ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

 

 

NOTA TÉCNICA N° 002/2012 – Getri

           

PEDIDO DE INFORMAÇÕES, PROTEGIDAS POR SIGILO FISCAL, POR ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

 

 

1. Considerações iniciais:

                   Com certa freqüência os funcionários fazendários tem se defrontado com pedidos de informações formuladas por órgãos públicos relativas aos negócios de contribuintes, para instruir processos ou ainda no âmbito de investigações. Tais pedidos têm causado algum desconforto entre os agentes fiscais, tendo em vista possível conflito entre a respeitabilidade e relevância social da instituição que pede informações – Ministério Público, Polícia Federal etc., e o dever funcional dos agentes do Fisco em proteger o sigilo fiscal dos contribuintes.

                   Pretendemos abordar a seguir os vários aspectos da questão, de modo a proporcionar alguma orientação de como proceder no caso de pedidos de informações. Veremos que informações podem ser prestadas a quem e de que forma.

 

2. Os poderes de investigação do Fisco:

                   O Fisco foi dotado de amplos poderes de investigação pela legislação tributária. A própria Constituição Federal, art. 145, § 1° faculta à administração tributária “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do sujeito passivo” (CF,).

                   O art. 195 do Código Tributário Nacional assegura ao Fisco o direito de “examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais de comerciantes, industriais ou produtores”, direito este que não poderá ser limitado ou excluído por quaisquer disposições legais.

                   Por sua vez, o art. 197 do mesmo pergaminho obriga as pessoas nele enumeradas a prestar as “informações de que disponham com relação a bens, negócios ou atividades de terceiros”, exceto em relação aos fatos a que o informante estiver “obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão” (parágrafo único). Entre outros, estão obrigados a prestar informações ao Fisco “os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras” (inciso II). Conforme Gilmar Ferreira Mendes , et Al. (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 376)

                   “A Lei Complementar n° 105/2001 atribui aos agentes tributários, no exercício do seu poder de fiscalização, o poder de requisitar informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras, independentemente de autorização judicial. A lei cerca a providência de cuidados formais, com vistas a minimizar os custos para o direito à privacidade do investigado e assegurar que esteja nítida a necessidade da medida”.

                   “O sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo. Além disso, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, bem assim, a sua efetiva necessidade – i. é, não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim. O pedido de quebra do sigilo bancário ou fiscal deve estar acompanhado de prova da sua utilidade. Cumpre, portanto, que se demonstre que ‘a providência requerida é indispensável, que ela conduza a alguma coisa’; vale dizer, que a incursão na privacidade do investigado vence os testes da proporcionalidade por ser adequada e necessária”.

                   Em outras palavras, o exercício dos poderes de investigação do Fisco também sofrem a limitação imposta pelo principio da proporcionalidade. O conteúdo desse princípio, como esclarece Humberto Ávila (Proporcionalidade e direito tributário. Direito Tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. Coordenação de Luis Eduardo Schoiueri. Vol. I, São Paulo: Quartier Latin, 2003, pg. 332), refere-se à ponderação dos meios empregados pelos fins visados:

                   “O exame da proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade. Nesse caso, devem ser analisadas as possibilidades de a medida levar à realização da finalidade (exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade (exame da necessidade), e de a finalidade pública ser tão valiosa que justifique tamanha restrição (exame da proporcionalidade em sentido estrito)”.

                   Arremata ainda Gilmar Mendes (op. cit. p. 377) que “uma vez quebrado o sigilo, os autos que recebem essas informações devem correr em segredo de justiça. Há responsabilidade civil do Estado no descaso para com esse dever”.

                   Os poderes de investigação do Fisco, no entanto, não estão à serviço simplesmente da maximização da arrecadação, mas de uma arrecadação justa, dando efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade econômica.

