ESTADO
DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO
DA FAZENDA
DIRETORIA DE
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE
TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 006/2012
Hierarquia, impessoalidade, e atividade administrativa
vinculada.
1. Considerações iniciais:
Estamos atravessando um
período bastante crítico na evolução do Estado brasileiro: de um lado o processo secular de exclusão social, de outro as promessas não
cumpridas da Constituição de 1988, pedem uma revisão do papel do Estado
e suas relações com a sociedade civil.
Essa situação de
incerteza encontra reflexo nas relações dos servidores com a Administração
Pública, dando margem à incerteza, ao desconforto e mesmo ao confronto.
O fato novo é o
surgimento de movimentos organizados que exigem novos comportamentos do Estado,
que vão da maior transparência na gestão da coisa pública, do controle social
do gasto público à maior eficiência e responsabilidade da máquina estatal.
Precisamos de um novo
modelo de Estado e de um novo tipo de servidor público, tecnicamente melhor
preparado, mais consciente e engajado nas políticas sociais e na busca do
interesse público, com padrão moral mais elevado e, naturalmente melhor remunerado.
Esse é o momento de nós,
servidores fazendários, começarmos a pensar uma nova SEF, mais profissional,
com padrão técnico mais elevado, eticamente compromissada com
a justiça fiscal e com menor ingerência política na receita tributária e na sua
destinação.
2. O Estado Democrático de Direito:
Dispõe o art. 1º da
Constituição brasileira de 1988 que a República Federativa do Brasil
constitui-se em Estado Democrático de Direito. O parágrafo único do mesmo
artigo estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Temos então a junção de
duas idéias: (i) a de Estado de Direito, ou seja, o Estado que se rege pelas
leis que edita (ou, na expressão de Kant, “a união dos homens sob o império das
leis”) e (ii) a de Estado Democrático, entendido como aquele em que o povo é o
titular da soberania. No escólio de Elcio da Fonseca Reis (O Estado Democrático de Direito. Tipicidade Tributária. Conceitos Indeterminados
e Segurança Jurídica. RTFP 34: 156-168), “o adjetivo acrescentado ao termo ‘Estado
de Direito’ revela uma modificação substancial, não meramente formal, na
concepção de Estado até então vigente. Não há dúvidas de que tal adjetivo
indica um propósito de se modificar a estrutura liberal do Estado de Direito,
para um Estado de Direito e de Justiça Social, cujos valores são diferentes”.
Ao contrário do que
sucedeu no passado, quando o Estado era financiado pelas receitas patrimoniais
do príncipe e o funcionalismo público era representado pela domesticidade do
soberano, o Estado Democrático de Direito deve ser financiado com a
contribuição de todos, na medida da capacidade de cada um, ou seja, estamos
diante do que justamente podemos conceber como Estado Fiscal. Nesse sentido,
leciona Ricardo Lobo Torres (Sistemas
Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 63) que tal
Estado “caracteriza-se, sobretudo, por ser o reino da legalidade com o objetivo
precípuo de garantir os direitos fundamentais, especialmente a liberdade, na
sua mais ampla acepção, e a igualdade, em seu sentido formal”. Prossegue o
mesmo autor dizendo que “só o Estado que cultiva a igualdade e a legalidade, no
qual o poder tributário já nasce limitado pela liberdade, e que, ao mesmo
tempo, necessita de recursos mais abundantes que os da polis e das comunidades medievais, é que se pode classificar como
Estado Fiscal”.
Raquel Cavalcanti Ramos
Machado (Interesse Público e Direitos do Contribuinte.
