ESTADO
DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO
DA FAZENDA
DIRETORIA DE
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE
TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 007/2012
TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS
PRODUTOS DA INDÚSTRIA GRÁFICA
1. Considerações iniciais:
Existe uma zona cinzenta
em que se discute a incidência do ICMS, de competência estadual, ou do ISS, de
competência municipal. Está nessa zona cinzenta o tratamento tributário dos
produtos da indústria gráfica. Estamos falando dos impressos feitos por encomenda,
conforme especificações do encomendante. Esses impressos podem destinar-se ao
uso do próprio encomendante (papel timbrado, cartões de visita etc), à distribuição
gratuita (calendários, agendas etc.) ou a integrar produto fabricado pelo encomendante
e destinado à comercialização (rótulo, bula, manual de instruções etc.). Em que
casos incide o ICMS e em que casos incide o ISS?
A jurisprudência dos
tribunais, talvez de maneira um tanto simplista, consagrou o critério da
“personalização”, sem levar em conta a caracterização dos fatos geradores dos
impostos envolvidos. Com efeito, o STJ editou a Súmula 156, do seguinte teor: “A
prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda,
ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”.
Mais recentemente, já na
vigência da Lei Complementar 116/2003, o tribunal decidiu (STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1.046.469 SP; DJe de 12.2.2009; RDDT 163: 224)
que: “Os serviços gráficos realizados de modo personalizado e sob encomenda não
se submetem ao ICMS, ainda que envolvam fornecimento de mercadorias (Súmula
156/STJ). Irrelevante a destinação dada ao produto final (consumo pelo tomador
do serviço ou uso como embalagem). Precedentes do STJ”.
Tentaremos estabelecer os limites entre as
respectivas competências de Estados (ICMS) e Municípios (ISS) para tributarem
os produtos da indústria gráfica – mais especificamente, os impressos
personalizados que, embora produzidos por encomenda, se destinem a integrar
produtos que serão comercializados pelo encomendante. A questão já havia sido
enfrentada no Parecer Getri 204/2002.
A questão envolve não
somente a indústria gráfica, mas outros itens da lista de serviços que podem
caracterizar etapa da industrialização de bens destinados à comercialização. É
o caso dos serviços constantes do item 14.05 da lista de serviços anexa à Lei
Complementar 116/2003: “restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura,
beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização,
corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer”.
2.
Competência tributária:
“Competência tributária
é o poder atribuído pela Constituição Federal a determinado ente (sujeito de
direito público), consistente em instituir e cobrar um tributo” (Comentários ao
Código Tributário Nacional, coordenado por Carlos Valder do Nascimento, Rio de
Janeiro: Forense, 1998, p. 39). A Constituição atribui à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, parcelas do poder de tributar. Conforme
Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 71):
“... várias são as pessoas políticas exercentes do poder de
tributar e, pois, titulares de competências impositivas: a União, os
Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios. Entre eles será repartido
o poder de tributar. Todos recebem
diretamente da Constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas
parcelas de competência e, exercendo-as, obtêm as receitas necessárias à
consecução dos fins institucionais em função dos quais existem (discriminação
de rendas tributárias). O poder de tributar originariamente uno por vontade do povo (Estado
Democrático de Direito) é dividido entre as pessoas políticas que formam a Federação”.
A competência tributária
está intimamente associada ao regime federativo, como esclarece Roque Antonio
Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 463): “a delimitação das competências da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal é reclamo impostergável dos
princípios federativo e da autonomia municipal e distrital, que nosso
ordenamento jurídico consagrou”.
Então, a competência
tributária consiste em uma “faculdade de editar leis que criem, in abstrato, tributos” (idem, p. 466). A
criação é in abstrato porque a lei
prevê abstratamente o fato que ocorrendo concretamente dá nascimento à
obrigação tributária. “Trata-se de uma competência originária, que busca seu
fundamento de validade na própria Constituição” (ibidem). O corolário da
competência atribuída ao ente tributante é o exercício da competência, que consiste
em “dar nascimento, no plano abstrato, a tributos” (idem p. 467).
Os tributos compreendem
os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria (CF, art. 145). As taxas e a
contribuição de melhoria são de competência comum à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, na medida que estes
prestem o serviço, exerçam o poder de polícia ou realizem a obra pública que
constitua o respectivo fato gerador. Já os impostos – que têm como fato gerador
situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao
contribuinte – são de competência privativa desta ou daquela pessoa jurídica de
direito público interno.
A Constituição define a
competência para instituir impostos, determinando as materialidades sobre as
quais o tributo poderá incidir. Assim, o art. 155, II, dispõe que compete aos
Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: (i) operações sobre circulação
de mercadorias; (ii) prestação de serviço de
transporte interestadual e intermunicipal; e (iii) prestação de serviço de comunicação.
A incidência de ICMS
sobre determinado produto da indústria gráfica depende de sua caracterização
como mercadoria e do seu fornecimento como operação de circulação de
mercadorias. Isto por que, nas palavras de Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 2ª ed.
São Paulo: Dialética, 2008, p. 150), “... ao atribuir competências,
restringe-se o âmbito de atuação do titular do poder. Quando a CF
delimita certa parcela da realidade para alguém tributar (a parcela pode ser
jurídica ou de fato), isto quer dizer que o legislador só poderá tributar
dentro dela (ou dentro daquela finalidade se a competência for assim qualificada)”.
3. Conceituação do fato gerador do ICMS:
A Lei Complementar
87/96, no uso da competência atribuída ao legislador complementar federal pelo
art. 146, III, “a”, da Constituição, definiu o fato gerador do ICMS (art. 2°,
I) como as “operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o
fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos
similares”. Essa redação foi reproduzida pela Lei 10.297, de 26 de dezembro de
1996, do Estado de Santa Catarina.
Entende-se por mercadoria o bem móvel adquirido para
fins de revenda. A finalidade (intenção subjetiva) da aquisição é elemento
essencial para a caracterização de um bem como mercadoria. Assim, um mesmo bem
pode ser mercadoria em uma determinada operação e não sê-lo em outra. Depois de
percorrer o ciclo de comercialização, desde o produtor, a mercadoria chega finalmente
ás mãos do consumidor final (que a adquire para seu uso próprio), momento em
que o bem perde a condição de mercadoria.
Hely Lopes Meirelles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem.
Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52) define mercadoria
como “toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação econômica;
enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é mercadoria. O que
caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material posto em circulação
econômica, para o consumo, mediante remuneração”.
O art. 110 do Código
Tributário Nacional dispõe que “a lei tributária não pode alterar a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal [....] para
definir ou limitar competências tributárias”. Assim, o constituinte repartiu a
competência tributária entre os entes tributantes definindo as materialidades
sobre as quais podem instituir impostos. Mas, o conteúdo dessas materialidades
deve ser pesquisado no direito privado. A lei tributária não pode definir novos
conteúdos. Nesse sentido se diz que o direito tributário é um direito de
superposição. No caso do ICMS, a Constituição deu competência aos Estados-membros
para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. O
conceito de mercadoria, entretanto, deve ser buscado no direito comercial.
