. O donatário nu-proprietário detém apenas a nua-propriedade, ou seja, a propriedade sem qualquer dos seus atributos. Com a extinção do usufruto, esses atributos voltam a integrar a propriedade plena.

 

3. Tratamento tributário do usufruto

              Embora a instituição e a extinção do usufruto sejam considerados como fato gerador do imposto de transmissão, tanto na Lei 3.933/1966, como nas Leis 7.540/1988 e 13.136/2004, o tratamento tributário difere de uma para outra lei.      

3.1. O usufruto na Lei 3.933/1966

              Entre outras hipóteses, o art. 1º, III, da Lei 3.933/1966, previa como fato gerador do ITBI a “instituição de usufruto, convencional ou testamentário sobre bens imóveis e sua extinção, por consolidação, na pessoa do nu-proprietário”. Nos termos do art. 7º, V, a base de cálculo na instituição e na extinção do usufruto era o valor venal do imóvel usufruído.

 

 

3.2. O usufruto na Lei 7.540/1988

              Conforme art. 2º, II, o ITCMD teria como fato gerador a transmissão “causa mortis” ou a doação, a qualquer título, de direitos reais sobre bens imóveis. Já o art. 8º, I, previa que nu-proprietário estaria isento do pagamento do imposto na extinção do usufruto, quanto fosse o seu instituidor.

 

3.3. O usufruto na Lei 13.136/2004 

              O art. 2º, II, da Lei 13.136/2004 prevê a incidência do ITCMD sobre direitos reais sobre bens móveis e imóveis – que é o caso do usufruto. O § 2º do art. 7º dispõe que “na instituição e na extinção de direito real sobre bem móvel ou imóvel, bem como na transmissão da nua propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para 50% do valor venal do bem”.

 

4. Distinção entre o ITBI e o ITCMD

              Qual a distinção entre ITBI e ITCMD? Além dos nomes distintos e de terem sido instituídos por leis diferentes, os dois tributos apresentam as seguintes distinções: (i) o ITBI era um imposto dos Estados; (ii) com a Constituição de 1988 o imposto foi cindido em dois, cabendo aos Estados tributar a transmissão não onerosa, enquanto os Municípios passaram a tributar as transferências onerosas; (iii) enquanto o antigo ITBI incidia apenas sobre a transmissão de bens imóveis, o ITCMD passou a incidir também sobre a transmissão de bens móveis. Mas isso basta para caracterizar impostos completamente distintos ou há alguma superposição entre eles?

              Dispõe o art. 4º do CTN, “a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualifica-la (i) a denominação e demais características formais adotadas pela lei; (ii) a destinação legal do produto de sua arrecadação”. Ou seja, não interessa o nomen juris do tributo, mas a materialidade da sua hipótese de incidência.

              Ora, a instituição de usufruto e sua extinção era fato gerador do ITBI, com é fato gerador do ITCMD, tanto sob a égide da Lei 7.540/1988 como da Lei 13.136/2004. Se o fato gerador é o mesmo, então, nesse aspecto, a natureza jurídica específica de ambos os tributos é a mesma. Podemos dizer que há uma continuidade da imposição tributária ao longo do tempo. Estamos diante de uma mesma exação que adotou diferentes formas ao longo do tempo.

 

5. Tratamento do ITBI no direito intertemporal

              A aplicação do direito resulta da interação entre o fato e a norma contida no texto legal. Se o fato é o mesmo – no caso a instituição e extinção do usufruto – não se pode pretender tratar como se fossem fatos diferentes porque a lei é outra. “A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser)” (GRAU, 2002, p. 22).

              Então há uma historicidade na aplicação do direito. O fato ocorre em determinado momento o que lhe dá certa especificidade. “O texto normativo permanece mudo até que seja interrogado e seja trazido para o momento histórico definido diante do qual revelará todo o seu sentido” (PONTES, 2000, p. 17).

              Mas, no caso em tela, trata-se da aplicação sobre o mesmo fato, em sua concreção histórica, de diferentes textos normativos. O confronto entre diferentes textos tratando da mesma situação fática pode caracterizar um corte sincrónico ou diacrônico quando, nesse último caso se confrontam textos normativos de diferentes momentos no tempo. O método comparativo, pois, supõe o prévio estabelecimento de uma tipologia: “a comparação não é válida senão entre fatos do mesmo tipo, fatos de análoga estrutura” (PILATI, 2000, p. 23).

