ESTADO DE SANTA
CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 003/2012
Repetição do indébito: inteligência do art. 166 do CTN
1. Considerações iniciais
O
art. 166 do CTN tem causado certa perplexidade entre os aplicadores do direito,
ao condicionar a restituição de tributos “que comportem, por sua natureza,
transferência do respectivo encargo financeiro” (i) à prova de ter assumido
referido encargo ou (ii) no caso de tê-lo transferido
a terceiro, “estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.
As
dificuldades suscitadas pelo dispositivo, principalmente no que se refere à
produção da prova exigida, têm inspirado as mais diversas reações: alguns
sustentam que o dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição de
1988; outros o vêem como desprovido de sentido, servindo apenas para o Fisco
justificar o indeferimento de restituição do imposto
indevidamente pago.
Exploraremos
a seguir os diversos aspectos da questão, no contexto do procedimento de
restituição do indébito tributário, seguido da abordagem do caso específico da
restituição de impostos indiretos.
2. Norma de incidência tributária
A
incidência do tributo resulta da sua previsão pela norma jurídica, contida no
texto do direito positivo, e da ocorrência concreta do fato previsto no
antecedente da norma como fato gerador do tributo.
A
norma jurídica, identificada originalmente em sua estrutura formal por Hans Kelsen, encontrou entre nós sua formulação mais completa e
acabada em Paulo de Barros Carvalho (Direito tributário, linguagem e método. 2ª
ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 131):
“A
derradeira síntese das articulações que se processam entre as duas peças
daqueles juízos, postulando uma mensagem deôntica portadora
de sentido completo, pressupõe, desse modo, uma proposição-antecedente,
descritiva de possível evento do mundo social, na condição de suposto
normativo, implicando uma proposição-tese, de caráter relacional, no tópico do
conseqüente. A regra assume, portanto, uma feição dual, estando as proposições implicante e implicada unidas por um ato de
vontade da autoridade que legisla. E esse ato de vontade, de quem detém o poder
jurídico de criar normas, expressa-se por um dever-ser neutro, no sentido de que
não aparece modalizado nas formas ‘proibido’, ‘permitido’ e ‘obrigatório’. “Se
o antecedente, então deve-ser o conseqüente”. Assim diz toda e qualquer norma
jurídico positiva”.
Assim,
a norma de imposição tributária tem a estrutura de uma proposição hipotética
(proposição composta, compreendendo a proposição-antecedente e a proposição-tese,
unidas por um functor implicacional
deôntico) do tipo “se A então (deve-ser) B”. Se este
primeiro functor (interproposicional)
é neutro, o mesmo não acontece com o functor intraproposicional (relação tributária) que está afetado
pelos modais deônticos: proibido, permitido ou obrigatório.
No
caso da norma de imposição tributária, a proposição-antecedente descreve
hipoteticamente o fato cuja ocorrência acarretaria o surgimento da relação
jurídico tributária entre o Estado e o contribuinte referida na proposição
tese: se ocorrer tal fato, então o contribuinte estará obrigado a recolher aos
cofres públicos determinada soma em dinheiro a título
de tributo. Contudo, o efeito previsto no conseqüente da norma (obrigação
tributária) somente será desencadeado com o reconhecimento em linguagem competente
da ocorrência concreta de fato correspondente ao fato descrito no antecedente
da norma, o que ocorre, segundo sistemática adotada pelo CTN, mediante o
lançamento tributário correspondente.
“A
relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fático, posto pelo consequente de norma individual e concreta, uma vez que, na
regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um
acontecimento deve reunir para tornar-se fato concreto, na plenitude de sua
determinação empírica. Enquanto na norma geral e abstrata o enunciado
referencial se arma para o futuro, se programa para a
frente, a norma individual e concreta vai fazer irromper um liame jurídico
específico, mediante enunciado de índole relacional, perfeitamente
individualizado quanto aos termos, sujeitos (ativo e passivo) e quanto à
conduta-prestação, que é seu objeto. Subordinado o ato ou negócio jurídico a
evento futuro e incerto, seus efeitos normais ficarão inibidos e somente por ocasião
do acontecimento previsto como condição suspensiva, vertida em linguagem, é que
nascerá, com todo o vigor característico, o vínculo obrigacional tributário
(Barros Carvalho, id. p. 831)”.
3. Indébito tributário e crédito do contribuinte
Quando
dizemos que o tributo é obrigação ex lege, queremos
dizer que o tributo não decorre de contrato ou de delito, mas que a sua exigência
pelo Estado está baseada exclusivamente na lei. A Constituição Federal proíbe
expressamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
“exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, I). Por
conseguinte, tudo o que for recolhido ao exigido além do que a lei tributária
permite, é indevido e deve ser restituído.
Nesse
sentido, dispõe o art. 165 do Código Tributário Nacional (CTN) que “o sujeito
passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total
ou parcial de tributo, seja qual for a modalidade de
seu pagamento”, nos seguintes casos:
1.
cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido
ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da
natureza ou das circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
2.
erro na identificação do sujeito passivo, na
determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na
elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
3.
reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão
condenatória.
O
reconhecimento de que o pagamento do tributo foi indevido (ou maior que o
devido) faz surgir, para o contribuinte, o direito contra a Fazenda Pública de
reaver o que foi pago e para a Fazenda a obrigação de restituir o tributo pago
indevidamente. Surge, assim, uma outra relação
jurídica em que o sujeito passivo é o Estado e o sujeito ativo, titular do
direito de exigir o cumprimento da prestação, é o contribuinte que recolheu
numerário ao Estado, a título de tributo, que não era devido como tal.
Do
texto de direito positivo podemos construir a seguinte norma: “se houver
recolhimento indevido de tributo, então a Fazenda Pública deverá devolver o
indébito”. Considerando do ponto de vista do direito subjetivo do contribuinte,
a norma pode ser enunciada: “se houver recolhimento indevido de tributo, então
o contribuinte tem o direito de exigir da Fazenda Pública a sua restituição”.
Eurico
Marcos Diniz de Santi propõe a expressão “débito do Fisco”,
para se referir à “restituição do indébito”, argumentando que se o pagamento
não era devido não revestia a condição de tributo. No tocante ao surgimento do
dever da Fazenda de restituir o indébito e do direito do contribuinte de
exigi-lo, leciona esse autor (Decadência e Prescrição no Direito Tributário. São
Paulo: Max Limonad, 2000, p. 96):
“O
crédito tributário é a relação jurídica que decorre mediatamente do fato jurídico
tributário e, imediatamente, de ato formalizador de
ato da autoridade ou ato do particular. O débito do Fisco é a relação jurídica
que decorre mediatamente do fato do pagamento indevido e, imediatamente, de
ulterior ato de aplicação que reconheça esse fato”.
“É
o processo de positivação do direito: o evento jurídico (o evento jurídico
tributário, no caso do crédito, e o pagamento indevido, no caso do débito)
engendrando uma relação jurídica efectual (a obrigação
tributária, no caso do crédito, e a obrigação do Fisco, no caso do débito) que,
mediante ato de aplicação do direito produz relação jurídica com revestimento
jurídico (crédito tributário e débito do Fisco)”.
O
autor citado distingue três atos de aplicação habilitados “a constituir o débito
do Fisco, de acordo com os Arts. 165, III e 167, II do CTN: (i) os atos
administrativos de reforma, anulação ou revogação, (ii)
a decisão administrativa e (iii) a decisão judicial. A edição de qualquer
dessas normas individuais e concretas consubstancia o fato jurídico que coloca
o Fisco como sujeito passivo de um dever jurídico de conteúdo patrimonial,
fundando-se no evento do pagamento indevido” (id. p. 97). A decisão
administrativa referida em (ii) é precisamente a decisão que deferir o pedido
de restituição do indébito tributário.
4. Restituição de tributos
4.1. O pedido de restituição
Cabe
ao contribuinte pleitear administrativamente ou judicialmente (ação de
repetição do indébito) a restituição do tributo recolhido indevidamente. A
pretensão do contribuinte deve estar instruída com os elementos probatórios
necessários à formação da convicção.
Administrativamente,
dispõe o art. 78 da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, que o “pedido de
restituição será formulado em requerimento que contenha todas as informações
necessárias à identificação da pessoa do interessado, domicílio fiscal e ramo
de negócio ou atividade e em que se prove”:
1.
a tempestividade do pedido;
2.
a ocorrência do pagamento indevido; e
3.
se for o caso, a satisfação de uma das condições
previstas no art. 74 (assunção do ônus tributário ou estar autorizado a pedir
restituição por quem o suportou).
Com
efeito, leciona José Mörschbächer (Repetição do
indébito tributário indireto, 3ª ed. São Paulo: Dialética, 1998, p. 59):
“A
restituição de qualquer imposto, seja indireto, seja direto, repousa cumulativamente
em três pressupostos, quais sejam: a) que se trata de pagamento indevido; b)
que não esteja decaído o direito de pleitear a restituição; c) que o
peticionário tenha legítimo interesse econômico para pleitear restituição”.