Ora, o art 191 do Código
Comercial dispõe que “é unicamente considerada mercantil a compra e venda de
efeitos móveis ou semoventes, para os revender a
grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturado”. Ou seja, o contrato de compra e venda
somente poderá ser considerada mercantil se tiver por objeto bem móvel e que o
adquirente o adquira para revendê-lo. Com isso, temos uma definição legal do
que se entende por mercadoria, conforme o direito vigente à época da
promulgação da Constituição de 1988 e que foi por esta recepcionado.
Nesse
sentido, leciona Aroldo Gomes de Mattos (ICMS: comentários á legislação
nacional, São Paulo: Dialética, 2006, p. 22): “... eram, à época da CF/88, mercadorias
para efeitos de incidência do imposto, conforme construção doutrinária do
Direito Comercial, os bens móveis objeto da atividade empresarial. Melhor
dizendo, os produzidos ou adquiridos habitualmente com a finalidade de revenda
com lucro”.
Porém,
não basta que se trate de mercadoria: para que incida o ICMS, deve restar
caracterizada uma operação relativa à circulação de mercadorias que, conforme magistério
de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, São Paulo: Dialética,
1997, p. 25), “são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza
jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de
mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo,
dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor”. Esclarece
ainda o mesmo autor:
“... um contrato de
compra e venda, por si mesmo, não gera o dever de pagar ICMS. Não é fato gerador desse imposto, enquanto não
implique circulação de mercadoria.
Numa venda de mercadoria para entrega futura, por exemplo, não há fato gerador
do imposto enquanto não ocorrer a entrega. Por isso mesmo,
é importante o sentido da expressão operações
relativas à circulação de mercadorias, que há de ser entendida em seu
conjunto, e não o significado de cada uma das palavras que a compõe. O
legislador constituinte preferiu, seguindo orientação da moderna doutrina do
Direito Tributário, utilizar expressões desvinculadas de quaisquer negócios
jurídicos. Referiu-se, assim, a um gênero de operações. Todos aqueles atos, contratos, negócios, que são usualmente
praticados na atividade empresarial, com o fim de promover a circulação das
mercadorias em geral, movimentando-as desde a fonte de produção até o consumo.
E os considerou ligados a essa movimentação, não lhes atribuindo relevância, se
considerados isoladamente. Por isto, um contrato de compra e venda de mercadorias,
considerado isoladamente, como simples negócio jurídico, não gera o dever de
pagar o ICMS, dever esse que surge, todavia, da circulação da mercadoria, como
ato de execução daquele contrato”.
A seu turno, Roque
Antonio Carrazza (ICMS. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40)
leciona que o imposto “... incide sobre operações com mercadorias (e não sobre
a simples circulação de mercadorias). Só a passagem de mercadorias de uma
pessoa para outra, por força da prática de um negócio jurídico, é que abre
espaço à tributação por meio de ICMS”. Mais adiante, prossegue o mesmo autor:
“Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por
finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel
(gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito
de destinação comercial” (idem, p. 42). Isto por que “... alcançado o consumo,
o bem deixa de ser mercadoria e o ICMS não pode mais ser cobrado, a menos que
se reinicie o ciclo econômico, quando o bem móvel, readquirindo o status de mercadoria, passa a ser
vendido agora como sucata, mercadoria usada etc” (idem, p. 43).
4. Conceituação do fato gerador do ISS:
A Constituição Federal
deferiu aos Municípios, art. 156, III, competência para instituir imposto sobre
“os serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar”. A ressalva refere-se precisamente à competência
impositiva dos Estados (“compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”).
Então, o ISS pode ser instituído sobre qualquer
prestação de serviços, desde que este serviço não esteja compreendido na
competência tributária dos Estados, ou seja, prestação de serviços de
transporte (ressalvados os estritamente intramunicipais, reservados à tributação
pelo Município) e de comunicação. Somente esses serviços? É o que examinaremos
a seguir.
Pela regra da alínea b do inciso IX do § 2°
do art. 155 da Constituição, o ICMS “incidirá também sobre o valor total da operação, quando mercadorias
forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos
Municípios”. Então, o ICMS pode incidir sobre outras prestações de serviços,
desde que (i) o serviço esteja relacionado ao fornecimento de mercadorias e (ii) não esteja compreendido na competência tributária dos Municípios.
A própria dicção do
dispositivo constitucional (“serviços não
compreendidos na competência tributária dos Municípios”) sugere que existem
serviços (além do transporte e da comunicação) que estão compreendidos na competência
tributária dos Estados, caso em que, pela regra do art. 156, III, estariam
excluídos da competência tributária dos Municípios. Que serviços são esses?
A Constituição de 1967,
na redação dada pela Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro
de 1969, dava aos Municípios competência para “instituir imposto sobre serviços
de qualquer natureza não compreendidos na
competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei
complementar” (art. 24, II). Então, já aquele ordenamento constitucional
ressalvava da competência tributária dos Municípios os serviços sujeitos a tributos estaduais. Quais seriam eles? Note-se que serviços de
transporte e comunicação estavam então na competência da União. O art. 23, por
sua vez cometia aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituírem
impostos sobre:
(i) transmissão, a qualquer título, de
bens imóveis por natureza e acessão física e de direitos reais sobre
imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre a cessão de direitos à sua aquisição;
(ii) operações relativas à circulação de mercadorias
realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será
cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado; e
(iii) propriedade de veículos automotores,
vedada a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de
veículos.
Se esses são os impostos
de competência dos Estados, a que serviços o constituinte referia-se,
compreendidos na competência tributária dos Estados e expressamente excluídos
da competência impositiva dos Municípios?
Marçal Justen Filho (O
Imposto sobre Serviços na Constituição, 1985, p. 96) observa que “o núcleo da
hipótese de incidência do ISS está na atividade de prestar serviço e, não, no
negócio jurídico do qual decorre tal prestação”. Mas, acrescenta, “é inegável
que a prestação do serviço exige, como pressuposto lógico jurídico, a
realização prévia (ainda que imediatamente) de um contrato”. Daí a conceituação
que faz do fato gerador do imposto: “Somente quando a conduta do indivíduo é
qualificável como adimplemento de obrigação de fazer originada de contrato
bilateral é que nos deparamos com o fato relevante para o ISS. Nesses casos é
que há serviço economicamente relevante. Essa relevância econômica decorre de a
prestação de serviço representar uma movimentação de riqueza, exteriorizando
riqueza apropriável pelo Fisco”. Prossegue o mesmo autor (p. 108):
“Ocorrem situações em
que a atuação da pessoa é, inequivocamente, adimplemento de uma obrigação. A
questão está, porém, na determinação de ser essa obrigação de fazer ou de dar.
Aí se aplica plenamente o critério doutrinário civilístico, de a natureza da
obrigação derivar da preponderância do dar ou do fazer. Se o dar é mero
acessório do fazer, a obrigação é de fazer. Mas há obrigação de dar se o fazer é
secundário juridicamente”.
