ESTADO
DE SANTA CATARINA
SECRETARIA
DE ESTADO DA FAZENDA
DIRETORIA
DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA
DE TRIBUTAÇÃO
NOTA TÉCNICA N° 002/2012 – Getri
PEDIDO DE INFORMAÇÕES, PROTEGIDAS POR SIGILO FISCAL, POR ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
1. Considerações iniciais:
Com
certa freqüência os funcionários fazendários tem se defrontado com pedidos de
informações formuladas por órgãos públicos relativas aos negócios de contribuintes,
para instruir processos ou ainda no âmbito de investigações. Tais pedidos têm
causado algum desconforto entre os agentes fiscais, tendo em vista possível
conflito entre a respeitabilidade e relevância social da instituição que pede
informações – Ministério Público, Polícia Federal etc., e o dever funcional dos
agentes do Fisco em proteger o sigilo fiscal dos contribuintes.
Pretendemos
abordar a seguir os vários aspectos da questão, de modo a proporcionar alguma
orientação de como proceder no caso de pedidos de informações. Veremos que
informações podem ser prestadas a quem e de que forma.
2. Os poderes de investigação do Fisco:
O
Fisco foi dotado de amplos poderes de investigação pela legislação tributária.
A própria Constituição Federal, art. 145, § 1° faculta à administração
tributária “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da
lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do sujeito
passivo” (CF,).
O
art. 195 do Código Tributário Nacional assegura ao Fisco o direito de “examinar
mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais
de comerciantes, industriais ou produtores”, direito este que não poderá ser
limitado ou excluído por quaisquer disposições legais.
Por
sua vez, o art. 197 do mesmo pergaminho obriga as pessoas nele enumeradas a
prestar as “informações de que disponham com relação a bens, negócios ou atividades
de terceiros”, exceto em relação aos fatos a que o informante estiver “obrigado
a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou
profissão” (parágrafo único). Entre outros, estão obrigados a prestar
informações ao Fisco “os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais
instituições financeiras” (inciso II). Conforme Gilmar Ferreira Mendes , et Al. (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 376)
“A
Lei Complementar n° 105/2001 atribui aos
agentes tributários, no exercício do seu poder de fiscalização, o poder de
requisitar informações referentes a operações e serviços das instituições
financeiras, independentemente de autorização judicial. A lei cerca a
providência de cuidados formais, com vistas a minimizar os custos para o direito
à privacidade do investigado e assegurar que esteja nítida a necessidade da
medida”.
“O
sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha
ao interesse na manutenção do sigilo. Além disso, deve estar caracterizada a
adequação da medida ao fim pretendido, bem assim, a sua efetiva necessidade –
i. é, não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim. O
pedido de quebra do sigilo bancário ou fiscal deve estar acompanhado de prova
da sua utilidade. Cumpre, portanto, que se demonstre que ‘a providência
requerida é indispensável, que ela conduza a alguma coisa’; vale dizer, que a
incursão na privacidade do investigado vence os testes da proporcionalidade por
ser adequada e necessária”.
Em
outras palavras, o exercício dos poderes de investigação do
Fisco também sofrem a limitação imposta pelo principio da proporcionalidade.
O conteúdo desse princípio, como esclarece Humberto Ávila (Proporcionalidade e
direito tributário. Direito Tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa.
Coordenação de Luis Eduardo Schoiueri. Vol. I, São
Paulo: Quartier Latin,
2003, pg. 332), refere-se à ponderação dos meios empregados pelos fins visados:
“O
exame da proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta
destinada a realizar uma finalidade. Nesse caso, devem ser analisadas as possibilidades
de a medida levar à realização da finalidade (exame da adequação), de a medida
ser a menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter
sido utilizadas para atingir a finalidade (exame da necessidade), e de a
finalidade pública ser tão valiosa que justifique tamanha restrição (exame da
proporcionalidade em sentido estrito)”.
Arremata
ainda Gilmar Mendes (op. cit. p. 377) que “uma vez quebrado o sigilo, os autos
que recebem essas informações devem correr em segredo de justiça. Há responsabilidade
civil do Estado no descaso para com esse dever”.