Esses
pressupostos podem ser provados por qualquer dos meios previstos nos arts. 332
a 443 do Código de Processo Civil (Lei 5.869/1073). O art. 332 dispõe que “todos
os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados
neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação
ou a defesa”.
4.2. Decadência e prescrição
O
“direito de pleitear restituição”, dispõe o art. 168 do CTN, “extingue-se com o
decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados”:
(i)
da “data da extinção do crédito tributário”, ou seja, da data do pagamento
indevido;
(ii)
da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em
julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido
a decisão condenatória.
O
art. 169, por sua vez, dispõe que “prescreve em 2 (dois) anos a ação anulatória
da decisão administrativa que denegar a restituição”.
Vale,
contudo, observar que as expressões “decadência” e “prescrição” não têm, no
direito tributário, o mesmo sentido que no direito civil. Ou seja, não guardam
relação com os “direitos potestativos” (decadência)
ou com a exercício de uma “pretensão” (prescrição). O
sentido aqui é muito mais singelo como leciona Eurico Marcos Diniz de Santi (op. cit. p. 100):
“A
decadência do direito do contribuinte corresponde à perda do direito de o
contribuinte pleitear administrativamente o débito do Fisco e a prescrição do
direito do contribuinte deflui de um desdobramento da interpretação do Art. 168
do CTN e, ainda, da hipótese da ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição, aludida no Art. 169 do CTN”.
O
prazo previsto no art. 168, “para pleitear restituição”, será de decadência, se
intentado na via administrativa, e de prescrição, se na via judicial. Já o
prazo do art. 169 será sempre de prescrição.
Eurico
de Santi (id. p. 253) esclarece ainda o seguinte:
“Utilizaremos
a expressão decadência do direito do contribuinte para a extinção do direito de
pleitear o débito do Fisco pela via administrativa, e prescrição do direito do
contribuinte, para a extinção do direito de cobrar o débito do Fisco pela via judicial.
As normas gerais e abstratas que regem a decadência e a prescrição do direito
do contribuinte produzem regras individuais e concretas que veiculam, em seu
antecedente, o fato concreto do decurso do tempo qualificado pela omissão do
contribuinte e, em seu conseqüente, a extinção, respectivamente, do direito de
pleitear administrativamente o débito e do direito à ação judicial de cobrança
do débito do Fisco”.
Já
o prazo previsto no art. 169 é seguramente de prescrição: “Prescreve em 2 (dois)
anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição”.
4.4.1. Contagem do prazo de decadência no caso do tributo
se tornar indevido por causa de declaração de inconstitucionalidade:
O
prazo do art. 168 tem dois marcos iniciais de
contagem: no caso do tributo ser indevido no momento do pagamento, o prazo será
contado do pagamento. Porém se o tributo era devido no momento do pagamento,
tornando-se indevido em razão de decisão judicial, o prazo deverá ser contado
do momento em que a decisão se tornar definitiva (pedido
administrativo) ou do trânsito em julgado da decisão judicial.
Eduardo
Bottallo (Repetição do Indébito Tributário e o art.
166 do Código Tributário Nacional. RDT n° 75:
219-225) comenta a esse propósito que “quando o caso é de tributo que foi
exigido com base em lei depois declarada inconstitucional já não cabe o pleito
administrativo, uma vez que antes da declaração judicial de
inconstitucionalidade o tributo era devido (presunção de constitucionalidade
das leis!) e o lançamento o corporificou integralmente”.
A
seu turno, leciona Gabriel Lacerda Troianelli (A ADI
n° 15 e a Reabertura de Prazos para Repetição de Indébito. RDDT 152: 81):
“Admitido que a abertura de prazo para repetir tributo declarado
inconstitucional tem por fundamento material a segurança jurídica do
contribuinte, o prazo em questão deve ter por termo inicial o momento em que
restar definitivamente não só a insegurança quanto à legitimidade do tributo
como também a incerteza quanto ao fato de ter seu pedido de restituição aceito”.
No
caso de declaração de inconstitucionalidade, devemos considerar se a inconstitucionalidade
foi declarada no controle difuso ou no concentrado. Se a inconstitucionalidade
for declarada no controle concentrado, a regra aplica-se sem maiores problemas.
A partir do trânsito em julgado, passa a correr o prazo. Contudo, no caso do
controle difuso, a decisão somente se aplica à parte. Para que a declaração de
inconstitucionalidade tenha efeitos erga omnes é
necessária a edição de Resolução pelo Senado da República, nos termos do inciso
X do art. 52 da Constituição Federal. Conforme Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes (Inconstitucionalidade da lei
tributária, repetição do indébito, São Paulo: Dialética, 2002, p. 39):
“Porém,
no exame incidenter tantum,
a ação tem outro pedido (p. ex. repetição de valor pago) cujo fundamento
jurídico é a inconstitucionalidade da lei. Assim, a nosso ver, é uma imprecisão
afirmar que o contribuinte pede a declaração de inconstitucionalidade. A rigor,
ele pede a restituição de um valor pago, mas o faz “porque” a norma em que a exigência
se apoiou não tinha fundamento de validade. Portanto, nesta hipótese, a inconstitucionalidade
situa-se no fundamento jurídico do pedido. Por esta razão, a questão constitucional,
no âmbito do processo nos Tribunais, é tratada como incidente a ser resolvido antes
do julgamento do mérito do caso”.
Segundo
esses autores (id. p. 48) “... antes da pronúncia (ou da extensão) da
inconstitucionalidade da lei tributária, o contribuinte não possui efetivamente
um “direito a uma prestação”, apto a gerar contra si um prazo prescricional que
o fulmine pela sua inércia. Não pode haver inércia a ser fulminada pela
prescrição se não há direito exercitável, isto é, se não há “actio nata”.
O
fundamento da prescrição é a inércia do titular de uma pretensão que possa ser
exercida. Nisso consiste o princípio da actio nata.
Por conseguinte, a contagem do prazo respectivo somente pode se iniciar quando
o titular do direito toma conhecimento do fato e da extensão de suas
conseqüências. Assim, pelo princípio da actio nata, o
prazo de prescrição ou de decadência para pedir repetição do indébito deve
contar-se da declaração de inconstitucionalidade da lei tributária (STF, RE
136.883 RJ e RE 141.331-0 RJ).
Com
efeito, a declaração de inconstitucionalidade “altera a qualificação jurídica
do pagamento feito, pois retira um de seus fundamentos de validade”, a
legalidade da exigência do tributo. “Neste momento, ele torna-se indevido, não
porque assim sempre tenha sido, mas porque passou a receber esta nova
qualificação em decorrência da decisão judicial” (id. p. 52).
Mas,
enquanto o efeito erga omnes “constitui uma
decorrência inelutável do controle concentrado de constitucionalidade” que
retira a “norma impugnada do conjunto de normas válidas que compõe o
ordenamento jurídico (id. p. 57), a declaração de inconstitucionalidade advinda
de “julgamento incidentur tantum
proferido em processo de outro contribuinte” somente produzirá efeitos sobre a situação
jurídica dos demais contribuintes “se vier a ser editado um dentre outros dois
tipos de atos jurídicos que apresentam eficácia geral e, portanto, atinjam
todos os contribuintes, mesmo os que não participaram do processo específico”
(id. p. 71).
Conforme
já decidiram os ministros da egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (Recurso Especial 446.764 RS):
“1.
O sistema de controle de constitucionalidade das leis adotado no Brasil implica
assentar que
apenas as decisões proferidas pelo STF no controle concentrado tem efeitos erga
omnes. Consectariamente, a
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso tem eficácia inter
partes. Forçoso, assim, concluir que o reconhecimento da inconstitucionalidade
da lei instituidora do tributo pelo STF só pode ser como termo inicial para a
prescrição da ação de repetição do indébito quando efetuado no controle
concentrado de constitucionalidade, ou, tratando-se de controle difuso, somente
na hipótese de edição de resolução do Senado Federal, conferindo efeitos erga omnes àquela declaração (CF, art. 52, X)”.
4.3. A quem cabe o ônus da prova
O
ônus da prova cabe a quem alega. O art. 333 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de
1973 (CPC), dispõe que “o ônus da prova incumbe ao autor quanto a fato constitutivo
do seu direito e ao réu, quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” que é disposição que
é formulada por Fabiana Del Padre Tomé (A prova no direito tributário.
São Paulo: Noeses, 2008, p. 233) nos termos seguintes:
“... a prova dos fatos constitutivos cabe a quem pretenda o nascimento da
relação jurídica, e a dos extintivos, impeditivos ou modificativos, a quem os
alegue, independentemente de ser autor ou réu”.
Assim,
o contribuinte que alega ter pago tributo indevido e que pretende a restituição
dos valores recolhidos está obrigado à produzir as
provas relativas à sua pretensão. Conforme decisão da Primeira Seção do STJ,
que reúne as câmaras de direito tributário, no julgamento dos Embargos de
Declaração no Recurso Especial 953.369 PR (RDDT 154: 185), “em repetição do
indébito é imprescindível que o autor faça prova do pagamento indevido”. No
mesmo sentido, decidiu a Primeira Turma (Recurso Especial 967.157 PR; DJU 1, de 22.10.2007, p.
