CONSULTA 082/2017

EMENTA: ICMS. CONSUMO POPULAR E CESTA BÁSICA.  AS DUAS EXPRESSÕES, APESAR DE NÃO SE CONFUNDIREM, DEVEM SER INTERPRETADAS A PARTIR DA MESMA PREMISSA, ISTO É, REFEREM-SE AOS PRODUTOS DESTINADOS AO CONSUMO DAS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA.  (I) A SIMPLES ADIÇÃO DE AIPIM, BATATA OU MILHO À MASSA DO PÃO DE TRIGO, SEM ALTERAÇÃO DE SEU PREÇO ORIGINAL, PERMITE A SUA MANUTENÇÃO COMO PRODUTO INTEGRANTE DA CESTA BÁSICA E POR CONSEGUINTE TAMBÉM POSSIBILITA A SUA CLASSIFICAÇÃO COMO UM PRODUTO DE CONSUMO POPULAR. (II) A ADIÇÃO DE GRÃOS ESPECIAIS (CHIA, QUINO E OUTROS CEREAIS) AOS PÃES MULTIGRÃOS, DE MODO A RESULTAR EM PREÇO MAIOR DO QUE O PREÇO NORMAL COBRADO PELO PÃO DE TRIGO IMPEDE-OS DE SER TIDOS COMO UM PRODUTO DA CESTA BÁSICA, E CONSEQUENTEMENTE NÃO PODERÃO SER CLASSIFICADOS COMO PRODUTO DE CONSUMO POPULAR, FATO QUE IMPÕE A APLICAÇÃO DA ALIQUOTA NORMAL DE 17% ÀS OPERAÇÕES A ELES CORRESPONDENTES.

Publicada na Pe/SEF em 18.08.17

Da Consulta

A consulente é contribuinte inscrito no CCIMS/SC que atua no comércio varejista de mercadorias em geral, predominantemente produtos alimentícios. A peça vestibular demonstra que a consulente tem pleno conhecimento da legislação pertinente a tributação dos pães (RICMS/SC, Art. 26, iii d, Anexo 2, art. 11, I, g,) e também da RN nº 061/2008 que trata da tributação sobre os produtos integrantes da cesta básica.

Em que pese ter conhecimento sobre a legislação, a consulente indaga, em síntese:

a) Qual a diferença objetiva entre mercadorias de consumo popular prevista no RICMS/SC, Art. 26, III d e produtos da cesta básica listados no RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I,g?

b) A Resolução Normativa nº 061/2008 também pode ser utilizada para definir os produtos de consumo popular listados no Anexo 1, seção II do RICMS/SC?

c) Os pães de aipim, de batata, de milho, de chia, de quinoa e de outros grãos compõem a cesta básica prevista no RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I, g?

d) Qual a alíquota aplicável aos pães com adição de especiarias (passas, castanhas, frutas cristalizadas, bacon ou presunto) 12% ou 17%?

As condições de admissibilidade foram analisadas pela Gerência Regional.    

É o relatório, passo à análise.

 

Legislação

Lei nº 10.269/96, art. 19, III, “d” e Anexo único.

 

Fundamentação

O direito, como todo universo linguístico, cria a sua própria realidade. A indagação sobre qual a diferença entre mercadorias de consumo popular prevista no RICMS/SC, art. 26, III, d e os produtos da cesta básica listados no RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I, g; coloca-nos frente a uma encruzilhada linguística. Ou seja: - A cesta básica é composta de produtos de consumo popular? Ou são os produtos de consumo popular que compõe a cesta básica?

Analisando-se a questão sob o método teleológico, verifica-se que ambos os dispositivos legais visam ao mesmo resultado, ou seja, tendem a reduzir a carga tributária sobre os produtos alimentícios a serem consumidos pela maioria das famílias de baixa renda. Porém, cada um deles seguiu um caminho distinto. Cada um deles trilhou um procedimento próprio. Senão veja-se:

a) Ao determinar uma das variáveis inerentes ao aspecto quantitativo da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) do ICMS, o legislador catarinense, no uso da sua competência constitucional (CF, art. 155, II), e objetivando reduzir o peso da carga tributária sobre os produtos alimentícios, fixou na Lei 10.297/96, art. 19, III, d, a alíquota de 12% para algumas mercadorias que, segundo a mens legislatórios, foram denominadas e arroladas como mercadorias de consumo popular (Anexo Único da Lei, seção II), posto que tidas como indispensáveis para a sobrevivência de uma família de baixo poder aquisitivo.

De se ressaltar que a modulação da alíquota em 12% (doze por cento) se deu em razão do limite mínimo fixado pela Constituição Federal. In verbis:

Art. 155

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

(...) 