              Então, temos que os mesmos fatos – instituição e extinção do usufruto – vem recebendo diferentes tratamentos pela legislação vigente em diferentes momentos do tempo. Contudo, em qualquer hipótese, a mudança de legislação não poderia resultar em gravame maior que o exigível na vigência de uma ou outra lei. Assim, se a instituição e a extinção do usufruto tivessem se dado na vigência da Lei 3.933/1966 ou da Lei 7.540/88, o tributo seria exigido apenas por ocasião da consolidação da propriedade e seria equivalente à aplicação da alíquota sobre a respectiva base de cálculo (valor venal do bem doado).

              No caso de ter sido integralmente pago por ocasião da sua instituição, descaberia a exigência do imposto por ocasião da extinção do usufruto, pois os direitos da Fazenda Pública já teriam sido satisfeitos, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma, RE 83.855, DJU 1°/out/1976):

USUFRUTO DECORRENTE DE DOAÇÃO A TERCEIRO. COM A MORTE DA DONATARIA, EXTINGUE-SE O USUFRUTO E CONSOLIDA-SE A PROPRIEDADE NA PESSOA DO NU-PROPRIETARIO, NÃO SENDO DEVIDO O IMPOSTO DE TRANSMISSAO CAUSA MORTIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

              O aresto colacionado continua aplicável nos termos do direito vigente. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, art. 155, I, dá competência aos Estados para instituir imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. No caso em tela, a legislação estadual considera como fatos distintos a transmissão da propriedade e a instituição do usufruto que é um direito real sobre a propriedade. Com a morte do usufrutuário, nos termos da lei civil, não se dá uma “transmissão do usufruto”, mas a extinção do direito real, recompondo-se a propriedade plena. Ora, o art. 110 do CTN veda alterar o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados para definir ou limitar competências tributárias.

              A lei nova – Lei 13.136/2004 – exige metade do imposto na instituição do usufruto e metade na sua extinção. Se o contribuinte já recolheu a integralidade da exação, nos termos da lei antiga, o direito da Fazenda já foi satisfeito pelo sujeito passivo, nada mais podendo ser-lhe exigido.

              Com efeito, na hipótese de tanto a instituição como a extinção do usufruto ocorrer na vigência da Lei 13.136/2004, o imposto seria devido em ambas as ocasiões, calculado sobre base de cálculo reduzida, conforme art. 7°, § 2° (“na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para cinquenta por cento do valor venal do bem”).

              Porém, se o imposto – não interessa se o nomen juris for ITI, ITBI ou ITCMD – tiver sido pago integralmente no momento da instituição do direito real, não poderia ser-lhe exigido o recolhimento de mais 50%, por ocasião da extinção, pois corresponderia a um gravame tributário maior do que seria suportado na hipótese de tanto a transmissão da nua-propriedade como a sua recomposição ocorrerem na vigência da mesma lei. Tal exigência contrariaria o princípio da isonomia, insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal, que proíbe instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Com efeito, a diferença de tratamento tributário não decorreria da situação do próprio sujeito passivo, mas apenas da circunstância de a instituição do usufruto (transmissão da nua-propriedade) ter ocorrido na vigência de uma lei e a sua extinção (consolidação da propriedade plena) ter ocorrido na vigência de outra lei.

 

6. Conclusão

              À evidência, não se poderia, devido a uma interpretação demasiado literal do texto normativo, exigir do contribuinte 150% do imposto previsto. Em outros termos, se o crédito tributário já estava integralmente satisfeito, nos termos da Lei 3.933/1966 ou da Lei 7.540/1988, sobre o mesmo fato gerador – instituição de usufruto – nada mais seria devido a título de ITBI ou de ITCMD.

              Conforme boa e velha regra de hermenêutica, casos semelhantes devem receber o mesmo tratamento. Independentemente das diferenças entre o ITBI e o ITCMD, as semelhanças nesse particular são patentes: ambas as leis consideram fato gerador a instituição de usufruto e sua extinção. Em ambos os casos, se a obrigação tributária correspondente houver sido integralmente satisfeita, nos termos da lei então vigente, qualquer outro valor exigido com base na lei nova poderia caracterizar crime de excesso de exação, previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal: exigir tributo que sabe ou deveria saber indevido.

Bibliografia citada

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

PILATI, José Isaac. Teoria e Prática do Direito Comparado. Florianópolis: OAB/SC, 2000.

PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo: Dialética, 2000.

VIANA, Marco Aurélio da Silva. Comentário ao Novo Código Civil, volume XVI: dos direitos reais, coordenado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 616.

 

Getri, em Florianópolis, 31 de julho de 2017

 

           Velocino Pacheco Filho                                           Amery Moisés Nadir Júnior

           AFRE – mat. 184244-7                                                Gerente de Tributação