225; RDDT 148: 187) que “o juízo de procedência supõe a comprovação, pelo autor
(CPC, art. 333, I), do fato constitutivo do direito, qual seja, o do recolhimento
dos valores indevidos a serem restituídos”.
A
aplicação da norma ao caso concreto, pois, depende fundamentalmente do material
probatório trazido à colação. Conforme Paulo Celso Bergstron
Bonilha (Da prova no processo administrativo tributário. São Paulo: LTR, 1992, p.
85): “Fazer justiça, em princípio, é aplicar a lei ao fato. Indispensáveis,
portanto, à administração da justiça o conhecimento da lei e da verdade do
fato. A descoberta desta verdade como elemento essencial ao julgamento, impõe a
exigência da prova”.
No
mesmo sentido, comenta Fabiana Del Padre Tomé (op. cit. p. 230): “Como discurso
dialógico, a comunicação jurídica materializada nos autos processuais exige que
todos os fatos alegados sejam fundamentados, com vistas a possibilitar a solução
do dubium conflitivo”. No
tocante aos meios de prova, diz a mesma autora (id. p. 84) que:
“Integram
o conceito de demonstração quaisquer recursos capazes de atestar a veracidade
de um fato. Engloba desde as demonstrações lógico-matemáticas
em processo inferenciais até as hipóteses de argumento retoricamente
produzido, de modo que toda análise e alegação, quando voltadas ao
convencimento do destinatário acerca da certificação de um fato, são
qualificáveis como prova”.
A
prova, portanto, não só tem a virtude de dar conhecimento do fato ocorrido que,
desse modo, é introduzido no direito, mas também visa o convencimento da autoridade
administrativa ou judicial perante a qual pretende ver reconhecido o seu
direito. O fato (acontecimento, evento, fato-no-mundo),
por mais evidente que possa parecer, deve ser reconhecido e introduzido no
direito, mediante uso da linguagem apropriada, para que possa produzir efeitos
jurídicos. A produção dessa prova, no caso da repetição do indébito constitui
ônus do contribuinte que alega ter recolhido tributo indevido e que pretende
ver reconhecido o seu direito à devolução das quantias recolhidas ao Erário.
4.4. Restituição como edição de norma individual e
concreta
Extraímos,
então, do texto de direito positivo, a norma geral e abstrata, segundo a qual o
pagamento de tributo indevido (antecedente) faz surgir uma relação jurídica
entre a Fazenda Pública e o contribuinte (conseqüente) que obriga o primeiro a
restituir o que foi pago indevidamente e reconhece ao segundo o direito de
exigir a restituição. Na lição de Barros Carvalho (op. cit. p. 133):
“Se
a proposição hipótese é descritora de fato de possível ocorrência no contexto
social, a proposição-tese funciona como prescritora
de condutas intersubjetivas. A conseqüência normativa apresenta-se,
invariavelmente, como uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais
sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida
ou obrigatória”.
Em
resposta ao pleito do contribuinte, acompanhado das provas pertinentes, a
autoridade administrativa ou judiciária, uma vez firmado o seu convencimento, ordena
a restituição. O despacho que reconhece o pagamento indevido e ordena a restituição,
por sua vez, tem a estrutura de uma norma individual (voltada para o
requerente) e concreta (relativa ao fato demonstrado pelas provas colacionadas
pelo requerente).
“Assim,
o fato do pagamento indevido é o antecedente dessa norma individual e concreta
de repetição do indébito, que tem por conseqüente a relação jurídica do débito
do Fisco. Sem tal norma, não há débito do Fisco nem fato jurídico do pagamento
indevido, como realidades pertinentes ao direito. Sem tal revestimento
jurídico, subjazem apenas, e ainda fora do direito, como entidades do mundo
subjetivo que aguardam a necessária intersubjetivação, mas que, sem a qual,
esmaecem no fluxo temporal da consciência coletiva, que ainda não é direito”
(Eurico de Santi, op. cit. p. 138).
4.5. Restituição como procedimento subsuntivo
Vimos
que a norma jurídica tem a estrutura de uma proposição hipotética deôntica, do tipo: “se A, então deve-ser B”. Cabem as
seguintes observações:
1.
a proposição hipotética é uma proposição composta em
que suas partes são unidas pelo functor interproposicional “se ... então”; e
2.
a proposição é dita deôntica
por duas razões: (i) o functor interproposicional
tem caráter deôntico (não é descritivo de uma realidade,
mas estabelece um dever-ser) não modalizado: “se A, então deve-ser B”, sem
atribuir um modal (obrigatório, permitido, proibido); e (ii) enquanto a
proposição A é descritiva de determinada situação (e.g. o recolhimento foi
indevido), a proposição B contém um dever-ser modalizado (e.g. o Estado deve
restituir ao contribuinte o imposto indevidamente recolhido).
A
decisão administrativa ou judicial que ordenar a restituição, por sua vez, é
uma norma individual e concreta: “porque A, então deve-ser B” ou “porque o
tributo recolhido era indevido, então deve ser restituído”.
A
subsunção do fato à norma consiste na montagem de um silogismo, onde:
1.
a premissa maior é a norma jurídica geral e abstrata
(se A, então deve-ser B);
2.
a premissa menor é uma proposição categórica que
afirma a prótase da norma geral e abstrata (as provas
trazidas à colação demonstram que efetivamente ocorreu A); e
3.
a conclusão é a apódose da
norma individual e concreta (como efetivamente ocorreu A, então deve-ser B).
4.6. Restituição como ato administrativo
A
decisão administrativa que ordenar a restituição, sem prejuízo de constituir-se
em norma individual e concreta, é também um ato administrativo. Eurico Marcos
Diniz de Santi (op. cit. p. 104) observa que a
expressão “ato administrativo” designa tanto o ato da autoridade como o seu
resultado que é a edição da norma individual e concreta.
“Ora,
se de um lado essa dualidade é aceita na linguagem técnica do direito, de
outro, no plano científico, que prima pela univocidade de seus termos, deve ser
esclarecida de antemão. Assim, convencionaremos chamar ato-fato administrativo,
ao ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da
competência administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato, deixando a expressão ato
administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies”.
Como
ato administrativo, deve observar os requisitos de validade dos atos
administrativos, quais sejam: (i) autoridade competente (entendida a
competência como a atribuição que lhe foi cometida por lei para a prática do
ato); (ii) objeto ou o efeito jurídico visado pelo ato; (iii) forma que é a
prescrita em lei (forma escrita); (iv) finalidade ou resultado específico que
deve ser produzido pelo ato; e (v) motivo, consistindo nos pressupostos de fato
(conjunto de circunstâncias que leva à prática do ato) e de direito (dispositivo
legal que dá sustentação ao ato) que servem de fundamento do ato.
O
motivo não se confunde com a motivação que consiste na demonstração (por
escrito) de que os pressupostos de fato realmente estão presentes.
Nesse
sentido, dispõe o art. 42, I, da Lei Complementar estadual 313, de 22 de
dezembro de 2005 (Código de Direitos e Deveres do Contribuinte) que “os atos
administrativos, sob pena de nulidade, serão motivados, com indicação dos fatos
e dos fundamentos jurídicos, quando neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses”. O dispositivo enfatiza a necessidade de motivar as decisões
administrativas, sob pena de nulidade. O § 1° do mesmo artigo determina que “a
motivação há de ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em
declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações,
decisões ou propostas que, neste caso, serão parte
integrante do ato”.
Então,
a decisão da administração deferindo ou indeferindo o pedido de restituição de
tributos, como ato administrativo que é, deverá atender a todos os requisitos de
validade aqui nitidamente demonstrados, principalmente o objeto e a motivação,
pois, é do
objeto que nascerá formalmente a relação jurídica de débito do fisco – deferimento, ou a negativa
unilateral de não reconhecimento dessa relação – indeferimento; ressaltando-se
que ambas deverão estar estribada em
motivos legalmente previsto por tratar-se de ato administrativo vinculado.
Já
o art. 41 do mesmo pergaminho dispõe sobre a razoável duração do processo,
princípio acrescido pela Emenda Constitucional 45/2004 aos direitos e garantias
fundamentais, previstos no art. 5°, LXXVIII: “é obrigatória a emissão de
decisão fundamentada, pela Administração Tributária, nos processos,
solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável, justificadamente, uma única
vez e por igual período”.
O
art. 5° da Constituição da República, por outro lado, determina ao processo
administrativo a observância do devido processo legal (inciso LIV) e do
contraditório e da ampla defesa (inciso LV).
Por
sua vez, o art. 37, “caput”, da Carta trata dos princípios informadores do
direito administrativo, que devem ser escrupulosamente observados pelos
servidores públicos, inclusive na prática dos atos de sua competência. São
eles:
1.
Legalidade: esse princípio está ligado ao próprio conceito de Estado de Direito;
a Administração Pública, ao contrário das pessoas privadas, somente pode fazer
o que a lei lhe permite; já foi dito que “administrar é aplicar a lei de
ofício”; a Administração não tem vontade própria, ou seja: a vontade da
Administração é a lei;
2.