                   O exercício desses estão, portanto, limitados (i) pela arrecadação justa – cada um deve contribuir para o custeio do Estado na medida de sua capacidade; (ii) pelos direitos individuais, em particular os descritos no art. 5° da Constituição, tais como o direito à privacidade (inciso X, XI e XII), a liberdade de profissão (inciso XIII), o direito de petição (XXXIV), a irretroatividade da lei (inciso XXXVI), o devido processo legal (inciso LIV) o contraditório e a ampla defesa (inciso LV) etc.; e (iii) pelos estritos termos em que a lei os disciplinou.

 

3. O dever funcional de guardar o sigilo fiscal:

                   O art. 198 do CTN obriga o Fisco a guardar sigilo sobre as informações a que tiver acesso o que constitui a justa contrapartida dos amplos poderes de investigação de que é dotado. Com efeito, dispõe o dispositivo mencionado que “sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.

                   À evidência, o acesso dos agentes do Fisco a documentos garantido pelo art. 195 do CTN, não quer dizer que tais documentos não estejam protegidos pelo sigilo previsto no art. 198 do mesmo pergaminho. Mesmo em relação ao Fisco, o dever de prestar informações sobre os negócios de terceiros encontra seu limite na regra insculpida no parágrafo único do art. 197 que preserva as informações “quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão”. Os livros e documentos fiscais não estão protegidos por sigilo em relação ao Fisco, mas isso não quer dizer que não estejam ao abrigo de sigilo fiscal contra terceiros.

                   O sigilo é imposto tanto à Fazenda Pública quanto aos seus servidores (art. 198). “A referência ao ente público e aos servidores deste tem o propósito de esclarecer que a vedação se dirige à divulgação oficial, que poderia ser praticada pela Fazenda, entidade pública, quando à divulgação que eventualmente fosse feita por um servidor público, extra-oficial ou informalmente” (Hugo de Brito Machado, Comentários ao Código Tributário Nacional, vol III, São Paulo: Atlas, 2005, p.760).

                   A divulgação pelo Fisco de informações obtidas durante e em razão de fiscalização pode acarretar a aplicação da pena capitulada no art. 325 do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal): “Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”.

                   Entende Aliomar Baleeiro que a divulgação pelo Fisco de informações protegidas por sigilo pode ainda caracterizar o crime de excesso de exação, capitulado no art. 316, § 1°, do mesmo Código, na modalidade descrita como emprego, na cobrança do tributo, de “meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza”, punível com três a oito anos de reclusão e multa.

 

4. O direito do cidadão ao sigilo fiscal como garantia constitucional:

                   O sigilo fiscal é considerado, pela doutrina e jurisprudência dominantes, como inserido no direito à privacidade, albergado entre os direitos e garantias fundamentais, nos incisos X e XII do Art. 5° da Constituição da República:

                   “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”;

                   “XII – é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para  fins de investigação criminal ou instrução processual penal”;

                   A matéria foi apropriadamente tratada por Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III, São Paulo: Atlas, 2005, pg. 790):

                   “Os contribuintes, como os cidadãos em geral, têm direito à privacidade. Privacidade pessoal, absolutamente necessária à preservação dos valores da individualidade e da dignidade humana, e privacidade empresarial, absolutamente necessária à prática da livre iniciativa econômica e da livre concorrência. Por outro lado, a preservação dos interesses do Estado na arrecadação de tributos exige que os seus agentes tenham acesso a informações a respeito dos fatos que sejam relevantes para fins tributários. Por isto mesmo a Constituição estabelece que, especialmente para conferir efetividade aos princípios da pessoalidade dos impostos e da capacidade econômica, é facultado à administração tributária identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

                   “A ação da administração tributária no exercício do poder dever de fiscalizar há de ser desenvolvida ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’. Há de respeitar, portanto, o direito à privacidade, que é um dos mais importantes direito individuais. A guarda do sigilo, vale dizer, o denominado sigilo fiscal, é portanto a contrapartida da faculdade, ou, mais exatamente, do poder-dever de fiscalizar”.