Aires Barreto (ISS –
Atividade-Meio e Serviço-Fim, RDDT n° 5, 1996, p. 82)
utiliza como critério de demarcação dos campos de incidência do ICMS e do ISS
os conceitos de atividade-meio e atividade-fim. No caso do ICMS, a utilidade
disponibilizada ao consumidor é um bem material (mercadoria) que não pode ser
separado, para fins de tributação, das atividades-meio
incorridas. O fornecimento da mercadoria ao fornecedor final envolve uma
série de serviços que beneficiam a esse mesmo consumidor, mas que não se
constituem em fatos geradores distintos. Pelo contrário, subsumem-se na
atividade preponderante da empresa, o fornecimento de mercadoria.
“Alvo da tributação é o
esforço humano prestado a terceiro como
fim ou objeto. Não as suas etapas,
passos ou tarefas intermediárias,
necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou
condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da
hipótese de incidência do tributo)”.
“As etapas, passos,
processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio
prestador e não “para terceiros”, ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se
do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornam possível)”.
Bernardo Ribeiro de
Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, 1978, p. 98), por sua
vez, conceituava:
“A noção de serviço
(objeto do ISS) não pode ser confundida com a de simples “prestação de serviço”
(contrato de direito civil, que corresponde ao fornecimento de trabalho). O
conceito de serviço nos vem da
economia, do trabalho como produto. De fato, o trabalho, aplicado à produção,
pode dar como resultado duas classes de bens: bens materiais, denominados material,
produto ou mercadoria; e bens imateriais, conhecidos como serviços”.
Não basta, portanto, que
haja uma prestação de serviço para incidir o imposto municipal. É preciso que
esse serviço não esteja compreendido na competência tributária dos Estados. Em
que casos isso ocorre? Quando o serviço é prestado juntamente com o fornecimento
de mercadoria e a finalidade do negócio é a prestação do serviço e não o fornecimento
da mercadoria.
Caso contrário, se o
negócio celebrado tem por objeto o fornecimento de mercadoria e a prestação de
serviço estiver compreendida no fornecimento (montagem, instalação etc.), incidirá
o ICMS.
4.1. A natureza da lista de serviços:
O art. 156, III, da
Constituição, diz in fine que os
serviços serão “definidos em lei complementar”. Ora, a definição pode ser: (i)
intensiva ou conotativa ou (ii) extensiva ou denotativa.
No primeiro caso, a definição é feita pelo gênero próximo (classe de seres a
que pertence o termo a ser definido) e pela diferença específica (atributo que
distingue esse termo dos demais integrantes da classe). Já a definição
extensiva ou denotativa, afastando-se do formalismo lógico da definição
conotativa, consiste em situar o termo a ser definido mediante enumeração dos seres
nele compreendidos.
Originalmente, a lista
de serviços compreendia apenas três itens (fornecimento de trabalho, locação de
bens imóveis e hospedagem), prevista no § 1° do art. 71 do CTN.
Posteriormente foi sendo ampliada (Decreto-lei n° 406/68, Decreto-lei
n° 834/69 e Lei Complementar n°
56/87) até perfazer cerca de cem itens. Passou-se, enfim, a discutir se a lista
era meramente exemplificativa (numerus
apertus) ou taxativa (numerus clausus),
inclinando-se a jurisprudência para a segunda hipótese.
O Decreto-lei n°
406/68 dispunha que o fato gerador do imposto é a prestação de serviço constante da lista (art. 8°)
que ficava sujeito apenas ao ISS, ainda que sua prestação envolvesse
fornecimento de mercadorias (§ 1°). Já o fornecimento
de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista ficava
sujeito ao Imposto de Circulação de Mercadorias (§ 2°).
Tínhamos, então uma regra simples e clara: no fornecimento de mercadorias com
prestação de serviços, o valor do serviço prestado integrava a base de cálculo
do ICM; no caso contrário, prestação de serviço com fornecimento de
mercadorias, o valor da mercadoria empregada integrava a base de cálculo do
ISS.
A Lei Complementar 116,
de 31 de julho de 2003, que tratava apenas do ISS, dispôs que “ressalvadas as
exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam
sujeitos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
– ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias” (art. 1°,
§ 2°).
Em determinados casos, a
própria lista pode prever a incidência simultânea de ambos os impostos: o ICMS
sobre as mercadorias fornecidas e o ISS sobre o serviço prestado.
Ressalte-se, contudo,
que a simples referência ao serviço na lista não significa que sua prestação
seja tributada pelo ISS. É preciso que fique caracterizada a prestação de serviço
e que este não esteja compreendido na competência
tributária dos Estados.
É preciso que fique bem
claro que a competência tributária é dada pela Constituição e não pela lei
complementar. Pois, se o “definido em lei complementar”, do art. 156, III, in fine, significasse delegação à lei
complementar para determinar a competência tributária dos Municípios, a falta
de edição da lei complementar impediria os Municípios de instituir e cobrar o
imposto, o que feriria o princípio da autonomia municipal. José Souto Maior
Borges (Imposto Sobre Serviços, 1974, p. 11), discorre sobre essa espinhosa questão:
“Taxativa a lista, em
qualquer hipótese, independente de exame, de consulta positiva, tão logo ela
fosse revogada, ficaria a autonomia municipal – que a Constituição diz que seria
assegurada – ao sabor da dependência jurídica e política da União. Quer dizer,
é uma posição em que eu não consigo armar um raciocínio, que compatibilize
essas construções com o princípio básico, cardeal, da autonomia municipal”.
Isto porque, como
enfatiza o mesmo autor (idem, p. 17), “a competência tributária do Município,
como a do Estado ou a federal não dependerão de lei complementar para serem exercidas.
Essa competência decorre de mandamento constitucional”. O campo próprio da lei
complementar é o das normas gerais de direito tributário (CF, art. 146), razão
porque não é admissível que ela seja “exaustiva da própria competência tributária
municipal” (idem, p. 20).
4.2. Conteúdo do subitem 13.05 da lista de serviços anexa
à Lei Complementar 116/2003:
O item 13 da lista de
serviços anexa à lei Complementar 116, de 2003, refere-se especificamente a
“serviços relativos à fonografia, fotografia, cinematografia e reprografia”. Já
o sub-item 13.05 contempla a “composição gráfica,
fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia”. O sub-item 13.05 tem a mesma redação do item 77 da lista de
serviços introduzida pela Lei Complementar 56/87. Sobre o seu conteúdo, já
lecionava Bernardo Ribeiro de Moraes (op. cit. p. 374):
“.... abrange atividades
ligadas com a indústria gráfica, a qual se encarrega da impressão de trabalhos
ou dizeres (impressão de etiquetas, agendas, papéis de carta, jornal, periódico,
impressos, bilhetes de cinema, prospectos, cadernos, folhinhas, livros etc.)
Esta impressão tipográfica é realizada através de diversos processos
(tipográfico, litográfico, etc.), com a utilização de máquinas manuais, mecânicas
ou elétricas. O ISS evidentemente, não incide sobre a impressão, seja com máquinas rotativas ou com a utilização de outro
sistema, acionadas a mão ou por outra modalidade, por ser indústria, e nem sobre os serviços da editora que se obriga a
reproduzir determinada obra e divulgá-la”.
