ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

 

NOTA TÉCNICA N° 008/2012

 

O procedimento de desconsideração do negócio jurídico.

 

 

 

1. Considerações iniciais:

              O parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional tem provocado polêmica desde sua introdução pela Lei Complementar 104/2001.

              Concebido como norma geral anti-elisiva, o dispositivo trata de acompanhar as novas tendências mundiais relativamente ao planejamento tributário e à revisão de uma interpretação demasiado individualista do direito. Com efeito, o exercício dos direitos individuais passou a ser relativizado, em função do princípio da solidariedade.

              A Constituição de 1988, saudada como a “Constituição-Cidadã”, se, por um lado, garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII), por outro diz que “a propriedade atenderá a sua função social” (XXIII).

              Procurando manter uma posição ideológica eqüidistante, entre o liberalismo e o socialismo, a Constituição da República Federativa do Brasil declara expressamente que o primeiro de seus objetivos fundamentais (art. 3º, I) é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

              É justamente o princípio da solidariedade social que inspirou a adoção de uma norma geral anti-elisiva, de modo que não basta o planejamento tributário consistir em atos lícitos, mas tais atos devem ter sua justificativa no próprio negócio e não visar exclusivamente à supressão ou redução de tributos.

              Se no moderno estado democrático de direito, todos devem contribuir para o financiamento do setor público, na medida da capacidade contributiva de cada um, o planejamento tributário, principalmente quando acessível somente a quem detenha o poder econômico, constitui fator de frustração desse objetivo.

              A rejeição, pelo Congresso Nacional, da falta de propósito negocial e do abuso de forma de direito, na conversão da MP 66/2002, esvaziou, no plano federal, o parágrafo único do art. 116 de seu conteúdo anti-elisivo.

              Em Santa Catarina, no entanto, o art. 20-A da Lei 3.938/66, acrescido pela Lei 13.441/05, estabeleceu os procedimentos a serem observados na desconsideração de ato ou negócio jurídico pelo Fisco estadual. Por conseguinte, a norma anti-elisiva está em pleno vigor em Santa Catarina. Trataremos a seguir da aplicação dessa norma em nosso Estado.

 

2. Planejamento tributário e norma anti-elisiva:

              Se ao Estado, para atingir suas finalidades, é considerado legítimo avançar sobre o patrimônio dos cidadãos, também é considerada legítima a resistência oposta pelos cidadãos à pretensão impositiva do Estado. Quando essa resistência utiliza meios lícitos (não contrários à lei), estamos diante do fenômeno da elisão fiscal, o que delimita o campo de atuação do chamado “planejamento tributário”. De acordo com Elcio Fonseca Reis (Princípios da Liberdade e da Solidariedade: por uma Interpretação Adequada ao Instituto do Planejamento Tributário. RDDT 99: 39):

              “O princípio da liberdade inerente ao Estado de Direito e também presente no Estado Democrático de Direito norteia toda a idéia de planejamento tributário ou de elisão fiscal, na medida em que, com apoio neste princípio, sustenta-se o direito das empresas e dos cidadãos de se auto-organizarem através da adoção de negócios jurídicos que permitam a redução da carga tributária”.

              A elisão fiscal distingue-se da evasão porque nesta última o fato gerador da obrigação tributária efetivamente ocorre, mas é ocultado ou dissimulado, com o uso de meios ilícitos. Enquanto no caso da elisão, o contribuinte, utilizando meios lícitos procura evitar a ocorrência do fato gerador ou alterar um ou mais aspectos da hipótese de incidência tributária.

              Mas, quando falamos de “norma anti-elisiva”, estamos trazendo para o campo da ilicitude negócios jurídicos previstos na legislação como lícitos em situações ordinárias. A ilicitude, nesse caso, consistiria exatamente no seu uso para descaracterizar o fato gerador da obrigação tributária ou alterar algum de seus aspectos (“elusão” fiscal). Conforme magistério de Renato Lopes Becho (O planejamento tributário na doutrina tradicional. RDDT 176: 136), “o Estado, trabalhando sobre o planejamento tributário, procura desenvolver duas vertentes: considerar as práticas do administrado como ilícitas (contrárias ao direito) e/ou combater o planejamento tributário, ainda que lícito (mas lesivo aos interesses arrecadatórios do Fisco)”.