São Paulo: Dialética, 2007, 57), a seu turno, comenta que “o Estado social traz
consigo a idéia não só de que o Pode Público deve prestar assistência ao
cidadão, mas de que os custos assistenciais devem ser arcados por toda a
sociedade”, razão por que “o cidadão não pode considerar sua relação com o
Estado e com a sociedade de forma apenas passiva, vislumbrando somente seus
direitos, como se pudesse reclamar bens e serviços do Estado, sem considerar
seu dever de contribuir de uma maneira geral para o incremento da sociedade,
inclusive com o pagamento de tributos”. Com efeito, é do interesse do cidadão “viver
em uma sociedade na qual bens e serviços públicos
funcionem, na qual a educação seja a mais universal possível e, assim, a
mão-de-obra seja qualificada, haja progresso nas ciências etc”. Conclui essa
autora que “uma teoria ordenada sobre o dever de pagar tributo deixaria os
cidadãos mais conscientes de seu cumprimento, e estes, então, exigiriam com
mais força a contraprestação estatal, exatamente porque saberiam que a
exigência decorreria não do paternalismo estatal, mas como resposta do Estado
ao cumprimento do dever de contribuir” (id. p. 60).
3. Administração pública e princípio hierárquico:
Conforme magistério de
Maria Sylvia Zanella Di Pietro “em sentido objetivo, a Administração Pública
abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes
incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas; corresponde à
função administrativa, atribuída preferencialmente aos órgãos do Poder Executivo”
(Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 59).
De modo semelhante,
Diógenes Gasparini conceitua Administração Pública, “de acordo com o critério
material, também chamado de objetivo” como “um complexo de atividades concretas
e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei, visando
o atendimento das necessidades coletivas” (Direito Administrativo, 10ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 45). Acrescenta o mesmo autor que:
“A estruturação da
Administração Pública, compreendida como a instituição dos órgãos encarregados
da execução de certas e determinadas atribuições, faz-se com a observância do
princípio da hierarquia, que é a relação de subordinação existente entre os
órgãos públicos com competência administrativa e, por conseguinte, entre seus
titulares, decorrentes do exercício da atribuição hierárquica, chamada por
alguns de poder hierárquico”.
“....................”
“Do exercício dessa
atribuição decorrem as competências de dar
ordens, de fiscalizar, de rever, de delegar e de avocar. Pela
atribuição de dar ordens determina-se ao subordinado o ato a ser praticado ou a
conduta a ser observada. Mediante a faculdade de fiscalizar mantêm-se sob
vigilância os atos e o comportamento dos subalternos, visando enquadrá-los nos
limites da legislação a ser obedecida” (id. p. 52).
Assim, pelo princípio da
hierarquia, mesmo que contrárias às convicções pessoais do servidor, não lhe é
permitido contraditar ou descumprir determinações superiores, nem mesmo
manifestar sua discordância perante os administrados, inclusive quanto à
interpretação dada a dispositivos da legislação. Especificamente a
Administração Tributária deve dar aos contribuintes a mesma interpretação,
ainda que o servidor com ela não concorde. Conforme Hugo de Brito Machado
(Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. II, São Paulo: Atlas, 2004, p.
96):
“Como a prestação
tributária deve ser cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada, a integração e a interpretação das leis tributárias não podem ser
feitas individualmente por cada agente público. Seria inevitável o surgimento
de interpretações diferentes e assim os princípios da isonomia e da segurança
jurídica estariam seriamente comprometidos”.
“Assim, desde que à
Administração Tributária é atribuído o poder de criar normas gerais, de caráter
regulamentar, seria impossível negar-lhe, com vistas à certeza e uniformidade
na aplicação do Direito, a faculdade de interpretar as normas que seguidamente
há de aplicar. Interpretar, como interpreta, mediante a edição de normas de
hierarquia inferior, vale dizer, normas complementares da legislação
tributária”.
A isso acrescenta Abel
Henrique Ferreira (Interpretação do
direito tributário no processo administrativo brasileiro. Direito
Tributário em Questão n° 1, Porto Alegre: FESDT, 2008, pp. 11-20) que “a
administração pública deve ter uma única interpretação da legislação tributária,
de modo que possa aplicá-la de maneira justa”. Está em jogo não só o tratamento
isonômico que deve ser dado aos contribuintes, mas a segurança jurídica e a
confiança que os administrados devem ter na Administração. Assim sendo, “cada
agente público ao aplicar a legislação deve aplicá-la de acordo com um consenso
comum da administração e não com base em entendimento individual”.
Insurgir-se, pois,
contra determinações ou orientações da direção superior (atos administrativos
ordinatórios ou normativos) caracteriza desobediência, que pode ensejar a instauração
de procedimento disciplinar.
