CONSULTA 47/2016

EMENTA: ITCMD. TERRENO DE MARINHA. INCIDÊNCIA.

Publicada na Pe/SEF em 25.05.16

1. Incide o imposto sobre a transmissão causa mortis de imóvel pertencente à União, situado em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, ainda que se trate de ocupação irregular;

2. A precariedade da ocupação do imóvel não afasta a exigibilidade do imposto, em homenagem ao princípio da pecunia non olet;

3. Torna-se solidariamente responsável pelo imposto o titular do cartório de notas ou do registro de imóveis que proceder à lavratura de escritura de inventário sem exigir a comprovação do seu pagamento.

Da Consulta

A consulente identifica-se como inventariante (sucessão causa mortis) de espólio que compreende imóvel, localizado no Município de Porto Belo, neste Estado, pertencente à União, cadastrado no SIAPA, em regime de ocupação. Discorre sobre os terrenos de marinha, definidos pelo Decreto-lei 9.760/1946, os quais, conforme art. 132, a União poderá, em qualquer tempo que necessitar do terreno, imitir-se na posse do mesmo, promovendo sumariamente a sua desocupação.

O art. 7º da Lei 9.636/1998 acrescenta que ¿a inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação¿.

Os arts. 12, 13 e 14 distinguem dois regimes de utilização dos terrenos de marinha, a ocupação e o domínio útil:  os imóveis dominiais da União, situados em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, poderão ser aforados, mediante leilão ou concorrência pública, respeitado, como preço mínimo, o valor de mercado do respectivo domínio útil, estabelecido em avaliação de precisão, realizada, especificamente para esse fim, pela SPU ou, sempre que necessário, pela Caixa Econômica Federal, com validade de seis meses a contar da data de sua publicação. Na concessão do aforamento, será dada preferência a quem, comprovadamente, em 10 de junho de 2014, já ocupava o imóvel há mais de 1 (um) ano e esteja, até a data da formalização do contrato de alienação do domínio útil, regularmente inscrito como ocupante e em dia com suas obrigações perante a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Sustenta a consulente que a Lei 13.136/2004, prevê como fato gerador do ITCMD apenas a propriedade ou o domínio útil de bem imóvel, não contemplando a mera ¿ocupação¿, conforme classificação adotada pela União. Conclui dizendo que no caso concreto do inventário não se caracteriza a hipótese de incidência que dê causa à cobrança do imposto estadual.

Ex positis, formula a seguinte consulta: ¿tendo em vista o art. 6º, III, da Lei nº 13.136/2004 que determina a responsabilidade solidária do oficial do registro público ou notarial em virtude do reconhecimento do direito à imunidade ou isenção, e, neste caso, da não incidência; e da inexistência de opção que contemple a não incidência no aplicativo da Declaração do ITCMD, busca a ratificação do entendimento de que nas transmissões causa mortis ou doações de terrenos de marinha, no regime de ocupação, não há incidência do ITCMD¿.

Legislação

CF, art. 155, I;

Lei 13.136/2004, art. 2º, I e II;

Lei 9.636/1998, arts. 1º, 12, 13 e 15, § 7º.

Fundamentação

Dispõe o art.155, I, da Constituição Federal que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. A Lei Maior não impõe restrições a quais bens - se móveis ou imóveis - ou quais direitos - reais ou pessoais, desde que a transmissão ocorra a título gracioso.

O Estado de Santa Catarina, por meio da Lei 13.136/2004, instituiu o ITCMD atribuindo-lhe como fato gerador da referida exação a transmissão causa mortis ou a doação a qualquer título, entre outros, da propriedade ou domínio útil de bem imóvel ou de direitos reais sobre bens imóveis.

Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 272-3) conceitua enfiteuse como "a relação jurídica por via da qual o senhorio direto (o proprietário) autoriza outra pessoa (o enfiteuta) a usar, gozar e dispor da coisa, com certas restrições, inclusive pagamento de retribuição anual". A natureza jurídica da enfiteuse segundo a mais abalizada doutrina é de um direito real sobre coisa alheia (jus in re aliena), "embora o mais amplo que se possa estabelecer".

Prossegue o mesmo autor dizendo que na enfiteuse intervêm, necessariamente, duas pessoas, a saber; o senhorio direto e o enfiteuta. Enquanto o primeiro é o titular do domínio, cabe ao segundo a posse, o uso, o gozo e a disposição da coisa, embora sujeito a algumas restrições em benefício do senhorio direto.

