CONSULTA 19/2015

EMENTA: ICMS. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. A PARCELA DO VALOR ACRESCIDO NA INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA ESTÁ SUJEITA À INCIDÊNCIA DO ICMS, EXCETO SE A ENCOMENDA FOR FEITA POR NÃO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO OU POR QUALQUER EMPRESA PARA SEU ATIVO IMOBILIZADO OU PARA USO OU CONSUMO NO SEU ESTABELECIMENTO. 1. Nas operações internas, o ICMS incidente sobre a parcela do valor acrescido na industrialização por encomenda fica diferido para a etapa seguinte de circulação. 2. A parcela do valor acrescido deverá ser indicada através do CFOP 5.124. 3. A receita proveniente da industrialização por encomenda, quando ocorrer o diferimento, deverá ser segregada, para fim de cálculo e pagamento do Simples Nacional.  

Publicada na Pe/SEF em 16.04.15

Da Consulta

Narra o consulente que atua no comércio atacadista de alimentos para animais e na industrialização por encomenda de farelo e rações. Informa que o encomendante da industrialização lhe remete produtos com a utilização de nota fiscal eletrônica indicando o CFOP 5.901. O consulente devolve a mercadoria industrializada também através de nota fiscal eletrônica, com indicação do CFOP 5.902, sujeitando, no entanto, a operação à tributação pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS. Informa, ainda, que o encomendante destina a maior parte das rações industrializadas à comercialização e a menor parte é utilizada como insumo no processo produtivo de outros produtos agropecuários.

Vem perante essa Comissão questionar se o valor adicionado à industrialização por encomenda deve sofrer a incidência do ICMS e se a respectiva nota fiscal deve indicar o CFOP 5.124. Caso seja afirmativa a resposta, pergunta se a receita derivada da industrialização por encomenda deve ser segregada para fim de cálculo e pagamento do Simples Nacional, haja vista que o ICMS incidente sobre o valor adicionado é diferido por força do inciso X do art. 8º do Anexo 3 do RICMS/SC.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise. 

 

Legislação

Constituição Federal, artigo 155, §2º, VII e art. 156, III;

Código Tributário Nacional, art. 68, I;

Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987, Lista de Serviços Anexa, item 72;

Lei Complementar nº 87, de 13.09.1996, artigo 2º, II;

Lei Complementar nº 116, de 31.07.2003, Lista de Serviços Anexa, item 14.05;

Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, art. 13, XIII, ¿a¿;

Lei nº 10.297, de 23.12.1996, art. 2º, II;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, art. 8º, X e Anexo 10;

Resolução CGSN nº 94, de 29.11.2011, art. 29. 

 

Fundamentação

A primeira questão proposta pela interessada passa pela análise do conteúdo semântico dos termos bens e mercadorias no direito tributário. Segundo  Eduardo Jardim: "No âmbito do direito tributário a palavra [bem]  significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio. Opõe-se a mercadoria, que significa produto corpóreo destinado ao comércio. Baleeiro nos propicia um exemplo singelo em expressivo dizer: um sapato exposto numa vitrine é uma mercadoria, enquanto adquirido por alguém e uma vez calçado transforma-se em bem. Essa sutil diferença entre bem e mercadorias pode suscitar consequências relevantíssimas na área tributária"(in Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva. 1995.pág. 13).

Essa acepção é claramente utilizada pela própria Constituição Federal, quando trata da Tributação e do Orçamento em seu Título VI. Quando o inciso VII do §2º do artigo 155 fixa a alíquota a ser adotada nas operações interestaduais com consumidor final, utiliza o termo "bem", tendo como pressuposto de sua utilização o fato de que o objeto não sofrerá nova circulação econômica. Aqui, tanto o consumidor final contribuinte do imposto quanto o não contribuinte adquirem bens. Para aquele, por se revelar bens do ativo imobilizado ou bens de uso e consumo, enquanto que para este, bens de consumo.