4. Princípio da eficiência administrativa:
O art. 37 da
Constituição Federal elenca como princípios informadores da Administração
Pública, (i) a legalidade, (ii) a impessoalidade,
(iii) a moralidade, (iv) a publicidade e (v) a eficiência. Esse último, o
princípio da eficiência administrativa foi acrescido pela Emenda Constitucional
19/1998. Quanto ao seu conteúdo, significa que a Administração tem o dever de
ser eficiente na realização de suas atribuições: utilizar os recursos
disponíveis para obter o melhor resultado possível. Com o termo “eficiência”, o
legislador quis abranger os conceitos, não só de eficiência, mas também os de
eficácia e efetividade.
Para José Afonso da
Silva (Comentário Contextual à Constituição, 7ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 342), o conceito constitucional de eficiência consiste em “conseguir
os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo”.
Prossegue o mesmo autor:
“..a
eficiência administrativa se obtém pelo melhor emprego dos recursos e meios
(humanos, materiais e institucionais) para melhor satisfazer as necessidades
coletivas, num regime de igualdade dos usuários. Logo o princípio da eficiência administrativa consiste na organização
racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a
prestação de serviços públicos de qualidade em condições econômicas e de igualdade
dos consumidores. O princípio investe as regras de competência, pois o bom desempenho
das atribuições de cada órgão ou entidade pública é fator de eficiência em cada
área de função governamental”.
Ao que acrescenta Maria
Sylvia Zanella Di Pietro (op. cit. p. 84):
“O principio da
eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em
relação ao modo de atuação do agente
público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas
atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar
a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os
melhores resultados na prestação do serviço público”.
Então, a ineficiência
pode ser do servidor ou do órgão. Quanto ao primeiro caso, estará descumprindo
o princípio da eficiência administrativa, o servidor que for impontual,
relapso, não zelar pela conservação do patrimônio público, agir com desperdício
de materiais, descumprir injustificadamente os prazos
impostos pela legislação etc. Também nesses casos poderá ser instaurado o
competente procedimento disciplinar. A propósito, a Lei 6.745/85 que dispõe sobre
o Estatuto dos servidores civis do Estado de Santa Catarina, trata a ineficiência
desidiosa no exercício de suas atribuições
como infração disciplinar punível com demissão (art. 136, II, 14).
5. Presunção de validade das normas:
Segundo José Afonso da
Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 53), “milita presunção de validade
constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que só se
desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído na Constituição”.
Assim, presumem-se
constitucionais as leis aprovadas pelo Poder legislativo, segundo o rito
próprio e sancionadas e publicadas pelo Chefe do Poder Executivo até que seja declarada
sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em controle
concentrado de constitucionalidade, ou seja retirada do ordenamento jurídico
por ato do Senado da República, se a inconstitucionalidade for declarada no
curso do controle difuso, nos termos do art. 52, X, da Lei Maior.
Isso porque a declaração
incidental de inconstitucionalidade vale apenas para as partes envolvidas, mas
não retira a lei do ordenamento jurídico, de modo que esta continua a produzir
efeitos em relação a terceiros e obriga a sua observância. Desse modo, podem conviver
no mesmo ordenamento leis constitucionais e leis inconstitucionais. Por isso
mesmo, comenta Aurora Tomazini de Carvalho (Curso de Teoria Geral do Direito: o
construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, pg. 702) que uma lei,
ainda que visivelmente inconstitucional, “existe no plano do direito positivo,
mesmo que em descompasso com as regras constitucionais que a disciplinam, ela
produz efeitos e todos devem cumpri-la até que seja constituída juridicamente
sua inconstitucionalidade”.
José Afonso da Silva
refere-se também a “atos normativos do Poder Público” que enunciados pela
autoridade competente e observadas as formalidades legais, presumem-se válidos
e devem ser observados pelos servidores públicos, até que sejam revogados ou
anulados.
As portarias, ordens de
serviço, orientações internas, resoluções normativas e outros atos
administrativos de caráter normativo devem ser observadas pelos servidores,
ainda que equivocadas ou de duvidosa legalidade. Não compete ao servidor
publico negar-lhes cumprimento, sob pretexto de sua ilegalidade ou porque não
concorde com o seu teor.
