CONSULTA 128/2017

EMENTA: ICMS. REMESSA PARA INDUSTRIALIZAÇÃO. INCIDE ICMS NAS HIPÓTESES EM QUE A ATIVIDADE EXERCIDA SOBRE O BEM CONSTITUA MERA ETAPA INTERMEDIÁRIA DO PROCESSO PRODUTIVO, AINDA QUE CONSTANTE DA LISTA ANEXA A LEI COMPLEMENTAR 116/2003.

Publicada na Pe/SEF em 05.12.17

Da Consulta

Trata-se a presente de consulta formulada por empresa optante do Simples Nacional que exerce atividade de facção de peças do vestuário e que recebe de estabelecimento industrial remessa para industrialização.

A consulente esclarece que recebeu comunicação do município de que deveria recolher o ISS incidente sobre as remessas para industrialização, diante das alterações impostas pela Lei Complementar 157/2016, que alterou o item 14.05 da LC 116/03.

Vem, assim, perante essa Comissão perquirir se a atividade de facção está sujeita a incidência de ICMS.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.

 

Legislação

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, art. 2º, I; Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, Anexo II.

 

Fundamentação

A questão sobre a incidência do ISS ou do ICMS no caso da industrialização terceirizada ou por encomenda como, in casu, tem gerado divergentes opiniões.

Cumpre, a priori, trazer à baila o ilustre magistério da Professora MARIANGELA GARCIA DE LACERDA AZEVEDO que, discorrendo sobre assunto, assim se posicionou:

“O legislador deixou de consignar a importante ressalva de que o ISS não incidirá quando esses serviços forem destinados à comercialização ou industrialização, sujeitos nesse caso ao ICMS e IPI, respectivamente, a evitar desnecessário conflito tributário.

Essa ressalva constava da lista de serviços traçada pelo Decreto-lei nº 406/68 e mesmo assim houve casos de conflitos de competência tributária.

A atividade-meio para obtenção de nova mercadoria ou para aperfeiçoamento do produto, que posteriormente é vendido, está sujeito ao ICMS.

Ao passo que a exigência do IPI somente se faz devida nos casos que houver industrialização do produto, resultante de uma operação de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou renovação, a teor do Regulamento do IPI.

Já o ISS somente incide nessas atividades quando os bens forem destinados a usuários finais, e não destinados à comercialização ou industrialização.

Note-se que a finalidade do serviço é o fator determinante para identificar o tributo incidente, de modo que não é todo e qualquer processo de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento e plastificação que se sujeitam ao ISS, mas somente quando o processo tiver por destinação o usuário final, ou seja, para utilização própria de quem a encomendou” (in IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – Vários Autores, Editora Quartier Latin, 2004, páginas 69 e 70).

As atividades desempenhadas pela consulente configuram mera etapa intermediária dentro da cadeia de circulação de mercadoria, o que por si só afasta a incidência do ISSQN.

Em casos análogos já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, ADI's 4413 e 4389/DF de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, foi esposado o seguinte entendimento:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1º, CAPUT E § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Até o julgamento final e com eficácia apenas para o futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS. (ADI 4389 MC, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 24-05-2011 PUBLIC 25-05-2011 RDDT n. 191, 2011, p. 196-206 RT v. 100, n. 912, 2011, p. 488-505)

Em seu voto o Ministro relator destaca que:

Para o aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos, nenhuma qualidade intrínseca da produção de embalagens resolverá o impasse. A solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo. Conforme se depreende dos autos, as embalagens têm função técnica na industrialização, ao permitirem a conservação das propriedades físico químicas dos produtos, bem como o transporte, o manuseio e o armazenamento dos produtos. Por força da legislação, tais embalagens podem ainda exibir informações relevantes aos consumidores e a quaisquer pessoas que com ela terão contato. Trata-se de típico insumo.

Neste momento de juízo inicial, tenho como densamente plausível a caracterização desse tipo de atividade como circulação de mercadorias (“venda”), ainda que fabricadas as embalagens de acordo com especificações do cliente, e não como a contratação de serviço. Aliás, a ênfase na encomenda da industrialização parece-me insuficiente para contrariar a tese oposta. Diante da sempre crescente complexidade técnica das atividades econômicas e da legislação regulatória, não é razoável esperar que todos os tipos de invólucro sejam produzidos de antemão e postos, indistintamente, à disposição das partes interessadas para eventual aquisição. Nem é adequado pretender que as atividades econômicas passem a ser verticalizadas, de modo a levar os agentes de mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo. Assim, não há como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio.