Os
poderes de investigação do Fisco, no entanto, não estão à
serviço simplesmente da maximização da arrecadação, mas de uma arrecadação
justa, dando efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade
econômica.
O
exercício desses estão, portanto, limitados (i) pela
arrecadação justa – cada um deve contribuir para o custeio do Estado na medida
de sua capacidade; (ii) pelos direitos individuais, em particular os descritos
no art. 5° da Constituição, tais como o direito à privacidade (inciso X, XI e
XII), a liberdade de profissão (inciso XIII), o direito de petição (XXXIV), a
irretroatividade da lei (inciso XXXVI), o devido processo legal (inciso LIV) o
contraditório e a ampla defesa (inciso LV) etc.; e (iii) pelos estritos termos
em que a lei os disciplinou.
3. O dever funcional de guardar o sigilo fiscal:
O
art. 198 do CTN obriga o Fisco a guardar sigilo sobre as informações a que
tiver acesso o que constitui a justa contrapartida dos amplos poderes de
investigação de que é dotado. Com efeito, dispõe o dispositivo mencionado que
“sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte
da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do
ofício, sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.
À
evidência, o acesso dos agentes do Fisco a documentos garantido pelo art. 195
do CTN, não quer dizer que tais documentos não estejam protegidos pelo sigilo
previsto no art. 198 do mesmo pergaminho. Mesmo em relação ao Fisco, o dever de
prestar informações sobre os negócios de terceiros encontra seu limite na regra
insculpida no parágrafo único do art. 197 que preserva as informações “quanto a
fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo
em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão”. Os
livros e documentos fiscais não estão protegidos por sigilo em relação ao
Fisco, mas isso não quer dizer que não estejam ao abrigo de sigilo fiscal
contra terceiros.
O
sigilo é imposto tanto à Fazenda Pública quanto aos seus servidores (art. 198).
“A referência ao ente público e aos servidores deste tem o propósito de
esclarecer que a vedação se dirige à divulgação oficial, que poderia ser
praticada pela Fazenda, entidade pública, quando à divulgação que eventualmente
fosse feita por um servidor público, extra-oficial ou informalmente” (Hugo de
Brito Machado, Comentários ao Código Tributário Nacional, vol III, São Paulo:
Atlas, 2005, p.760).
A
divulgação pelo Fisco de informações obtidas durante e em razão de fiscalização
pode acarretar a aplicação da pena capitulada no art. 325 do Decreto-lei 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal): “Revelar fato de que tem ciência em
razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”.
Entende
Aliomar Baleeiro que a divulgação pelo Fisco de informações protegidas por
sigilo pode ainda caracterizar o crime de excesso de exação, capitulado no art.
316, § 1°, do mesmo Código, na modalidade descrita como emprego, na cobrança do
tributo, de “meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza”, punível com
três a oito anos de reclusão e multa.
4. O direito do cidadão ao sigilo fiscal como garantia
constitucional:
O
sigilo fiscal é considerado, pela doutrina e jurisprudência dominantes,
como inserido no direito à privacidade, albergado entre os direitos e
garantias fundamentais, nos incisos X e XII do Art. 5° da Constituição da
República:
“X
– são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”;
“XII
– é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal”;
A
matéria foi apropriadamente tratada por Hugo de Brito Machado (Comentários ao
Código Tributário Nacional. Vol. III, São Paulo: Atlas, 2005, pg. 790):
“Os
contribuintes, como os cidadãos em geral, têm direito à privacidade. Privacidade
pessoal, absolutamente necessária à preservação dos valores da individualidade e
da dignidade humana, e privacidade empresarial, absolutamente necessária à
prática da livre iniciativa econômica e da livre concorrência. Por outro lado,
a preservação dos interesses do Estado na arrecadação de tributos exige que os
seus agentes tenham acesso a informações a respeito dos fatos que sejam
relevantes para fins tributários. Por isto mesmo a Constituição estabelece que,
especialmente para conferir efetividade aos princípios da pessoalidade dos
impostos e da capacidade econômica, é facultado à administração tributária
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
“A
ação da administração tributária no exercício do poder dever de fiscalizar há
de ser desenvolvida ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’.