........................................
“O ISS recai, segundo o
item em exame, sobre certos serviços ligados à indústria gráfica, ou melhor,
relacionados com a composição gráfica
(composição do texto a ser impresso) e com a impressão gráfica (processos ou sistemas de impressão)”.
“Em primeiro lugar temos
os serviços de composição gráfica ou tipográfica, que consistem na composição
de textos, com a conveniente escolha dos tipos gráficos e a adequada disposição
das linhas e das letras. Trata-se de uma atividade, manual ou mecânica,
realizada através da própria composição”.
..........................................
“Em segundo lugar temos
os serviços relacionados com a impressão gráfica, ligados aos sistemas de
impressão, quais sejam: clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia”.
Com o desenvolvimento da
tecnologia no setor gráfico, principalmente a relacionada ao processamento de
dados, muitos desses processos caíram em desuso. É o que sucede com processos
quase artesanais como a feitura de clichês em placas de metal, com imagens e
dizeres em relevo para impressão ou a gravação em folhas de zinco, alumínio ou
outros materiais.
Quanto à composição
gráfica propriamente dita, a difusão da tecnologia dos computadores tornou
obsoleto o processo tradicional de compor o texto com tipos móveis. Na verdade,
as gráficas não mais fazem a composição do texto, recebendo-o, inclusive com o
trabalho artístico, já pronto do encomendante, digitalizado em meio magnético.
Disto resulta que é
preciso fazer uma integração analógica dentro do próprio item 13.05, incluindo
os novos processos proporcionados pela tecnologia da informática que vieram a
substituir os processos mencionados. Caso contrário, a literalidade do texto
torna-lo-ia inaplicável.
Superado esse ponto,
devemos considerar que o processo de impressão gráfica ocorre sobre um
substrato material (basicamente papel e tinta), resultando no produto da indústria
gráfica, o impresso gráfico.
O impresso gráfico,
quando produzido para comercialização no mercado (e.g. formulários, cartões de natal etc. para revenda em papelarias
e congêneres) constitui nitidamente mercadoria, sujeitando-se exclusivamente à
incidência do ICMS.
Situação completamente
distinta é a do impresso gráfico personalizado e produzido por encomenda para
uso do encomendante (cartões de visita, papel timbrado, folhetos, relatórios
etc., para uso interno ou para distribuição gratuita aos clientes do encomendante).
Nesse caso estamos diante de típica prestação de serviço, sujeita, portanto, ao
ISS de competência municipal. Conforme a regra do § 2° do art. 1°
da Lei Complementar 116, de 2003, a base de cálculo do ISS inclui o valor do
material empregado (papel e tinta), ou seja, o imposto é calculado sobre o valor
total do impresso, caso em que fica excluída a incidência do ICMS.
O conflito de
competência ocorre quando o impresso gráfico, produzido por encomenda, segundo
especificações do encomendante, personalizado ou não, for destinado, não ao
consumo do próprio encomendante, mas a ser integrado a
mercadoria destinada à comercialização, como é o caso de rótulos,
embalagens, bulas, folhetos explicativos etc. Em que medida a destinação dada
ao impresso pelo encomendante o caracteriza como mercadoria, sujeita à incidência
do ICMS? Ou, pelo contrário, para caracterizar a incidência do ISS basta que o
impresso seja personalizado e confeccionado por encomenda, não interessando o
destino que lhe será dado pelo encomendante?
A destinação não é
questão de somenos importância, constituindo o próprio cerne da definição de
mercadoria: “o bem móvel adquirido com intuito de revenda”. A esse propósito,
leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, 1997, p. 29): “O
que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são
aquelas coisas móveis destinadas ao comércio.
São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as
adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para venda”.
5. Posição dos tribunais:
Vimos que o serviço de
impressão gráfica previsto na lista de serviços, no item 13.05, abrange a
“composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e foto
litografia”. Não há qualquer ressalva de incidência simultânea dos dois impostos.
Portanto, em princípio, tratando-se de prestação de serviço, os impressos
estariam sujeitos exclusivamente à tributação pelo ISS. Pela regra da LC 116,
de 2003, art. 1°, § 2°, o valor das mercadorias empregadas (papel,
tinta etc.) deve integrar a base de cálculo do serviço.
Pelo contrário, se o
fornecimento de impressos gráficos não caracterizar prestação de serviços (se a
obrigação de dar e não a de fazer for predominante) deveria incidir exclusivamente
o ICMS e o valor do serviço deveria integrar a base de cálculo do imposto estadual
(art. 13, IV, “a” da LC 87/96).
A matéria não é nova,
estando consolidada há muito tempo na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. Com efeito, a Egrégia Primeira turma daquele sodalício decidiu, no
julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.939 RJ, publicado no Diário de Justiça
de 2 de abril de 1982, relator o Ministro Clóvis Ramalhete, que:
A INCIDÊNCIA DO ISS EXCLUI A DO ICM, AINDA QUE HAJA A
NECESSÁRIA INCORPORAÇÃO DE MATERIAIS À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APLICAÇÃO DO ART.
8º E PARÁGRAFO 1º DO DL 834/69, QUE DE MODO EXPRESSO AFASTA A BITRIBUTAÇÃO.
IMPRESSOS GRÁFICOS QUE SEJAM COLOCADOS EM CIRCULAÇÃO, PARA ENCOMENDANTES
USUÁRIOS FINAIS OU PARA COMPRADORES INCERTOS EM PÚBLICA OFERTA, QUANDO CIRCULAM
NÃO ACARRETAM A
INCIDÊNCIA DO ICMS; SÓ A DO ISS. NOS IMPRESSOS PORQUE O PAPEL E A TINTA SÃO APENAS
A BASE FÍSICA INDISPENSÁVEL A OCASIONAR A MANIFESTAÇÃO DO BEM INCORPÓREO QUE
APRESENTAM, MAS COMO O OBJETO DA AQUISIÇÃO POR TERCEIRO ESTÁ EXCLUSIVAMENTE
NESSE BEM INCORPÓREO, A OBRA GRÁFICA, POR ELES APRESENTADA, QUE É CRIADA POR
SERVIÇO (ISS), NÃO DÁ LUGAR À OPERAÇÃO NEGOCIAL DE BEM CORPÓREO (ICM), PREVALECENDO
A OBRA IMATERIAL CONSTANTE DA FIGURAÇÃO DE SÍMBOLOS E LINHAS DO IMPRESSO (ISS).