A distinção mencionada dos termos "bens" e "mercadorias", através da interpretação sistêmica, pode ser colhida na Norma Geral em Direito Tributário Código Tributário Nacional, através, por exemplo, do inciso I do art. 68. Podemos citar, também, o inciso II do art. 2º da Lei Complementar nº 87/96 e da Lei Estadual nº 10.297/96.

A Constituição Federal outorgou aos Municípios competência tributária para instituir Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, definidos em lei complementar, excluindo os serviços tributados pelo ICMS (art. 156, III). Até a edição da Lei Complementar nº 116/03, a Lei Complementar nº 56/87, cumpria o disposto no retro citado dispositivo constitucional, cabendo, no caso, citar o item 72 de sua lista de serviços anexa:

72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização;

 

Havia previsão expressa no item 72 de que o âmbito de incidência tributária do ISS não alcançaria os serviços realizados em objetos que posteriormente seriam comercializados ou industrializados, haja vista que, por se tratar de ciclo econômico de "mercadorias", a incidência tributária era do ICMS.

Com a edição da LC 116/03 o item 72 da LC 56/87 passou a constar no item 14.05 da nova lei, porém, por adoção de nova técnica legislativa, o legislador optou por retirar a expressão "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização" adicionando idêntica limitação no próprio título do item 14, ao utilizar o termo "bens":

14 - Serviços relativos a bens de terceiros.

...

14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.

 

Embora tenha havido modificação de técnica legislativa, a hipótese de incidência tributária do ISS foi mantida, limitando-a as operações de serviços em "bens" de terceiros, ou, de outro giro, nos serviços realizados em "mercadorias" de terceiros, manteve-se a incidência do ICMS. Tal constatação é até mesmo lógica, pois não houve modificação da competência tributária dada pela Constituição Federal aos Estados e aos Municípios, de modo que a novel lei complementar não poderia inserir no campo de incidência do imposto municipal algo que preteritamente era tributado pelo ICMS.

A questão foi fartamente analisada pelos Tribunais Superiores, sendo relevante anotar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN nº 4389 MC/DF fixou entendimento de que não incide o ISS na industrialização por encomenda quando o objeto da industrialização for utilizado subsequentemente em processo de industrialização ou de circulação de mercadoria. O caso analisado tratava de composição gráfica prevista no item 13.05 da LC 116/03. O título deste item, diferentemente do título do item 14, não prevê a limitação da incidência do ISS nas operações com "bens" de terceiros, mas, ainda assim, o Tribunal Supremo entendeu pela incidência do ICMS nas operações com "mercadorias":

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1º, CAPUT E § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

Voto: ...

Até o julgamento final e com eficácia apenas para o futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.

 

A decisão cautelar proferida pelo Min. Joaquim Barbosa na ADIN nº 4389 tornou-se paradigmática na Corte, sendo citada em recentes julgados, tal como o RE nº 606.960 Agr-Agr/ES da lavra do Min. Dias Toffoli, publicado em 13.05.2014, onde tratou especificamente da industrialização por encomenda com base no item 14.05 da Lista de Serviços Anexa à LC 116/03:

EMENTA Conflito de incidência entre o ISSQN e o IPI e ICMS. Industrialização por encomenda. Prequestionamento. Existência. Efetivo debate dos temas constitucionais no acórdão recorrido. Súmula nº 279/STF. Não aplicação.

...

3. Na industrialização por encomenda, se o bem retorna à circulação, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN, como é o caso dos presentes autos. Nesse sentido: AI nº 803.296/SP-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 7/6/13; ADI nº 4.389/DF-MC, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 25/5/11.

4. Nego provimento ao agravo regimental.

Voto: ...

Conforme registrei na decisão ora recorrida, a incidência indiscriminada do ISSQN sobre os serviços relacionados no subitem 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03, a depender do caso concreto, nem sempre se mostra acertada. Em determinadas hipóteses, pode haver a transfiguração do elemento material desse imposto bem como a incorreta usurpação de situações próprias de outras exações.

...

