CONSULTA 19/2014

ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. O DISPOSTO NO § 22, IV, DO ART. 21, DO ANEXO 2 DO RICMS/SC-01, SOMENTE PERMITE A APROPRIAÇÃO CUMULATIVA DOS CRÉDITOS EFETIVOS REFERENTES A AQUISIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA, SENDO PROIBIDO O USO DA ANALOGIA PARA ESTENDER O ALCANCE DESSE PERMISSIVO LEGAL A OUTRAS FONTES DE ENERGIA, EX VI DO ART. 111 DO CTN.

Disponibilizado na página da PSEF em 21.02.14

Da Consulta

A Consulente está devidamente qualificada no S@T. Trata-se de empresa que se dedica aprodução de alumínio líquido, industrialização de resíduos e aparas, ligas, lingotes, peças, barras de metais não ferrosos, etc. Vem perante a Comissão questionar sobre a interpretação do disposto no § 22, IV, do art. 21, do Anexo 2 do RICMS/SC,  especificamente se este dispositivo pode ser aplicado, também, para os créditos relativos à aquisição de gás natural, uma vez que este é a fonte de energia, em substituição à energia elétrica.

Acrescenta ao pedido extensa argumentação visando sustentar o seu entendimento sobre a matéria.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional, onde foram verificadas as condições formais de admissibilidade previstas na Portaria Sef 226/01.

É o relatório, passo à análise.

Legislação

Código Tributário Nacional, art. 111;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 1º de setembro de 2001, Anexo 2,  art. 21, § 22, IV.

 

Fundamentação

Por primeiro, tem-se que os argumentos esposados pelo douto procurador da consulente devem ser, prévia e brevemente, analisados para demonstrar a impropriedade destes para sustentar a melhor exegese do dispositivo em questão.

Dois são os argumentos, a saber:

 1) Que o gás natural, quando faz às vezes da energia elétrica no processo produtivo, deve garantir ao estabelecimento industrial o direito a se apropriar dos créditos de ICMS relativos à aquisição desse gás natural. Diz a consulente que assim deve ser porque a legislação estadual catarinense, ao tratar a respeito de fontes de energia relacionadas à indústria, faz menção apenas à energia elétrica, sendo, portanto, omissa em relação ao uso do gás natural como fonte de energia.

Para sustentar o emprego da analogia ao caso em comento, o procurador colaciona ementas de consultas respondidas sobre matéria semelhante pela Administraria Tributária do Estado do Paraná. Apresenta também um precedente do STJ que reconhece, por analogia, a legalidade do aproveitamento de crédito do ICMS sobre aquisição de óleo diesel consumido no processo produtivo a partir de 1º de janeiro de 1998, de acordo com o art. 33 da LC 87/96.  

Em que pese a inferência acima ser cabível na solução de lide que envolva o direito ao crédito relativo às entradas de insumos energéticos, apura-se que a sua aplicação é imprópria para a hipótese em análise, conforme será adiante demonstrado.

2) Que o benefício fiscal do crédito presumido, previsto no art. 21, XII, do RICMS/SC, não se confunde com o § 22, IV, do mesmo dispositivo, uma vez que, enquanto o primeiro é concedido como consecução de política fiscal, o segundo é manifestação do princípio constitucional da não-cumulatividade.

Este argumento não se sustenta frente ao disposto no caput dos artigos 21 e 23 do Anexo 2 do RICMS/SC, que dizem: Fica facultado o aproveitamento de crédito presumido em substituição aos créditos efetivos do imposto, observado o disposto no art. 23.(Art. 23. Nas operações ou prestações em que o crédito presumido for utilizado em substituição aos créditos de imposto relativo à entrada de bens, mercadorias, serviços e quaisquer insumos incorridos na produção e comercialização de mercadorias ou na prestação de serviços, o contribuinte que optar pelo crédito presumido deverá permanecer nessa sistemática por período não inferior a 12 (doze) meses).

Ora, se o instituto do crédito presumido originalmente trata-se de forma simplificada de apuração do imposto a recolher, terá, por óbvio, a mesma natureza dos créditos efetivos que substitui para fins de apuração. Consequentemente a sua utilização não afeta o princípio constitucional da não-cumulatividade; antes lhe dá efetividade, já que o valor do crédito presumido contém intrinsecamente os valores dos créditos efetivos, cujo direito à compensação decorre diretamente do citado princípio.

Impõem-se registrar que na hipótese de o valor do crédito presumido, concedido ex legis,ser maior que a soma dos valores dos créditos efetivos, ele terá, no percentual excedente, a natureza de benefício fiscal. Por óbvio, o mesmo ocorrerá quando o crédito presumido for apropriado cumulativamente com os créditos efetivos corresponde a mesma operação.