Publicidade: também conhecido como “transparência”, está associada à própria
idéia de democracia; se a fonte do poder é o povo, deve ser-lhe assegurado o
direito ao conhecimento dos atos da Administração; o sigilo, em um Estado
Democrático de Direito, deve ser exceção e restrito a determinadas matérias,
expressamente previstas, como no caso do inciso LX do art. 5° da Constituição
(defesa da intimidade ou do interesse social); já o inciso XXXIII assegura a
todos o direito à informação de interesse coletivo ou geral;
3.
Impessoalidade: este princípio preside a relação da Administração com os
administrados que deve ser impessoal, sem preferência por estes ou aqueles
(“todos são iguais perante a Administração); por outro lado, considera-se que
os atos administrativos não são praticados pelo servidor (mero instrumento de
que se vale a Administração), mas pela própria Administração enquanto entidade;
4.
Moralidade: por este princípio, não basta que os atos da Administração (ou de
seus servidores) sejam legais, eles devem ser também morais; com efeito, o
inciso LXXIII do art. 5° da CF prevê hipótese de ação popular que vise anular
ato lesivo à moralidade administrativa;
5.
Eficiência: introduzido pela EC 19/1998, impõe o dever da boa administração; consiste em obter os melhores resultados possíveis, com os
recursos disponíveis, para a consecução do bem comum.
4.7. Recurso e pedido de reconsideração
Do
despacho que indeferir o pedido do contribuinte, cabe (i) pedido de reconsideração
à mesma autoridade ou (ii) recurso à autoridade
hierarquicamente superior.
Em
sede de direito tributário, é limitada a utilização do pedido de reconsideração,
tendo em vista que se trata de atividade administrativa vinculada – conforme
art. 3° do CTN, o tributo é cobrado “mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”.
São
vinculados os atos praticados pela Administração sem margem alguma de liberdade
para decidir, pois a lei previamente tipificou o único comportamento possível diante
da hipótese prevista em lei. Os atos discricionários, pelo contrário, são
praticados pela Administração que dispõe de certa margem de liberdade para
decidir sobre a conveniência e oportunidade de praticar o ato.
Como
a atividade administrativa é vinculada e a Administração Tributária não dispõe
de margem de liberdade, a aceitação do pedido de reconsideração deve trazer algum
fato novo ou circunstância que não foi apreciada no despacho reconsiderando. Não
sendo o caso, o pedido de reconsideração deve ser recebido, em homenagem ao princípio
da economia processual, como recurso e encaminhado à apreciação do superior
hierárquico, fazendo-se constar essa circunstância no encaminhamento.
4.8. Restituição e compensação
A
compensação é forma de extinção das obrigações, prevista no art. 368 e seguintes
do Código Civil (Lei 10.406/2002), quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, “as duas obrigações
extinguem-se, até onde se compensarem”. O art. 369 acrescenta que as dívidas
devem ser líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.
No
direito tributário, a compensação é modalidade de extinção do crédito tributário,
prevista no art. 156, II, do CTN. Dispõe o art. 170 do mesmo pergaminho que “a
lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação
em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de
créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do
sujeito passivo contra a Fazenda Pública”. Ou seja, diversamente da lei civil,
a compensação, no direito tributário, depende de expressa autorização de lei.
Corroborando
esse entendimento, a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do AgRg no R.
Esp. 965.419 RS (DJ de 5-3-08; RDDT 152: 225), decidiu que: “III – O art. 170
do Código Tributário Nacional, ao tratar do instituto da compensação
tributária, impõe o entendimento de que somente a lei pode atribuir à autoridade
administrativa o poder de deferir ou não a referida compensação entre créditos
líquidos e certos com débitos vencidos ou vincendos”.
Não
discrepa a Segunda Turma do mesmo sodalício que no julgamento do REsp 1.010.166 SC (RDDT 174: 185) decidiu:
“1.
O art. 170 do CTN dispõe que somente a lei pode autorizar a compensação de
créditos tributários,nas condições e sob as garantias que estipular”.
“2.
A compensação tributária depende de regras próprias e específicas, não sendo
possível aplicar subsidiariamente as regras gerais do Código Civil”.
“3.
Sendo assim, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993
do CC/1916), porquanto o legislador não quis aplicar à compensação de tributos
indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que
o art. 374 do CC/202, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto
no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo
após a entrada em vigor do CC/2002”.
O
despacho da autoridade administrativa, reconhecendo que houve pagamento
indevido de tributo, constitui um crédito líquido e certo do contribuinte
contra a Fazenda Pública. “O pagamento pressupõe relação jurídica de crédito
tributário e o ato de pagar do contribuinte, enquanto a restituição pressupõe
relação jurídica de débito do Fisco e ato de pagar do Fisco. A compensação
pressupõe relação jurídica de crédito tributário e de débito do Fisco, e ato do
contribuinte ou do Fisco que realize essa operação, além de depender de lei que
expressamente autorize esse ato” (Eurico Marcos Diniz de Santi
op. cit. p. 98).
A
restituição nessa hipótese especifica está autorizada pela Lei Complementar
estadual 313, de 22 de dezembro de 2005 (Código de Direitos e Deveres do Contribuinte
do Estado de Santa Catarina) que em seu art. 26 dispõe: “O crédito referente a
imposto do contribuinte, decorrente de relação tributária, assim reconhecido em
decisão administrativa definitiva ou sentença judicial transitada em julgado,
poderá, por opção sua, ser compensado com débitos relativos à Fazenda Pública”.
O parágrafo único do mesmo artigo acrescenta: “Ao crédito tributário do
contribuinte, objeto da compensação a que se refere o caput deste artigo,
aplicam-se os mesmos índices de correção monetária incidentes sobre os débitos
fiscais, contados desde o pagamento indevido, bem como juros contados da
decisão definitiva que o reconheceu”.
A
restituição do indébito, diretamente em numerário ou na modalidade de
compensação com crédito tributário, nos termos do art. 26 da LC 313/2005, é uma
faculdade do contribuinte, não podendo ser substituída por decisão unilateral
da Fazenda.
A
egrégia Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp
624.321 PR (RDDT 139: 239), decidiu: “Ocorrido o trânsito em julgado da decisão
que determinou a repetição do indébito, é facultado ao contribuinte manifestar
a opção de receber o respectivo crédito por meio de precatório regular ou
mediante compensação, uma vez que ambas as modalidades são formas de execução
do julgado colocado à disposição da parte quando procedente a ação.”
4.9. Restituição e incidência de juros e correção
monetária
A
restituição de tributos, seja qual for a modalidade,
pagamento ou compensação, deve ser acrescida de juros e correção monetária. A
fluência de juros está prevista no próprio Código Tributário Nacional, art.
167, parágrafo único: “A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir
do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar”. A disposição é
corroborada pela Súmula 188 do STJ: “Os juros moratórios do indébito tributário
são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença”.
A
legislação tributária catarinense, por sua vez, prevê a fluência de juros no
parágrafo único do art. 75 da Lei 3.938/1966 e de correção monetária no art. 77
da Lei 5.983/1981: “Na restituição de quaisquer créditos tributários pagos
indevidamente, bem como na devolução de depósito administrativo ou judicial
decorrente de Notificação Fiscal, os valores serão atualizados monetariamente”.
A
previsão de juros e correção monetária na repetição do indébito, além de expressamente
previstas no parágrafo único do art. 26 da LC 313/2005, o art. 16, XIV, da
mesma Lei Complementar assegura o direito do contribuinte de receber da Administração
Tributária “o mesmo tratamento que esta dispensa ao contribuinte em idênticas
situações”.
A
dificuldade que precisa ser enfrentada é que Santa Catarina adotou a Selic para atualização de seus créditos tributários (art.
69 da Lei 5.983/1981, na redação dada pelo art. 102 da Lei 10.297/1996). A taxa
Selic, criada em 1979, define-se como a taxa de juros
média que incide sobre operações overnight, lastreados por títulos
de dívida pública, registrados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia.
Contudo, a Selic inclui uma parcela de correção
monetária. “A Taxa Selic compreende juros de mora e correção monetária, sendo vedada sua utilização cumulativa com
qualquer outro índice de juros ou correção” (STJ, Segunda Turma, AgRg
no REsp 976127 / SP, DJe 07/10/2008).
Ora,
na repetição do indébito, os juros moratórios e a correção monetária contam a
partir de marcos temporais diferentes: a correção monetária é contada a partir
do pagamento indevido e os juros moratórios, a partir da decisão administrativa
que reconhecer que houve pagamento indevido. Como não podemos desmembrar a Selic em seus componentes, identificando o que corresponde
a juros e o que corresponde a correção monetária, o
problema reclama solução que, necessariamente, deverá ser de lege ferenda.
