ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

NOTA TÉCNICA N° 007/2012

 

TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS

PRODUTOS DA INDÚSTRIA GRÁFICA

 

1. Considerações iniciais:

                        Existe uma zona cinzenta em que se discute a incidência do ICMS, de competência estadual, ou do ISS, de competência municipal. Está nessa zona cinzenta o tratamento tributário dos produtos da indústria gráfica. Estamos falando dos impressos feitos por encomenda, conforme especificações do encomendante. Esses impressos podem destinar-se ao uso do próprio encomendante (papel timbrado, cartões de visita etc), à distribuição gratuita (calendários, agendas etc.) ou a integrar produto fabricado pelo encomendante e destinado à comercialização (rótulo, bula, manual de instruções etc.). Em que casos incide o ICMS e em que casos incide o ISS?

                        A jurisprudência dos tribunais, talvez de maneira um tanto simplista, consagrou o critério da “personalização”, sem levar em conta a caracterização dos fatos geradores dos impostos envolvidos. Com efeito, o STJ editou a Súmula 156, do seguinte teor: “A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”.

                        Mais recentemente, já na vigência da Lei Complementar 116/2003, o tribunal decidiu (STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1.046.469 SP; DJe de 12.2.2009; RDDT 163: 224) que: “Os serviços gráficos realizados de modo personalizado e sob encomenda não se submetem ao ICMS, ainda que envolvam fornecimento de mercadorias (Súmula 156/STJ). Irrelevante a destinação dada ao produto final (consumo pelo tomador do serviço ou uso como embalagem). Precedentes do STJ”.

                         Tentaremos estabelecer os limites entre as respectivas competências de Estados (ICMS) e Municípios (ISS) para tributarem os produtos da indústria gráfica – mais especificamente, os impressos personalizados que, embora produzidos por encomenda, se destinem a integrar produtos que serão comercializados pelo encomendante. A questão já havia sido enfrentada no Parecer Getri 204/2002.

                        A questão envolve não somente a indústria gráfica, mas outros itens da lista de serviços que podem caracterizar etapa da industrialização de bens destinados à comercialização. É o caso dos serviços constantes do item 14.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003: “restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer”.

 

2. Competência tributária:

                        “Competência tributária é o poder atribuído pela Constituição Federal a determinado ente (sujeito de direito público), consistente em instituir e cobrar um tributo” (Comentários ao Código Tributário Nacional, coordenado por Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 39). A Constituição atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, parcelas do poder de tributar. Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 71):

                        “... várias são as pessoas políticas exercentes do poder de tributar e, pois, titulares de competências impositivas: a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios. Entre eles será repartido o poder de tributar. Todos recebem diretamente da Constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas parcelas de competência e, exercendo-as, obtêm as receitas necessárias à consecução dos fins institucionais em função dos quais existem (discriminação de rendas tributárias). O poder de tributar originariamente uno por vontade do povo (Estado Democrático de Direito) é dividido entre as pessoas políticas que formam a Federação”.

                        A competência tributária está intimamente associada ao regime federativo, como esclarece Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 463): “a delimitação das competências da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal é reclamo impostergável dos princípios federativo e da autonomia municipal e distrital, que nosso ordenamento jurídico consagrou”.

                        Então, a competência tributária consiste em uma “faculdade de editar leis que criem, in abstrato, tributos” (idem, p. 466). A criação é in abstrato porque a lei prevê abstratamente o fato que ocorrendo concretamente dá nascimento à obrigação tributária. “Trata-se de uma  competência originária, que busca seu fundamento de validade na própria Constituição” (ibidem). O corolário da competência atribuída ao ente tributante é o exercício da competência, que consiste em “dar nascimento, no plano abstrato, a tributos” (idem p. 467).

                        Os tributos compreendem os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria (CF, art. 145). As taxas e a contribuição de melhoria são de competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, na medida que estes prestem o serviço, exerçam o poder de polícia ou realizem a obra pública que constitua o respectivo fato gerador. Já os impostos – que têm como fato gerador situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte – são de competência privativa desta ou daquela pessoa jurídica de direito público interno.

                        A Constituição define a competência para instituir impostos, determinando as materialidades sobre as quais o tributo poderá incidir. Assim, o art. 155, II, dispõe que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: (i) operações sobre circulação de mercadorias; (ii) prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal; e (iii) prestação de serviço de comunicação.

                        A incidência de ICMS sobre determinado produto da indústria gráfica depende de sua caracterização como mercadoria e do seu fornecimento como operação de circulação de mercadorias. Isto por que, nas palavras de Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 150), “... ao atribuir competências, restringe-se o âmbito de atuação do titular do poder. Quando a CF delimita certa parcela da realidade para alguém tributar (a parcela pode ser jurídica ou de fato), isto quer dizer que o legislador só poderá tributar dentro dela (ou dentro daquela finalidade se a competência for assim qualificada)”.

 

3. Conceituação do fato gerador do ICMS:

                        A Lei Complementar 87/96, no uso da competência atribuída ao legislador complementar federal pelo art. 146, III, “a”, da Constituição, definiu o fato gerador do ICMS (art. 2°, I) como as “operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares”. Essa redação foi reproduzida pela Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, do Estado de Santa Catarina.

                        Entende-se por mercadoria o bem móvel adquirido para fins de revenda. A finalidade (intenção subjetiva) da aquisição é elemento essencial para a caracterização de um bem como mercadoria. Assim, um mesmo bem pode ser mercadoria em uma determinada operação e não sê-lo em outra. Depois de percorrer o ciclo de comercialização, desde o produtor, a mercadoria chega finalmente ás mãos do consumidor final (que a adquire para seu uso próprio), momento em que o bem perde a condição de mercadoria.

                        Hely Lopes Meirelles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52) define mercadoria como “toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração”.

                        O art. 110 do Código Tributário Nacional dispõe que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal [....] para definir ou limitar competências tributárias”. Assim, o constituinte repartiu a competência tributária entre os entes tributantes definindo as materialidades sobre as quais podem instituir impostos. Mas, o conteúdo dessas materialidades deve ser pesquisado no direito privado. A lei tributária não pode definir novos conteúdos. Nesse sentido se diz que o direito tributário é um direito de superposição. No caso do ICMS, a Constituição deu competência aos Estados-membros para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. O conceito de mercadoria, entretanto, deve ser buscado no direito comercial.

                        Ora, o art 191 do Código Comercial dispõe que “é unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender a grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturado”. Ou  seja, o contrato de compra e venda somente poderá ser considerada mercantil se tiver por objeto bem móvel e que o adquirente o adquira para revendê-lo. Com isso, temos uma definição legal do que se entende por mercadoria, conforme o direito vigente à época da promulgação da Constituição de 1988 e que foi por esta recepcionado.