Não discrepou deste
entendimento a Egrégia Segunda Turma, no julgamento do Recurso Extraordinário
nº 94.052 RJ, publicado no Diário de Justiça de 29 de maio de 1981, relator
Ministro Décio Miranda, como segue:
IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. IMPOSTO SOBRE
SERVIÇOS. SOMENTE A ESTE ÚLTIMO, NÃO AO PRIMEIRO, ESTÃO SUJEITOS OS SERVIÇOS DE
TIPOGRAFIAS OU EMPRESAS GRÁFICAS, QUE CONFECCIONAM IMPRESSOS POR ENCOMENDA DO
FREGUÊS E INDIVIDUALIZADOS PARA USO DESTE. ENTENDIMENTO E APLICAÇÃO DO ART. 8º,
PARÁGRAFO 1º DO DECRETO-LEI Nº 406, DE 31.12.68, C/C Nº 53 DA LISTA DE SERVIÇOS
ANEXA AO DECRETO LEI Nº 834, DE 8.9.1969.
Diversa porém é a
situação quando os impresso gráficos sejam adquiridos
para fins de revenda, independentemente de terem sido produzidos por encomenda
e segundo as especificações do adquirente, caso em que estão sujeitos
exclusivamente ao imposto estadual. Esta foi a
conclusão da Primeira Turma do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº
93.319 SP, publicado em 26 de novembro de 1982, relator o Ministro Néri da Silveira:
ICM E ISS. SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA. ACÓRDÃO QUE
DECIDE SER DEVIDO O ICM. NA INDÚSTRIA GRÁFICA, QUANDO O PAPEL SE DESTINA A REVENDA,
MODIFICADO PELA ATIVIDADE GRÁFICA. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS, NESTAS ESTANDO
DESTACADAS AS PARCELAS DE ICM. CASO EM QUE AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS CONCLUIRAM
NÃO SE TRATAR APENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, RECONHECENDO A LIQUIDEZ DOS
FATOS. É CERTO QUE NEM TODA OPERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS GRÁFICAS ESTÁ SUJEITA, TÃO
SÓ, AO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS, COMO FICOU RECONHECIDO NOS RREE NS. 94.052 E
92.481 RJ. TEM O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDIDO QUE ESTÃO SUJEITOS SOMENTE
AO ISS OS SERVIÇOS DE TIPOGRAFIAS OU EMPRESAS GRÁFICAS, QUE CONFECCIONAM
IMPRESSOS POR ENCOMENDA DO FREGUES E INDIVIDUALIZADOS PARA USO DESTE. NA HIPÓTESE
DOS AUTOS, EM FACE DAS PARTICULARIDADES APONTADAS NAS DECISÕES DAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS , A VIA MANDAMENTAL NÃO SE ENTREMOSTRA COMO ADEQUADA, EFETIVAMENTE,
A DIRIMIR A CONTROVÉRSIA.
A vexata questio reside justamente nos impressos gráficos,
confeccionados por encomenda, para agregação
a mercadoria que será comercializada pelo encomendante e sujeita a
tributação pelo ICMS. O impresso atende à condição de ser
“destinada ao uso do encomendante”, segundo suas especificações e
“personalizado”, ainda que este uso seja a sua agregação a produto destinado ao
comércio. O caso típico é a confecção de rótulos que é feito por encomenda, de
acordo com especificações do encomendante, personalizado (identifica o fabricante)
e para seu uso (será colado na mercadoria).
O problema é que tais
impressos se agregam à mercadoria, formando com ela um só produto, destinado à
comercialização. Na condição de insumo vão compor o custo do produto. A sua
tributação pelo ISS, e não pelo ICMS, representam acréscimo de custo, uma vez
que o tributo que onerou este produto, o ISS, não poderá ser recuperado pelo
adquirente. Ou seja, o que for pago a título de ISS não poderá ser compensar,
como “crédito”, o ICMS que onerar a saída da mercadoria.
Contudo, o Superior
Tribunal de Justiça pacificou a matéria de forma um tanto simplista, editando a
Súmula 156: “A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob
encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas,
ao ISS”.
Posição semelhante foi
adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 94.939-RJ (1ª T, j.
3/11/81):
“Nos
impressos, porque o papel e a tinta são apenas a base física indispensável a
ocasionar a manifestação do bem incorpóreo que apresentam, mas como o objeto da
aquisição por terceiro está exclusivamente nesse bem incorpóreo, a obra
gráfica, por eles apresentada, que é criada por serviço (ISS), não dá lugar à
operação negocial de bem corpóreo (ICM), prevalecendo a obra imaterial
constante da figuração de símbolos e linhas do impresso (ISS)”.
Em síntese, a
jurisprudência dos tribunais superiores se orientou no sentido de que o ICMS
incide apenas quando o impresso não se destina ao uso específico do encomendante
(serviço prestado a alguém), mas à revenda ao público em geral (mercadoria).
Nesse sentido, o seguinte aresto da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça (REsp. 89.385-SP, j. 28/04/98, Repertório IOB
de Jurisprudência n° 13/98, pg. 299):
“Tributário. ICMS.
Impressos não personalizados. Mercadoria de estoque, que não se diferencia em
razão do consumidor, está sujeita ao ICMS, ainda que produzida em razão de encomenda
(STJ – Súmula n° 156, a contrario sensu)”.
Os critérios de
demarcação contidos na Súmula 156 são a personalização
e a prestação de serviço sob encomenda.
Mas, se o impresso não for personalizado (i. e. não atender a necessidades
específicas do consumidor), mesmo que
produzido em razão de encomenda
(conforme especificações do encomendante), será mercadoria que não se diferencia em razão do consumidor. Nesse
caso, incide apenas o ICMS, com exclusão do ISS.
Avançando um pouco mais,
chegamos ao caso do impresso gráfico
produzido mediante encomenda (segundo especificações do encomendante) para ser
agregado a outra mercadoria que será comercializada. A
incidência do ICMS ou do ISS dependerá de quem for considerado o consumidor, se o encomendante ou o
adquirente (para uso próprio) da mercadoria produzida pelo encomendante à qual
foi agregado o impresso gráfico.
Se entendermos que o consumidor (do impresso gráfico) é o
encomendante, devemos, por coerência, igualmente entender que qualquer
indústria que utilize um insumo, produzido por encomenda, para agregá-lo à
mercadoria que produz, é consumidor
desse insumo. Seria o caso, v.g., de
uma montadora de veículos que encomenda autopeças, conforme suas especificações,
inclusive ostentando a sua logomarca, para agregá-las ao veículo. A montadora
deveria ser considerada consumidora das
autopeças. Felizmente, a Lista de Serviços não prevê a montagem de veículos.
A matéria continua
suscitando discussão junto ao Supremo Tribunal Federal. Em particular acham-se
conclusas com o relator, Min. Joaquim Barbosa, as seguintes ações diretas de
inconstitucionalidade: (i) ADI 4.389, proposta pela Associação Brasileira de
Embalagem – ABRE, desde 20 de novembro de 2011; (ii)
ADI 4.413, proposta pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, desde 30 de
junho de 2011. Na primeira, atua na qualidade amicus curie, o Município de São Paulo.
6. Distinção entre ICMS e ISS:
Aires Barreto, como já
comentado, adota como critério de demarcação entre as incidências dos impostos
a noção de atividade-meio e atividade-fim. Conforme esse autor (ISS na
Constituição e na Lei São Paulo: Dialética, 2005, p. 235), temos que:
“Sendo inquestionável
que a qualificação de um bem como mercadoria não decorre das suas
características intrínsecas, senão do destino que se lhe dá, é inexorável a
conclusão de que só é mercadoria o bem objeto de mercancia. Não aquele cujo fim
é viabilizar uma prestação de serviço”.