5. Restituição de impostos indiretos
5.1. Caracterização de imposto indireto
A
classificação de um imposto como indireto está relacionada ao fenômeno
econômico da repercussão, ou seja, do repasse do imposto, via preço, ao
adquirente. Contudo, a repercussão em si não se presta como critério para
classificar o imposto como indireto. À evidência, qualquer tributo cobrado de
uma empresa vem a constituir componente dos custos e será financiado pela
receita de venda de bens ou serviços, ou seja, será arcado, em última análise,
pelos seus clientes.
A
mera repercussão econômica do imposto sobre o adquirente da mercadoria não é
critério suficiente para classificar um tributo como indireto.
Tentando
outra abordagem, podemos dizer que a riqueza das pessoas pode ser atingida pelo
Fisco de várias maneiras: é o caso, por exemplo, da riqueza consumida que é
atingida indiretamente pela tributação. Nesse sentido, José Mörschbächer
(op. cit. p. 39) define imposto indireto como “aquele no qual a norma jurídica
de tributação vincula ao Estado, como sujeito passivo da relação de imposto,
não a pessoa cuja renda a hipótese de incidência seja fato-signo presuntivo,
mas aquela ou aquelas antepostas a ela dentro do relacionamento econômico,
objeto de imposição”. Ou seja, “o que faz determinado imposto ser indireto é o
fato de o mesmo utilizar, exclusiva ou preponderantemente, a forma de tributação
indireta da renda do setor privado da economia” (id. p. 41).
Perquirindo
a notável obra de Aliomar Baleeiro – Direito Tributário Brasileiro, brilhantemente
atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi (11ª ed Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 370), encontramos o seguinte escólio:
“.. a Constituição brasileira assegura, como de resto o
fazem os países europeus e latino-americanos, que o contribuinte, nas operações
de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará
ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em
suas aquisições (embora na posição de adquirente apenas tenha sofrido a
transferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofres públicos). Tal
tributo não onera, assim, a força econômica do empresário que compra e vende ou
industrializa, porém a força econômica do consumidor, segundo ensina Herting. A rigor, quer do ponto de vista jurídico – pois há
expressa licença constitucional para isso – quer do ponto de vista econômico, o
imposto foi modelado para ser suportado pelo consumidor, jamais pelo
contribuinte-comerciante”.
Ressalta
do texto a lição de que impostos como ICMS, IPI, ISS etc., ao tributar a
produção, a circulação de bens e serviços visa, na verdade, a riqueza do consumidor
destes bens e serviços e não onerar a cadeia de produção e comercialização. Que
esse foi o pensamento do legislador, pode ser constatado pela adoção do sistema
de seletividade das alíquotas. Com efeito, o art. 155, § 2°, III, da
Constituição Federal, dispõe que o imposto “poderá ser seletivo, em função da
essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Mercadorias e serviços
essenciais para quem? Ora, para o consumidor, naturalmente. O critério de
graduação do ICMS, escolhido pelo constituinte, é a essencialidade das mercadorias
e serviços para o consumidor cuja riqueza está sendo visada pela tributação. Nesse
sentido é o magistério de Roque Antonio Carrazza (ICMS.
10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 363):
“Evidentemente,
o princípio da seletividade tem por escopo favorecer os consumidores finais,
que, no final das contas, são os que suportam a carga econômica do ICMS. Não é
por outra razão que quem, adquirindo bem ou serviço luxuoso, revela possuir
grande capacidade econômica deve ser proporcionalmente mais tributado por meio
deste imposto do que quem compra um bem imprescindível à sua vida ou frui de um
serviço essencial. É que, neste último caso, não há, em rigor, liberdade de
consumo, mas, apenas necessidade, já que ninguém pode prescindir de pão, de transporte
coletivo, de energia elétrica (apenas para citarmos alguns exemplos). Daí ser
imperioso que sobre estes bens e serviços se faça sentir um tratamento fiscal
mais brando”.
O
imposto é dito indireto quando atinge indiretamente a riqueza do cidadão,
indiretamente mediante a tributação do seu consumo de bens e serviços.
5.2. Contribuinte de fato e contribuinte de direito
A
conseqüência mais marcante da tributação indireta é o fenômeno econômico da
repercussão do tributo sobre o consumidor, via preços. A repercussão faz surgir
as figuras do contribuinte de direito (de jure) e do
contribuinte de fato (de facto). Apenas o primeiro
tem “relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador”
do tributo (CTN, art. 121, parágrafo único, I). O segundo, por sua vez, é quem
suporta o ônus financeiro do tributo.
Conforme José Mörschbächer (op. cit. p. 45), “sendo o contribuinte legal
a pessoa que sofre a incidência jurídica do imposto, o contribuinte de fato, em
oposição, é a que, por se situar em geral na etapa final da circulação econômica
dos bens, serviços ou utilidades tributadas, sofre a incidência econômica do
imposto, isto é, os efeitos ou reflexos financeiros da incidência jurídica,
mediante inclusão ostensiva ou oculta do respectivo gravame no preço de
aquisição, sem condições de repassá-lo adiante”.
Em
princípio, somente teria relevância para o direito tributário o contribuinte de
direito que efetivamente ocupa o pólo passivo da relação jurídica tributária
que se instaura com a ocorrência do fato gerador. O contribuinte de fato e a
própria noção de repercussão são conceitos econômicos que somente produzem
efeitos jurídicos quando reconhecidos pelo direito. A matéria é disciplinada
pelo art. 166 do CTN que dispõe: “A restituição de tributos que comportem, por
sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita
a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido
a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”. Esse
dispositivo foi reproduzido, na legislação catarinense, pelo art. 74 da Lei
3.938, de 26 de dezembro de 1966.
Então
o dispositivo aplica-se apenas aos tributos “que comportem por sua natureza,
transferência do respectivo encargo financeiro”. Por “transferência do
respectivo encargo financeiro”, à evidência, entende-se a repercussão do
tributo. Os tributos que “por sua natureza” comportem essa transferência (então
não é qualquer tributo) devem ser os tributos indiretos. Com efeito, segundo a
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp
902.327 PR; RDDT 142: 154), “4. .... o art. 166 do CTN só tem aplicação aos tributos
indiretos, isto é, que se incorporam explicitamente aos preços, como é o caso
do ICMS, do IPI, etc. .........”.
Nesse
caso, a restituição (de tributo indireto), nos termos do art. 166, está condicionada
a que o requerente faça prova de que assumiu o ônus tributário, podendo ser
suprida por autorização de quem a suportou (contribuinte de fato). A segunda
condição constitui medida de proteção ao contribuinte de fato, para evitar que
o contribuinte
de direito se locuplete às suas custas. Com efeito, se o contribuinte de
direito já recuperou o imposto pago, mediante transferência do ônus tributário
ao adquirente (contribuinte de fato), a restituição do imposto representaria
locupletamento ilícito do contribuinte de direito sobre o contribuinte de fato.
Sobre esse ponto, lapidar é o magistério de Alfredo Augusto Becker (Teoria
Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 75):
“Contribuinte:
no plano jurídico, é exclusivamente a pessoa (o sujeito passivo) situada no
pólo negativo da relação jurídica tributária, em cujo polo
positivo o Estado assumiu a posição do sujeito ativo; as posteriores relações
jurídicas (ou apenas econômicas) entre o “contribuinte” e outra pessoa, não são
relações jurídicas de natureza tributária (e se apenas econômicas,
evidentemente nem são jurídicas) e esta outra pessoa não é “contribuinte” (sujeito
passivo na relação jurídica tributária), embora seja ela que, afinal, venha a
suportar o ônus econômico do tributo”.
5.3. Legitimidade ad causan
para pedir restituição
Quem
pode pleitear a restituição do indébito? O contribuinte de direito (que prove
haver assumido o ônus ou esteja autorizado a pedir restituição)? O contribuinte
de fato (também condicionado à prova de haver assumido o ônus tributário)?
Ambos?
Ora,
apenas o contribuinte de direito está obrigado ao recolhimento do tributo ao
Erário (somente ele figura no pólo passivo da relação jurídica tributária). Por
isso, apenas o contribuinte de direito tem legitimidade para pedir a
restituição do tributo indevido. Nesse sentido, decidiu o STJ, no julgamento do
AgRg no REsp 1090782 / RJ (Ministro
Luiz Fux; Primeira Turma; DJe 04/11/2010):
"...o art. 166, do CTN, embora contido
no corpo de um típico veículo introdutório de norma tributária, veicula, nesta
parte, norma específica de direito privado, que atribui ao terceiro o direito
de retomar do contribuinte tributário, apenas nas hipóteses em que a
transferência for autorizada normativamente, as parcelas correspondentes ao
tributo indevidamente recolhido: Trata-se de norma privada autônoma, que não se
confunde com a norma construída da interpretação literal do art. 166, do CTN. É
desnecessária qualquer autorização do contribuinte de fato ao de direito, ou
deste àquele. Por sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o
indébito, desde que já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco.
No entanto, note-se que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o
Estado, por não ter com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito
subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte
de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode
o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao
contribuinte tributário a restituição daqueles valores”.
“8.