              Discorrendo sobre a teoria do abuso de direito, leciona João Dácio Rolin (Normas Antielisivas Tributárias. São Paulo: Dialética, 2001, p. 191) que “autoriza o fisco a desconsiderar todos os atos que dissimulem o conteúdo real de um contrato, com o objetivo de afastar a imposição tributária que seria normalmente devida”. Acrescenta o mesmo autor:

              “... duas concepções de abuso de direito surgiram: a primeira relativamente à suposição de uma “falsa aparência jurídica” voluntariamente criada pelo contribuinte ....; a segunda, de acordo com a qual seria abuso de direito toda convenção que, embora real, tivesse como único objetivo reduzir a carga fiscal, mesmo na ausência de uma simulação”.

              O que está em discussão é exatamente a oposição entre individualismo e solidariedade. O Estado moderno tem na tributação sua principal fonte de financiamento para a consecução de seus objetivos institucionais (a realização do bem comum). Se em tempos idos o Estado era financiado pelas rendas patrimoniais do príncipe, hoje consideramos que constitui dever da cidadania contribuir para o financiamento do Estado, na medida da capacidade contributiva de cada um.

              Tratando do direito de resistir ao pagamento de tributos, leciona Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 195) que “um direito absoluto e incontrastável no seu exercício é figura que repugna à experiência moderna de convívio em sociedade, fundamentalmente informada pelo princípio da solidariedade social e não pelo individualismo”. Nessa ótica, a tributação “não pode mais ser vista como simples agressão ao patrimônio individual, mas como instrumento ligado ao princípio da solidariedade social” (idem, p. 200).

              Por derradeiro, trazemos o escólio de Aurélio Pitanga Seixas Filho (A Interpretação Econômica no Direito Tributário, a Lei Complementar n° 104/2001 e os Limites do Planejamento Tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coordenador). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 19):

              “O planejamento tributário na medida em que tem sua licitude no uso de formas alternativas ou indiretas que representem realmente o fenômeno econômico praticado, tem seu limite, entretanto, na falta de equivalência entre o fato praticado e o seu registro jurídico, o que configura o artifício dissimulador usado para disfarçar ou camuflar o verdadeiro e real ato praticado”.

 

3. O parágrafo único do art. 116 do CTN:

              A assim chamada “norma antielisiva” foi introduzida pela Lei Complementar 104, de 2001, que acrescentou parágrafo único ao art. 116 do CTN, do seguinte teor:

              “Art. 116. .....................................

              Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

              Analisando o dispositivo, podemos destacar os seguintes pontos:

              a) a desconsideração de atos ou negócios jurídicos passa a ser feita pela autoridade administrativa e não apenas pelo Poder Judiciário;

              b) a desconsideração alcança apenas a dissimulação da ocorrência do fato gerador do tributo ou da natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária; e

              c) trata-se de norma de eficácia limitada, dependendo da edição de lei ordinária que estabeleça os procedimentos para a desconsideração do ato ou negócio jurídico – enquanto não editada a lei ordinária, o Fisco fica impedido de proceder à desconsideração de ato ou negócio jurídico.

              Cada pessoa jurídica dotada de poder de tributar deverá editar a sua própria lei ordinária estabelecendo o procedimento para a desconsideração. Se fosse o caso de uma única lei que obrigasse União, Estados, Distrito Federal e Municípios, deveria ser lei complementar, a teor do art. 146 da Constituição da República.

              Com vistas a dar eficácia ao parágrafo único do art. 116 do CTN, a União editou a Medida Provisória 66, de 9 de agosto de 2002, cujo art. 14 dispunha que “são passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. O § 1º do artigo determinava que deveriam ser levados em conta, para a desconsideração de ato ou negócio jurídico (i) a falta de propósito negocial e (ii) o abuso de forma. Acrescentava o § 2º que seria indicativo da falta de propósito negocial “a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato”.

              Entretanto, os arts. 13 e 14 da MP 66/2002 não foram incluídos na respectiva lei de conversão, a Lei 10.637/2002. Ou seja, o Congresso Nacional não sufragou a tese de que estariam compreendidas na norma do parágrafo único do art. 116 do CTN as hipóteses de falta de propósito negocial ou de abuso de forma de direito.

 

3.1. Conceito de dissimulação:

              Dispõe o art. 167 do Código Civil que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. O direito privado distingue, pois, entre simulação e dissimulação. Na simulação não existe negócio jurídico, apenas sua aparência. Mas na dissimulação existe um negócio jurídico que é ocultado (dissimulado) sob a aparência de outro. A dissimulação também é chamada de simulação relativa.