Há de respeitar, portanto, o direito à privacidade, que é um dos mais
importantes direito individuais. A guarda do sigilo, vale dizer, o denominado
sigilo fiscal, é portanto a contrapartida da faculdade, ou, mais exatamente, do
poder-dever de fiscalizar”.
Nessa
senda, entendeu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do HC 160.646 SP (RDDT 195: 234) que “o sigilo fiscal se insere no direito à
privacidade protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do art. 5º da
Carta Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão
pela qual, para que se mostre legítima, se exige a demonstração ao Poder
Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a
sua adoção”.
5. Limitações à proteção à privacidade:
A
proteção à privacidade, prevista no art. 5°, X e XII da Lei Suprema, entretanto,
admite limites pautados no interesse público. Assim, pondera Fernando Lemme Weiss (O sentido e a abrangência do sigilo fiscal.
RDDT 178: 69) que, “além da privacidade física, ainda devem ser respeitados os
segredos do processo produtivo, que constituem patrimônio imaterial, e não
podem ser devassados a pretexto de fiscalização, sob pena de perecimento de seu
objeto. Os direitos sobre tais segredos geram correspondentes deveres de
respeito por parte das demais pessoas, o que inclui o Estado, uma vez que não
há legítimo interesse social sobre eles”.
O
critério do “interesse social”, segundo o articulista, permite delimitar qual a
abrangência da proteção conferida à privacidade:
“A
estrutura produtiva é o meio privado pelo qual a empresa atinge seu fim, que é
disponibilizar ao público suas mercadorias e serviços. Essa oferta comercial
delimita o fim da privacidade e o início da publicidade da atividade
empresarial. Assim como a qualidade da troca comercial gera direitos para os
consumidores, sua quantificação delineia a parcela devida à sociedade, que é
legalmente estabelecida antes da realização do negócio em atenção ao princípio
da segurança jurídica, efetivado pela regra da anterioridade tributária”.
Ora,
“a receita tributária é um bem público essencial à sobrevivência do Estado,
provedor e garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos, o que justifica
uma atuação fiscalizadora o mais efetiva possível”.
O
articulista defende que há uma distorção na “ampliação desmedida do conteúdo da
intimidade e sua extensão às pessoas jurídicas, sem que seus defensores ao menos
dêem-se ao trabalho de fazer a ponte necessária a essa
enorme travessia. A intimidade é uma característica dos fatos e bens que só
dizem respeito a um ser humano ou a relações humanas sentimentais. O respeito à
intimidade pressupõe que as pessoas envolvidas ajam em espaços privados e
reservados, o que nada tem a ver com unidades produtivas empresariais,
orientadas por vínculos laborais, societários e comerciais. A intimidade em
locais indevidos desvirtua-se e pode até tornar-se ilícita”.
Das
premissas postas infere o articulista que: “mesmo o conceito de privacidade,
bem mais amplo e impessoal do que o de intimidade, pressupõe exclusividade sobre
o objeto, o que é inteiramente inaplicável à receita das pessoas físicas e
jurídicas, pois a sociedade é titular de uma parcela delas”.
6. Sigilo fiscal e moralidade administrativa:
Os
direitos e garantias constitucionais não são absolutos, nem são oponíveis ao
interesse público. Mas, somente podem ser afastados na forma e condições previstas
pelo próprio ordenamento jurídico, observado o due process of law
que é, justamente, um desses direitos, previsto no inciso LIV do art. 5° da
Constituição. Outra desses direitos é a proteção à privacidade (art. 5°, X e
XII), onde o sigilo fiscal encontra o seu embasamento constitucional.
Leciona
Norberto Bobbio (A Era dos Direitos. Rio de Janeiro:
Campus, 1992, pg. 63): “descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é
falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e
justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção
efetiva”.
Por
sua vez, comenta Raquel Cavalcanti Ramos Machado (Interesse Público
e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007, pg. 20) que “os
direitos fundamentais foram consagrados, em um primeiro momento histórico, em
decorrência da necessidade de proteger o indivíduo dos abusos do Estado
absolutista, tendo sido tais direitos também denominados ‘direitos de liberdade’”.
Por conseguinte, não se concebe que o cidadão fique ainda sujeito a sofrer
abusos, agora pelas mãos do próprio Estado Democrático de Direito.