                   Nessa senda, entendeu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 160.646 SP (RDDT 195: 234) que “o sigilo fiscal se insere no direito à privacidade protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do art. 5º da Carta Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão pela qual, para que se mostre legítima, se exige a demonstração ao Poder Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a sua adoção”.

 

5. Limitações à proteção à privacidade:

                   A proteção à privacidade, prevista no art. 5°, X e XII da Lei Suprema, entretanto, admite limites pautados no interesse público. Assim, pondera Fernando Lemme Weiss (O sentido e a abrangência do sigilo fiscal. RDDT 178: 69) que, “além da privacidade física, ainda devem ser respeitados os segredos do processo produtivo, que constituem patrimônio imaterial, e não podem ser devassados a pretexto de fiscalização, sob pena de perecimento de seu objeto. Os direitos sobre tais segredos geram correspondentes deveres de respeito por parte das demais pessoas, o que inclui o Estado, uma vez que não há legítimo interesse social sobre eles”.

                   O critério do “interesse social”, segundo o articulista, permite delimitar qual a abrangência da proteção conferida à privacidade:

                   “A estrutura produtiva é o meio privado pelo qual a empresa atinge seu fim, que é disponibilizar ao público suas mercadorias e serviços. Essa oferta comercial delimita o fim da privacidade e o início da publicidade da atividade empresarial. Assim como a qualidade da troca comercial gera direitos para os consumidores, sua quantificação delineia a parcela devida à sociedade, que é legalmente estabelecida antes da realização do negócio em atenção ao princípio da segurança jurídica, efetivado pela regra da anterioridade tributária”.

                   Ora, “a receita tributária é um bem público essencial à sobrevivência do Estado, provedor e garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos, o que justifica uma atuação fiscalizadora o mais efetiva possível”.

                   O articulista defende que há uma distorção na “ampliação desmedida do conteúdo da intimidade e sua extensão às pessoas jurídicas, sem que seus defensores ao menos dêem-se ao trabalho de fazer a ponte necessária a essa enorme travessia. A intimidade é uma característica dos fatos e bens que só dizem respeito a um ser humano ou a relações humanas sentimentais. O respeito à intimidade pressupõe que as pessoas envolvidas ajam em espaços privados e reservados, o que nada tem a ver com unidades produtivas empresariais, orientadas por vínculos laborais, societários e comerciais. A intimidade em locais indevidos desvirtua-se e pode até tornar-se ilícita”.

                   Das premissas postas infere o articulista que: “mesmo o conceito de privacidade, bem mais amplo e impessoal do que o de intimidade, pressupõe exclusividade sobre o objeto, o que é inteiramente inaplicável à receita das pessoas físicas e jurídicas, pois a sociedade é titular de uma parcela delas”.

 

6. Sigilo fiscal e moralidade administrativa:

                   Os direitos e garantias constitucionais não são absolutos, nem são oponíveis ao interesse público. Mas, somente podem ser afastados na forma e condições previstas pelo próprio ordenamento jurídico, observado o due process of law que é, justamente, um desses direitos, previsto no inciso LIV do art. 5° da Constituição. Outra desses direitos é a proteção à privacidade (art. 5°, X e XII), onde o sigilo fiscal encontra o seu embasamento constitucional.

                   Leciona Norberto Bobbio (A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pg. 63): “descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva”.

                   Por sua vez, comenta Raquel Cavalcanti Ramos Machado (Interesse Público e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007, pg. 20) que “os direitos fundamentais foram consagrados, em um primeiro momento histórico, em decorrência da necessidade de proteger o indivíduo dos abusos do Estado absolutista, tendo sido tais direitos também denominados ‘direitos de liberdade’”. Por conseguinte, não se concebe que o cidadão fique ainda sujeito a sofrer abusos, agora pelas mãos do próprio Estado Democrático de Direito.