Ora, como detém o domínio útil, o enfiteuta pode usar a coisa do modo mais completo, tendo o direito de aliená-la e de transmiti-la por herança. O senhorio direto só tem direito à substância da coisa, sem suas utilidades.

A citada Lei 9.636/1998 dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União. Com efeito, o seu art. 1º autoriza ações de identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização dos bens imóveis da União, bem como a regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda. Para esse fim, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão pode firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada.

Conforme disposto no art. 12, os imóveis dominiais da União, situados em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, poderão ser aforados, mediante leilão ou concorrência pública, sendo dada preferência a quem, comprovadamente, em 10 de junho de 2014, já ocupava o imóvel há mais de um ano e esteja, até a data da formalização do contrato de alienação do domínio útil, regularmente inscrito como ocupante e em dia com suas obrigações perante a Secretaria do Patrimônio da União.

No caso dos ocupantes dos imóveis não exercerem as preferências ou opções de que tratam os arts. 13 e 17 terão o prazo de sessenta dias para desocupar o imóvel, findo o qual ficarão sujeitos ao pagamento de indenização pela ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano, até que a União seja reintegrada na posse do imóvel, conforme dispõe o § 7º do art. 15.

Então, constitui fato gerador do ITCMD a transmissão a qualquer título, por doação ou mortis causa, de domínio útil ou de direito real sobre imóveis (enfiteuse).

No caso de bens imóveis da União, situados em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, o setor privado somente poderá deles dispor como enfiteutas - titulares do domínio útil ou de direito real sobre os imóveis. Não existe outra possibilidade. A "ocupação" não é uma terceira opção, diversa da enfiteuse, mas uma classificação utilizada pela Secretaria do Patrimônio da União, para identificar imóveis irregularmente ocupados.

Se o imóvel pertence ao patrimônio da União, a que título o seu ocupante o explora e dele dispõe, inclusive o transmitindo por herança? Tal situação somente pode ser explicada porque o ocupante é o enfiteuta ou pensa que é.

Os imóveis em tal situação podem ser objeto de contrato de enfiteuse com o ocupante ou com terceiro, se não houver interesse do ocupante. Nos termos do art. 13 da Lei 9.636/1998, o ocupante terá preferência, desde que em dia com suas obrigações perante a Secretaria do Patrimônio da União. Quais obrigações? À evidência, trata-se do foro e do laudêmio, se for o caso.

A bem da verdade, o ocupante não está sujeito ao pagamento de foro, mas de "taxa". No entanto, no caso de transmissão de propriedade do imóvel, é devido laudêmio. No julgamento do REsp 1.143.801 SC (DJe 13-9-2010), discutiu-se a exigibilidade de laudêmio nas transferências de propriedade, utilizados em regime de "ocupação", já que não se trata "de transferência do domínio útil do imóvel, vinculada a aforamento ou enfiteuse, mas tão somente de cessão de direito, por tratar-se de mera ocupação". Contudo, a Primeira Turma do STJ, em acórdão da lavra do Min. Luiz Fux, decidiu que "a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio".

Se o ocupante não optar pelo contrato de enfiteuse, segundo § 7º do art. 15, deverá abandonar o imóvel no prazo de sessenta dias, sob pena de indenização por ocupação ilícita e multa. Como se pode pensar em afastar a incidência do tributo, com fundamento em uma situação irregular?

Conforme art. 118, I, do CTN, a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros (pecunia non olet).

Resposta

Posto isto, responda-se à consulente:

a) incide ITCMD sobre a transmissão causa mortis de imóvel pertencente à União, situado em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, ainda que se trate de ocupação irregular;

b) a precariedade da ocupação do imóvel não afasta a exigibilidade do imposto, em homenagem ao princípio da pecunia non olet;

c) torna-se solidariamente responsável pelo imposto o titular do cartório de notas ou do registro de imóveis que proceder à lavratura de escritura de inventário sem exigir a comprovação do seu pagamento.

À superior consideração da Comissão.

VELOCINO PACHECO FILHO

AFRE IV - Matrícula: 1842447

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 28/04/2016.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                               Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                                 Secretário(a) Executivo(a)