6. Conteúdo da expressão “legislação tributária”:
Dispõe o art. 96 do CTN
que “a expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as norma complementares que versem, no
todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídica a eles
pertinentes”. Já o art. 100 considera como normas complementares das
leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, (i) os atos
normativos expedidos pelas autoridades administrativas, (ii)
as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a
que a lei atribua eficácia normativa; (iii) as práticas reiteradamente observadas
pelas autoridades administrativas; e (iv) os convênios que entre si celebrem a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Assim, constituem
“legislação tributária”, as portarias, as resoluções normativas, as orientações
internas e outros atos expedidos pelas autoridades administrativas, para
dirimir dúvidas, interpretar dispositivos da legislação ou orientar as
atividades fiscais.
Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código
Tributário Nacional, vol. II, São Paulo: Atlas, 2004, p. 31) enfatiza o caráter
teleológico do art. 96 que visa claramente afastar a interpretação de que
apenas as normas veiculadas por lei estariam sob a égide do princípio da
legalidade. Assim, ensina o ilustre jurisconsulto cearense:
“Não há dúvida de que o
elaborador do Código Tributário Nacional, ao inserir nele a norma de seu art.
96, teve o objetivo de indicar que a expressão legislação tributária, quando utilizada em seu texto, não significa
um conjunto de leis, mas o conjunto de todas as normas que tratem de tributos e
das relações jurídicas a ele pertinentes, seja qual for a
posição hierárquica das mesmas em nosso ordenamento jurídico”.
Aliomar Baleeiro, a seu turno, observa que o sentido dado à expressão “legislação
tributária” pelo art. 96 “não se limita aos atos formalmente considerados como
leis ou delas integrantes, como os decretos-leis e decretos do Executivo. Vai
mais além, envolvendo outros atos administrativos, inclusive os de natureza
jurisdicional” (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed, atualizado por Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 610).
7. O dever funcional de dar cumprimento às normas da
legislação tributária:
Dispõe a Lei
Complementar 465, de 3 de dezembro de 2009, art. 4º, que “as autoridades
julgadoras são incompetentes para declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade
de lei, decreto ou ato normativo de Secretário de Estado”.
À evidência, se às
autoridades competentes para julgar da legalidade da constituição do crédito
tributário e decidir pela sua desconstituição é vedado pronunciar a inconstitucionalidade
ou a ilegalidade de ato normativo de Secretário de Estado, a fortiori a mesma vedação aplica-se aos demais servidores
públicos. Tais atos presumem-se válidos e vigentes e devem ser observados pelos
servidores, independentemente de seu convencimento.
Conforme Aliomar
Baleeiro (op. cit. p. 685):
“É um erro supor que o
art. 109 consagra a interpretação econômica (tomada no sentido de abandono das
formas jurídicas). O art. 109 autoriza o legislador tributário a atribuir a um
instituto de Direito Privado – dentro dos limites constitucionais existentes –
efeitos tributários peculiares. E, se o legislador tributário não o fizer
expressamente, não poderá o intérprete adaptar princípio ou instituto de
Direito Privado para aplicar-lhe efeitos tributários especiais. Já o art. 110
proíbe ao próprio legislador ultrapassar aqueles limites postos na Constituição
Federal, por via indireta, ou seja, por meio da informação e revisão do alcance
daqueles mesmos institutos, conceitos e formas de Direito Privado”.
8. Relação entre fisco e contribuinte: o princípio da
impessoalidade:
Segundo o princípio da
impessoalidade, insculpido no art. 37 da Lei Maior, a Administração Pública
deve dispensar o mesmo tratamento a todos os administrados. O servidor não deve
manifestar favoritismos, preferências ou antipatias. Os contribuintes devem receber
das autoridades fazendárias o mesmo tratamento: todos são iguais perante a lei;
todos são iguais perante o Fisco. Isto porque o servidor fazendário é apenas o
meio pelo qual o Estado se manifesta.