É que, na hipótese em que a repercussão econômica decorre da natureza da
exação, ‘o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa
da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a
impossibilidade desse terceiro ir a integrar a relação consubstanciada na
prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade
processual’ (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem
e Método", 2ª ed., São Paulo, 2008, Ed. Noeses,
pág. 583)”.
Trata-se
de matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula STF 546): “Cabe
restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que
o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto
o quantum respectivo”.
No
mesmo sentido decidiu a Segunda Turma do STJ, no REsp
1.192.992 RS (RDDT 185: 207):
“1.
A partir do julgamento do REsp 903.394 AL, realizado
sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil (recurso repetitivo),
ficou decidido que apenas o contribuinte de direito tem legitimidade ativa ad
causam para demandar judicialmente a restituição de indébito referente a
tributos indiretos”.
“3.
Nas operações internas com
energia elétrica, o contribuinte é aquele que a fornece ou
promove a sua circulação (definição disposta no art. 4º, caput, da Lei Complementar
87/1996). Assim, ainda que se discuta a condição da concessionária, é certo não
ser possível enquadrar o consumidor final na descrição legal de contribuinte de
direito”.
Também, a mesma Turma, no R Esp. 949.665 PR; DJU 21-2-08; RDDT 152:
239): “Em sede de repetição de indébito, os documentos indispensáveis à
propositura da ação são aqueles hábeis a comprovar a realização do pagamento
indevido e a legitimidade ad causam do contribuinte que arcou com o referido
recolhimento”.
Não
discrepa desse entendimento a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 809.034 SP; RDDT 130:
219):
“I
– A jurisprudência desta Corte pacificou entendimento no sentido de que, na
restituição do ICMS em razão do recolhimento indevido, não há como fugir da
regra prevista no art. 166 do CTN, que exige peremptoriamente a comprovação de
que o contribuinte de direito (comerciante) não repassou ao contribuinte de
fato (consumidor) o encargo financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo
transferido a terceiro, de que está por este autorizado a pleitear a repetição
do indébito”.
Por
fim, decidiu a Primeira Seção do STJ (AgRg
na Petição nº 3.064 SP; RDDT 118: 221):
“2.
O creditamento objetivado, em verdade, nada mais é do
que a compensação, na escrita fiscal, do que foi pago indevidamente com débitos
tributários de ICMS. Não há, pois, como escapar a espécie dos autos da regra prevista
no art. 166 do CTN, que exige a comprovação de que o contribuinte de direito
(comerciante) não repassou ao contribuinte de fato (consumidor) o encargo
financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, de que está
por este autorizado a pleitear a repetição do indébito.”
5.4. Repercussão econômica do tributo
Devemos
ter em mente que a repercussão econômica do tributo é um fenômeno descrito pela
ciência econômica, na linguagem própria desse ramo do conhecimento. Para ser
considerada pelo direito deve ser vertida na linguagem do direito, conforme
suas próprias categorias.
Assim,
para a compreensão do disposto no art. 166 do CTN, parece-me
útil captar inicialmente a repercussão como fenômeno econômico, para, em
seguida, como e em que termos foi introduzido no mundo jurídico pelo referido
dispositivo legal.
Rubens
Gomes de Sousa, bem conhecido tributarista, soube apreender de modo notável o
sentido da repercussão tributária, do ponto de vista da economia (A Tributação
das Vendas: sua natureza, desenvolvimento e tendências modernas. In: O Imposto
sobre Vendas e Consignações no Sistema Tributário Brasileiro. Série Prática
Fiscal nº 1, Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1956, p. 10):
“Com
efeito, a repercussão do imposto cobrado sobre uma transação depende
essencialmente da rigidez ou elasticidade da procura da utilidade
transacionada. A transferência do ônus fiscal fazendo-se necessariamente por um
acréscimo no preço dos bens ou serviços, o imposto somente repercutirá
integralmente se as condições do mercado permitirem
que o acréscimo de preço seja igual ao montante do tributo. Fora dessa hipótese,
ocorrerá a ‘repercussão inversa’ e o tributo será parcial ou totalmente absorvido
pelo ‘contribuinte legal’”.
“Nem
mesmo uma disposição legal que vise tornar a repercussão juridicamente
obrigatória pode ter a virtude de alterar a lei da oferta e da procura em
contrário à conclusão que acaba de ser exposta. De fato, uma disposição desse
tipo apenas dá origem, juridicamente, a uma relação de direito privado entre o
“contribuinte legal” e o “contribuinte de fato”, mas nem sequer afeta a relação
de direito público entre o “contribuinte legal” e o poder tributante.
E muito menos afeta o aspecto econômico do problema, que continua regido pela
elasticidade da procura”.
“Confrontando
com uma disposição dessa ordem, o “contribuinte legal”, na impossibilidade de
majorar o preço de venda em importância igual ao imposto, terá de reajustá-lo
de modo a cumprir formalmente a lei e ao mesmo tempo continuar a vender o produto
ou o serviço. Esse reajustamento terá forçosamente de fazer-se à custa dos dois
elementos de que se compõe o preço, isto é o valor de custo e o lucro. Esgotada
a capacidade de compressão do primeiro, o reajustamento se refletirá sobre o
segundo, com a conseqüência, já referida, da absorção do imposto pelo
“contribuinte legal” até o limite da redução da margem de lucro”.
Em
outros termos, a repercussão, enquanto fenômeno econômico, pode ou não ocorrer
ou ainda ocorrer em parte. Não é algo que dependa da vontade dos agentes
econômicos, mas das características do mercado. Em uma primeira abordagem,
podemos dizer que quanto maior o poder monopolista do vendedor, maior o seu
poder de influenciar preços e, portanto, de repassar o ônus tributário para o
adquirente. De modo inverso, quanto maior o poder monopsonista
do comprador, maior o seu poder de influenciar preços e, portanto, de resistir
à transferência do ônus tributário (como esclarecimento: monopsônio
é o conceito especular do monopólio: um comprador e muitos vendedores).
Mesmo
em um mercado de concorrência pura – não vamos falar em concorrência perfeita
que é uma situação ideal –, a repercussão econômica do imposto depende da elasticidade-preço
da demanda (como observou com propriedade Rubens Gomes de Sousa): quanto mais
elástica for a demanda, menor a possibilidade de fazer
repercutir o ônus do tributo sobre o adquirente. A necessidade de reduzir o
preço para conseguir vender o produto, faz com que o tributo seja absorvido por
outros componentes do preço, como a margem de lucro, por exemplo. Pelo
contrário, quanto mais inelástica for a demanda, maior
a possibilidade de fazer o adquirente arcar com o ônus do tributo.
Lembremos
que a Constituição privilegiou o mercado de concorrência, ao eleger a livre
concorrência entre os princípios da ordem econômica (art. 170, IV). Além disso,
a atividade econômica do Estado ficou reduzida ao mínimo (art. 173), sendo permitida
apenas “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo”. A exploração da atividade econômica ficou assim reservada
ao setor privado; a exploração direta pelo Estado passou a ser a exceção. Ao
Estado fica reservado o papel de “agente normativo e regulador da atividade
econômica” (art. 174), exercendo as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento. A preferência manifestada pelo constituinte pela economia de
mercado, fica patente, na seara tributária, com a introdução do art. 146-A pela
EC 42/2003 que permite o estabelecimento de “critérios especiais de tributação,
com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência”.
A
empresa em um mercado de concorrência é basicamente uma “tomadora” de preços. Ela não pode se afastar muito do
“preço de mercado” (equilíbrio entre oferta e procura) sob pena de não
conseguir comercializar suas mercadorias. Daí ser limitado o seu poder de fazer
repercutir sobre os compradores o ônus do tributo. Em muitos casos, o tributo é
absorvido reduzindo a margem de lucro.
5.5. Repercussão jurídica do tributo
O
direito não desconhece o fenômeno econômico da repercussão, mas o recebe em
seus próprios termos. A repercussão econômica do tributo, enquanto mero fato-no-mundo não produz efeitos jurídicos. É preciso que
se torne fato-jurídico, mediante sua enunciação na linguagem apropriada, para
que produza efeitos jurídicos. A esse propósito leciona Alfredo augusto Becker
(op. cit. p. 534) que:
“....
o legislador, ao criar a incidência jurídica do tributo, simultaneamente, cria
regra jurídica que outorga ao contribuinte de jure o direito de repercutir o
ônus econômico do tributo sobre outra determinada pessoa. Desde logo, cumpre
advertir que essa repercussão jurídica do tributo, de modo algum, significa a
realização da repercussão econômica do mesmo. Esta repercussão econômica pode
ocorrer apenas parcialmente ou até não se realizar, embora no plano jurídico
tenha se efetivado”.
Isto
por que, leciona o mestre gaúcho, “... os fatores decisivos da repercussão
econômica do tributo são estranhos à natureza do tributo e determinados pela
conjuntura econômico-social” (id. p. 541).
A
matéria foi disciplinada pelo direito tributário, no art.166 do CTN, da
seguinte forma:
(i)
tratando-se de imposto indireto, presume-se que o imposto repercuta sobre o
adquirente que suporta então o ônus da incidência tributária;
(ii)
a presunção é relativa (juris tantum),
podendo ser elidida pelo contribuinte de jure, cabendo-lhe o ônus da prova;
(iii)
no caso do imposto ter efetivamente repercutido, a restituição do tributo fica
condicionada a autorização do contribuinte de facto.