              Diz o § 1º desse artigo que “haverá simulação nos negócios jurídicos quando (i) aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem; (ii) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; (iii) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”.

              Conforme Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Jr. (Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 258), a simulação “consiste na celebração de um negócio jurídico que tem a aparência de normal, mas que não objetiva o resultado que dele juridicamente se espera, pois há manifestação enganosa da vontade”. Isto por que “o propósito daqueles que simulam o negócio jurídico e estão em concerto prévio, é enganar terceiros estranhos ao negócio jurídico ou fraudar a lei”. Ressaltam os autores que “a intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada é a característica fundamental do negócio jurídico simulado”.

              A seu turno, leciona Alberto Xavier (Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 52) que “a simulação é um caso de divergência entre a vontade (vontade real) e a declaração (vontade declarada, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros”. Sintetiza esse autor que os elementos essenciais da simulação são “(i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) o acordo simulatório (pacto simulationis); (iii) o intuito de enganar terceiros”.

              Nos interessa a simulação em que o terceiro, vítima da simulação ou dissimulação, é o Fisco. Nesse caso, a simulação visa a ocultação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, mediante a aparência de negócio diverso, não sujeito à tributação, com o fim de não recolher o tributo devido. A esse propósito, leciona Attila de Souza Leão Andrade Jr (Comentários ao Novo Código Civil. Parte Geral, vol I (arts. 1º a 232), Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 236): “Muitas das simulações nos negócios jurídicos no Brasil ocorrem visando a produção ou ocultação dos efeitos tributários não desejados pelas partes”.

              Conclui o tratadista que “com a tese da nulidade e do ressuscitar do negócio ‘real’, que foi oculto pela simulação, o grande ganhador foi exatamente o Fisco, porque poderá assim mais facilmente desvendar o verdadeiro negócio que as partes ocultaram pelo simulacro, para aí mais facilmente determinar o fato gerador da obrigação tributária e, conseqüentemente, a tributação sonegada pelas partes por via da simulação”.

              No campo tributário, a dissimulação deve envolver o fato gerador da obrigação do tributo: existe um ato ou negócio jurídico que constitui fato gerador do tributo, mas que foi dissimulado aparentando tratar-se de outro ato ou negócio que não é tributável. O ato ou negócio jurídico, a teor do parágrafo único do art. 116 do CTN, deve ter a “finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”.

              “A simulação fiscal é aquela que ocorre quando a finalidade consiste em prejudicar o Fisco, enquanto terceiro na operação” (Alberto Xavier, op. cit. p. 53).

 

3.2. O abuso de forma de direito, falta de propósito negocial e outras coisas:

              O § 1º do art. 14 da MP 66/2002 relacionava expressamente a desconsideração de ato ou negócio jurídico à falta de propósito negocial e ao abuso de forma. Considera-se que não há propósito negocial no ato que não revele relevância financeira, atendendo apenas à reduzir ou suprimir o ônus tributário. O § 2º do artigo citado dispunha que seria indicativo da falta de propósito negocial “a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato”. Ou seja, havendo mais de um modo de atingir determinado objetivo, a opção pelo menos adequado, mas que represente economia de tributo, estaria caracterizado a falta de propósito negocial (lack of business purpose).

              Já o abuso de direito foi incorporado ao Código Civil, no art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Aqui, mais uma vez, podemos identificar a relação dialética entre individualismo e solidariedade: a autonomia da vontade deve ser temperada pelo interesse coletivo. O ordenamento jurídico não mais admite direitos absolutos. O exercício de um direito (legítimo) torna-se abusivo quando o seu titular viola valores albergados pelo ordenamento.

              Mas, como leciona Humberto Theodoro Júnior (Comentários ao Novo Código Civil (coord. por Sálvio de Figueiredo Teixeira), Vol. III, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 118):

              “Em nosso ordenamento jurídico, é o elemento intencional, consistente no animus nocendi (intenção de prejudicar que provoca a transformação de um direito em ato ilícito), ou pelo menos o elemento subjetivo culpa lato sensu”.

              Acrescenta o mesmo autor:

              “Historicamente, a teoria do abuso de direito surgiu num momento em que se combatia a idéia de direitos absolutos. O que se queria, então, era demonstrar que nenhum direito pode ser visto como ilimitado, de sorte que, quando o titular agisse de forma a ultrapassar os limites de seu direito subjetivo, entraria no terreno da ilicitude” (idem, p. 119).