Conforme leciona José
Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição, 7ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 340), “os atos e provimentos administrativos são imputáveis
não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em
nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública,
de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que
formalmente manifesta a vontade estatal”.
Assim, o servidor
fazendário que procede ao lançamento do tributo e lavra o auto de infração age
em nome do Estado, verdadeiro titular do crédito tributário e do direito
subjetivo de exigi-lo. O servidor não tem interesse processual no crédito
tributário. Essa a razão porque não é admitida a sustentação do ato fiscal por
quem o emitiu, em sede de contencioso administrativo tributário.
9. Princípio da moralidade administrativa:
As autoridades
administrativas, entre outras coisas devem observar o princípio da moralidade,
pois, pode ser declarada a nulidade do ato administrativo, mesmo legal, com
base na sua imoralidade. O ato administrativo além de legal deve ser moral.
Assim estará ferindo o
princípio da moralidade o servidor que, aproveitando a oportunidade aberta com
a apresentação de um requerimento ou formulação de consulta pelo contribuinte,
instaura de imediato procedimento administrativo fiscal. A esse propósito,
leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “a imoralidade administrativa surgiu
e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder, pois se entendia que em
ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para
atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção
do agente” (op. cit. p. 78).
Diógenes Gasparini, a seu turno, acrescenta que “o ato e a atividade da Administração
Pública devem obedecer não só à lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é
legal é honesto, conforme afirmavam os romanos” (op. cit. p. 10).
10. Discricionariedade, razoabilidade e proporcionalidade
no exercício da função pública:
O tributo é cobrado
“mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, dispõe o art. 3º.
Do CTN. Já o parágrafo único do art. 142 do mesmo pergaminho dispõe que “a
atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de
responsabilidade funcional”. Apesar disso, sempre há uma pequena margem de
discricionariedade na efetivação de medida de fiscalização. É justamente na
escolha dos meios para atingir os fins que a autoridade deve observar o
princípio da proporcionalidade.
“... embora a norma
legal deixe um espaço livre para a decisão administrativa, segundo os critérios
de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz no caso
concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução. Se
a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a
Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade e o Poder
judiciário poderá corrigir a ilegalidade” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op cit. p. 81).
Adotaremos, para a
conceituação de “proporcionalidade” a seguinte lição de Alexandre Macedo
Tavares (A Lei 8.212/91 e a Anomalia da
Graduação Progressiva da Multa de Ofício pelo Decurso de Tempo. RDDT 154:
7):
“Ensina Canotilho que
análise da proporcionalidade do ato administrativo é feita à luz de elementos
informadores que se consubstanciam em seus elementos constitutivos ou subprincípios,
a saber: princípio da conformidade ou adequação;
princípio da exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido
estrito”.
“Mediante o princípio da conformidade, procura-se
analisar se a medida adotada é apropriada à consecução do fim a que se propõe.
Trata-se do controle da relação de
adequação medida-fim. Sua aplicação é ampla no âmbito da discricionariedade
e dos atos vinculados, mostrando-se limitada em relação ao controle da
finalidade das leis, tendo em vista a liberdade de adequação do legislador”.
“O princípio da exigibilidade (ou necessidade), também denominado ‘princípio
da menor ingerência possível’, determina que ao cidadão só pode ser imposta a menor
desvantagem possível. Na maioria das vezes, não há crítica em relação à adoção
da medida, mas questionamento sobre a possibilidade de se ter aplicado medida
menos gravosa”.
“Portanto, ao impor
medida restritiva ao indivíduo, caberá à Administração provar que, para a
obtenção de determinados fins, não era possível adotar medida menos gravosa. A
esse princípio se agrupam outros elementos: a) a exigibilidade material, que diz respeito ao meio utilizado; b) exigibilidade espacial, que determina a
limitação do âmbito da intervenção; c) a exigibilidade
temporal, que exige a definição do tempo em que perdurará a medida coativa;
d) a exigibilidade pessoal, que
pressupõe a limitação da pessoa ou pessoas cujos interesses devam ser
prejudicados”.
“Segundo o princípio da proporcionalidade em sentido
estrito (ou princípio da justa medida), o resultado obtido com a
intervenção deve ser proporcional à ‘carga coativa’ do ato administrativo.