                        Nesse sentido, leciona Aroldo Gomes de Mattos (ICMS: comentários á legislação nacional, São Paulo: Dialética, 2006, p. 22): “... eram, à época da CF/88, mercadorias para efeitos de incidência do imposto, conforme construção doutrinária do Direito Comercial, os bens móveis objeto da atividade empresarial. Melhor dizendo, os produzidos ou adquiridos habitualmente com a finalidade de revenda com lucro”.

                        Porém, não basta que se trate de mercadoria: para que incida o ICMS, deve restar caracterizada uma operação relativa à circulação de mercadorias que, conforme magistério de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, São Paulo: Dialética, 1997, p. 25), “são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor”. Esclarece ainda o mesmo autor:

                        “... um contrato de compra e venda, por si mesmo, não gera o dever de pagar ICMS. Não é fato gerador desse imposto, enquanto não implique circulação de mercadoria. Numa venda de mercadoria para entrega futura, por exemplo, não há fato gerador do imposto enquanto não ocorrer a entrega. Por isso mesmo, é importante o sentido da expressão operações relativas à circulação de mercadorias, que há de ser entendida em seu conjunto, e não o significado de cada uma das palavras que a compõe. O legislador constituinte preferiu, seguindo orientação da moderna doutrina do Direito Tributário, utilizar expressões desvinculadas de quaisquer negócios jurídicos. Referiu-se, assim, a um gênero de operações. Todos aqueles atos, contratos, negócios, que são usualmente praticados na atividade empresarial, com o fim de promover a circulação das mercadorias em geral, movimentando-as desde a fonte de produção até o consumo. E os considerou ligados a essa movimentação, não lhes atribuindo relevância, se considerados isoladamente. Por isto, um contrato de compra e venda de mercadorias, considerado isoladamente, como simples negócio jurídico, não gera o dever de pagar o ICMS, dever esse que surge, todavia, da circulação da mercadoria, como ato de execução daquele contrato”.

                        A seu turno, Roque Antonio Carrazza (ICMS. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40) leciona que o imposto “... incide sobre operações com mercadorias (e não sobre a simples circulação de mercadorias). Só a passagem de mercadorias de uma pessoa para outra, por força da prática de um negócio jurídico, é que abre espaço à tributação por meio de ICMS”. Mais adiante, prossegue o mesmo autor: “Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de destinação comercial” (idem, p. 42). Isto por que “... alcançado o consumo, o bem deixa de ser mercadoria e o ICMS não pode mais ser cobrado, a menos que se reinicie o ciclo econômico, quando o bem móvel, readquirindo o status de mercadoria, passa a ser vendido agora como sucata, mercadoria usada etc” (idem, p. 43).

 

4. Conceituação do fato gerador do ISS:

                        A Constituição Federal deferiu aos Municípios, art. 156, III, competência para instituir imposto sobre “os serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. A ressalva refere-se precisamente à competência impositiva dos Estados (“compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”).

                         Então, o ISS pode ser instituído sobre qualquer prestação de serviços, desde que este serviço não esteja compreendido na competência tributária dos Estados, ou seja, prestação de serviços de transporte (ressalvados os estritamente intramunicipais, reservados à tributação pelo Município) e de comunicação. Somente esses serviços? É o que examinaremos a seguir.

                        Pela regra da alínea b do inciso IX do § 2° do art. 155 da Constituição, o ICMS “incidirá também sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. Então, o ICMS pode incidir sobre outras prestações de serviços, desde que (i) o serviço esteja relacionado ao fornecimento de mercadorias e (ii) não esteja compreendido na competência tributária dos Municípios.

                        A própria dicção do dispositivo constitucional (“serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”) sugere que existem serviços (além do transporte e da comunicação) que estão compreendidos na competência tributária dos Estados, caso em que, pela regra do art. 156, III, estariam excluídos da competência tributária dos Municípios. Que serviços são esses?

                        A Constituição de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, dava aos Municípios competência para “instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar” (art. 24, II). Então, já aquele ordenamento constitucional ressalvava da competência tributária dos Municípios os serviços sujeitos a tributos estaduais.  Quais seriam eles? Note-se que serviços de transporte e comunicação estavam então na competência da União. O art. 23, por sua vez cometia aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituírem impostos sobre:

                        (i) transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre a cessão de direitos à sua aquisição;

                        (ii) operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado; e

                        (iii) propriedade de veículos automotores, vedada a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos.

                        Se esses são os impostos de competência dos Estados, a que serviços o constituinte referia-se, compreendidos na competência tributária dos Estados e expressamente excluídos da competência impositiva dos Municípios?

                        Marçal Justen Filho (O Imposto sobre Serviços na Constituição, 1985, p. 96) observa que “o núcleo da hipótese de incidência do ISS está na atividade de prestar serviço e, não, no negócio jurídico do qual decorre tal prestação”. Mas, acrescenta, “é inegável que a prestação do serviço exige, como pressuposto lógico jurídico, a realização prévia (ainda que imediatamente) de um contrato”. Daí a conceituação que faz do fato gerador do imposto: “Somente quando a conduta do indivíduo é qualificável como adimplemento de obrigação de fazer originada de contrato bilateral é que nos deparamos com o fato relevante para o ISS. Nesses casos é que há serviço economicamente relevante. Essa relevância econômica decorre de a prestação de serviço representar uma movimentação de riqueza, exteriorizando riqueza apropriável pelo Fisco”. Prossegue o mesmo autor (p. 108):

                        “Ocorrem situações em que a atuação da pessoa é, inequivocamente, adimplemento de uma obrigação. A questão está, porém, na determinação de ser essa obrigação de fazer ou de dar. Aí se aplica plenamente o critério doutrinário civilístico, de a natureza da obrigação derivar da preponderância do dar ou do fazer. Se o dar é mero acessório do fazer, a obrigação é de fazer. Mas  há obrigação de dar se o fazer é secundário juridicamente”.

                        Aires Barreto (ISS – Atividade-Meio e Serviço-Fim, RDDT n° 5, 1996, p. 82) utiliza como critério de demarcação dos campos de incidência do ICMS e do ISS os conceitos de atividade-meio e atividade-fim. No caso do ICMS, a utilidade disponibilizada ao consumidor é um bem material (mercadoria) que não pode ser separado, para fins de tributação, das atividades-meio incorridas. O fornecimento da mercadoria ao fornecedor final envolve uma série de serviços que beneficiam a esse mesmo consumidor, mas que não se constituem em fatos geradores distintos. Pelo contrário, subsumem-se na atividade preponderante da empresa, o fornecimento de mercadoria.