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

b) Sob o método histórico da hermenêutica resgata-se o fato de que todos os Estados-Membros da Federação Brasileira, em conformidade com a competência constitucional (CF, art. 155, XII, g), após constatarem que a carga tributária ideal a ser cobrada sobre os produtos alimentícios consumidos pela maioria das famílias de baixa renda seria equivalente a 7% (sete por cento) firmaram o Convênio CONFAZ-ICMS nº 128, em 24 de outubro de 1994, onde firmaram o seguinte:

Cláusula primeira

Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.

Observa-se que no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, onde foi empregada a expressão mercadorias que compõe a cesta básica, também se referindo aos produtos alimentícios básicos normalmente consumidos por famílias de baixa renda.

Observa-se também que o limite de 12% fixado constitucionalmente ao ICMS relativo às operações internas foi superado pela legislação Catarinense mediante a concessão de um benefício fiscal específico para os mesmos produtos (redução na base de cálculo) conforme autorizado pelo Confaz (Convênio ICMS nº 129/96).  no RICMS/SC, Anexo 2:

Art. 11. Nas operações internas com produtos da cesta básica a base de cálculo do imposto será reduzida (Convênio ICMS 128/94):

I - em 41,667% (quarenta e um inteiros e seiscentos e sessenta e sete milésimos por cento) na saída das seguintes mercadorias:

a) carnes e miudezas comestíveis frescas, resfriadas, congeladas ou temperadas de aves das espécies domésticas;

b) carnes e miudezas comestíveis frescas, resfriadas, congeladas de suíno, ovino, caprino e coelho;

c) erva mate beneficiada, inclusive com adição de açúcar, espécies vegetais ou aromas naturais;

d) banha de porco prensada;

e) farinha de trigo, de milho e de mandioca;

f) espaguete, macarrão e aletria;

g) pão;

h) sardinha em lata;

i) arroz;

j) feijão;

l) (REVOGADA);

m) mel;

n) peixe, exceto adoque, bacalhau, congrio, merluza, pirarucu e salmão;

o) leite esterilizado longa vida;

p) queijo prato e mozarela;

Em que pese os dispositivos em estudo serem de naturezas distintas, ou seja; um introduz no ordenamento jurídico critérios da RMIT do imposto (fixação da alíquota) e o outro concede benefício fiscal (redução na base de cálculo), verifica-se que há entre as normas jurídicas que deles derivam um ponto de convergência. Ambos reduzem, por sua vez, a efetiva carga tributária incidente sobre os produtos alimentícios normalmente consumidos por famílias de baixa renda. Ou seja: A alíquota normal de 17% foi reduzida pela Assembleia Legislativa Barriga Verde mediante a fixação da alíquota de 12% (doze por cento) para os produtos de consumo popular, entre eles os pães. Já o Chefe do Poder Executivo do Estado, concedeu a redução na base de cálculo equivalente a 41,667% (quarenta e um inteiros e seiscentos e sessenta e sete milésimos por cento) aos produtos que integram a cesta básica, entre eles os pães. Este benefício fiscal faz resultar numa carga tributária final equivalente a 7% (sete por cento) conforme autorizado pelo Confaz (Convênio ICMS nº 128/94).

É esse o azimute exegético que deve nortear a interpretação desses dois dispositivos. Ou seja, tanto na definição de quais são as mercadorias destinadas ao consumo popular arroladas no Anexo único da Lei 10.297/96 (art. 19, III, d, como daqueles que integram o rol de produtos da cesta básica descritos no RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I.

De se ressaltar ainda a taxatividade destas listas de produtos, e também o fato de que elas não se confundirem entre si. Mesmo assim, apura-se que ambas se submetem ao mesmo paradigma teleológico, isto é, todas as mercadorias nelas descritas referem-se somente aos produtos alimentícios de qualidade básica e que são original e normalmente destinados ao consumo das famílias de baixa renda.

Aliás, verifica-se esse matiz teleológico dando a fundamentação da Resolução Normativa nº 61/2008. Senão veja-se:

Considera-se o direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para a qual foi regida. (in Hermenêutica e Interpretação do Direito. Forense: 1998,  pág. 151):

Por outro lado, Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pg. 332) acrescenta que o método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o sentido terminológico das palavras.

Ora, qual seria a finalidade perseguida pelo legislador ao instituir uma redução na base de cálculo do ICMS incidente sobre os produtos da cesta básica?

Registre-se que o conceito de cesta básica, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - DIEESE   é aquela suficiente para o sustento e bem estar de um trabalhador em idade adulta, composta dos produtos básicos que contêm as proteínas, calorias, ferro cálcio e fósforo necessárias ao corpo humano.

Apura-se, teleologicamente, que o legislador (RICMS/SC, Anexo 2, art., 11, I) não visou os produtos que compõem a cesta básica em si, mas sim o consumidor destes produtos (o contribuinte de fato) que é o verdadeiro destinatário da norma exonerativa.