Pelo
contrário, é atribuição precípua do Estado Democrático de Direito e de seus
servidores a defesa dos direitos constitucionais, que, no caso do Ministério
Público, constitui uma de suas funções institucionais.
Não
se concebe tão pouco que o esse Estado a quem incumbe a defesa da ordem
jurídica e do regime democrático, bem como dar eficácia aos direitos
assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia,
se julgue no direito de impor a sua vontade, mesmo contra disposições legais
expressas e com desprezo pelo due process
of law.
A
violência do Estado – que se diz democrático e de direito – contra o cidadão, o
abuso e desrespeito aos direitos assegurados pela Lei Suprema atenta contra o
postulado da moralidade administrativa, agasalhado no art. 37 do mesmo
Estatuto.
7. Sigilo e as atividades ilícitas praticadas pelos
contribuintes:
O
sigilo fiscal, previsto no art. 198 do CTN, e a proteção à privacidade a que se
referem os incisos X e XII do art. 5° da Constituição, no entanto, não podem
servir de escudo a atividades criminosas, não só contra a ordem tributária, mas
também os de tráfico de drogas, receptação, estelionato, crimes de colarinho
branco em geral etc.
Assim,
conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Mandado de
Segurança 25.375 (DJe
07/04/2008): “A proteção ao sigilo bancário e fiscal não consubstancia direito
absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a
existência de interesse público relevante ou de elementos aptos a indicar a possibilidade
de prática delituosa (Precedentes)”.
No
mesmo sentido decidiu a Primeira Turma do Tribunal que “o sigilo bancário, como
cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável
de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado
nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras
de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias
fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto
o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito
fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir
ilícitos” (AgRg no Ag
1329960 / SP, Ministro Luiz Fux ,DJe 22/02/2011).
Contudo,
com exceção das hipóteses expressamente contempladas nos arts. 198 e 199 do
CTN, o fornecimento de informações protegidas pelo sigilo fiscal somente podem
ser fornecidas mediante requisição do Poder Judiciário, que é o único a deter a
competência para decidir se a quebra do sigilo fiscal é necessária para a
proteção de interesse público.
8. Limitações ao sigilo fiscal:
A
redação original do parágrafo único do artigo 198 do CTN previa apenas duas
exceções ao dever de sigilo imposto aos agentes do Fisco: (i) permuta de informações
entre as Fazendas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
(art. 199) e (ii) a “requisição regular da autoridade judiciária no interesse
da justiça”. Portanto, qualquer pedido de informações, formulado por qualquer
outro órgão público deveria ser sumariamente recusado.
A
Lei Complementar 104/2001, no entanto, veio ampliar os casos de exceção à
exigência de sigilo, para alcançar também as “solicitações de autoridade
administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada
a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou entidade
respectiva, como o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa” (CTN,
art. 198, § 1°, II).
Além
da autoridade administrativa solicitante ter de
comprovar (i) a instauração regular de processo administrativo e (ii) que a
informação solicitada é relevante para comprovar a prática de infração
administrativa, a informação deve ser prestada em seus estritos termos e a
autoridade solicitante fica responsável pelos danos causados ao sujeito passivo
tributário por sua eventual divulgação. Essa conclusão se impõe em homenagem ao
princípio da moralidade administrativa, a que se refere o art. 37 da
Constituição da República.
Também
foi acrescido § 3° ao art. 198, dispondo que não é vedada a divulgação de
informações relativas a (i) representações fiscais
para fins penais; (ii) inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; e (iii) parcelamento
ou moratória.
A
ampliação das exclusões do sigilo fiscal, todavia, provocou a indignação de
Hugo de Brito Machado (op. cit. p. 795), do alto de sua vasta e respeitada
experiência como magistrado:
“A
exclusão de certas situações do âmbito do sigilo fiscal parece ter tido o
propósito vergonhoso de permitir a prática de publicidade constrangedora contra
o contribuinte. Na prática, pode-se dizer que já não existe o sigilo fiscal,
pelo menos para impedir o que as autoridades da administração tributária mais gostam de fazer, que
é utilizar a publicidade sensacionalista como forma de constranger o
contribuinte”.