                        “Alvo da tributação é o esforço humano prestado a terceiro como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo)”.

                        “As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não “para terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornam possível)”.

                        Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, 1978, p. 98), por sua vez, conceituava:

                        “A noção de serviço (objeto do ISS) não pode ser confundida com a de simples “prestação de serviço” (contrato de direito civil, que corresponde ao fornecimento de trabalho). O conceito de serviço nos vem da economia, do trabalho como produto. De fato, o trabalho, aplicado à produção, pode dar como resultado duas classes de bens: bens materiais, denominados material, produto ou mercadoria; e bens imateriais, conhecidos como serviços”.

                        Não basta, portanto, que haja uma prestação de serviço para incidir o imposto municipal. É preciso que esse serviço não esteja compreendido na competência tributária dos Estados. Em que casos isso ocorre? Quando o serviço é prestado juntamente com o fornecimento de mercadoria e a finalidade do negócio é a prestação do serviço e não o fornecimento da mercadoria.

                        Caso contrário, se o negócio celebrado tem por objeto o fornecimento de mercadoria e a prestação de serviço estiver compreendida no fornecimento (montagem, instalação etc.), incidirá o ICMS.

 

4.1. A natureza da lista de serviços:

                        O art. 156, III, da Constituição, diz in fine que os serviços serão “definidos em lei complementar”. Ora, a definição pode ser: (i) intensiva ou conotativa ou (ii) extensiva ou denotativa. No primeiro caso, a definição é feita pelo gênero próximo (classe de seres a que pertence o termo a ser definido) e pela diferença específica (atributo que distingue esse termo dos demais integrantes da classe). Já a definição extensiva ou denotativa, afastando-se do formalismo lógico da definição conotativa, consiste em situar o termo a ser definido mediante enumeração dos seres nele compreendidos.

                        Originalmente, a lista de serviços compreendia apenas três itens (fornecimento de trabalho, locação de bens imóveis e hospedagem), prevista no § 1° do art. 71 do CTN. Posteriormente foi sendo ampliada (Decreto-lei n° 406/68, Decreto-lei n° 834/69 e Lei Complementar n° 56/87) até perfazer cerca de cem itens. Passou-se, enfim, a discutir se a lista era meramente exemplificativa (numerus apertus) ou taxativa (numerus clausus), inclinando-se a jurisprudência para a segunda hipótese.

                        O Decreto-lei n° 406/68 dispunha que o fato gerador do imposto é a prestação de serviço constante da lista (art. 8°) que ficava sujeito apenas ao ISS, ainda que sua prestação envolvesse fornecimento de mercadorias (§ 1°). Já o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista ficava sujeito ao Imposto de Circulação de Mercadorias (§ 2°). Tínhamos, então uma regra simples e clara: no fornecimento de mercadorias com prestação de serviços, o valor do serviço prestado integrava a base de cálculo do ICM; no caso contrário, prestação de serviço com fornecimento de mercadorias, o valor da mercadoria empregada integrava a base de cálculo do ISS.

                        A Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, que tratava apenas do ISS, dispôs que “ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias” (art. 1°, § 2°).

                        Em determinados casos, a própria lista pode prever a incidência simultânea de ambos os impostos: o ICMS sobre as mercadorias fornecidas e o ISS sobre o serviço prestado.

                        Ressalte-se, contudo, que a simples referência ao serviço na lista não significa que sua prestação seja tributada pelo ISS. É preciso que fique caracterizada a prestação de serviço e que este não esteja compreendido na competência tributária dos Estados.

                        É preciso que fique bem claro que a competência tributária é dada pela Constituição e não pela lei complementar. Pois, se o “definido em lei complementar”, do art. 156, III, in fine, significasse delegação à lei complementar para determinar a competência tributária dos Municípios, a falta de edição da lei complementar impediria os Municípios de instituir e cobrar o imposto, o que feriria o princípio da autonomia municipal. José Souto Maior Borges (Imposto Sobre Serviços, 1974, p. 11), discorre sobre essa espinhosa questão:

                        “Taxativa a lista, em qualquer hipótese, independente de exame, de consulta positiva, tão logo ela fosse revogada, ficaria a autonomia municipal – que a Constituição diz que seria assegurada – ao sabor da dependência jurídica e política da União. Quer dizer, é uma posição em que eu não consigo armar um raciocínio, que compatibilize essas construções com o princípio básico, cardeal, da autonomia municipal”.

                        Isto porque, como enfatiza o mesmo autor (idem, p. 17), “a competência tributária do Município, como a do Estado ou a federal não dependerão de lei complementar para serem exercidas. Essa competência decorre de mandamento constitucional”. O campo próprio da lei complementar é o das normas gerais de direito tributário (CF, art. 146), razão porque não é admissível que ela seja “exaustiva da própria competência tributária municipal” (idem, p. 20).

 

4.2. Conteúdo do subitem 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003:

                        O item 13 da lista de serviços anexa à lei Complementar 116, de 2003, refere-se especificamente a “serviços relativos à fonografia, fotografia, cinematografia e reprografia”. Já o sub-item 13.05 contempla a “composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia”. O sub-item 13.05 tem a mesma redação do item 77 da lista de serviços introduzida pela Lei Complementar 56/87. Sobre o seu conteúdo, já lecionava Bernardo Ribeiro de Moraes (op. cit. p. 374):

                        “.... abrange atividades ligadas com a indústria gráfica, a qual se encarrega da impressão de trabalhos ou dizeres (impressão de etiquetas, agendas, papéis de carta, jornal, periódico, impressos, bilhetes de cinema, prospectos, cadernos, folhinhas, livros etc.) Esta impressão tipográfica é realizada através de diversos processos (tipográfico, litográfico, etc.), com a utilização de máquinas manuais, mecânicas ou elétricas. O ISS evidentemente, não incide sobre a impressão, seja com máquinas rotativas ou com a utilização de outro sistema, acionadas a mão ou por outra modalidade, por ser indústria, e nem sobre os serviços da editora que se obriga a reproduzir determinada obra e divulgá-la”.

                        ........................................

                        “O ISS recai, segundo o item em exame, sobre certos serviços ligados à indústria gráfica, ou melhor, relacionados com a composição gráfica (composição do texto a ser impresso) e com a impressão gráfica (processos ou sistemas de impressão)”.