O legislador pretendeu favorecer o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela norma, é esse o resultado pretendido pelo legislador. Todos os que se encontrem dentro de uma mesma situação devem ser tributados da mesma maneira porque revelam a mesma manifestação de riqueza (Luiz Emygdio da Rosa Jr. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pg. 348).

O critério de discrímem nos fornece o próprio constituinte, ao eleger a essencialidade das mercadorias e serviços como critério para a graduação da incidência do ICMS (art. 155, § 2°, III). Mercadorias de consumo mais essencial para a população devem ser tributadas com alíquotas menores, enquanto mercadorias de consumo suntuário devem ser gravadas com alíquotas mais altas.

Assim, subsidiados pelo método de interpretação literal (ou restritiva) da norma excepcional, nos termos do art. 111 do Código Tributário Nacional, e pelo método de interpretação teleológica, voltada para a pesquisa da finalidade perseguida pelo legislador, tem-se, no quadro abaixo,  os produtos constantes do RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I, discriminados detalhadamente e segregados em dois grupos: os que Compõem a Cesta Básica e aqueles que não Compõem a Cesta Básica.

Neste diapasão pode-se concluir que os mesmos argumentos esposados pelo RN nº 61/08, poderão subsidiar a análise e definição de quais produtos de consumo popular estão previstos na Lei nº 10297/96, Anexo Único e também no RICMS/SC, Anexo 1, Seção II.

Direcionando o foco agora para analisar a questão trazida na peça vestibular sobre os pães adicionados de aipim, batata, ou milho, e dos pães multigrãos, deve-se resgatar os auspícios da própria Resolução Normativa nº 61/2008 (Item 7) que respondem as dúvidas postas pela consulente. Senão veja-se, com nossos grifos:

7

Art 11, I, g do pão.

 

Compõem a Cesta Básica:

 

O pão como resultado da cocção de farinha (de qualquer cereal), sal, fermento e leite, adicionado ou não de outras substâncias; cujo preço não seja superior ao preço médio do chamado pão francês ou de trigo, obtido mediante pesquisa de preços de mercado.

 

Não compõem a Cesta Básica:

 

O pão, sob qualquer forma, que contenha outros produtos, tais como passas, nozes, açúcar, presunto, calabresa, frutas cristalizadas ou secas, essências, especiarias, queijo, etc.

Os bolos, tortas, bolachas, biscoitos, etc.

Segundo descrito pela própria consulente estes pães de aipim, de batata, de milho são produzidos a partir da massa feita de trigo, simplesmente adicionando-se a massa feita com essas outras substâncias (aipim, batata ou milho), sem alterar o preço do pão normal feito de trigo. Assim sendo pode-se afirmar que estes produtos integram a cesta básica nos termos da própria RN (acima grifado) e, por conseguinte, classificam-se também como produto de consumo popular nos termos do Anexo único da Lei nº 10267/96.

Já no tocante aos pães multigrãos (chia, quinoa e outras especiarias), que segundo a própria consulente, têm o seu preço alterado para mais em razão da adição destas especiarias pode-se afirmar que estão excluídos da cesta básica nos termos da RN. Este fato também impede sua classificação como um produto de consumo popular, logo, deverão ser tributados mediante a aplicação da alíquota normal do ICMS, isto é, 17% (dezessete por cento).

 

Resposta

Pelo exposto proponho que a consulta seja respondida nos seguintes termos:

a) A simples adição de aipim, de batata ou de milho à massa do pão de trigo, desde que mantido seu preço original, permite a sua manutenção como produto integrante da cesta básica, nos termos do item 7 da Resolução Normativa nº 61/08; permitindo também a sua classificação como produto de consumo popular e, por conseguinte, deverão ser tributados mediante a aplicação da alíquota de 12% (doze por cento) sobre a base de cálculo reduzida conforme previsto no RICMS/SC, Anexo 2, art. 11, I.

 b) A adição de grãos especiais (chia, quinoa e outros cereais) aos pães multigrãos, de modo que resulte em um preço maior do que o preço normal do pão de trigo impede que sejam tidos como produto integrante da cesta básica (RN nº 61/08) e, por conseguinte, também não poderão ser classificados como um produto de consumo popular (Lei nº 10.297/96, Anexo Único); fato este que impõe a aplicação da alíquota de 17% (dezessete por cento) nas operações a eles correspondentes.

É o parecer que submeto a elevada apreciação desta Colenda Comissão.

LINTNEY NAZARENO DA VEIGA

AFRE IV - Matrícula: 1914022

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 03/08/2017.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

ARI JOSE PRITSCH                                                            Presidente COPAT

ADENILSON COLPANI                                                        Secretário(a) Executivo(a)