Trata-se de um juízo de ponderação com vistas a aferir se o meio utilizado é ou
não desproporcional ao fim a que se destina, vale dizer, presta-se a pesar as
desvantagens do meio em relação às vantagens do fim”.
Para Helenilson Cunha
Pontes (O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo:
Dialética, 2000, p. 40), a proporcionalidade é “um princípio jurídico basilar,
fundante do Estado Democrático de Direito, pois, considerando que todo poder
emana do povo e em nome dele será exercido, cumpre aos detentores do poder
exercê-lo sempre buscando a máxima satisfação dos interesses individuais
protegidos constitucionalmente”.
Discute-se, nesse passo,
a relação entre “democracia” e “proporcionalidade”, na aplicação das normas
jurídicas. Prossegue o mesmo autor: “O exercício proporcional do poder político
– por agentes públicos que são meros delegatários deste poder – aos fins para
os quais o mesmo foi concebido, é uma exigência ontológica da forma democrática
de Estado, e constitui, por assim dizer, o arcabouço sobre o qual o mesmo se
apóia”. Considerando a opção do constituinte de 1988 em construir um Estado
Democrático de Direito, temos como conseqüência necessária que: “Nenhum agente
público em um Estado Democrático de Direito pode exercer o poder que
temporariamente lhe cabe sem estar limitado pela garantia do princípio da
proporcionalidade” (id. p. 41).
No tocante à
razoabilidade, Humberto Ávila distingue: “O postulado da proporcionalidade não
se identifica com o da razoabilidade:
esse exige a consideração das particularidades individuais dos sujeitos
atingidos pelo ato de aplicação concreta do Direito, sem qualquer menção a uma
proporção entre meios e fins” (Proporcionalidade e direito tributário. Direito
Tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. Coordenação de Luis Eduardo Schoiueri.
Vol. I, São Paulo: Quartier Latin, 2003, pg. 334).
11. Motivação dos atos administrativos:
Ordinariamente diz-se
que são elementos ou requisitos dos atos administrativos a competência, a
forma, o objeto, o motivo e a finalidade. Conforme Maria Sylvia Zanella Di
Pietro (op. cit. p. 203), o motivo é
o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato
administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o
ato; pressuposto de fato é o conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de
situações que levam a Administração a praticar o ato.
Celso Antonio Bandeira
de Mello (Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p. 372) distingue entre motivo do ato e a motivação feita pela autoridade
administrativa. A motivação é requisito da formalização do ato, consistindo na
enunciação da regra de direito, dos fatos em que o agente público se baseou e
da pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. “Na motivação
transparece aquilo que o agente apresenta como ‘causa’ do ato”. Conforme esse
ilustre administrativista:
“Parece-nos que a
exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de
ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são ‘donos’
da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade,
esta, sim, senhora de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição
‘todo poder emana do povo (...)” (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal
preceito é assumido e que ademais, qualifica-se como ‘Estado Democrático de
Direito’ (art. 1º, caput), proclamando,
ainda, ter como um de seus fundamentos a ‘cidadania’ (inciso II), os cidadãos e
em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi
praticado, isto é, que fundamentos o justificam” (id. p. 374).
A conseqüência da falta
de motivação ou motivação defeituosa é a nulidade do ato administrativo.
Conforme Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo, 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 307):
“A motivação é
necessária para permitir o conhecimento dos motivos que nortearam a conduta,
propiciando o controle quanto à regularidade do ato. Suprimir a motivação
dificulta a avaliação dos motivos e gera o risco de que atos defeituosos sejam
considerados como válidos”.
Ato administrativo sem
motivação ou com motivação insuficiente é nulo e não produz efeitos ex tunc. Assim, a falta de motivação
fulmina com nulidade tanto o despacho que deferir ou indeferir requerimento do
contribuinte, como a notificação de lançamento de tributo.
12. O servidor público e o cidadão:
A cidadania, conforme
dispõe o inciso II do art. 1º da Carta Magna de 1988, é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil. Trata-se da qualidade do cidadão, conceito que
tem origem na antiga Roma (= cives), recuperado pela Revolução Francesa, referindo-se
à condição do indivíduo como membro de um Estado e titular de direitos e obrigações.