                        “Em primeiro lugar temos os serviços de composição gráfica ou tipográfica, que consistem na composição de textos, com a conveniente escolha dos tipos gráficos e a adequada disposição das linhas e das letras. Trata-se de uma atividade, manual ou mecânica, realizada através da própria composição”.

                        ..........................................

                        “Em segundo lugar temos os serviços relacionados com a impressão gráfica, ligados aos sistemas de impressão, quais sejam: clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia”.

                        Com o desenvolvimento da tecnologia no setor gráfico, principalmente a relacionada ao processamento de dados, muitos desses processos caíram em desuso. É o que sucede com processos quase artesanais como a feitura de clichês em placas de metal, com imagens e dizeres em relevo para impressão ou a gravação em folhas de zinco, alumínio ou outros materiais.

                        Quanto à composição gráfica propriamente dita, a difusão da tecnologia dos computadores tornou obsoleto o processo tradicional de compor o texto com tipos móveis. Na verdade, as gráficas não mais fazem a composição do texto, recebendo-o, inclusive com o trabalho artístico, já pronto do encomendante, digitalizado em meio magnético.

                        Disto resulta que é preciso fazer uma integração analógica dentro do próprio item 13.05, incluindo os novos processos proporcionados pela tecnologia da informática que vieram a substituir os processos mencionados. Caso contrário, a literalidade do texto torna-lo-ia inaplicável.

                        Superado esse ponto, devemos considerar que o processo de impressão gráfica ocorre sobre um substrato material (basicamente papel e tinta), resultando no produto da indústria gráfica, o impresso gráfico.

                        O impresso gráfico, quando produzido para comercialização no mercado (e.g. formulários, cartões de natal etc. para revenda em papelarias e congêneres) constitui nitidamente mercadoria, sujeitando-se exclusivamente à incidência do ICMS.

                        Situação completamente distinta é a do impresso gráfico personalizado e produzido por encomenda para uso do encomendante (cartões de visita, papel timbrado, folhetos, relatórios etc., para uso interno ou para distribuição gratuita aos clientes do encomendante). Nesse caso estamos diante de típica prestação de serviço, sujeita, portanto, ao ISS de competência municipal. Conforme a regra do § 2° do art. 1° da Lei Complementar 116, de 2003, a base de cálculo do ISS inclui o valor do material empregado (papel e tinta), ou seja, o imposto é calculado sobre o valor total do impresso, caso em que fica excluída a incidência do ICMS.

                        O conflito de competência ocorre quando o impresso gráfico, produzido por encomenda, segundo especificações do encomendante, personalizado ou não, for destinado, não ao consumo do próprio encomendante, mas a ser integrado a mercadoria destinada à comercialização, como é o caso de rótulos, embalagens, bulas, folhetos explicativos etc. Em que medida a destinação dada ao impresso pelo encomendante o caracteriza como mercadoria, sujeita à incidência do ICMS? Ou, pelo contrário, para caracterizar a incidência do ISS basta que o impresso seja personalizado e confeccionado por encomenda, não interessando o destino que lhe será dado pelo encomendante?

                        A destinação não é questão de somenos importância, constituindo o próprio cerne da definição de mercadoria: “o bem móvel adquirido com intuito de revenda”. A esse propósito, leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, 1997, p. 29): “O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para venda”.

 

5. Posição dos tribunais:

                        Vimos que o serviço de impressão gráfica previsto na lista de serviços, no item 13.05, abrange a “composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e foto litografia”. Não há qualquer ressalva de incidência simultânea dos dois impostos. Portanto, em princípio, tratando-se de prestação de serviço, os impressos estariam sujeitos exclusivamente à tributação pelo ISS. Pela regra da LC 116, de 2003, art. 1°, § 2°, o valor das mercadorias empregadas (papel, tinta etc.) deve integrar a base de cálculo do serviço.

                        Pelo contrário, se o fornecimento de impressos gráficos não caracterizar prestação de serviços (se a obrigação de dar e não a de fazer for predominante) deveria incidir exclusivamente o ICMS e o valor do serviço deveria integrar a base de cálculo do imposto estadual (art. 13, IV, “a” da LC 87/96).

                        A matéria não é nova, estando consolidada há muito tempo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, a Egrégia Primeira turma daquele sodalício decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.939 RJ, publicado no Diário de Justiça de 2 de abril de 1982, relator o Ministro Clóvis Ramalhete, que:

A INCIDÊNCIA DO ISS EXCLUI A DO ICM, AINDA QUE HAJA A NECESSÁRIA INCORPORAÇÃO DE MATERIAIS À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APLICAÇÃO DO ART. 8º E PARÁGRAFO 1º DO DL 834/69, QUE DE MODO EXPRESSO AFASTA A BITRIBUTAÇÃO. IMPRESSOS GRÁFICOS QUE SEJAM COLOCADOS EM CIRCULAÇÃO, PARA ENCOMENDANTES USUÁRIOS FINAIS OU PARA COMPRADORES INCERTOS EM PÚBLICA OFERTA, QUANDO CIRCULAM NÃO ACARRETAM  A INCIDÊNCIA DO ICMS; SÓ A DO ISS. NOS IMPRESSOS PORQUE O PAPEL E A TINTA SÃO APENAS A BASE FÍSICA INDISPENSÁVEL A OCASIONAR A MANIFESTAÇÃO DO BEM INCORPÓREO QUE APRESENTAM, MAS COMO O OBJETO DA AQUISIÇÃO POR TERCEIRO ESTÁ EXCLUSIVAMENTE NESSE BEM INCORPÓREO, A OBRA GRÁFICA, POR ELES APRESENTADA, QUE É CRIADA POR SERVIÇO (ISS), NÃO DÁ LUGAR À OPERAÇÃO NEGOCIAL DE BEM CORPÓREO (ICM), PREVALECENDO A OBRA IMATERIAL CONSTANTE DA FIGURAÇÃO DE SÍMBOLOS E LINHAS DO IMPRESSO (ISS).

                        Não discrepou deste entendimento a Egrégia Segunda Turma, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.052 RJ, publicado no Diário de Justiça de 29 de maio de 1981, relator Ministro Décio Miranda, como segue:

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SOMENTE A ESTE ÚLTIMO, NÃO AO PRIMEIRO, ESTÃO SUJEITOS OS SERVIÇOS DE TIPOGRAFIAS OU EMPRESAS GRÁFICAS, QUE CONFECCIONAM IMPRESSOS POR ENCOMENDA DO FREGUÊS E INDIVIDUALIZADOS PARA USO DESTE. ENTENDIMENTO E APLICAÇÃO DO ART. 8º, PARÁGRAFO 1º DO DECRETO-LEI Nº 406, DE 31.12.68, C/C Nº 53 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO LEI Nº 834, DE 8.9.1969.