No mencionado AI nº 803.296/SP-AgR, assentei que, se o bem retorna à circulação após a industrialização por encomenda, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN.

O presente caso, conforme o quadro fático delineado nas demais instâncias, amolda-se a esse parâmetro, isto é, o bem, após o referido processo de industrialização, retorna ao solicitante para posterior comercialização ou nova industrialização. Tendo em vista esse papel que assume a referida atividade de industrialização por encomenda no processo de produção (ADI nº 4.389/DF-MC), não há que se falar em incidência do ISSQN.

Reconheço, por outro lado, a incidência do IPI e do ICMS. Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

 

Embora o pressuposto da decisão transcrita não tenha sido a diferenciação jurídica entre "bem" e "mercadoria", a conclusão se mostrou idêntica àquela aqui defendida.

No que toca à possibilidade de segregar a receita advinda da industrialização por encomenda, diferida, nas operações internas, por força do inciso X do art. 8º do Anexo 3 do RICMS/SC, temos que a alínea "a" do inciso XIII do art. 13 da LC 123/06 exclui do regime do Simples Nacional o ICMS devido nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária pelas operações anteriores. Regulamentando tal hipótese, o art. 29 da Resolução de nº 94, de 29.11.2011, do Comitê Gestor do Simples Nacional, com redação dada pela Resolução CGSN nº 117, de 02.12.2014, prevê que:

Art. 29. Quanto ao ICMS, na hipótese de a ME ou EPP optante pelo Simples Nacional se encontrar na condição de substituída tributária, as receitas decorrentes deverão ser segregadas na forma do inciso I do § 8º do art. 25-A.

 

Quando do retorno para o encomendante das mercadorias recebidas para o processo de industrialização, deverão ser consignadas no documento fiscal de retorno as mercadorias resultantes do processo de industrialização, bem como eventuais materiais recebidos e não utilizados e todos os subprodutos gerados no processo.

A matéria foi parcialmente abordada por esta Comissão na Resposta de Consulta 41/2013, e que assim tratou a questão do retorno de mercadorias remetidas para industrialização:

"Quanto à discriminação dos produtos, não é demais recordar que deverá informar na nota fiscal os CFOPs 5.902 e 5.903, para o retorno de mercadoria utilizada na industrialização por encomenda e para o retorno de mercadoria recebida para industrialização e não aplicada no referido processo, respectivamente. Fará constar, também, separadamente, os valores dos serviços e novos insumos aplicados, através do CFOP 5.124 - Industrialização efetuada para outra empresa. Este CFOP compreende os valores referentes aos serviços prestados e às mercadorias de propriedade do industrializador empregadas no processo industrial. Estes CFOPs aplicam-se quando o processo ocorrer dentro do Estado Catarinense, conforme consta da consulta".

 

Com base no §2º do art. 152-D do Regulamento de Normas Gerais em Direito Tributário, o consulente terá o prazo de 30 (trinta) dias para adequar seus procedimentos aos moldes aqui descritos. 

 

Por fim, informe-se ao consulente que a atividade de industrialização por encomenda não consta em seu cadastro junto à Secretaria de Estado da Fazenda e que, por força do art. 6º do Anexo 5 do RICMS/SC, é sua obrigação mantê-lo atualizado.  

 

Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que:

a) a parcela do valor acrescido na industrialização por encomenda está sujeita à incidência do ICMS, exceto se a encomenda for feita por não contribuinte do imposto ou por qualquer empresa para seu ativo imobilizado ou para uso ou consumo no seu estabelecimento;

b) nas operações internas, o ICMS incidente sobre a parcela do valor acrescido na industrialização por encomenda fica diferido para a etapa seguinte de circulação;

c) a parcela do valor acrescido deverá ser indicada através do CFOP 5.124;

d) a receita proveniente da industrialização por encomenda, quando ocorrer o diferimento, deverá ser segregada, para fim de cálculo e pagamento do Simples Nacional.

 

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários. 



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AFRE II - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 26/03/2015.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

Nome                                                                                      Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                           Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                             Secretário(a) Executivo(a)