CONSULTA 79/2016

EMENTA: ICMS. CRÉDITO PRESUMIDO NO ABATE DE AVES. NA FALTA DE VALOR DE PAUTA DO PATO, PODE SER ADOTADO, EM SUBSTITUIÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 17, § 2º, II, "B", DO ANEXO 2 DO RICMS-SC, O VALOR DE CUSTO DO PATO PARA ABATE, COMO BASE DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO, COMPREENDENDO A REMUNERAÇÃO DO INTEGRADO, ACRESCIDA DOS INSUMOS UTILIZADOS.

PORÉM, A CONCORDÂNCIA DO FISCO COM O CRITÉRIO DE CÁLCULO PROPOSTO NÃO REPRESENTA HOMOLOGAÇÃO DO PROCEDIMENTO ADOTADO QUE PODERÁ SER REVISTO DE OFÍCIO, ENQUANTO NÃO DECAIR O DIREITO POTESTATIVO DA FAZENDA PÚBLICA.

Publicada na Pe/SEF em 27.07.16

Da Consulta

Cuida-se de consulta formulada por abatedor de aves sobre a apropriação do crédito presumido previsto no art. 17 do Anexo 2 do RICMS.

O referido crédito presumido é calculado sobre o valor das aves, estipulado em pauta fiscal, no caso de integração avícola que é o caso da consulente. Sucede que a pauta fiscal catarinense é omissa quanto ao valor do pato vivo.

Informa a consulente que vem utilizando o valor de custo do pato para abate (remuneração dos integrados, acrescida dos insumos utilizados) como base de cálculo do benefício - anexa planilha de cálculo. Argumenta que "entendimento diverso esvaziaria em parte o benefício fiscal concedido para a contribuinte". Acrescenta ainda que:

.... se os patos fossem adquiridos de terceiros, a base de cálculo para o benefício seria o valor de entrada dos animais no estabelecimento. E, aplicando por analogia, o tratamento dispensado às aquisições de terceiros (art. 12, I, da Lei nº 3.938/66), a base utilizada pela Consulente para aferir o valor do crédito presumido nas entradas encontra conformidade com o ordenamento existente.

Tratando-se de sistema de integração, ressalta, não há margem de lucro computado quando das entradas das aves no estabelecimento (i. e. o valor utilizado para calcular o benefício é o de custo, sem qualquer majoração.

A repartição fazendária a que jurisdicionada a consulente informa que (i) foi paga a taxa de serviços gerais, (ii) têm notificações emitidas contra a consulente, por falta de recolhimento, todas parceladas, (iii) não há registro de processos de auditoria ou contencioso contra a consulente e (iv) não foi localizada resolução normativa ou resposta à consulta sobre a mesma matéria desta consulta.

Legislação

CTN, art. 108, I;

Lei 3.938/1966, art. 12, I;

RICMS-SC, arts. 15, 16 e 21; Anexo 2, art. 17, III, § 2º, II, “a” e “b”.

Fundamentação

Com efeito, o art. 17, III, do Anexo 2 do RICMS-SC, concede aos estabelecimentos abatedores, crédito presumido pela entrada de aves, produzidas no território catarinense, equivalente a 4% da respectiva entrada.

Dispõe o § 2º desse artigo que o crédito presumido será calculado sobre o valor das entradas quando se tratar de aves adquiridas de terceiros. Mas no caso de aves recebidas de integrados, deverá ser utilizado o preço de pauta "do último dia útil do mês em que se der a apropriação do crédito presumido".

Ora, a dúvida da consulente é que abate patos adquiridos de integrados e para a referida ave não existe preço de pauta. A consulente, então, propõe a utilização do preço de custo dos patos terminados e prontos para abate, em substituição ao preço de pauta, com fundamento na analogia prevista no art. 12. I, da Lei 3.938/1966:

Art. 12. A autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará como métodos ou processos supletivos de interpretação, sucessivamente e na ordem indicada:

I - a analogia;

O dispositivo citado da legislação catarinense corresponde imperfeitamente ao disposto no art. 108, I, do Código Tributário Nacional:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente na ordem indicada:

I - a analogia;

Como visto, a legislação estadual trata a analogia como "método ou processo supletivo de interpretação" quando se trata de integração da legislação o que difere fundamentalmente da interpretação. A interpretação refere-se ao sentido da norma, enquanto na integração não existe norma. Na integração, a norma - supondo a completude do ordenamento - deve ser construída a partir do próprio ordenamento, para dar efetividade ao art. 5º, XXV da Constituição (inafastabilidade do controle jurisdicional), ou seja, trata-se da proibição do non liquet.

Em primeiro lugar, devemos considerar que a falta de norma nem sempre é motivo para a integração do direito, mediante o emprego da analogia ou de outro método integrativo. É o caso do "silêncio eloquente" da lei: "quando a lei quis, disse; quando não quis, guardou silêncio". A falta de norma deve caracterizar uma lacuna ou incompletude do ordenamento. O direito existe para regular todas as condutas humanas - observa Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 176) - mas, em determinado momento pode não ser completo. Podem existir momentos de incompletude, na relação entre norma e fato - já que a norma não pode abranger toda a complexidade do mundo real. Mas, o ordenamento, porque não pode conviver com fatos não previstos, tende à completude. Se o ordenamento não é completo, ele é completável, e o próprio ordenamento se encarrega de prever as regras para que se completem os vazios.