              Quanto ao abuso de formas do direito, ocorre quando empregadas formas anormais ou impróprias à finalidade declarada, com o intuito de impedir a incidência da norma tributária que incidiria se empregada a forma normal. Conforme magistério de Alberto Xavier (Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 91):

              “O conceito de ‘abuso de formas’, tal como surgiu no direito alemão, não se refere ao instituto do abuso de direito, de raiz francesa, mas ao fenômeno que ocorre quando se utiliza um tipo ou modelo negocial (denominado impropriamente ‘forma’), não para realizar a sua causa-função típica, mas para atingir fins que não se harmonizam com aquela causa (como sucede nos negócios indiretos) ou quando a causa-função típica é um meio que excede ao fins a que as partes visam (como sucede nos negócios fiduciários).

              É precisamente à inusualidade, anormalidade, artificialidade, atipicidade ou inadequação (Unangemessenheit) do negócio empregado que pretende aludir o conceito de ‘abuso de forma’”.

              Douglas Yamashita, por outro lado, entende perfeitamente aplicável ao direito tributário a teoria do abuso de direito, precisamente por se tratar a violação a um princípio (Incorporação às Avessas: revisitando limites legais e jurisprudenciais ao planejamento tributário. RDDT 131: 7). Leciona esse autor:

            “... da combinação do art. 187 do CC/2002 com o art. 116, parágrafo único, do CTN resulta que um ‘abuso dissimulatório’ consiste num ilícito atípico, em que o exercício de um direito subjetivo, prima facie, torna-se proibido e abusivo no caso concreto por exceder, isto é, violar manifestamente o fim econômico ou social determinado por um princípio jurídico subjacente às regras do direito subjetivo”.

              Conceitos afins, seriam o de fraude à lei (observação da letra da lei, mas para alcançar um fim contrário ao espírito da lei), o negócio jurídico indireto (celebrado para atingir fim diverso ao que tipicamente se presta) e o ato anormal de gestão (que estabelece relações econômicas não equitativas em desfavor do contribuinte).

              Com efeito, cabem dentro do conceito de dissimulação, tanto o ato praticado com falta de propósito negocial quanto o celebrado com abuso de formas do direito. Aparentemente, a intenção do legislador foi realmente criar uma norma geral antielisiva, ao introduzir no texto do CTN, o parágrafo único do art. 116. É o que registra João Dácio Rolim e Paulo Rosemblat  (Dez Anos da Norma Antielisiva no Brasil. RDDT 197: 83):

              “Na Exposição de Motivos da LC nº 104, a norma antielisão seria “um instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito”. É, pois, norma geral antielisiva (e não antievasiva ou antissimulação), cujo escopo é o abuso de direito, tão comum em vários sistemas”.

              Acrescentam os mesmos autores:

              “A cláusula geral antielisiva da LC nº 104, baseada no abuso de direito, deve ter como requisitos a ausência de propósito negocial (finalidade econômica principal ou única a obtenção de uma vantagem fiscal), e a manifesta artificialidade da operação. Não é uma regra baseada na substância sobre a forma, a qual, em geral, usa da analogia para afastar a forma eleita pelo contribuinte para adequar a operação aos fins econômicos pretendidos pelo Fisco”.

              Contudo, o conteúdo de norma antielisiva geral do parágrafo único do art. 116 do CTN não restou confirmado quando da conversão em lei da Medida Provisória 66/2002 que deixou de fora os arts. 13 e 14 que justamente tratavam da falta de propósito negocial e do abuso de formas de direito. A desconsideração ficaria, portanto, restrita às hipóteses em que a dissimulação configurasse ato ilícito.

 

3.3. Dissimulação total e parcial:

              Ainda conforme Alberto Xavier (op. cit. p. 55), a simulação relativa ou dissimulação pode ser total ou parcial. A dissimulação “é total se o ato jurídico simulado e o dissimulado pertencem a tipos negociais distintos, como o mútuo e o depósito, a venda e a doação; é parcial se, muito embora o ato simulado e o dissimulado pertençam ao mesmo tipo negocial, divergem apenas num dos seus elementos, como é o clássico da simulação de preço. Tanto o contrato simulado como o dissimulado têm a natureza de compra e venda do mesmo objeto, ocorrendo a divergência apenas quanto ao preço, pela qual o preço declarado não corresponde ao preço efetivamente pactuado entre as partes”.