Então,
do ponto de vista da ciência econômica, o tributo pode ou não repercutir,
transferindo-se o ônus tributário ao contribuinte de facto.
Mas do ponto de vista do direito tributário, a repercussão é uma presunção
legal, cabendo ao contribuinte de jure provar a não repercussão. Paulo de
Barros Carvalho (op. cit. p. 837) analisa a dinâmica das presunções:
Na
presunção legal encontramos, de um lado, o fato presuntivo e, de outro, o fato
presumido. Considera-se provado o fato legalmente presumido. E o que justifica
essa previsão legal? Por que o fato presumido adquire, de pronto, status de
fato provado? Tal se justifica pelo vínculo de associação prescrito pela lei. Desse modo, fala-se em presunção relativa, que admite prova em
contrário; mas, não havendo prova em contrário, a associação se mantém; dado o
fato presuntivo, deve ser o fato presumido, porque não houve prova em sentido
oposto”.
O
fato presuntivo, no caso, é o tributo ser indireto, comportando, “por sua
própria natureza”, a transferência do respectivo encargo financeiro. O fato
presumido é a própria repercussão do tributo. Caso o contribuinte de juris não lograr provar que assumiu o encargo do tributo
(não o transferiu ao contribuinte de facto),
prevalece a presunção.
A
seu turno, Florence Haret (Teoria e prática das
presunções no direito tributário. São Paulo: Noeses,
2010, p. 317) comenta de modo quase acaciano:
“Tomemos
a indagação inicialmente formulada: o que se pretende presumir? O que é
presumido na presunção? A resposta é uma só e de uma simplicidade cristalina: o
fato presumido. Este, em outros termos, é aquilo que se entende como fato
jurídico em sentido amplo. Logo, o raciocínio presuntivo se dirige a constituir
o fato jurídico em sentido amplo para, em seguida, estabelecer associação entre
este e o enunciado factual da norma prescritiva, imputando àquele os efeitos
jurídicos deste”.
Pode-se
responder que o que se pretende presumir é que o tributo repercutiu sobre o
contribuinte de facto, atingindo efetivamente a sua
riqueza pessoal.
“Dessa
forma, para ser aplicável a conditio indebiti necessário se faz a presença, na relação
processual, além do enriquecido ou favorecido com o indébito tributário, do
empobrecido ou prejudicado. Este, o empobrecido ou prejudicado, será sempre o solvens (contribuinte legal) quando o indébito tributário
houver decorrido de imposição, ou suposta imposição, direta. Diversamente, se a
imposição, ou suposta imposição, houver ocorrido indiretamente sobre a pessoa
que seria a visada pela norma jurídica, o empobrecido ou prejudicado com o
pagamento indevido será sempre o contribuinte de fato, que poderá ou não
corresponder à pessoa que seria o contribuinte de direito, ao solvens. A restituição haverá de ser feita a quem – pronome
indefinido – comprove haver assumido o correspondente encargo financeiro, ou
seja, ao efetivamente empobrecido ou prejudicado com o pagamento indevido”.
“Em
conclusão, o imposto comporta a transferência do respectivo encargo financeiro
somente naquelas hipóteses em que a correspondente regra jurídica de tributação
estiver dirigida indiretamente sobre a pessoa cuja renda se pretenda atingir
através do imposto, ou seja, somente nas hipóteses em que efetivamente se puder
falar em imposição indireta da renda da comunidade (José Mörschbächer,
op. cit. p. 42)”.
5.6. A prova da não repercussão do tributo
Cabe
ao contribuinte de jure a prova de que o tributo não repercutiu. Podem ser
utilizados todos os meios de prova admitidos em direito, embora prevaleça a prova
documental. José Mörschbächer (op. cit. p. 63),
tratando da prova, argumenta o seguinte:
“O
instrumento, o meio ou veículo da translação do indébito tributário indireto, a
igual de qualquer outro componente dos custos ou encargos de industrialização
ou comercialização, opera-se através da fixação, em níveis superiores aos
habituais, do preço de venda ou revenda das mercadorias, bens ou serviços
indevidamente gravados, ou, no caso de insumos, dos produtos resultantes de sua
aplicação”.
Nessa
linha de raciocínio, entende o autor que estaria provada
a não repercussão do tributo no caso de (i) tabelamento oficial; (ii)
manutenção em estoque das mercadorias indevidamente tributadas ou dos produtos
resultantes dos insumos indevidamente tributados; ou (iii) em uma série
histórica, a manutenção dos preços habituais, correspondentes à saída das
mercadorias ou produtos indevidamente tributados. No mesmo caso estariam as
empresas concessionárias de serviço público, mediante cobrança de tarifa administrada
pelo poder concedente. Ou seja, a elevação de preços no período considerado
sugeriria a transferência do ônus do tributo.
Considerando
que a empresa em concorrência é um tomador de preços, vendendo suas mercadorias
ou produtos pelo preço “de mercado” (ou, no mínimo, operando na sua
vizinhança), a estabilidade de preços sugere que o tributo indevido tenha sido
suportado pelo próprio contribuinte de jure.
5.7. A autorização do contribuinte de fato como condição
para a restituição do tributo:
O
tributo recolhido indevidamente foi levado ao Erário pelo contribuinte de jure
que é obrigado ao recolhimento, pois somente ele está no pólo passivo da
relação jurídico tributária. Somente o contribuinte de jure é parte legítima
para pleitear a repetição do indébito tributário.
Entretanto,
o legislador, presumindo ter havido transferência do respectivo ônus do
tributo, exige que o contribuinte de jure prove não ter transferido o ônus ao
contribuinte de facto. Se o ônus do imposto não foi
transferido ao adquirente, via sistema de preços, o contribuinte de jure estará
habilitado a receber a restituição do imposto.
Mas,
se não for provada a restituição, prevalece a
presunção de que o tributo repercutiu sobre o contribuinte de facto, que suportou, portanto, o ônus tributário. Nesse
caso, o contribuinte de jure somente poderá pleitear a restituição se for
autorizado pelo contribuinte de facto que, desse modo
terá um instrumento para recuperar do contribuinte de jure o imposto recolhido
indevidamente por ele suportado. Nesse sentido, a decisão da Egrégia Primeira
Turma do STJ no AgRg no REsp
1090782 / RJ, Relator Ministro Luiz Fux (DJe
04/11/2010):
“Por
sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o indébito, desde que
já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco. No entanto, note-se
que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o Estado, por não ter
com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito subjetivo à repetição do
indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém,
uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de
fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte
tributário a restituição daqueles valores”.
5.8. Restituição sob a forma de crédito em conta gráfica:
A
restituição do indébito comporta duas modalidades: ou é restituído em numerário
ou sob a forma de compensação com créditos tributários do contribuinte para com
o Estado, na forma do art. 23 da LC 313/2005.
Mas,
tratando-se de impostos não-cumulativos, como é o caso do ICMS, o art. 80 da
Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, dispõe: “Sempre que for possível a reutilização
do tributo, a restituição poderá ser efetuada sob a forma de crédito, conforme
dispuser o Regulamento de cada tributo”. Nesse caso, a restituição assume a
forma de autorização para que o contribuinte registre como crédito, para abater
do imposto devido, na apuração do imposto a recolher no respectivo período, o
valor do imposto restituído.
A
restituição sob a forma de autorização de crédito é uma faculdade que o legislador
pôs à disposição da autoridade fazendária. Poderá deixar de fazê-lo e ordenar a
restituição em dinheiro se o contribuinte apresentar justificativa plausível. Pode
ainda acontecer que o contribuinte prefira utilizar o ICMS restituído para
compensar débito de outros impostos, na forma do art. 23 da LC 313/2005.
Um
segundo mecanismo está previsto na legislação do ICMS – RICMS-SC (Decreto 2.870/01),
art. 33:
“Art. 33. O contribuinte,
independentemente de prévia autorização do fisco, poderá creditar-se do imposto
indevidamente pago, em virtude de erro de fato, ocorrido na escrituração dos
livros fiscais ou no preenchimento de documento de arrecadação”.
“Parágrafo
único. O crédito será escriturado no livro Registro de Apuração do ICMS,
consignando-se, no campo destinado a observações, a natureza do erro cometido e
o período de apuração a que se refere”.
Nesse
caso, o crédito ocorre por iniciativa do contribuinte, sem o exame da matéria
pela autoridade fazendária, antecipando o disposto no art. 88 da Lei 3.938/66.
Tratando-se, o ICMS, de imposto sujeito a lançamento por homologação, esse
crédito está sujeito a exame pelo Fisco, no prazo de cinco anos, conforme § 4°
do art. 150 do CTN. Caso não seja considerado correto, o valor correspondente
será exigido de ofício, acrescido de multa, juros e correção monetária.
Essa
forma de restituição somente se aplica a restituição decorrente de erro de fato,
aplicando-se aos erros mais simples e banais ocorridos na escrituração dos
livros fiscais ou no preenchimento de documento de arrecadação.