                   Pelo contrário, é atribuição precípua do Estado Democrático de Direito e de seus servidores a defesa dos direitos constitucionais, que, no caso do Ministério Público, constitui uma de suas funções institucionais.

                   Não se concebe tão pouco que o esse Estado a quem incumbe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, bem como dar eficácia aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, se julgue no direito de impor a sua vontade, mesmo contra disposições legais expressas e com desprezo pelo due process of law.

                   A violência do Estado – que se diz democrático e de direito – contra o cidadão, o abuso e desrespeito aos direitos assegurados pela Lei Suprema atenta contra o postulado da moralidade administrativa, agasalhado no art. 37 do mesmo Estatuto.

 

7. Sigilo e as atividades ilícitas praticadas pelos contribuintes:

                   O sigilo fiscal, previsto no art. 198 do CTN, e a proteção à privacidade a que se referem os incisos X e XII do art. 5° da Constituição, no entanto, não podem servir de escudo a atividades criminosas, não só contra a ordem tributária, mas também os de tráfico de drogas, receptação, estelionato, crimes de colarinho branco em geral etc.

                   Assim, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Mandado de Segurança 25.375 (DJe 07/04/2008): “A proteção ao sigilo bancário e fiscal não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante ou de elementos aptos a indicar a possibilidade de prática delituosa (Precedentes)”.

                   No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma do Tribunal que “o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos” (AgRg no Ag 1329960 / SP, Ministro Luiz Fux ,DJe 22/02/2011).

                   Contudo, com exceção das hipóteses expressamente contempladas nos arts. 198 e 199 do CTN, o fornecimento de informações protegidas pelo sigilo fiscal somente podem ser fornecidas mediante requisição do Poder Judiciário, que é o único a deter a competência para decidir se a quebra do sigilo fiscal é necessária para a proteção de interesse público.

 

8. Limitações ao sigilo fiscal:

                   A redação original do parágrafo único do artigo 198 do CTN previa apenas duas exceções ao dever de sigilo imposto aos agentes do Fisco: (i) permuta de informações entre as Fazendas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 199) e (ii) a “requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça”. Portanto, qualquer pedido de informações, formulado por qualquer outro órgão público deveria ser sumariamente recusado.

                   A Lei Complementar 104/2001, no entanto, veio ampliar os casos de exceção à exigência de sigilo, para alcançar também as “solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou entidade respectiva, como o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa” (CTN, art. 198, § 1°, II).

                   Além da autoridade administrativa solicitante ter de comprovar (i) a instauração regular de processo administrativo e (ii) que a informação solicitada é relevante para comprovar a prática de infração administrativa, a informação deve ser prestada em seus estritos termos e a autoridade solicitante fica responsável pelos danos causados ao sujeito passivo tributário por sua eventual divulgação. Essa conclusão se impõe em homenagem ao princípio da moralidade administrativa, a que se refere o art. 37 da Constituição da República.

                   Também foi acrescido § 3° ao art. 198, dispondo que não é vedada a divulgação de informações relativas a (i) representações fiscais para fins penais; (ii) inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; e (iii) parcelamento ou moratória.

                   A ampliação das exclusões do sigilo fiscal, todavia, provocou a indignação de Hugo de Brito Machado (op. cit. p. 795), do alto de sua vasta e respeitada experiência como magistrado:

                   “A exclusão de certas situações do âmbito do sigilo fiscal parece ter tido o propósito vergonhoso de permitir a prática de publicidade constrangedora contra o contribuinte. Na prática, pode-se dizer que já não existe o sigilo fiscal, pelo menos para impedir o que as autoridades da administração tributária mais  gostam de fazer, que é utilizar a publicidade sensacionalista como forma de constranger o contribuinte”.