Sobre o tema, leciona Miguel Reale (Filosofia do Direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 565):

É o ordenamento jurídico no seu todo que é pleno (visto como nenhum juiz pode deixar de sentenciar sob pretexto de lacuna ou obscuridade da lei - Código de Processo Civil, art. 126) e não o mero "sistema de legislação" como tal, pois até mesmo o legislador reconhece e proclama omissões inevitáveis da lei, determinando que, sendo ela omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (Lei de Introdução ao Código Civel, art. 49).

Recorrendo-se aos costumes, à analogia e aos princípios gerais do Direito integra-se o sistema legal, que se atualiza assim, como experiência ou ordenamento jurídico; donde se há de concluir que uma regra jurídica não pode nem deve ser tomada de per si, como se fosse uma proposição lógica em si mesma inteiramente válida e conclusa, pois o seu significado e a sua eficácia dependem de sua funcionalidade e de sua correlação com as demais normas do sistema, assim como do conjunto de princípios que a informam.

Conforme Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 263), o importante é determinar as circunstâncias em que se apresenta uma lacuna no direito. Presume-se a existência de uma lacuna apenas quando a ausência de norma é considerada indesejável pelo órgão responsável pela aplicação do direito, do ponto de vista da política jurídica.

Então, somente se pode pensar em integração da legislação na presença de uma lacuna. O primeiro método de integração da legislação tributária é a analogia que é conceituada por Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis; Brasília: UnB, 1989, p. 151) como "o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante". No entanto, para atribuir ao caso não-regulamentado as mesmas consequências jurídicas do caso regulamentado semelhante "é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante", ou seja, "razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências". O caso regulamentado e o não-regulamentado devem ter em comum a mesma ratio legis.

Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª e. Rio de Janeiro: Forense, 1988. pg. 208) fala em uma semelhança essencial entre as duas situações, da qual dependem todas as consequências merecedoras de apreço na questão discutida. Limongi França por sua vez (Hermenêutica Jurídica. 7ª e. São Paulo: Saraiva, 1999, pg. 45) leciona que deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto e que a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis.

A consulente propõe utilizar a base de cálculo referida na alínea a do inciso II do § 2º do art. 17 do Anexo 2 (preço de aquisição de terceiros) na hipótese referida na alínea "b" (preço de pauta, nas aquisições de integrados), já que a pauta fiscal não contemplou os patos. Para aplicação da analogia, devemos responder às seguintes questões:

a) existe lacuna?

b) qual o elemento de identidade entre as duas situações e que consiste na ratio legis?

O dispositivo discutido concede benefício fiscal (crédito presumido) aos estabelecimentos abatedores de aves, sem especificar quais aves seriam. A base de cálculo do benefício, no caso de aves adquiridas de terceiros, seria o respectivo preço de aquisição. Mas se adquirida de integrado (parceria avícola), a base de cálculo seria o preço de pauta. Contudo, a pauta fiscal não contempla a ave abatida pela consulente que seria o pato. Note-se que se o pato for adquirido de terceiro, haverá base de cálculo para a utilização do benefício. Mas se recusarmos o benefício ao pato recebido do integrado, por falta de preço de pauta, estaria sendo dado tratamento diverso a contribuintes em situação equivalente o que é vedado pelo inciso II do art. 150 da Constituição da República. À evidência, estamos diante de uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico tributário catarinense, ou seja, uma lacuna.

A pauta fiscal está prevista no art. 21 do RICMS-SC, dispositivo compreendido na Subseção III da Seção I do Capítulo IV que trata de arbitramento. A pauta fiscal nada mais é que forma simplificada de arbitramento, conceituado pelo art. 15 da mesma Subseção nos seguintes termos: "Sempre que forem omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, a base de cálculo do imposto será arbitrada pela autoridade fiscal".

O que pode ser arbitrado é o preço da mercadoria. Em que condições ele pode ser arbitrado? Quando for omisso ou as declarações do sujeito passivo não mereçam fé.

O que pretendeu o legislador ao adotar o valor de pauta, no caso de aves recebidas do integrado? Chegar a um valor o mais próximo possível do preço de mercado.

Com efeito, o art. 16 manda à autoridade fiscal que proceder ao arbitramento da base de cálculo valer-se dos dados e elementos que possa colher junto a contribuintes que promovam operações ou prestações semelhantes ou ao próprio sujeito passivo, relativamente a operações ou prestações realizadas em períodos anteriores.

Então na falta de preço de pauta, a consulente propõe adotar o valor de custo do pato para abate, compreendendo a remuneração dos integrados, acrescida dos insumos utilizados. O procedimento proposto nada mais é que um arbitramento, dependendo para ser aceito apenas da concordância do Fisco.

Essa concordância não homologa o procedimento, mas apenas os critérios de arbitramento adotados. O procedimento permanece sujeito a ulterior verificação pelo Fisco, enquanto não decair o direito potestativo da Fazenda Pública.

Resposta

Posto isto, responda-se à consulente:

a) na falta de valor de pauta do pato, pode ser adotado, em substituição ao disposto no art. 17, § 2º, II, "b", do Anexo 2 do RICMS-SC, o valor de custo do pato para abate, como base de cálculo do benefício, compreendendo a remuneração do integrado, acrescida dos insumos utilizados;

b) a concordância do Fisco com o critério de cálculo proposto não representa homologação do procedimento adotado que poderá ser revisto de ofício, enquanto não decair o direito potestativo da Fazenda Pública.

À superior consideração da Comissão.

VELOCINO PACHECO FILHO

AFRE IV - Matrícula: 1842447

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 05/07/2016.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                       Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                                     Presidente COPAT

ADENILSON COLPANI                                                            Secretário(a) Executivo(a)