                        Diversa porém é a situação quando os impresso gráficos sejam adquiridos para fins de revenda, independentemente de terem sido produzidos por encomenda e segundo as especificações do adquirente, caso em que estão sujeitos exclusivamente ao imposto estadual. Esta foi a conclusão da Primeira Turma do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 93.319 SP, publicado em 26 de novembro de 1982, relator o Ministro Néri da Silveira:

ICM E ISS. SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA. ACÓRDÃO QUE DECIDE SER DEVIDO O ICM. NA INDÚSTRIA GRÁFICA, QUANDO O PAPEL SE DESTINA A REVENDA, MODIFICADO PELA ATIVIDADE GRÁFICA. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS, NESTAS ESTANDO DESTACADAS AS PARCELAS DE ICM. CASO EM QUE AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS CONCLUIRAM NÃO SE TRATAR APENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, RECONHECENDO A LIQUIDEZ DOS FATOS. É CERTO QUE NEM TODA OPERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS GRÁFICAS ESTÁ SUJEITA, TÃO SÓ, AO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS, COMO FICOU RECONHECIDO NOS RREE NS. 94.052 E 92.481 RJ. TEM O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDIDO QUE ESTÃO SUJEITOS SOMENTE AO ISS OS SERVIÇOS DE TIPOGRAFIAS OU EMPRESAS GRÁFICAS, QUE CONFECCIONAM IMPRESSOS POR ENCOMENDA DO FREGUES E INDIVIDUALIZADOS PARA USO DESTE. NA HIPÓTESE DOS AUTOS, EM FACE DAS PARTICULARIDADES APONTADAS NAS DECISÕES DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS , A VIA MANDAMENTAL NÃO SE ENTREMOSTRA COMO ADEQUADA, EFETIVAMENTE, A DIRIMIR A CONTROVÉRSIA.

                        A vexata questio reside justamente nos impressos gráficos, confeccionados por encomenda, para agregação a mercadoria que será comercializada pelo encomendante e sujeita a tributação pelo ICMS. O impresso atende à condição de ser “destinada ao uso do encomendante”, segundo suas especificações e “personalizado”, ainda que este uso seja a sua agregação a produto destinado ao comércio. O caso típico é a confecção de rótulos que é feito por encomenda, de acordo com especificações do encomendante, personalizado (identifica o fabricante) e para seu uso (será colado na mercadoria).

                        O problema é que tais impressos se agregam à mercadoria, formando com ela um só produto, destinado à comercialização. Na condição de insumo vão compor o custo do produto. A sua tributação pelo ISS, e não pelo ICMS, representam acréscimo de custo, uma vez que o tributo que onerou este produto, o ISS, não poderá ser recuperado pelo adquirente. Ou seja, o que for pago a título de ISS não poderá ser compensar, como “crédito”, o ICMS que onerar a saída da mercadoria.

                        Contudo, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria de forma um tanto simplista, editando a Súmula 156: “A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”.

                        Posição semelhante foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 94.939-RJ (1ª T, j. 3/11/81):

                        “Nos impressos, porque o papel e a tinta são apenas a base física indispensável a ocasionar a manifestação do bem incorpóreo que apresentam, mas como o objeto da aquisição por terceiro está exclusivamente nesse bem incorpóreo, a obra gráfica, por eles apresentada, que é criada por serviço (ISS), não dá lugar à operação negocial de bem corpóreo (ICM), prevalecendo a obra imaterial constante da figuração de símbolos e linhas do impresso (ISS)”.

                        Em síntese, a jurisprudência dos tribunais superiores se orientou no sentido de que o ICMS incide apenas quando o impresso não se destina ao uso específico do encomendante (serviço prestado a alguém), mas à revenda ao público em geral (mercadoria). Nesse sentido, o seguinte aresto da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 89.385-SP, j. 28/04/98, Repertório IOB de Jurisprudência n° 13/98, pg. 299):

                        “Tributário. ICMS. Impressos não personalizados. Mercadoria de estoque, que não se diferencia em razão do consumidor, está sujeita ao ICMS, ainda que produzida em razão de encomenda (STJ – Súmula n° 156, a contrario sensu)”.

                        Os critérios de demarcação contidos na Súmula 156 são a personalização e a prestação de serviço sob encomenda. Mas, se o impresso não for personalizado (i. e. não atender a necessidades específicas do consumidor), mesmo que produzido em razão de encomenda (conforme especificações do encomendante), será mercadoria que não se diferencia em razão do consumidor. Nesse caso, incide apenas o ICMS, com exclusão do ISS.

                        Avançando um pouco mais, chegamos ao caso do impresso gráfico produzido mediante encomenda (segundo especificações do encomendante) para ser agregado a outra mercadoria que será comercializada. A incidência do ICMS ou do ISS dependerá de quem for considerado o consumidor, se o encomendante ou o adquirente (para uso próprio) da mercadoria produzida pelo encomendante à qual foi agregado o impresso gráfico.

                        Se entendermos que o consumidor (do impresso gráfico) é o encomendante, devemos, por coerência, igualmente entender que qualquer indústria que utilize um insumo, produzido por encomenda, para agregá-lo à mercadoria que produz, é consumidor desse insumo. Seria o caso, v.g., de uma montadora de veículos que encomenda autopeças, conforme suas especificações, inclusive ostentando a sua logomarca, para agregá-las ao veículo. A montadora deveria ser considerada consumidora das autopeças. Felizmente, a Lista de Serviços não prevê a montagem de veículos.

                        A matéria continua suscitando discussão junto ao Supremo Tribunal Federal. Em particular acham-se conclusas com o relator, Min. Joaquim Barbosa, as seguintes ações diretas de inconstitucionalidade: (i) ADI 4.389, proposta pela Associação Brasileira de Embalagem – ABRE, desde 20 de novembro de 2011; (ii) ADI 4.413, proposta pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, desde 30 de junho de 2011. Na primeira, atua na qualidade amicus curie, o Município de São Paulo.

 

6. Distinção entre ICMS e ISS:

                        Aires Barreto, como já comentado, adota como critério de demarcação entre as incidências dos impostos a noção de atividade-meio e atividade-fim. Conforme esse autor (ISS na Constituição e na Lei São Paulo: Dialética, 2005, p. 235), temos que:

                        “Sendo inquestionável que a qualificação de um bem como mercadoria não decorre das suas características intrínsecas, senão do destino que se lhe dá, é inexorável a conclusão de que só é mercadoria o bem objeto de mercancia. Não aquele cujo fim é viabilizar uma prestação de serviço”.