Vale mencionar, ainda, parte do bem lançado voto vista da ilustre Min. Carmem Lúcia:

A embalagem utilizada no processo de industrialização de outra mercadoria tem sua importância avaliada mais pela capacidade de acondicionar adequadamente o produto final do que pelo trabalho gráfico. A Indústria contrata o serviço gráfico (ou realiza ela mesmo esse serviço) não como um fim em si mesmo, mas apenas como mais um elemento que integrará o seu produto final. Para a composição gráfica prevista no subitem 13.05 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 servir como fato gerador do Imposto sobre Serviços é preciso que o serviço seja prestado tendo como objeto a arte presente no trabalho gráfico.

Não é possível desconsiderar totalmente a arte estampada na embalagem, dada a importância publicitária nela presente, todavia esse trabalho artístico constituiu fato gerador de Imposto sobre Serviços no momento em que a Indústria contratou uma prestadora de serviço para desenvolver a estampa, quando então o mais importante na operação era o bem incorpóreo.

Na composição gráfica da arte feita de forma mecânica e industrializada na embalagem já não tem mais tanta relevância o serviço artístico, mas a adequação da embalagem ao produto que resultará da cadeia industrial, ou seja, mero insumo.

Assim, em resumo, observa-se que o atual entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal afasta a ideia de que o só o fato de existir remessa por encomenda é suficiente para cobrança do ISS.

Importa citar, ademais, os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça de Santa Catarina, encampando referido entendimento firmado pelo STF:

Apelação cível. Tributário. Repetição de ISS. Beneficiamento têxtil em geral. Recolhimento levado à efeito com base nos itens 14.05 e 14.10 da lista anexa à LC n. 116/03 e da correspondente legislação municipal. Operação que integra parte do processo de industrialização do produto ao consumo. Incidência fiscal indevida. Hipótese que reclama a incidência do IPI e, posteriormente, na comercialização, do ICMS. Inteligência do art. 46, do CTN c/c arts. 3º e 4º, inciso II, do Decreto n. 4544/02 e art. 155, §2º, inciso IX, alínea b, da CF. Precedentes da Corte. Pretensão repetitória. Impossibilidade. Ausência de prova de não repasse do valor do tributo no custo do beneficiamento às empresas contratantes. Exegese do art. 166 do CTN. Manutenção da sentença de improcedência do pedido inicial, embora por fundamento diverso. Recurso desprovido. Resta evidente que as atividades dos itens 14.05 e 14.10 da Lei Complementar n. 116/03, cuja redação é idêntica ao tópico 14.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar Municipal de Brusque n. 106/03, no caso de consistirem em industrialização, são atividades-meio e não se submetem à incidência do ISS, mas sim do IPI e do ICMS (TJSC, ACMS n. 2007.012174-5, de Brusque, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz). Ainda que conste dos itens 14.05 e 14.10 da Lista de Serviços tributáveis anexa à Lei Complementar n. 116/03 sem a ressalva que havia no item 72 do Decreto-lei n. 406/68, o beneficiamento de malha com lavação, tingimento, mercerização, estampa, peluciamento e outras operações, como etapa da industrialização do produto sujeito ao IPI, e depois, na comercialização, ao ICMS, não pode sujeitar-se também ao ISS, sob pena de indevida bitributação. (TJSC, Ap. Cív. n. 2007.042394-8, de Brusque, rel. Des. Jaime Ramos, j. 17.1.2008) (TJSC, Apelação Cível n. 2012.069200-6, de Brusque, da relatoria do signatário, j. 11.12.2012).   A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la (art. 166, CTN) (REsp n. 783/SP, Min. Cesar Asfor Rocha) (TJSC, Ap. Cív. n. 2003.019414-2, de Criciúma, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, em 13.04.2004). (TJSC, Apelação Cível n. 2013.045118-0, de Brusque, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Terceira Câmara de Direito Público, j. 22-10-2013).

TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.  PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INOCORRÊNCIA. POSTULAÇÃO DE PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. PRELIMINAR RECHAÇADA.   Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando a matéria for de direito, ou mesmo de fato, se a prova documental carreada aos autos for suficiente para a formação da convicção do julgador, ademais, cabe ao juiz, ao analisar cada caso, decidir sobre a necessidade ou não da produção de provas.   MÉRITO. APARENTE CONFLITO DE INCIDÊNCIA ENTRE O ICMS E O ISSQN. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA DE EMBALAGENS. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO PAPEL QUE ESSA ATIVIDADE EXERCE NO ÂMBITO DE TODO O CICLO PRODUTIVO. PRODUTO OBJETO DE UMA ETAPA INTERMEDIÁRIA DA CADEIA DE PRODUÇÃO E QUE AINDA CHEGARÁ AO CONSUMIDOR FINAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA NA ADI 4.389/DF E RECENTE PRECEDENTE FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO AGR ARE 839.976/RS. INCIDÊNCIA DO ICMS, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CUMULATIVIDADE.    "Nas hipóteses de conflito entre os fatos imponíveis do ICMS e do ISS, não se pode desconsiderar o papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo. Sob tal perspectiva, cabe ao intérprete perquirir se o sujeito passivo presta um serviço marcado por um talento humano específico e voltado ao destinatário final, ou desempenha atividade essencialmente industrial, que constitui apenas mais uma etapa dentro da cadeia de circulação. Perfilhando esta diretriz, não é possível fazer incidir o ISS nas hipóteses em que a atividade exercida sobre o bem constitui mera etapa intermediária do processo produtivo" (AgR ARE 839.976/RS, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. em 10/02/2015).   "(...) se a atividade é prestada para o proprietário de objeto que não se destina à comercialização, mas ao uso da pessoa para a qual a atividade é prestada, tem-se um serviço, sendo indiscutível a incidência do imposto. Entretanto, se a atividade é prestada para uma empresa como etapa de um processo de industrialização, ou se o objeto ao qual diz respeito vai ser comercializado, não incide o ISS" (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 416). Assim, para que incida o ISSQN sobre as atividades listadas no item 14.05 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/03, estas não devem servir como meio para a consecussão de outro bem e/ou mercadoria, exaurindo naquele momento a própria cadeia produtiva.    HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA, CONFORME CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PELO ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MINORAÇÃO DEVIDA.   Vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios serão fixados, em apreciação equitativa, nos moldes do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, levando em conta o grau de zelo do respectivo profissional, o lugar de prestação do serviço, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido pelo serviço, assim como a natureza e a importância da causa.   RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.061559-2, de Braço do Norte, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 23-06-2015).

No mesmo sentido essa Comissão se manifestou na Consulta 33/2014, em que se considerou:

Da Ementa, por oportuno, extrai-se:

2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i) verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização.

4. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar.

Registre-se que a atividade de facção, por integrar processo industrial, antecede novas e futuras etapas de circulação da mercadoria. Aliás, a solução de Consulta RFB nº 58/2012 (D.O.U.: 23.01.2013) esclarece que a atividade de facção de artigos de vestuário, em que o serviço restringe-se à montagem de peças cortadas, entregues por empresa encomendante, sem contato com o consumidor final ou usuário, configura operação industrial, sendo tributada na forma do Anexo II da Lei Complementar nº 123/2006.

Verifica-se que a tributação disciplinada pelo Anexo II da Lei Complementar nº 123/2006 inclui, na tributação simplificada, o IPI e o ICMS; logo, segundo a Receita Federal do Brasil, as empresas de facção optantes pelo Simples Nacional submetem-se a incidência do IPI e do ICMS. Fato que de per se afasta a incidência do ISS na atividade de facção.

Saliente-se, ademais, que nem mesmo a alteração perpetrada pela Lei Complementar 157/2016 tem o condão de alterar a sistemática tributária, de forma que ainda que a atividade se enquadre na lista anexa à lei complementar referida, estará sujeita ao ICMS caso se trate de mais uma etapa dentro da cadeia de circulação, isto é, quando a atividade exercida sobre o bem constituir mera etapa intermediária do processo produtivo.

 

Resposta

Pelo exposto, proponho seja respondido à consulente que a atividade de facção na remessa para industrialização está sujeita ao ICMS quando a atividade exercida sobre o bem constituir mera etapa intermediária do processo produtivo.

É o parecer que submeto à apreciação da Comissão.

DANIEL BASTOS GASPAROTTO

AFRE III - Matrícula: 9507256

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 09/11/2017.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

ARI JOSE PRITSCH                                                            Presidente COPAT

AMERY MOISES NADIR JUNIOR                                        Secretário(a) Executivo(a)