Bem
por isso, deve-se tomar a cautela (i) de restringir o acesso às informações
apenas ao Ministério Público – a quem incumbe o oferecimento da denúncia – e apenas
à matéria relativa à prática de crime contra a ordem tributária; (ii) divulgar apenas os dados relativos à inscrição em Divida
Ativa (CDA, valor etc.); ou (iii) ao parcelamento.
A
situação definida no § 3°, I, supra referido, trata do
fornecimento pelo Fisco de elementos probatórios ao Ministério Público, antes
mesmo do oferecimento da denúncia, para fins de instrução de processo por crime
contra a ordem tributária. Embora se cuide de crime de ação pública
incondicionada, os agentes do Fisco representam ao Ministério Público os fatos
constatados durante o procedimento fiscalizatório que
possam constituir crime contra a ordem tributária, nos termos da Lei 8.137, de
27 de dezembro de 1990. Com efeito, o art. 16 dessa lei prevê que “qualquer
pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos
nesta Lei, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria,
bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”.
Nesse
caso, os agentes fiscais estão autorizados a levar ao conhecimento do
Ministério Público os documentos e provas em seu poder, sem incorrer em quebra
de sigilo fiscal, já que “a representação fiscal, dirigida ao Ministério
Público para fins penais, substancia cumprimento de dever legal, compreendendo,
por certo, o de instrução adequada com os elementos documentais que certificam
o ilícito penal tributário” (STJ, Sexta Turma, RHC 15382 / RS, Ministro
Hamilton Carvalhido; DJ 05/02/2007 p. 379).
O
próprio STF (Segunda Turma, HC 87654 / PR; RTJ Vol. 199/2, pp. 727) já decidiu
que “a comunicação de possível crime ao Ministério Público não configura afronta
ao sigilo fiscal (CTN, art. 198, § 3º, I )”.
9. Quais informações estão protegidas pelo sigilo fiscal:
O
sigilo imposto ao Fisco pelo art. 198 do CTN abrange toda e qualquer informação
“obtida em razão do ofício”. Tem-se que a expressão “ofício” abrange especificamente
o exercício das atividades inerentes à constituição do crédito tributário,
porém, é cediço que a coleta de provas empreendidas pelo Fisco vai além do
simples exame da escrita fiscal e contábil do sujeito passivo, alcançando
muitas vezes informações extrafiscais de natureza
comercial, projetos industriais, planilhas de custos, etc. Ou seja, o Fisco
pode buscar toda e qualquer informação que se mostre necessária à comprovação
dos fatos tributáveis. Eventualmente o Fisco pode ter acesso a segredos
industriais, à estratégia de expansão da empresa e outras informações que, se
divulgadas, causariam significativo prejuízo ao sujeito passivo sob
fiscalização.
De
se destacar também, que todas as “pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes
ou não, inclusive as que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter
pessoal” estão sujeitos à fiscalização, conforme parágrafo único do art. 194 do
CTN, e que algumas pessoas, segundo o art. 197 do mesmo pergaminho, estão
obrigadas a prestarem ao fisco “as informações de que disponham com relação a
bens, negócios ou atividades de terceiros”, exceto em relação aos fatos a que o
informante estiver “obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício,
função, ministério ou profissão”.
De
sorte que, a princípio, todas as informações obtidas em razão do exercício da
fiscalização (conjunto de ações tendentes à constituição do crédito tributário)
estão protegidas por sigilo, principalmente aquelas que revelem fatos sobre o
sujeito passivo ou terceiro, concernentes (i) à sua situação econômica ou financeira;
(ii) natureza e estado de seus negócios; (iii) suas
atividades ou (iv) seus parceiros comerciais.
10. Quais as informações que não estão
protegidas por sigilo e que podem ser disponibilizadas:
Assim
como as informações protegidas por sigilo são aquelas colhidas junto ao
contribuinte ou terceiros, mas obtidas em razão do ofício (pela autoridade
competente, no decurso de processo de fiscalização) e que se refiram à situação
econômica ou financeira do sujeito passivo ou sobre a natureza ou estado de
seus negócios ou atividades, impõe-se identificar se a informação solicitada
está ou não protegida pelo sigilo fiscal.