                        “A distinção – vital – entre o fornecimento de coisa, qualificável como mercadoria, e a prestação de um serviço, que envolve aplicação de material, repousa, ainda, no discernimento entre coisas como meio e coisas como fim”.

                        “Diante de operação mercantil a coisa é objeto do contrato; sua entrega é a própria finalidade da operação. No caso de prestação de serviço a coisa é simples meio para a realização de um fim. A finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio”.

                        O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, adotou um critério de delimitação que não enfrenta a situação colocada. Com efeito, decidiu a Primeira Seção daquele sodalício (Primeira Seção, REsp 1.092.206 SP; RDDT, 164: 158; 2009):

                        “1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, 2º, IV, da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente à incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadorias e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicação incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de que trata a LC 116/03 (que sucedeu ao DL 406/08), incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista”.

                        Soma-se ainda a forma maliciosa como foi redigida a Lei Complementar 116/2003 que define, em seu artigo 1°, o fato gerador do ISS como “a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”. Reforçando ainda no § 2° do mesmo artigo que “os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao” ... “ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias”. Claramente, o propósito do legislador, nesse caso, foi afastar o critério adotado pelo Decreto-lei 406/1968, para atender os anseios arrecadatórios dos Municípios, mesmo que às custas dos contribuintes, como veremos mais adiante.

 

6.1. Critérios de demarcação: o entendimento dos Estados:

                        Procurando definir um critério de demarcação da incidência dos dois impostos, os Estados celebraram o Convênio ICM 11/82, que autoriza a “não exigir o recolhimento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias – ICM, na saída de impressos personalizados, promovida por estabelecimento gráfico a usuário final”. Estabelece ainda o convênio que “... considera-se usuário final, a pessoa física ou jurídica que adquira o produto personalizado, sob encomenda, diretamente de estabelecimento gráfico, para seu uso exclusivo.” Finalmente a cláusula segunda do convênio exclui “a saída de impressos destinados à comercialização, à industrialização ou à distribuição a título gratuito”.

                        O Estado de Santa Catarina, no mesmo espírito que animou os signatários do Convênio 11/82, editou a Portaria SEF 116/89, que assim dispôs sobre a matéria:

                        “Art. 1°  Estão sujeitas ao ICMS, as saídas de impressos, promovidas por estabelecimentos gráficos, que se destinem à comercialização ou industrialização ou participem, de alguma forma, de etapas seguintes de circulação de mercadorias”.

                        “Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo aos impressos que acompanhem as mercadorias a que se referem, mesmo que contenham indicações de nome ou marca do encomendante, tais como etiquetas, bulas, materiais de embalagem, manuais de instrução e assemelhados”.

                        O tratamento tributário dos impressos gráficos pode, então ser resumido da seguinte forma:

                        a) se o impresso gráfico for produzido, ainda que por encomenda, para o fim de comercialização, “não se diferenciando em razão do consumidor”, incidirá apenas o ICMS;

                        b) entretanto, se o impresso gráfico personalizado for produzido por encomenda para uso próprio do encomendante, incidirá apenas o ISS (Súmula STJ 156).

                        Até aqui concordam a doutrina, a jurisprudência e os fiscos estaduais. A divergência ocorre no que se refere aos impressos gráficos, ainda que personalizados, produzidos por encomenda, para serem agregados a mercadorias produzidas pelo encomendante. O entendimento dos Estados, conforme Convênio 11/82, é que incide, nessa hipótese, o ICMS. Os impressos gráficos, na visão dos fiscos estaduais, são insumos (materiais de embalagem) que vem a compor o produto final. Esse entendimento foi introduzido na legislação tributária catarinense pela Portaria SEF 116/89.

 

6.2. Da vigência das normas jurídicas e da sua presunção de validade:

                        Dispõe o art. 96 do CTN que a expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. O art. 100, I, do mesmo texto legal esclarece que são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, os atos administrativos expedidos pelas autoridades administrativas.

                        Ora, qualquer texto de direito positivo, aprovado conforme o rito legislativo próprio, ou emitido pela autoridade competente, presume-se válido e vigente, enquanto não for declarada sua inconstitucionalidade ou retirado do ordenamento jurídico por ato expresso do Senado da República (no caso da inconstitucionalidade ser declarada pela via incidental). Nesse sentido, é o magistério de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 312):

                        “A sentença que liquida a controvérsia constitucional não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à sua não aplicação ao caso particular, objeto da demanda. É o controle por via incidental”.

                        “A lei que ofende a Constituição não desaparece assim da ordem jurídica, do corpo ou sistema de leis, podendo ainda ter aplicação noutro feito, a menos que o poder competente a revogue”.

                        Aurora Tomazini de Carvalho, por sua vez (Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, pg. 702), entende que uma lei, ainda que visivelmente inconstitucional, “existe no plano do direito positivo, mesmo que em descompasso com as regras constitucionais que a disciplinam, ela produz efeitos e todos devem cumpri-la até que seja constituída juridicamente sua inconstitucionalidade”.

                        O mesmo posicionamento encontramos em José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 53:

                        “Milita presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que só se desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído na Constituição. Essa presunção foi reforçada pela Constituição pelo teor do art. 103, § 3º, que estabeleceu um contraditório no processo de declaração de inconstitucionalidade, em tese, impondo o dever de audiência de Advogado-Geral da União que obrigatoriamente defenderá o ato ou texto impugnado. A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art. 52, X, a declaração na fia direta tem efeito diverso, importa suprimir a eficácia e aplicabilidade da lei ou ato ...”.

                        A Portaria SEF 116/89 dispôs expressamente que os impressos personalizados, quando integrados à mercadorias comercializadas pelo encomendante, ficam sujeitos exclusivamente ao ICMS. Trata-se de ato administrativo geral e abstrato e, portanto, de natureza normativa, classificando-se como ato-regra, que Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 8ª ed., 1996, p. 248) define como “os que criam situações gerais, abstratas e impessoais e por isso mesmo a qualquer tempo modificáveis pela vontade de quem os produziu, sem que se possa opor direito adquirido à persistência destas regras”.

                        As portarias de Secretário de Estado, quando caracterizados como atos-regra, são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos (CTN, art. 100, I), estando compreendidas na expressão “legislação tributária” (art. 96).