                   Bem por isso, deve-se tomar a cautela (i) de restringir o acesso às informações apenas ao Ministério Público – a quem incumbe o oferecimento da denúncia – e apenas à matéria relativa à prática de crime contra a ordem tributária; (ii) divulgar apenas os dados relativos à inscrição em Divida Ativa (CDA, valor etc.); ou (iii) ao parcelamento.

                   A situação definida no § 3°, I, supra referido, trata do fornecimento pelo Fisco de elementos probatórios ao Ministério Público, antes mesmo do oferecimento da denúncia, para fins de instrução de processo por crime contra a ordem tributária. Embora se cuide de crime de ação pública incondicionada, os agentes do Fisco representam ao Ministério Público os fatos constatados durante o procedimento fiscalizatório que possam constituir crime contra a ordem tributária, nos termos da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Com efeito, o art. 16 dessa lei prevê que “qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta Lei, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”.

                   Nesse caso, os agentes fiscais estão autorizados a levar ao conhecimento do Ministério Público os documentos e provas em seu poder, sem incorrer em quebra de sigilo fiscal, já que “a representação fiscal, dirigida ao Ministério Público para fins penais, substancia cumprimento de dever legal, compreendendo, por certo, o de instrução adequada com os elementos documentais que certificam o ilícito penal tributário” (STJ, Sexta Turma, RHC 15382 / RS, Ministro Hamilton Carvalhido; DJ 05/02/2007 p. 379).

                   O próprio STF (Segunda Turma, HC 87654 / PR; RTJ Vol. 199/2, pp. 727) já decidiu que “a comunicação de possível crime ao Ministério Público não configura afronta ao sigilo fiscal (CTN, art. 198, § 3º, I )”.

 

9. Quais informações estão protegidas pelo sigilo fiscal:

                   O sigilo imposto ao Fisco pelo art. 198 do CTN abrange toda e qualquer informação “obtida em razão do ofício”. Tem-se que a expressão “ofício” abrange especificamente o exercício das atividades inerentes à constituição do crédito tributário, porém, é cediço que a coleta de provas empreendidas pelo Fisco vai além do simples exame da escrita fiscal e contábil do sujeito passivo, alcançando muitas vezes informações extrafiscais de natureza comercial, projetos industriais, planilhas de custos, etc. Ou seja, o Fisco pode buscar toda e qualquer informação que se mostre necessária à comprovação dos fatos tributáveis. Eventualmente o Fisco pode ter acesso a segredos industriais, à estratégia de expansão da empresa e outras informações que, se divulgadas, causariam significativo prejuízo ao sujeito passivo sob fiscalização.

                   De se destacar também, que todas as “pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive as que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal” estão sujeitos à fiscalização, conforme parágrafo único do art. 194 do CTN, e que algumas pessoas, segundo o art. 197 do mesmo pergaminho, estão obrigadas a prestarem ao fisco “as informações de que disponham com relação a bens, negócios ou atividades de terceiros”, exceto em relação aos fatos a que o informante estiver “obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério ou profissão”.

                   De sorte que, a princípio, todas as informações obtidas em razão do exercício da fiscalização (conjunto de ações tendentes à constituição do crédito tributário) estão protegidas por sigilo, principalmente aquelas que revelem fatos sobre o sujeito passivo ou terceiro, concernentes (i) à sua situação econômica ou financeira; (ii) natureza e estado de seus negócios; (iii) suas atividades ou (iv) seus parceiros comerciais.

 

10. Quais as informações que não estão protegidas por sigilo e que podem ser disponibilizadas:

                   Assim como as informações protegidas por sigilo são aquelas colhidas junto ao contribuinte ou terceiros, mas obtidas em razão do ofício (pela autoridade competente, no decurso de processo de fiscalização) e que se refiram à situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou sobre a natureza ou estado de seus negócios ou atividades, impõe-se identificar se a informação solicitada está ou não protegida pelo sigilo fiscal.

                   Para tanto deve-se indagar: a informação foi obtida em razão do ofício? trata-se da situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros? revela a natureza e o estado de seus negócios ou atividades?  