“A distinção – vital –
entre o fornecimento de coisa, qualificável como mercadoria, e a prestação de
um serviço, que envolve aplicação de material, repousa, ainda, no discernimento
entre coisas como meio e coisas como fim”.
“Diante de operação
mercantil a coisa é objeto do contrato; sua entrega é a própria finalidade da
operação. No caso de prestação de serviço a coisa é simples meio para a realização
de um fim. A finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma coisa, mas,
diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de coisas
(materiais) é mero meio”.
O Superior Tribunal de
Justiça, por sua vez, adotou um critério de delimitação que não enfrenta a
situação colocada. Com efeito, decidiu a Primeira Seção daquele sodalício (Primeira
Seção, REsp 1.092.206 SP; RDDT, 164: 158; 2009):
“1. Segundo decorre do
sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, 2º, IV, da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC
116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e
Municípios, relativamente à incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos
seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadorias e sobre
serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicação incide
ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de
que trata a LC 116/03 (que sucedeu ao DL 406/08), incide ISSQN; e (c) sobre operações
mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e
serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido
na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado
não estiver previsto na referida lista”.
Soma-se ainda a forma
maliciosa como foi redigida a Lei Complementar 116/2003 que define, em seu
artigo 1°, o fato gerador do ISS como “a prestação de serviços constantes
da lista anexa, ainda que esses não se
constituam como atividade preponderante do prestador”. Reforçando ainda no
§ 2° do mesmo artigo que “os serviços nela mencionados não ficam
sujeitos ao” ... “ainda que sua
prestação envolva fornecimento de mercadorias”. Claramente, o propósito do
legislador, nesse caso, foi afastar o critério adotado pelo Decreto-lei
406/1968, para atender os anseios arrecadatórios dos Municípios, mesmo que às custas dos contribuintes, como veremos mais adiante.
6.1. Critérios de demarcação: o entendimento dos Estados:
Procurando definir um
critério de demarcação da incidência dos dois impostos, os Estados celebraram o
Convênio ICM 11/82, que autoriza a “não exigir o recolhimento do imposto sobre
operações relativas à circulação de mercadorias – ICM, na saída de impressos
personalizados, promovida por estabelecimento gráfico a usuário final”.
Estabelece ainda o convênio que “... considera-se usuário final, a pessoa
física ou jurídica que adquira o produto personalizado, sob encomenda,
diretamente de estabelecimento gráfico, para seu uso exclusivo.” Finalmente a
cláusula segunda do convênio exclui “a saída de impressos destinados à
comercialização, à industrialização ou à distribuição a título gratuito”.
O Estado de Santa
Catarina, no mesmo espírito que animou os signatários do Convênio 11/82, editou
a Portaria SEF 116/89, que assim dispôs sobre a matéria:
“Art. 1° Estão sujeitas ao
ICMS, as saídas de impressos, promovidas por estabelecimentos gráficos, que se
destinem à comercialização ou industrialização ou participem, de alguma forma,
de etapas seguintes de circulação de mercadorias”.
“Parágrafo único.
Aplica-se o disposto neste artigo aos impressos que acompanhem as mercadorias a
que se referem, mesmo que contenham indicações de nome ou marca do encomendante,
tais como etiquetas, bulas, materiais de embalagem, manuais de instrução e assemelhados”.
O tratamento tributário
dos impressos gráficos pode, então ser resumido da seguinte forma:
a) se o impresso gráfico
for produzido, ainda que por encomenda, para o fim de comercialização, “não se
diferenciando em razão do consumidor”, incidirá apenas o ICMS;
b) entretanto, se o
impresso gráfico personalizado for
produzido por encomenda para uso próprio do encomendante, incidirá apenas o ISS
(Súmula STJ 156).
Até aqui concordam a
doutrina, a jurisprudência e os fiscos estaduais. A divergência ocorre no que
se refere aos impressos gráficos, ainda que personalizados, produzidos por
encomenda, para serem agregados a mercadorias produzidas pelo encomendante. O
entendimento dos Estados, conforme Convênio 11/82, é que incide, nessa
hipótese, o ICMS. Os impressos gráficos, na visão dos fiscos estaduais, são
insumos (materiais de embalagem) que vem a compor o produto final. Esse
entendimento foi introduzido na legislação tributária catarinense pela Portaria
SEF 116/89.
6.2. Da vigência das normas jurídicas e da sua presunção
de validade:
Dispõe o art. 96 do CTN
que a expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. O
art. 100, I, do mesmo texto legal esclarece que são normas complementares das leis,
dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, os atos
administrativos expedidos pelas autoridades administrativas.
Ora, qualquer texto de
direito positivo, aprovado conforme o rito legislativo próprio, ou emitido pela
autoridade competente, presume-se válido e vigente, enquanto não for declarada
sua inconstitucionalidade ou retirado do ordenamento jurídico por ato expresso
do Senado da República (no caso da inconstitucionalidade ser declarada pela via
incidental). Nesse sentido, é o magistério de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional. 13ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2003, p. 312):
“A sentença que liquida
a controvérsia constitucional não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à
sua não aplicação ao caso particular, objeto da demanda. É o controle por via
incidental”.
“A lei que ofende a
Constituição não desaparece assim da ordem jurídica, do corpo ou sistema de
leis, podendo ainda ter aplicação noutro feito, a menos que o poder competente
a revogue”.
Aurora Tomazini de Carvalho,
por sua vez (Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo
lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, pg. 702), entende que uma lei, ainda
que visivelmente inconstitucional, “existe no plano do direito positivo, mesmo
que em descompasso com as regras constitucionais que a disciplinam, ela produz
efeitos e todos devem cumpri-la até que seja constituída juridicamente sua
inconstitucionalidade”.
O
mesmo posicionamento encontramos em José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 53:
“Milita presunção de
validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público,
que só se desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído
na Constituição. Essa presunção foi reforçada pela Constituição pelo teor do
art. 103, § 3º, que estabeleceu um contraditório no processo de declaração de
inconstitucionalidade, em tese, impondo o dever de audiência de Advogado-Geral
da União que obrigatoriamente defenderá o ato ou texto impugnado. A declaração
de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga;
teoricamente continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal
suspenda sua executoriedade nos termos do art. 52, X, a declaração na fia
direta tem efeito diverso, importa suprimir a eficácia e aplicabilidade da lei
ou ato ...”.
A Portaria SEF 116/89
dispôs expressamente que os impressos personalizados, quando integrados à mercadorias comercializadas pelo encomendante, ficam sujeitos
exclusivamente ao ICMS. Trata-se de ato administrativo geral e abstrato e,
portanto, de natureza normativa, classificando-se como ato-regra, que Celso
Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 8ª ed., 1996, p.