Esse é o caso da hipótese em análise. O crédito presumido previsto IV, do art. 21, do Anexo 2 do RICMS/SC  por certo traz considerável percentual de benefício fiscal. Eis os enunciados que dão sustentação legal a essa inferência:

Art. 21. Fica facultado o aproveitamento de crédito presumido em substituição aos créditos efetivos do imposto, observado o disposto no art. 23:

(...)

XII - nas saídas de produtos industrializados em cuja fabricação haja sido utilizado material reciclável correspondente a, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) do custo da matéria-prima, realizadas pelo estabelecimento industrial que os tenha produzido, calculado sobre o imposto relativo à operação própria, nos seguintes percentuais (Lei 14.967/09, art. 19):

(...)

§ 22. O benefício previsto no inciso XII:

(...)

IV - não implica impedimento à utilização de créditos relativos à aquisição de energia elétrica, bem como daqueles relativos aos bens do ativo imobilizado, utilizados na indústria.

Abona a assertiva de que a hipótese em comento trata-se de benefício fiscal,  o fato de que a matéria-prima reciclável,  quando adquirida no Estado de Santa Catarina, entrará no estabelecimento industrial sem a exigência do imposto referente a etapa anterior. Consequentemente sem qualquer valor correspondente a crédito efetivo pela entrada.  Isto se dá em virtude do fato de estas operações estarem abrangidas pelo diferimento, consoante disposto no RICMS/SC-01, Anexo 3, art. 8º, IV e XIV, in verbis  (com nosso grifo):

Art. 8° Nas seguintes operações, o imposto fica diferido para a etapa seguinte de circulação:

(...)

IV - saída, promovida por pessoa não obrigada à emissão de documento fiscal, de couro e pele em estado fresco, salmourado ou salgado, sebo, ferro velho e sucata de metais, osso, chifre, casco, fragmento, caco, apara de papel, de papelão, de cartolina, de plástico, de fio ou de tecido e resíduos de qualquer natureza, quando for emitida nota fiscal para fins de entrada para acobertar o transporte;

(...)

XIV - saída de sucatas de metais, fragmentos, cacos, aparas de papel, papelão, cartolina, plástico, tecido e resíduos de qualquer natureza com destino a estabelecimento inscrito no CCICMS.

Então, apura-se que o crédito presumido em comento, na parte que substitui os créditos efetivos (matéria-prima não reciclável - até 25% - e os demais insumos industriais, inclusive o gás natural) é forma opcional de apuração, o que, por consequência, dá efetividade ao princípio da não cumulatividade.

Já na outra parte, isto é, naquela referente à matéria-prima reciclável cuja entrada ocorreu ao abrigo do diferimento, e referente ao valor do ICMS da energia elétrica, bem como daqueles relativos aos bens do ativo imobilizado, utilizados no processo industrial, que poderão  ser apropriados cumulativamente; tem-se que o crédito presumido em comento inexoravelmente é um benefício fiscal.

Analisando o disposto no § 22, IV, alhures transcrito, apura-se que o legislador, ao demarcar o contorno quantitativo do benefício fiscal, se refere expressamente aos créditos relativos à aquisição de energia elétrica. Então, a pretensão de se ampliar o contorno legalmente definido para abranger também os créditos relativos à aquisição de gás natural, somente será possível mediante a aplicação da analogia, que segundo Leandro Paulsen, é aplicação da lei a situação de fato nela não prevista, embora semelhante àquela a qual a lei se refere expressamente (Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da doutrina e da jurisprudência. 11 ed. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2009.)

Ora, é cediço que a legislação tributária que dispor sobre a outorga benefício fiscal deve ser interpretada literalmente, consoante disposto no art. 111 do Código Tributário Nacional.  Sabe-se, também, que o Superior Tribunal de Justiça ao interpretar esse artigo  firmou entendimento que a expressão interpreta-se literalmente está a vedar o emprego da analogia diante de uma lacuna no ordenamento jurídico concessivo do favor fiscal; ou seja, veda a aplicação da lei a situação de fato nela não prevista, embora semelhante àquela a qual a lei se refere expressamente. (STJ, 2° T., REsp 121.428/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, jun/04).

Ademais, deve ressaltar que no caso em tela não há lacuna na legislação, pois trata-se de omissão do legislador. Aliás, omissão eloquente que deve ser interpretada como manifestação de vontade do legislador em não incluir o gás natural na hipótese legal do benefício fiscal.

 

Resposta

Pelo exposto, proponho responder que o disposto no § 22, IV, do art. 21, do Anexo 2 do RICMS/SC, permite somente a apropriação cumulativa dos créditos efetivos relativos à aquisição de energia elétrica, sendo vedado, ex vi do art. 111 do CTN,  o uso da analogia para estender esse permissivo legal aos créditos relativos à aquisição de gás natural.

É o parecer que submeto à Colenda Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

LINTNEY NAZARENO DA VEIGA

AFRE IV - Matrícula: 1914022

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 30/01/2014.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome          Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA   Secretário(a) Executivo(a)