                        Nesses termos, não cabe à Administração Tributária, cuja atividade é “plenamente vinculada”, negar aplicação à disposição vigente de direito positivo, sem que, previamente, tenha sido retirada do ordenamento jurídico, em uma das formas previstas.

 

6.3. Preservação do princípio da não-cumulatividade:

                        O princípio da não-cumulatividade do ICMS encontra-se no art.155, § 2°, I e II, da Constituição da República, como um direito do sujeito passivo de compensar o que for devido em cada operação ou prestação com o “montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

                        A única exceção constitucionalmente prevista encontra-se no inciso II, “b” do mesmo parágrafo, segundo o qual a isenção ou não incidência acarreta a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Assim, fica consagrado o princípio de que o direito ao crédito está condicionado ao débito. Ele só existe em razão do débito. Se não há débito do imposto para ser compensado, não há que se falar em crédito.

                        Fora essa hipótese, é direito constitucional do contribuinte creditar-se do imposto que onerou a mercadoria em etapas anteriores de comercialização. Nesse sentido, leciona Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 571) que “é necessário desonerar o custo da produção e da comercialização de todo o imposto pago nas aquisições (seja relativo a insumos, produtos intermediários ou bens do ativo fixo), sob pena de se ter nova tributação sobre esses bens, pois o custo deles integrará o preço do produto no momento da saída. A indedutibilidade dos créditos relativos à aquisição de bens de capital, máquinas e insumos diretamente utilizados na atividade econômica configura um rompimento com o princípio da não-cumulatividade”.

                        A Lei Complementar 87/1996, introduzindo, ainda que de modo incompleto, o regime de créditos financeiros, no lugar dos créditos físicos até então adotados, representou significativo esforço para o aperfeiçoamento do imposto.

                        A interpretação sistemática da Constituição implica a composição harmoniosa de seus dispositivos, de modo a não sobre-valorizar um em detrimento de outro. A tributação, pelo ISS, dos impressos gráficos personalizados, produzidos por encomenda, que serão agregados a mercadorias de produção do próprio encomendante, leva à incidência em cascata do ICMS, o que é vedado pelo art. 155, § 2°, I, da Constituição Federal.

                        Os materiais empregados para a confecção dos impressos representam parcela significativa do valor do produto final (o impresso gráfico). Ora, sendo, o encomendante considerado consumidor dos impressos (usuário do serviço), a incidência do ISS, nessa etapa, funciona como uma cunha, impedindo a comunicação dos créditos do ICMS correspondentes aos materiais empregados na fabricação dos impressos com os débitos relativos à comercialização subseqüente das mercadorias comercializadas pelo encomendante dos impressos gráficos.

                        Segundo Zelmo Denari (Exonerações Monofásicas do Regime de Incidência Não-Cumulativa. RDDT n° 31: 100-109), “essas distorções podem suscitar até efeitos cumulativos indesejados quando localizadas nas passagens intercalares do ciclo econômico-distributivo, pois ao invés de uma arrecadação a menor (sub-recepção tributária) provocam uma arrecadação a maior (super-recepção tributária), subvertendo a neutralidade do sistema de incidência não-cumulativa”.

                        O ICMS, mercê da incidência, em fase intermediária, do ISS, é pago em duplicidade (incidência em cascata). Observe-se que a cumulatividade é do ICMS. Não estamos falando de cumulatividade entre impostos diferentes (ICMS e ISS). O ISS, ao afastar naquela fase a incidência do ICMS, propicia a incidência em cascata do imposto estadual. Se o adquirente dos impressos – que irão se agregar à mercadoria por ele comercializada ou produzida – não puder se creditar do ICMS que onerou os materiais utilizados na confecção dos impressos, o imposto devido pela saída das mercadorias ou produtos não será compensado pelo montante integral do imposto cobrado nas etapas anteriores de comercialização. Com isso estará sendo descumprido o preceito inserto no art. 155, § 2º da Constituição Federal.

                        Sobre a abrangência do princípio da não-cumulatividade, oportuna se revela a advertência da Professora Misabel Derzi (apud  Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário Brasileiro, 1999, p. 489):

                        “É importante notar que tanto o ICMS quanto o IPI não são impostos que devam ser suportados, economicamente, pelo contribuinte de direito (o comerciante ou industrial). São, a rigor, impostos sobre o consumo, não devendo onerar a produção ou o comércio, como alerta Klaus Tipke. Disso resulta que, numa operação entre empresas, cada uma delas pode se livrar, basicamente, através da dedução do imposto anterior, do imposto dela cobrado pela outra e transferir, na etapa de circulação, o ônus do imposto devido pelo adquirente, e assim sucessivamente, até o consumidor final”.

                        A mesma autora, nos seus excelentes comentários à alentada obra de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. 1999, p. 370), acrescenta o seguinte:

                        “É que a Constituição brasileira assegura, como de resto o fazem os países europeus e latino-americanos, que o contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em suas aquisições (embora na posição de adquirente apenas tenha sofrido a transferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofre públicos). Tal tributo não onera, assim, a força econômica do empresário que compra e vende ou industrializa, porém a força econômica do consumidor, segundo ensina Herting. A rigor, quer do ponto de vista jurídico – pois há expressa licença constitucional para isso – quer do ponto de vista econômico, o imposto foi modelado para ser suportado pelo consumidor, jamais pelo contribuinte-comerciante. Explicam os juristas franceses que ‘.... em cada estágio da produção e da comercialização de um produto, um contribuinte tem a possibilidade de deduzir do imposto sobre o valor acrescido (TVA) que ele faturou para seu cliente sobre o preço de venda, aquele imposto que lhe foi faturado por seus fornecedores e que oneram o preço de revenda; ...’”.

                        A desoneração do aparelho produtivo, como repisa com propriedade a autora acima citada, é característica essencial dos impostos não-cumulativos. É o que garante a neutralidade do tributo em relação ao sistema econômico. Nesse sentido, atuou a Lei Complementar 87/1996, que trata de normas gerais em matéria de ICMS, ao adotar o regime de créditos financeiros, em substituição ao regime de créditos físicos (art. 20). O reconhecimento do direito ao crédito sobre bens destinados à integração ao ativo imobilizado e sobre bens de uso e consumo do estabelecimento, bens esses que não se integram fisicamente ao produto vendido, visa claramente desonerar o aparelho produtivo, na medida que o imposto que onerou tais bens possa ser recuperado pelo contribuinte.

                        Fez mais ainda o legislador complementar: previu mecanismo para o ressarcimento do crédito fiscal relativo a operações pretéritas. Trata-se do disposto nos §§ 3° e 6° do mesmo artigo 20. A critério do legislador estadual, tais créditos podem ser apropriados por quem praticar a primeira operação tributada.