Cidadania, em relação ao Estado Democrático de Direito, implica o gozo dos
direitos e garantias fundamentais e a participação efetiva na tomada de
decisões políticas. José Afonso da Silva (Curso ... p. 104) leciona que:
“A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos
políticos. Qualifica os participantes da vida do
Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade
estatal (art. 5°, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do
Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o
conceito de soberania popular
(parágrafo único do art. 1°), com os direitos políticos (art. 14) e com
o conceito de dignidade humana (art. 1°, III), com os objetivos da
educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrático”.
Prossegue esse autor que
a cidadania “qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das
pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do
direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação
política. Cidadão, no direito
brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e
ser votado e suas conseqüências” (id. p. 345).
Em um Estado Democrático
de Direito, o financiamento do setor público é um dever da cidadania que tem
por contrapartida a participação na tomada de decisões políticas. “O cidadão
não pode considerar sua relação com o Estado e com a sociedade de forma apenas
passiva, vislumbrando somente seus direitos, como se pudesse
reclamar bens e serviços do Estado, sem considerar seu dever de contribuir de
uma maneira geral para o incremento da sociedade, inclusive com o pagamento de
tributos” (Raquel Cavalcanti Ramos Machado, op. cit. p. 58).
Então, considerando a
cidadania como compreendendo direito e deveres, entre os quais o dever de pagar
tributos, podemos conceber a figura do
cidadão-contribuinte como o cidadão participativo e consciente de seus direitos
e de seus deveres. O cidadão-contribuinte, enfim, é aquele que poderá ter a mesma
percepção verbalizada por Oliver W. Holmes, da Suprema Corte dos Estados
Unidos: “o tributo é o que pagamos para ter uma sociedade civilizada”.
O servidor fazendário, de
todos os níveis, no seu trato com os contribuintes é, enfim, responsável pela
formação do cidadão-contribuinte.
13.
Considerações finais:
A finalidade última do
Estado é a construção do bem comum, mediante garantia dos direitos
fundamentais, o fornecimento de serviços públicos de qualidade e a participação
efetiva do cidadão na tomada de decisão política. Raquel Cavalcanti Ramos
Machado (op. cit. p. 65) observa que
“o Estado social brasileiro foi “realidade utópica” (existiu apenas na
Constituição) e não chegou a se concretizar, não tendo cumprido sua função
perante o cidadão-contribuinte”. Para a realização da utopia é imprescindível o
engajamento efetivo do servidor público, em especial do servidor fazendário.
Porém, para tanto, deve
ser construída uma nova cultura no serviço público, passando pela recuperação
da auto-estima, mas também da disciplina, da moralidade e da própria
instituição. As vaidades pessoais e os orgulhos mesquinhos devem ceder lugar
perante uma cultura de serviço. Daí porque não é concebível que o servidor se
arrogue o direito de descumprir normas complementares determinadas pela alta
administração. O respeito à hierarquia e o oferecimento ao cidadão-contribuinte
de uma interpretação uniforme da legislação tributária é fundamental para
ganhar-lhes a confiança e o respeito.
Sem dúvida, é salutar a
discussão e troca de idéias. Os servidores devem ser estimulados a manifestar
sua opinião e a desenvolverem a capacidade de análise e crítica. Mas, isso deve
ser feito apenas interna corporis. Uma vez definida uma posição,
todos devem adotá-la e defendê-la perante o contribuinte.
Os atos administrativos
expedidos pela alta administração devem ser cumpridos. Se algum servidor tiver
dúvidas a respeito da legalidade ou constitucionalidade da norma em questão,
poderá apresentar por escrito suas objeções, pedindo sua confirmação. Porém,
uma vez confirmada, não cabe mais discussão ou dar aos contribuintes o desagradável
espetáculo da discórdia e da indisciplina no seio da organização.
Getri, em Florianópolis, 24 de maio de 2012
Velocino Pacheco Filho Lintney
Nazareno da Veiga
AFRE – mat. 184244-7
Gerente de Tributação