              Ocorre ainda simulação relativa, segundo o mesmo autor (ibidem) no “caso da simulação subjetiva ou interposição fictícia de pessoas, previsto no art. 102 do Código Civil, quando se refere aos atos jurídicos que aparentam conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem, realmente, se conferem ou transmitem”.

              “Nestes casos, existem dois atos jurídicos (o simulado e o dissimulado) pertencentes ao mesmo tipo negocial, pelo que a simulação incide não sobre a natureza do negócio ou sobre o seu valor, mas sobre o elemento subjetivo, visto a pessoa a quem realmente interessa o negócio dissimulado, corresponde à vontade real, não ser a que figura de modo ostensivo no negócio simulado”.

            O parágrafo único do art. 116 do CTN trata ainda da “dissimulação da natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. Sustenta o mesmo autor que a expressão “deve ser interpretada em sentido amplo, de modo a abranger a ocorrência do fenômeno simulatório em qualquer elemento da obrigação, de modo a que a expressão “natureza” abranja não apenas a sua qualificação jurídica, mas qualquer aspecto relevante da sua identidade” (idem, p. 58).

 

3.4. Simulação relativa (dissimulação) ou simulação absoluta?

              O parágrafo único do art. 116 do CTN faz referência expressa à “dissimulação” ou simulação relativa, ou seja, quando existe um negócio real (dissimulado) e a simulação de outro negócio que não tem existência real, apenas aparenta existir. Estaria, assim, excluída a simulação propriamente dita ou simulação absoluta – quando se aparenta existir um negócio que na realidade não existe.

              Em termos fiscais, o negócio simulado não seria tributado ou estaria sujeito a tributação menor, enquanto o negócio dissimulado estaria sujeito à tributação.

              No entanto, Alberto Xavier concebe a possibilidade de simulação absoluta em matéria tributária. Conforme esse autor “no que concerne ao fato gerador, a simulação é necessariamente relativa, uma vez que a vontade real das partes é a realização do ato ou negócio jurídico tipificado na lei como fato constitutivo da obrigação tributária” (op. cit. p. 56).

              Contudo, “no que concerne à base de cálculo a simulação tanto pode ser relativa quanto absoluta, visando a redução ou anulação do aspecto quantitativo da obrigação tributária” (idem, p. 57). “Constituem casos de simulação absoluta a realização de atos ou negócios aparentes com a finalidade de reduzir ou neutralizar a base de cálculo do tributo, criando uma obrigação aparente, à qual não subjaz nenhuma operação real”. Seria o caso da simulação de uma entrada fictícia de mercadorias para gerar crédito do imposto ou da simulação de benefícios fiscais que não existem.

 

4. Procedimento de desconsideração do negócio jurídico na legislação catarinense:

              A desconsideração de ato ou negócio jurídico, prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, depende do ente tributante (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) editar lei ordinária estabelecendo os procedimentos a serem observados pelas autoridades fazendárias.

              No caso catarinense, a Lei 13.441/05 acrescentou o art. 20-A à Lei 3.938/66 disciplinando o procedimento de desconsideração de ato ou negócio jurídico praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

              Conforme leciona Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 193), “na medida em que a simulação passa a ser vista como vício da causa ou do motivo do negócio jurídico, esta se configura sempre que houver discrepância entre o motivo aparente e o motivo real ou entre a causa do negócio e o perfil que ele apresenta”.

              Uma vez identificada a dissimulação, a autoridade fiscalizadora deve proceder à desconsideração do ato ou negócio jurídico, compreendendo a desqualificação do negócio jurídico (o negócio simulado) e a sua requalificação (reconhecendo o negócio dissimulado), como procedimento preparatório para o lançamento.

 

4.1. A representação da autoridade lançadora:

              O § 1º do art. 20-A dispõe que o procedimento de desconsideração de ato ou negócio jurídico é inaugurado com a representação da autoridade fazendária ao Diretor de Administração Fazendária (Diat), compreendendo:

              a) relatório circunstanciado do procedimento do sujeito passivo (“ato ou negócio jurídico praticado”);

              b) demonstração de que se trata de simulação e qual o ato ou negócio dissimulado;

              d) elementos de prova colacionados que demonstrem a simulação/dissimulação.