Para
tanto deve-se indagar: a informação foi obtida em
razão do ofício? trata-se da situação econômica ou
financeira do sujeito passivo ou de terceiros? revela
a natureza e o estado de seus negócios ou atividades?
As
informações solicitadas têm origem em procedimento fiscalizatório
instaurado no estabelecimento do contribuinte ou provém do próprio Fisco? O
fornecimento da informação solicitada, de algum modo, vulnera o direito à
privacidade, garantido pela Constituição?
Em
síntese, pode-se afirmar que podem ser fornecidas as informações, requeridas
por órgão da administração pública:
1.
relativas a créditos fiscais (expressamente excluídas
do sigilo, nos termos do § 3° do art. 198):
1.1.
objeto de representação fiscal para fins penais (crime
contra a ordem tributária);
1.2.
inscritos em Dívida Ativa; e
1.3.
em que foi concedido parcelamento ou moratória;
2.
sobre dados cadastrais, originados da própria Fazenda,
como nome ou razão social, CPF, endereço, telefone etc.;
3.
outras informações originárias da própria Fazenda e
que não foram obtidas em razão de procedimento fiscalizatório;
4.
relativos à prática de infração administrativa, com
processo administrativo instaurado, nos termos do § 2° do art. 198, observado o
procedimento previsto no § 3° do mesmo artigo.
Nos
demais casos, em que a informação estiver sob proteção do sigilo fiscal,
somente poderá ser fornecida mediante requisição da
autoridade judiciária.
11. O pedido de informações de natureza fiscal por outros
órgãos e instituições:
Sabe-se
que o Ministério Público, conforme art. 127 da Carta, é uma “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbindo-lhe a “defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”. O art. 129 relaciona, entre as funções institucionais do
Ministério Público, (a) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; (b) promover ação de inconstitucionalidade ou
representação para fins de intervenção da União e dos Estados; e (c) zelar pelo
efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas
necessárias e sua garantia.
Assim,
o art. 26 da Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público) dispõe que “no exercício de suas funções, o ministério
Público poderá requisitar
informações, exames periciais e documentos de autoridades federais,
estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios”.
Contudo,
os poderes de investigação atribuídos ao Ministério Público não têm o condão de
afastar o dever de sigilo imposto aos agentes do Fisco pelo art. 198 do Código
Tributário Nacional, que tem eficácia de lei complementar, pois foi
recepcionado como tal pelo art. 19, § 1° da Constituição Federal de 1967 que
reservou à lei complementar
a competência para dispor sobre normas gerais, dirimir conflitos
de competência e regular as limitações ao poder de tributar. Ora, disposição de
lei ordinária não pode ser oposta à disposição de lei complementar, que somente
pode ser modificada por outra lei complementar.
Apura-se
então que a atuação do próprio Ministério Público encontra limites quando se
tratar de sigilo fiscal. De sorte que a instituição não está autorizada a requerer
documentos e outras informações, para fins de investigação criminal ou
instrução probatória, diretamente ao Fisco, devendo tais requisições passar
necessariamente pelo crivo do Poder Judiciário.
Nesse
norte, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Recurso em Mandado de Segurança
25.375, Rel. Min. Felix Fischer; DJe
07/04/2008) que “o Ministério Público não tem legitimidade para proceder a
quebra de sigilo bancário e fiscal sem autorização judicial”, pois (Recurso em
Hábeas Corpus 20.329; DJ 22/10/2007 p. 312):
“I.
A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado,
feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca
quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade
fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal”.
“II.
A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização
judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias
constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos”.
“III.
As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício
de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos
fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco”.
A
quebra de sigilo fiscal quando não precedida da devida autorização judicial tem
como conseqüência “macular de ilícita a prova obtida e, assim, imprestável para
o fim de sustentar a ação penal ou decisão condenatória” (Hábeas Corpus 31.205,
Rel. Min. Hamilton Carvalhido; DJ 26/11/2007 p. 247).
“A
despeito de o sigilo das informações fiscais e bancárias não ser absoluto, uma
vez que pode ser mitigado quando haja preponderância de interesse público, notadamente
da persecução criminal, o próprio texto constitucional (art. 5º, inciso XII)
exige a prévia manifestação da autoridade judicial, preservando, assim, a
imparcialidade da decisão” (Recurso em Hábeas Corpus 26.236 RJ, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima; DJe
01/02/2010; RT vol. 895 p. 559).