                   As informações solicitadas têm origem em procedimento fiscalizatório instaurado no estabelecimento do contribuinte ou provém do próprio Fisco? O fornecimento da informação solicitada, de algum modo, vulnera o direito à privacidade, garantido pela Constituição?

                   Em síntese, pode-se afirmar que podem ser fornecidas as informações, requeridas por órgão da administração pública:

                   1. relativas a créditos fiscais (expressamente excluídas do sigilo, nos termos do § 3° do art. 198):

                   1.1. objeto de representação fiscal para fins penais (crime contra a ordem tributária);

                   1.2. inscritos em Dívida Ativa; e

                   1.3. em que foi concedido parcelamento ou moratória;

                   2. sobre dados cadastrais, originados da própria Fazenda, como nome ou razão social, CPF, endereço, telefone etc.;

                   3. outras informações originárias da própria Fazenda e que não foram obtidas em razão de procedimento fiscalizatório;

                   4. relativos à prática de infração administrativa, com processo administrativo instaurado, nos termos do § 2° do art. 198, observado o procedimento previsto no § 3° do mesmo artigo.

                   Nos demais casos, em que a informação estiver sob proteção do sigilo fiscal, somente poderá ser fornecida mediante requisição da autoridade judiciária.

 

11. O pedido de informações de natureza fiscal por outros órgãos e instituições:

                   Sabe-se que o Ministério Público, conforme art. 127 da Carta, é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbindo-lhe a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O art. 129 relaciona, entre as funções institucionais do Ministério Público, (a) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (b) promover ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados; e (c) zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias e sua garantia.  

                   Assim, o art. 26 da Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) dispõe que “no exercício de suas funções, o ministério Público poderá requisitar  informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios”.

                   Contudo, os poderes de investigação atribuídos ao Ministério Público não têm o condão de afastar o dever de sigilo imposto aos agentes do Fisco pelo art. 198 do Código Tributário Nacional, que tem eficácia de lei complementar, pois foi recepcionado como tal pelo art. 19, § 1° da Constituição Federal de 1967 que reservou à lei complementar  a competência para dispor sobre normas gerais, dirimir conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar. Ora, disposição de lei ordinária não pode ser oposta à disposição de lei complementar, que somente pode ser modificada por outra lei complementar.

                   Apura-se então que a atuação do próprio Ministério Público encontra limites quando se tratar de sigilo fiscal. De sorte que a instituição não está autorizada a requerer documentos e outras informações, para fins de investigação criminal ou instrução probatória, diretamente ao Fisco, devendo tais requisições passar necessariamente pelo crivo do Poder Judiciário.

                   Nesse norte, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Recurso em Mandado de Segurança 25.375, Rel. Min. Felix Fischer; DJe 07/04/2008) que “o Ministério Público não tem legitimidade para proceder a quebra de sigilo bancário e fiscal sem autorização judicial”, pois (Recurso em Hábeas Corpus 20.329; DJ 22/10/2007 p. 312):

                   “I. A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado, feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal”.

                   “II. A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos”.

                   “III. As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco”.

                   A quebra de sigilo fiscal quando não precedida da devida autorização judicial tem como conseqüência “macular de ilícita a prova obtida e, assim, imprestável para o fim de sustentar a ação penal ou decisão condenatória” (Hábeas Corpus 31.205, Rel. Min. Hamilton Carvalhido; DJ 26/11/2007 p. 247).

                   “A despeito de o sigilo das informações fiscais e bancárias não ser absoluto, uma vez que pode ser mitigado quando haja preponderância de interesse público, notadamente da persecução criminal, o próprio texto constitucional (art. 5º, inciso XII) exige a prévia manifestação da autoridade judicial, preservando, assim, a imparcialidade da decisão” (Recurso em Hábeas Corpus 26.236 RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; DJe 01/02/2010; RT vol. 895 p. 559).