248) define como “os que criam situações gerais, abstratas e impessoais e por
isso mesmo a qualquer tempo modificáveis pela vontade de quem os produziu, sem
que se possa opor direito adquirido à persistência destas regras”.
As portarias de
Secretário de Estado, quando caracterizados como atos-regra, são normas
complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos
decretos (CTN, art. 100, I), estando compreendidas na
expressão “legislação tributária” (art. 96).
Nesses termos, não cabe
à Administração Tributária, cuja atividade é “plenamente vinculada”, negar
aplicação à disposição vigente de direito positivo, sem que, previamente, tenha
sido retirada do ordenamento jurídico, em uma das formas previstas.
6.3. Preservação do princípio da não-cumulatividade:
O princípio da não-cumulatividade
do ICMS encontra-se no art.155, § 2°, I e II, da Constituição da
República, como um direito do sujeito passivo de compensar o que for devido em
cada operação ou prestação com o “montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou
outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
A única exceção
constitucionalmente prevista encontra-se no inciso II, “b” do mesmo parágrafo,
segundo o qual a isenção ou não incidência acarreta a anulação do crédito
relativo às operações anteriores. Assim, fica consagrado o princípio de que o direito
ao crédito está condicionado ao débito. Ele só existe em razão do débito. Se
não há débito do imposto para ser compensado, não há que se falar em crédito.
Fora essa hipótese, é
direito constitucional do contribuinte creditar-se do imposto que onerou a
mercadoria em etapas anteriores de comercialização. Nesse sentido, leciona
Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 571) que “é necessário desonerar o custo da produção e da comercialização
de todo o imposto pago nas aquisições (seja relativo a insumos, produtos intermediários
ou bens do ativo fixo), sob pena de se ter nova tributação sobre esses bens,
pois o custo deles integrará o preço do produto no momento da saída. A indedutibilidade
dos créditos relativos à aquisição de bens de capital, máquinas e insumos
diretamente utilizados na atividade econômica configura um rompimento com o
princípio da não-cumulatividade”.
A Lei Complementar
87/1996, introduzindo, ainda que de modo incompleto, o regime de créditos
financeiros, no lugar dos créditos físicos até então adotados, representou
significativo esforço para o aperfeiçoamento do imposto.
A interpretação
sistemática da Constituição implica a composição harmoniosa de seus dispositivos,
de modo a não sobre-valorizar um em detrimento de
outro. A tributação, pelo ISS, dos impressos gráficos personalizados,
produzidos por encomenda, que serão agregados a mercadorias de produção do
próprio encomendante, leva à incidência em cascata do ICMS, o que é vedado pelo
art. 155, § 2°, I, da Constituição
Federal.
Os materiais empregados
para a confecção dos impressos representam parcela significativa do valor do
produto final (o impresso gráfico). Ora, sendo, o encomendante considerado consumidor dos impressos (usuário do
serviço), a incidência do ISS, nessa etapa, funciona como uma cunha, impedindo a comunicação dos
créditos do ICMS correspondentes aos materiais empregados na fabricação dos
impressos com os débitos relativos à comercialização subseqüente das
mercadorias comercializadas pelo encomendante dos impressos gráficos.
Segundo Zelmo Denari (Exonerações Monofásicas do Regime de Incidência
Não-Cumulativa. RDDT n° 31: 100-109), “essas
distorções podem suscitar até efeitos cumulativos indesejados quando
localizadas nas passagens intercalares do ciclo econômico-distributivo, pois ao
invés de uma arrecadação a menor (sub-recepção
tributária) provocam uma arrecadação a maior (super-recepção tributária), subvertendo a neutralidade do sistema
de incidência não-cumulativa”.
O ICMS, mercê da
incidência, em fase intermediária, do ISS, é pago em duplicidade (incidência em
cascata). Observe-se que a cumulatividade é do ICMS. Não estamos falando de
cumulatividade entre impostos diferentes (ICMS e ISS). O ISS, ao afastar
naquela fase a incidência do ICMS, propicia a incidência em cascata do imposto estadual. Se o adquirente dos impressos – que
irão se agregar à mercadoria por ele comercializada ou produzida – não puder se
creditar do ICMS que onerou os materiais utilizados na confecção dos impressos,
o imposto devido pela saída das mercadorias ou produtos não será compensado
pelo montante integral do imposto cobrado nas etapas anteriores de comercialização.
Com isso estará sendo descumprido o preceito inserto no art. 155, § 2º
da Constituição Federal.
Sobre a abrangência do
princípio da não-cumulatividade, oportuna se revela a advertência da Professora
Misabel Derzi (apud Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de
Direito Tributário Brasileiro, 1999, p. 489):
“É importante notar que
tanto o ICMS quanto o IPI não são impostos que devam ser suportados,
economicamente, pelo contribuinte de direito (o comerciante ou industrial).
São, a rigor, impostos sobre o consumo, não devendo onerar a produção ou o
comércio, como alerta Klaus Tipke. Disso resulta que, numa operação entre
empresas, cada uma delas pode se livrar, basicamente, através da dedução do
imposto anterior, do imposto dela cobrado pela outra e transferir, na etapa de
circulação, o ônus do imposto devido pelo adquirente, e assim sucessivamente,
até o consumidor final”.
A mesma autora, nos seus
excelentes comentários à alentada obra de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário
Brasileiro, 11ª ed. 1999, p. 370), acrescenta o seguinte:
“É que a Constituição brasileira
assegura, como de resto o fazem os países europeus e latino-americanos, que o
contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o
ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se
do imposto que suportou em suas aquisições (embora na posição de adquirente
apenas tenha sofrido a transferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofre públicos). Tal tributo não onera, assim, a força
econômica do empresário que compra e vende ou industrializa, porém a força
econômica do consumidor, segundo ensina Herting. A rigor, quer do ponto de
vista jurídico – pois há expressa licença constitucional para isso – quer do
ponto de vista econômico, o imposto foi modelado para ser suportado pelo
consumidor, jamais pelo contribuinte-comerciante. Explicam os juristas
franceses que ‘.... em cada estágio da produção e da comercialização de um
produto, um contribuinte tem a possibilidade de deduzir do imposto sobre o
valor acrescido (TVA) que ele faturou para seu cliente sobre o preço de venda,
aquele imposto que lhe foi faturado por seus fornecedores e que oneram o preço
de revenda; ...’”.
A desoneração do
aparelho produtivo, como repisa com propriedade a autora acima citada, é
característica essencial dos impostos não-cumulativos. É o que garante a neutralidade
do tributo em relação ao sistema econômico. Nesse sentido, atuou a Lei
Complementar 87/1996, que trata de normas gerais em matéria de ICMS, ao adotar
o regime de créditos financeiros, em
substituição ao regime de créditos
físicos (art. 20). O reconhecimento do direito ao crédito sobre bens
destinados à integração ao ativo imobilizado e sobre bens de uso e consumo do
estabelecimento, bens esses que não se integram fisicamente ao produto vendido,
visa claramente desonerar o aparelho produtivo, na medida que
o imposto que onerou tais bens possa ser recuperado pelo contribuinte.