Mas
o que seria um erro de fato? Conforme De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico,
26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005), erro de fato (error
facti) consiste em “uma falsa idéia sobre o exato
sentido das coisas, crendo-se numa realidade que não é verdadeira”. Pode ser
acidental ou substancial. Será acidental quando a falsa idéia é “sobre as qualidades
secundárias da coisa”, não se mostrando como determinante do ato.
Mais
importante é o erro substancial (error in substantia) “é o que ataca a substância ou essência do
próprio ato, tendo sido o causador, de que ele se fizesse”.
Dispõe
o Código Civil (2002):
“Art.
138. O erro é substancial quando:
I
– interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma
das qualidades a ele essenciais;
II
– concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a que se refira a declaração da vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei,
for o motivo único ou principal do negócio jurídico”.
“Assim,
o erro substancial é o que recai sobre a substância ou essência do negócio, do
objeto ou da pessoa, em suas qualidades essenciais, não em suas qualidades
acessórias ou acidentais”. Acrescenta Silvio Rodrigues (Direito Civil, vol 1,
34ª ed, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 188):
“Diz
a lei serem anuláveis os atos jurídicos quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial. Conforme define a doutrina,
erro substancial é aquele de tal importância que, se fosse conhecida a verdade,
o consentimento não se externaria”.
Em
matéria de ICMS, podemos considerar como acidentais e, portanto, passíveis de
autocorreção pelo sujeito passivo, nos termos do art. 33 do RICMS/SC, aqueles originados
da transferência equivocada de dados para os livros fiscais ou documentos de
arrecadação tributária. Já os erros ocorridos nas variáveis que determinam o
valor do imposto tais como: base de cálculo, alíquota, diferença de preço,
quantidade, valor da operação ou da prestação; nos dados cadastrais que
implique mudança do remetente ou do destinatário; ou na data de emissão ou de
saída que implique de mudança no momento da ocorrência do fato gerador serão
erros substanciais. O art. 33 refere-se expressamente a erro na “escrituração
dos livros fiscais ou no preenchimento de documento de arrecadação”, ou seja,
ao erro de fato acidental.
No
caso de erro de fato substancial, o tributo somente poderá ser restituído após
demonstrado que encargo tributário não foi repassado ao contribuinte de facto ou de que o contribuinte de juri
foi por ele autorizada a pleitear a
restituição.
5.9. Tributação sobre o consumo: os impostos não-cumulativos
A
tributação sobre o consumo pode ser monofásica (incide um
única vez, como nos antigos impostos únicos sobre minerais ou sobre
combustíveis etc.) ou plurifásica (incide em todas as
fases de comercialização). Esta última, por sua vez, pode ser cumulativa
(antigo IVC) ou não-cumulativa (ICMS, IPI).
O
que distingue os tributos não cumulativos é o direito do
adquirente creditar-se do imposto que onerou a fase(s) anterior(es) de
comercialização. Dispõe o art. 155, § 2°, I, da Constituição Federal que o ICMS “será não
cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas
anteriores por este ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
O
crédito do ICMS é, então, imposto pago sobre a mesma mercadoria em etapas
anteriores. Não se trata propriamente de um “crédito” que o contribuinte tenha
contra a Fazenda, mas de um direito de compensar com o imposto devido; é um
crédito vocacionado à
compensar os débitos tributários. Por isso que não havendo débito, não há crédito.
O inciso II, “b” do dispositivo constitucional citado determina que “a isenção
ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a
anulação do crédito relativo ás operações anteriores”.
O
mecanismo da não-cumulatividade é descrito por Roque
Antonio Carrazza (ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 209) nos seguintes termos: “O realizador da operação ou prestação tem
o direito constitucional subjetivo de abater do montante de ICMS a recolher os
valores cobrados (na acepção acima fixada), a esse título, nas operações ou
prestações anteriores. O contribuinte, se for o caso, apenas recolhe, em
dinheiro, aos cofres públicos a diferença resultante da operação matemática”.
A
restituição de ICMS recolhido indevidamente submete-se à regra do art. 166 do
CTN porque é um imposto indireto que onera indiretamente a riqueza das pessoas,
na media em que estas a gastam em consumo. Mas ele também é um imposto não
cumulativo o que permite ordenar a restituição do imposto na forma de crédito,
nos termos do art. 80 da Lei 3.938/66 ou do art. 33 do RICMS-SC. Temos
tratamentos tributários diversos para a restituição de impostos diretos,
impostos indiretos não-cumulativos ou impostos indiretos que não sejam
não-cumulativos.
O
ICMS é imposto indireto porque visa onerar o contribuinte de facto (consumidor) e não o contribuinte de jure
(empresário). Conforme Humberto Ávila (ICMS como imposto sobre o consumo.
Inocorrência de prestação onerosa de serviço de comunicação no caso de inadimplemento
do consumidor. RDDT 186: 110):
“Ao
regrar o referido imposto dessa forma, de modo que a carga tributária não seja
acumulada nas várias fases do ciclo econômico, a Constituição Federal
estabelece indiretamente que ela deve ser suportada pelos consumidores finais,
e não pelo comerciante ou pelo prestador de serviços. Trata-se, portanto, de
tributo indireto que onera o consumo, não devendo o prestador arcar com o valor
do tributo, mas sim o consumidor”.
“Note-se
que um imposto indireto, baseado na repercussão, que deve recair economicamente
sobre o consumidor e não sobre o empresário, deve ser relativamente igual para
todos os empresários que se encontrem em situação concorrencial, de maneira a
garantir a neutralidade concorrencial (Wettbewerbsneutralität).
Isso significa que os preços devem ser proporcionalmente onerados da mesma
forma pelo imposto, de modo que a carga tributária incidente não funcione como
fator de custo para o empresário. Em outras palavras, o dever de neutralidade
concorrencial do referido imposto é uma consequência
evidente da sua qualificação como imposto indireto que onera o consumidor final
e não o empresário”.
5.10. Substituição tributária “para a
frente”: um caso particular de restituição do indébito.
Entende-se
que há substituição tributária quando a relação jurídico-tributária se
estabelece originalmente entre o Estado e terceira pessoa “vinculada ao fato
gerador da respectiva obrigação” (CTN, art. 128), diversa do contribuinte, ou
seja, de quem tenha “relação pessoal e direta com a situação que constitua o
respectivo fato gerador” (art. 121, par. único, I).
A
substituição tributária no ICMS, graças ao mecanismo da não-cumulatividade,
pode compreender operações ou prestações (LC 87/96, art. 6°, § 1°) antecedentes
(“para trás”), concomitantes ou subseqüentes (“para a
frente”). Na substituição tributária por operações subseqüentes ou “para a frente”, por disposição expressa da lei (art. 10), a
restituição do imposto recolhido por substituição tributária (pelo substituto) cabe
ao substituído, no caso do “fato gerador presumido não se realizar”. Se ele se
realizar, mas por valor inferior ao que serviu de base de cálculo da
substituição, não há direito à restituição.
A
substituição tributária “para a frente” constitui
exceção à regra de que quem tem legitimidade para pedir restituição é quem
pagou ao Erário numerário a título de tributo.
6. Considerações finais
A
restituição de tributo pago indevidamente depende da resposta a algumas
perguntas:
a)
houve pagamento de tributo e esse pagamento era indevido? ou
tornou-se indevido (decisão judicial)?
b)
ocorreu a decadência do direito de pleitear a restituição?
Já
a aplicação do art. 166 do CTN depende ainda da resposta a mais essas
perguntas:
c)
o imposto pago indevidamente era indireto? caso
afirmativo, presume-se que o ônus tributário foi transferido ao contribuinte de
facto;
d)
o contribuinte de jure conseguiu provar que não transferiu o ônus tributário,
tendo assumido o respectivo encargo? caso negativo,
está autorizado pelo contribuinte de facto a pedir a
restituição?
A
autorização enseja ao contribuinte de facto a
recuperação do contribuinte de jure da quantia restituída e por ele suportada.
O
ônus da prova do pagamento indevido cabe ao requerente.
O
ônus da prova de que assumiu o encargo e não o transferiu ao contribuinte de facto cabe ao contribuinte de jure.
A
restituição do imposto recolhido indevidamente sofre correção monetária a
partir do pagamento indevido e rende juros a partir da decisão que reconhecer o
direito à restituição.
A
restituição pode ser em dinheiro ou sob a forma de compensação com tributos
devidos pelo requerente. No caso de impostos não-cumulativos, pode ser deferida
sob a forma de crédito. No caso do ICMS, tratando-se de erro de fato acidental,
pode ser efetuada pelo próprio contribuinte, sujeita à ulterior verificação
pelo Fisco, inclusive quanto à prova da não transferência do respectivo encargo
ao contribuinte de facto.
À
consideração superior.
Getri, em Florianópolis, 7 de fevereiro de 2012.
Velocino
Pacheco Filho Lintney Nazareno da Veiga
AFRE –
mat. 184244-7
Gerente de Tributação