              A representação, entretanto, depende de já haver procedimento fiscalizatório em curso, quer dizer, a desconsideração de ato ou negócio jurídico não pode ser o ato inicial da fiscalização.

              Embora a iniciativa da desconsideração de ato ou negócio jurídico seja da autoridade fiscal, compete ao Diretor de Administração Tributária declarar a desconsideração, depois de confrontar os argumentos e provas apresentados pela autoridade fiscal e pelo sujeito passivo.

              Em princípio, o ato ou negócio jurídico é aquele declarado pelo sujeito passivo. Cabe ao Fisco demonstrar que se trata de simulação e que o ato ou negócio realmente praticado é outro. Por isso, a representação da autoridade fiscal reveste-se de importância fundamental para a devida caracterização da dissimulação.       

 

4.2. Caracterização e prova da dissimulação:

              A prova da dissimulação é ônus do Fisco. A presunção, juris tantum, é que o ato ou negócio declarado pelo sujeito passivo é o verdadeiro. Se o Fisco afirma que há dissimulação, incumbe-lhe a produção da prova. “A produção da prova de um fato torna-se ônus para a parte que tem interesse na sua afirmação” (Francesco Carnelutti, Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 541). A esse propósito, leciona Alberto Xavier (op. cit. p. 75):

              “Ao Fisco compete o dever de prova da simulação, socorrendo-se de todos os meios instrutórios disponíveis, desde documentos das partes (em especial as “contra declarações”, contre lettres, cartas de ressalva, reservas, side letters), a depoimentos de terceiros, a presunções simples ou ad hominis, suficientes para demonstrar a verdade material quanto à existência de uma divergência entre a verdade real e a verdade declarada e de seus motivos”.

              O art. 212 da Lei 10.406/2002 (Código Civil) relaciona os meios admissíveis como prova dos fatos jurídicos: (i) confissão, (ii) documento, (iii) testemunha, (iv) presunção e (v) perícia.

              Em sede de processo administrativo, a prova é principalmente documental. Mesmo a confissão e o testemunho devem ser reduzidos a termo.

              O art. 219 do CC dispõe que as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Porém, estabelece o parágrafo único, se não tiver relação direta com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade de prová-las.

              Os livros e fichas dos empresários e sociedades, dispõe o art. 226, provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.

              Por outro lado, o art. 334, IV, da Lei 5.869/1973 (Código de Processo Civil) dispõe que não depende de prova os fatos “em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”. Sendo a presunção relativa (juris tantum), pode ser ilidida por prova inequívoca a cargo do sujeito passivo. A presunção relativa inverte o ônus da prova. Já o art. 364 dispõe que “o documento público faz prova não só de sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.

              Enfim, nas palavras de Carnelutti (op. cit. p. 521), as provas são “um equivalente sensível do fato para uma avaliação, no sentido de que proporcionam ao avaliador uma percepção mediante a qual lhe é possível adquirir o conhecimento desse fato”.

              Maria Rita Ferragut (Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 45) examina o termo “prova” no sentido de (i) meio de prova, (ii) ação de provar e (iii) fenômeno pricológico:

              “Como meio de prova é o enunciado passível de ser produzido pelas partes, que tem por conteúdo a ocorrência ou inocorrência de um determinado acontecimento. É o instrumento material de comprovação da existência de algo, como, por exemplo, a verificação judicial, a perícia, a confissão, a prova testemunhal, a documental e a indiciária. É, em última análise, a representação em linguagem competente, dos eventos ocorridos no mundo fenomênico”.

              “Como ação de provar, constitui-se no direito de comprovar a ocorrência de um evento, que a princípio é ônus de quem alega o fato objeto da prova. Provar, nesse sentido, é o ato de demonstrar que ocorreu ou deixou de ocorrer determinado evento”.

              “Finalmente, como fenômeno psicológico, é a convicção acerca da existência de certos fatos sobre os quais recairá o pronunciamento do aplicador do direito. Nesse sentido, existirá ou não a prova. A resposta negativa não significa a inexistência de enunciados produzidos no processo (meios de prova), tampouco que os litigantes não os tenham produzido (ação de provar), mas somente que esses elementos são insuficientes para determinar a convicção e certeza do aplicador”.

              Por sua vez, leciona Fabiana Del Padre Tomé (A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 84) que “integram o conceito de demonstração quaisquer recursos capazes de atestar a veracidade de um fato. Engloba desde as demonstrações lógico-matemáticas em processos inferenciais até as hipóteses de argumento retoricamente produzido, de modo que toda análise e alegação, quando voltadas ao convencimento do destinatário acerca da certificação de um fato, são qualificáveis como prova”.