                   O Superior Tribunal de Justiça justifica a necessidade de intermediação do Poder Judiciário, mesmo na requisição de informações pelo Ministério Público, apesar dos privilégios investigatórios desse órgão, argumentando que “numa interpretação consentânea com o Estado Democrático de Direito, esta concepção não se mostra a mais acertada, uma vez que o Ministério Público é parte no processo penal, e embora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica, representando a sociedade como um todo, não atua de forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para decidir sobre a imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e bancário” (HC 160.646 SP; RDDT 195: 234)”.

                   Ora, o Ministério Público, com as atribuições e os privilégios a ele cometidos pelo constituinte, depende do Poder Judiciário para requerer ao Fisco informações protegidas por sigilo fiscal, o que dizer das informações solicitadas por qualquer outro órgão público ao qual não forma cometidos tais privilégios e atribuições.

 

 

12. O processo regular de intercâmbio de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública:

                   Mesmo nas hipóteses em que é permitido ao Fisco fornecer informações requeridas por órgão da Administração Pública, sobre matérias protegidas por sigilo, dispõe o § 2° do art. 198 do CTN que “o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.

                   Assim, qualquer pedido de informações ao Fisco deve atender cumulativamente as seguintes condições: (a) o fornecimento de informações deve estar expressamente autorizado por lei; e (b) a formulação do pedido e seu atendimento deverão ser realizados mediante processo regularmente instaurado que assegure a preservação do sigilo.

                   Ademais, somente poderão ser fornecidas, quando cabível, aquelas informações já em poder do Fisco e que prescindirem de qualquer diligência no estabelecimento do contribuinte ou de terceiro para atender ao pedido ou à requisição: uma coisa é o fornecimento de informações obtidas ou apuradas em documentos ou dados já em poder do Fisco; outra é o fornecimento de informações decorrentes de dados ou documentos que não se encontram em poder do Fisco.

                   Ora, caso seja necessário buscar e apreender dados ou documentos junto ao contribuinte, para obtenção da informação solicitada, impõe-se a instauração formal de procedimento administrativo fiscal no estabelecimento do contribuinte. Neste caso, o procedimento fiscal instaurado não terá por objetivo a arrecadação e fiscalização tributária, razão de ser dos poderes de investigação de que se acha o Fisco investido, pois seu objetivo será a obtenção de provas em favor do órgão solicitante, o que poderia ser entendido como desvio de finalidade.

 

13. Considerações finais:

                   O art. 198 do CTN impõe sigilo sobre as informações obtidas em procedimento de fiscalização, instaurado no estabelecimento do contribuinte, em razão dos poderes de investigação conferidos por lei ao Fisco. A divulgação de tais informações, pela Administração Fazendária ou por qualquer de seus servidores, pode resultar na proposição do competente processo criminal.

                   O sigilo fiscal tem amparo no direito à privacidade, agasalhado nos incisos X e XII do art. 5° da Constituição Federal. No caso das pessoas jurídicas, que operam no espaço público, nem todas as informações obtidas estão compreendidas no conceito de privacidade.

                   Do mesmo modo, o sigilo fiscal, como o próprio direito á privacidade, não pode servir para dar cobertura a atividades ilícitas ou criminosas.

                   Mas, em qualquer hipótese, a competência para avaliar a extensão da proteção à privacidade ou para ponderar esse direito em relação ao interesse público é da autoridade judiciária.

                   O fornecimento de informações garantidas por sigilo a órgãos da Administração Pública, inclusive Ministério Público e órgãos policiais, somente é permitido na forma prevista e nas hipóteses expressamente excepcionadas pelo Código Tributário Nacional.

                   À consideração superior.

Getri, em Florianópolis, 26 de janeiro de 2012.

 

 

     Velocino Pacheco Filho                                              Lintney Nazareno da Veiga

          AFRE m. 184244-7                                                   Gerente de Tributação