Fez mais ainda o
legislador complementar: previu mecanismo para o ressarcimento do crédito
fiscal relativo a operações pretéritas. Trata-se do disposto nos §§ 3°
e 6° do mesmo artigo 20. A
critério do legislador estadual, tais créditos podem ser apropriados por
quem praticar a primeira operação tributada.
6.4. Não-cumulatividade e tributação neutra:
O ICMS, na sua concepção
de imposto não-cumulativo, inspirou-se no IVA (Imposto sobre o Valor Agregado),
adotado pelos países europeus, como tributo neutro e com finalidade
exclusivamente fiscal, ou seja, de financiamento do setor público. Não é um
imposto que se preste impunemente a experiências de extra-fiscalidade. Para
isso, existem outros tributos melhor vocacionados. Sobre o conceito de
neutralidade do tributo, leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 165):
“Entende-se por
neutralidade, aqui, a indiferença do ônus tributário quanto ao número de
operações realizadas com a mercadoria. O ônus do imposto é sempre o mesmo,
tanto para a mercadoria que, entre a produção e o consumo, passa apenas por
duas operações, como para aquela que nesse trajeto passa por n operações. Diz-se que essa neutralidade
implica proporcionalidade do ônus ao valor da mercadoria, proporcionalidade que
não existiria se variasse o ônus tributário em função do número de operações”.
A seu turno, ensina
Ricardo Lobo Torres (Sistemas
Constitucionais Tributários. In: Tratado
de Direito Tributário Brasileiro. v. II, t. II coord. Aliomar Baleeiro
& Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 295) que:
“O princípio da neutralidade econômica do ICM é
importantíssimo. Significa, do ponto de vista da organização empresarial, que
não favorece a integração vertical, com criar mecanismos que tornam
desaconselháveis a união de empresas dedicadas a fases diferentes do processo
de circulação e produção. Significa, também, do ponto de vista do processo de
circulação da riqueza, que não distorce a formação dos preços, pois, independentemente
do número de operações, o imposto final será sempre igual à multiplicação da
alíquota pelo preço da última saída”.
O princípio da neutralidade
do ICMS está implícito no texto da Constituição Federal. Assim, o art. 170, IV,
elege como princípio da ordem econômica, a livre concorrência o que significa,
em termos econômicos, a adoção de economia de mercado e do sistema de preços
como indicativo para a alocação de recursos. A atividade econômica é área de
atuação prioritária da iniciativa privada. A atuação do Estado nessa área deve
ser excepcional. Com efeito, dispõe o art. 173, “a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Por outro
lado, o art. 174 reserva ao Estado o papel de “agente normativo e regulador da
atividade econômica”, desempenhando as funções de “fiscalização, incentivo e
planejamento”.
Então, podemos dizer que
a neutralidade da tributação sobre o consumo consiste em ser o tributo
indiferente aos agentes econômicos em sua tomada de decisões. Nesse sentido,
define Fernando Aurélio Zilveti (Variações
sobre o Princípio da Neutralidade no Direito Tributário Internacional. In:
Direito Tributário Atual nº 19 (coor. Alcides Jorge Costa, Luis Eduardo Shoueri
e Paulo Celso B. Bonilha) São Paulo: IBDT: Dialética. 2005, p. 24):
“Considera-se neutro o
sistema tributário que não interfira na otimização da alocação de meios de
produção, que não provoque distorções e, assim, confira segurança jurídica para
o livre exercício da atividade empresarial”.
Prossegue o mesmo autor
enfatizando a importância da neutralidade para a liberdade de organização
empresarial e no processo de circulação de riqueza “para justamente evitar a
distorção de preços, a restrição ao fluxo de capitais”. Então a neutralidade
pode ser concebida como “o princípio segundo o qual os tributos não devem
alterar as preferências ou o desenvolvimento das atividades das pessoas que
compõe a sociedade, exceto quando a dita interferência permita uma melhor
consecução dos objetivos gerais da sociedade”.
Nesse sentido, a
não-cumulatividade, como princípio e como técnica, é a forma de viabilizar a
neutralidade do imposto. Ainda Zilveti, numa expressão bastante feliz (iden, p.
27), sintetiza que a neutralidade concorrencial “exige repercussão fiscal equânime
entre os agentes econômicos”, consagrando o tributo não-cumulativo como “aquele
que melhor realiza o princípio da neutralidade, uma vez que não fere as leis da
livre-concorrência e da competitividade” (id. p. 33).
A relevância do
princípio da livre-concorrência é tal que inspirou o art. 146-A da Lei Maior,
introduzida pela EC 42/2003, permitindo que lei complementar estabeleça “critérios
especiais de fiscalização, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da
concorrência”. Esse dispositivo mereceu de Roberto Ferraz (A Inversão do Princípio da Capacidade Contributiva no Aumento da Cofins
pela Lei 9.718/98. RDDT 130: 72) o seguinte comentário:
“..seja
pela natureza da tributação, seja pela consagração constitucional do regime de
livre-concorrência, seja pelo disposto no art. 146-A, acrescentado pela Emenda
42, de 19 de dezembro de 2003, a idéia de não-interferência aleatória do Estado
no mercado, salvo a expressamente buscada ‘com o objetivo de prevenir
desequilíbrios da concorrência’, é elemento essencial do Direito brasileiro.”
7. Considerações finais:
De todo o exposto, não
se pode prescindir da identificação da atividade preponderante como critério de
demarcação entre as respectivas esferas de incidência do ICMS e do ISS, em
operações que envolvam simultaneamente fornecimento de mercadorias e prestação
de serviços. Se no negócio jurídico celebrado preponderar a
obrigação de dar, estaremos diante de operação de circulação de mercadorias
(ICMS). No caso, a prestação de serviço subsume-se no fato gerador do imposto
estadual. Caso contrário, se preponderar, no negócio jurídico celebrado, um
obrigação de fazer, estaremos diante de uma prestação de serviço (ISS), ficando
o valor dos materiais fornecidos incluídos na base de cálculo do imposto municipal.
Apesar deste não ser o entendimento
dominante da jurisprudência dos tribunais superiores, para o Fisco catarinense deve
incidir exclusivamente o ICMS sobre o fornecimento de impressos gráficos, os
quais serão agregados a mercadorias produzidas pelo encomendante (rótulos,
embalagens etc.). A uma, porque se trata de matéria disciplinada pela
legislação tributária estadual (Portaria SEF 116/1989), cuja vigência não pode
ser negada por órgão integrante da Administração Tributária estadual. A duas,
porque a incidência do ISS impede a compensação dos créditos do ICMS relativos
aos insumos utilizados pela indústria gráfica com o mesmo imposto devido pela
comercialização da mercadoria produzida pelo encomendante. A impossibilidade de
recuperar o ICMS que onerou operações anteriores conflita com o princípio da
não-cumulatividade, prestigiado pela Constituição da República, art. 155, § 2°,
I.
Getri, em Florianópolis, 24 de maio de 2012.
Velocino Pacheco Filho Lintney
Nazareno da Veiga
AFRE – mat. 184244-7 Gerente de Tributação