              Por fim, devemos tratar da prova ilícita. O art. 5º, LVI, da Constituição Federal, dispõe que “são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O conteúdo do preceito, explica Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª e. São Paulo: Atlas, 2003, p. 373): “A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova”.

              A prova ilícita, acrescenta o mesmo autor, não anula o processo (ou procedimento), mas é considerada imprestável para o convencimento do aplicador do direito, que deverá ater-se às demais provas constantes dos autos. A nulidade da prova obtida por meios ilícitos, por outro lado, contamina as provas derivadas, obtidas em razão da prova ilícita.

 

4.3. O direito ao contraditório: os esclarecimentos do sujeito passivo:

              O § 2º do art. 20-A da Lei 3.938/66 dispõe que “o sujeito passivo deverá ser intimado para, no prazo de trinta dias, apresentar os esclarecimentos e provas que julgar necessários”.

              O dispositivo vem ao encontro das garantias do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal, albergados nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição da República. Com efeito, determina o inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O inciso LIV, por sua vez, diz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

              Conforme autorizado magistério de José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 157): “A essência processual do contraditório se identifica com a regra audiat altera pars, que significa que a cada litigante deve ser dada ciência dos atos praticados pelo contendor, para serem contrariados e refutados”. Por isso que a sonegação, pela autoridade administrativa, de informações sobre os elementos probatórios de que dispõe, ou seu fornecimento insuficiente ou a destempo, pode caracterizar cerceamento do direito de defesa e, conseqüentemente, a nulidade do procedimento fiscal.

              Salienta ainda James Marins (Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 180) que:

              “Assiste ao particular o direito de ser comunicado formalmente sempre que houver qualquer atividade administrativa que se refira à sua esfera de interesse jurídico, de modo a que se dê integral cumprimento ao princípio da cientificação. Deve ser tido como inválido, e portanto, insuscetível de amparar o lançamento fiscal todo procedimento fiscalizatório ou apuratório realizado sem conhecimento do contribuinte”.

              Por conseguinte, “não é lícito à administração, no âmbito processual, produzir informações, argumentos ou elementos de fato ou de direito, sem que seja concedida ao contribuinte a oportunidade de se manifestar” (idem, p. 189). Mas, se a parte não exercer o seu direito de se manifestar, este “transmuda-se em ônus para o contribuinte”.

              No tocante ao devido processo legal, ensina Eduardo Arruda Alvim (Direito Processual Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.114) que passou a ser entendido “não apenas como simples garantia de um processo ordenado, mas como compreensivo do direito à prévia citação para a ação e oportunidade de defesa. Passou-se a entender, igualmente, como compreendida no alcance semântico do princípio a idéia de que ninguém poderia ser preso sem justa causa”.

              O devido processo legal passou, assim, a ser compreendido como um super princípio que compreenderia os demais princípios informadores do processo. Desse modo, todos os “atos normativos, quer os legislativos ou os administrativos, que ferissem direitos fundamentais, ofenderiam, ipso facto, o devido processo legal” (idem, p. 115).

 

4.4. O despacho fundamentado do Diat como pressuposto preparatório indispensável para o lançamento:

              O § 3º do art. 20-A da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, dispõe que “a desconsideração do ato ou negócio jurídico será declarada, se for o caso, em despacho fundamentado do Diretor de Administração Tributária que deverá acompanhar a Notificação Fiscal”.

              Se a iniciativa de propor a desconsideração de ato ou negócio jurídico é do auditor fiscal, no curso de procedimento de fiscalização já instaurado, a decisão cabe ao Diretor de Administração Tributária que sopesando os argumentos e elementos probatórios colacionados pelo auditor fiscal e a contestação do sujeito passivo forma a sua convicção. A representação da autoridade fiscal e a contestação do sujeito passivo caracteriza já o litígio, cessando a fase meramente procedimental e iniciando a fase processual. Foi justamente essa perspectiva processual que inspirou o legislador a atribuir à autoridade hierarquicamente superior a competência para desconsiderar o ato ou negócio jurídico.