O
Superior Tribunal de Justiça justifica a necessidade de intermediação do Poder
Judiciário, mesmo na requisição de informações pelo Ministério Público, apesar
dos privilégios investigatórios desse órgão, argumentando que “numa
interpretação consentânea com o Estado Democrático de Direito, esta concepção
não se mostra a mais acertada, uma vez que o Ministério Público é parte no
processo penal, e embora seja entidade vocacionada à
defesa da ordem jurídica, representando a sociedade como um todo, não atua de
forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para
decidir sobre a imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e bancário” (HC 160.646 SP; RDDT 195: 234)”.
Ora,
o Ministério Público, com as atribuições e os privilégios a ele cometidos pelo
constituinte, depende do Poder Judiciário para requerer ao
Fisco informações protegidas por sigilo fiscal, o que dizer das
informações solicitadas por qualquer outro órgão público ao qual não forma
cometidos tais privilégios e atribuições.
12. O processo regular de intercâmbio de informações
sigilosas no âmbito da Administração Pública:
Mesmo
nas hipóteses em que é permitido ao Fisco fornecer informações requeridas por órgão
da Administração Pública, sobre matérias protegidas por sigilo, dispõe o § 2°
do art. 198 do CTN que “o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração
Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega
será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que
formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.
Assim,
qualquer pedido de informações ao Fisco deve atender cumulativamente as
seguintes condições: (a) o fornecimento de informações deve estar expressamente
autorizado por lei; e (b) a formulação do pedido e seu atendimento deverão ser
realizados mediante processo regularmente instaurado que assegure a preservação
do sigilo.
Ademais,
somente poderão ser fornecidas, quando cabível, aquelas informações já em poder
do Fisco e que prescindirem de qualquer diligência no estabelecimento do
contribuinte ou de terceiro para atender ao pedido ou à requisição: uma coisa é
o fornecimento de informações obtidas ou apuradas em documentos ou dados já em
poder do Fisco; outra é o fornecimento de informações decorrentes de dados ou
documentos que não se encontram em poder do Fisco.
Ora,
caso seja necessário buscar e apreender dados ou documentos junto ao
contribuinte, para obtenção da informação solicitada, impõe-se a instauração
formal de procedimento administrativo fiscal no estabelecimento do
contribuinte. Neste caso, o procedimento fiscal instaurado não terá por
objetivo a arrecadação e fiscalização tributária, razão de ser dos poderes de
investigação de que se acha o Fisco investido, pois seu objetivo será a
obtenção de provas em favor do órgão solicitante, o que poderia ser entendido
como desvio de finalidade.
13. Considerações finais:
O
art. 198 do CTN impõe sigilo sobre as informações obtidas em procedimento de
fiscalização, instaurado no estabelecimento do contribuinte, em razão dos poderes
de investigação conferidos por lei ao Fisco. A divulgação de tais informações,
pela Administração Fazendária ou por qualquer de seus servidores, pode resultar
na proposição do competente processo criminal.
O
sigilo fiscal tem amparo no direito à privacidade, agasalhado nos incisos X e
XII do art. 5° da Constituição Federal. No caso das pessoas jurídicas, que
operam no espaço público, nem todas as informações obtidas estão compreendidas
no conceito de privacidade.
Do
mesmo modo, o sigilo fiscal, como o próprio direito á privacidade, não pode
servir para dar cobertura a atividades ilícitas ou criminosas.
Mas,
em qualquer hipótese, a competência para avaliar a extensão da proteção à
privacidade ou para ponderar esse direito em relação ao interesse público é da
autoridade judiciária.
O
fornecimento de informações garantidas por sigilo a órgãos da Administração
Pública, inclusive Ministério Público e órgãos policiais, somente é permitido
na forma prevista e nas hipóteses expressamente excepcionadas pelo Código
Tributário Nacional.
À
consideração superior.
Getri, em Florianópolis, 26 de janeiro de 2012.
Velocino
Pacheco Filho Lintney Nazareno da Veiga
AFRE m.
184244-7 Gerente
de Tributação