 

6.4. Não-cumulatividade e tributação neutra:

                        O ICMS, na sua concepção de imposto não-cumulativo, inspirou-se no IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), adotado pelos países europeus, como tributo neutro e com finalidade exclusivamente fiscal, ou seja, de financiamento do setor público. Não é um imposto que se preste impunemente a experiências de extra-fiscalidade. Para isso, existem outros tributos melhor vocacionados. Sobre o conceito de neutralidade do tributo, leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 165):

                        “Entende-se por neutralidade, aqui, a indiferença do ônus tributário quanto ao número de operações realizadas com a mercadoria. O ônus do imposto é sempre o mesmo, tanto para a mercadoria que, entre a produção e o consumo, passa apenas por duas operações, como para aquela que nesse trajeto passa por n operações. Diz-se que essa neutralidade implica proporcionalidade do ônus ao valor da mercadoria, proporcionalidade que não existiria se variasse o ônus tributário em função do número de operações”.

                        A seu turno, ensina Ricardo Lobo Torres (Sistemas Constitucionais Tributários. In: Tratado de Direito Tributário Brasileiro. v. II, t. II coord. Aliomar Baleeiro & Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 295) que:

                        “O princípio da neutralidade econômica do ICM é importantíssimo. Significa, do ponto de vista da organização empresarial, que não favorece a integração vertical, com criar mecanismos que tornam desaconselháveis a união de empresas dedicadas a fases diferentes do processo de circulação e produção. Significa, também, do ponto de vista do processo de circulação da riqueza, que não distorce a formação dos preços, pois, independentemente do número de operações, o imposto final será sempre igual à multiplicação da alíquota pelo preço da última saída”.

                        O princípio da neutralidade do ICMS está implícito no texto da Constituição Federal. Assim, o art. 170, IV, elege como princípio da ordem econômica, a livre concorrência o que significa, em termos econômicos, a adoção de economia de mercado e do sistema de preços como indicativo para a alocação de recursos. A atividade econômica é área de atuação prioritária da iniciativa privada. A atuação do Estado nessa área deve ser excepcional. Com efeito, dispõe o art. 173, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Por outro lado, o art. 174 reserva ao Estado o papel de “agente normativo e regulador da atividade econômica”, desempenhando as funções de “fiscalização, incentivo e planejamento”.

                        Então, podemos dizer que a neutralidade da tributação sobre o consumo consiste em ser o tributo indiferente aos agentes econômicos em sua tomada de decisões. Nesse sentido, define Fernando Aurélio Zilveti (Variações sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional. In: Direito Tributário Atual nº 19 (coor. Alcides Jorge Costa, Luis Eduardo Shoueri e Paulo Celso B. Bonilha) São Paulo: IBDT: Dialética. 2005, p. 24):

                        “Considera-se neutro o sistema tributário que não interfira na otimização da alocação de meios de produção, que não provoque distorções e, assim, confira segurança jurídica para o livre exercício da atividade empresarial”.

                        Prossegue o mesmo autor enfatizando a importância da neutralidade para a liberdade de organização empresarial e no processo de circulação de riqueza “para justamente evitar a distorção de preços, a restrição ao fluxo de capitais”. Então a neutralidade pode ser concebida como “o princípio segundo o qual os tributos não devem alterar as preferências ou o desenvolvimento das atividades das pessoas que compõe a sociedade, exceto quando a dita interferência permita uma melhor consecução dos objetivos gerais da sociedade”.

                        Nesse sentido, a não-cumulatividade, como princípio e como técnica, é a forma de viabilizar a neutralidade do imposto. Ainda Zilveti, numa expressão bastante feliz (iden, p. 27), sintetiza que a neutralidade concorrencial “exige repercussão fiscal equânime entre os agentes econômicos”, consagrando o tributo não-cumulativo como “aquele que melhor realiza o princípio da neutralidade, uma vez que não fere as leis da livre-concorrência e da competitividade” (id. p. 33).

                        A relevância do princípio da livre-concorrência é tal que inspirou o art. 146-A da Lei Maior, introduzida pela EC 42/2003, permitindo que lei complementar estabeleça “critérios especiais de fiscalização, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência”. Esse dispositivo mereceu de Roberto Ferraz (A Inversão do Princípio da Capacidade Contributiva no Aumento da Cofins pela Lei 9.718/98. RDDT 130: 72) o seguinte comentário:

                        ..seja pela natureza da tributação, seja pela consagração constitucional do regime de livre-concorrência, seja pelo disposto no art. 146-A, acrescentado pela Emenda 42, de 19 de dezembro de 2003, a idéia de não-interferência aleatória do Estado no mercado, salvo a expressamente buscada ‘com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência’, é elemento essencial do Direito brasileiro.”

 

7. Considerações finais:

                        De todo o exposto, não se pode prescindir da identificação da atividade preponderante como critério de demarcação entre as respectivas esferas de incidência do ICMS e do ISS, em operações que envolvam simultaneamente fornecimento de mercadorias e prestação de serviços. Se no negócio jurídico celebrado preponderar a obrigação de dar, estaremos diante de operação de circulação de mercadorias (ICMS). No caso, a prestação de serviço subsume-se no fato gerador do imposto estadual. Caso contrário, se preponderar, no negócio jurídico celebrado, um obrigação de fazer, estaremos diante de uma prestação de serviço (ISS), ficando o valor dos materiais fornecidos incluídos na base de cálculo do imposto municipal.

                        Apesar deste não ser o entendimento dominante da jurisprudência dos tribunais superiores, para o Fisco catarinense deve incidir exclusivamente o ICMS sobre o fornecimento de impressos gráficos, os quais serão agregados a mercadorias produzidas pelo encomendante (rótulos, embalagens etc.). A uma, porque se trata de matéria disciplinada pela legislação tributária estadual (Portaria SEF 116/1989), cuja vigência não pode ser negada por órgão integrante da Administração Tributária estadual. A duas, porque a incidência do ISS impede a compensação dos créditos do ICMS relativos aos insumos utilizados pela indústria gráfica com o mesmo imposto devido pela comercialização da mercadoria produzida pelo encomendante. A impossibilidade de recuperar o ICMS que onerou operações anteriores conflita com o princípio da não-cumulatividade, prestigiado pela Constituição da República, art. 155, § 2°, I.

Getri, em Florianópolis, 24 de maio de 2012.

 

           Velocino Pacheco Filho                                     Lintney Nazareno da Veiga

           AFRE – mat. 184244-7                                          Gerente de Tributação