              Em segundo lugar, o despacho do Diretor de Administração Tributária deve ser fundamentado, ou seja, dando as razões de fato e de direito que formaram o seu convencimento. No escólio de Alberto Xavier (op. cit. p. 76): “Um pressuposto do direito de ampla defesa, do princípio do contraditório e do direito de acesso ao Poder Judiciário consiste no dever de fundamentação expressa dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legítimos dos particulares”.

              Finalmente, o despacho do Diretor de Administração Tributária “deve acompanhar a Notificação Fiscal”, ou seja, constitui pressuposto para o lançamento, sem o qual não pode ser constituído o crédito tributário. Trata-se de requisito procedimental que, na lição de Celso Antonio Bandeira De Mello (Curso de Direito Administrativo 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 376), “são os atos que devem, por imposição normativa, preceder a um determinado ato. Consistem em outros atos jurídicos, produzidos pela própria Administração ou por um particular, sem os quais um certo ato não pode ser praticado”.

 

5. Dissimulação e crime contra a ordem tributária:

              A desconsideração de ato ou negócio jurídico pelo Fisco restringe-se à dissimulação da “ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. Em outras palavras, deve ter por fim a supressão ou redução de tributo. Se a simulação ou dissimulação não resultar em supressão ou redução  de tributo, o Fisco não teria interesse na desconsideração do ato ou negócio jurídico.

              Os crimes contra a ordem tributária estão previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. O art. 1º considera crime suprimir ou reduzir tributo, mediante as condutas que enumera em seus incisos. Trata-se, portanto, de crime de resultado: somente estará configurado o tipo criminoso se resultar em supressão ou redução de tributo. Já o art. 2º trata de crimes de mera conduta que não dependem de produção de resultado.

              O ato ou negócio jurídico objeto de desconsideração pelo Fisco, como deve ter a finalidade de evitar ou ocultar a ocorrência do fato gerador do tributo, pode também constituir crime contra a ordem tributária, desde que a simulação ou dissimulação tenha sido feita mediante alguma das condutas a que se refere o art. 1º da Lei 8.137/90.

              Nesse caso, a autoridade fiscal, por dever de ofício, deve dar conhecimento ao Ministério Público dos elementos comprobatórios da infração, para instrução do procedimento criminal cabível, nos termos do art. 7º da Lei 4.729, de 14 de julho de 1965.

              O Código Tributário Nacional, ao tratar do sigilo fiscal em seu art. 198, excetua a “divulgação de informações relativas a representações fiscais para fins penais”, conforme regra do § 3º, I, do mesmo artigo. O termo “representação”, no entanto, não é apropriado, pois o oferecimento de denúncia é de responsabilidade exclusiva do Ministério Público, não dependendo de representação do Fisco. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 609 do seguinte teor: “É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal”.

              O § 1º do art. 7º da Lei 4.729/65 dispõe que “se os elementos comprobatórios forem suficientes, o ministério Público oferecerá, desde logo, denúncia”. Porém, acrescenta o § 2º, “sendo necessários esclarecimentos, documentos ou diligências complementares, o Ministério Público os requisitará, na forma estabelecida no Código de Processo Penal”.

 

6. Considerações finais:

              O art. 20-A da Lei 3.938/66 restringe-se a disciplinar o procedimento de desconsideração de ato ou negócio jurídico, atendendo ao disposto no parágrafo único do art. 116 do CTN, in fine, sem manifestar-se sobre a falta de propósito negocial ou sobre o abuso de formas de direito. Com isso, dispomos de ampla liberdade na apreciação do comportamento anti-elisivo do sujeito passivo.

              Em uma interpretação mais conservadora do dispositivo, atinge comportamentos puramente evasivos consistindo na simples dissimulação do fato gerador da obrigação tributária.

              Mas, por outro lado, permite também atacar comportamentos elisivos, com base na falta de propósito negocial ou no abuso de formas de direito. Nesse aspecto, considerando a resistência de setores significativos da doutrina, recomenda-se aos auditores fiscais prudência, ponderação e absoluta correção técnica, procedendo à desconsideração de ato ou negócio jurídico apenas quando estiver absolutamente seguro da correção do procedimento. Em particular, recomenda-se atenção em relação à interpretação econômica do direito tributário, à prevalência da substância sobre a forma e á exigência de tributo com base na analogia o que é expressamente vedado pelo § 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional.

Getri, em Florianópolis, 14 de agosto de 2012.

 

 

           Velocino Pacheco Filho                                     Amery Moisés Nadir Júnior

               AFRE – mat. 184244-7                                         p/Gerente de Tributação