CONSULTA 28/2013

EMENTA: ICMS. INDUSTRIALIZAÇÃO POR CONTA E ORDEM. ARAMADOS METÁLICOS, DE PROPRIEDADE DA EMPRESA ADQUIRENTE/ENCOMENDANTE, FORNECIDOS PARA ACONDICIONAR O TRANSPORTE DE MALHA CRUA DO FORNECEDOR ATÉ O INDUSTRIALIZADOR E DE MALHA INDUSTRIALIZADA DESTE ATÉ O ADQUIRENTE/ENCOMENDANTE. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 166 DO ANEXO 6 DO RICMS/SC-01.

Disponibilizado na página da SEF em 28.06.13

 

Da Consulta

Cuida-se de consulta sobre a interpretação dos seguintes dispositivos do RICMS/SC: art. 71 do Anexo 6 e art. 2º, VII do Anexo 2.

Relata a consulente o seguinte procedimento:

Empresa A adquire malha crua da empresa B, que a remete para industrialização na empresa C. A empresa B emite NF com destaque do ICMS para o adquirente (A), CFOP 5.122 e NF sem destaque do ICMS para acompanhar o transporte até o industrialização (C), CFOP 5.924, conforme dispõe o art. 71 do Anexo 6.

A dúvida, porém, refere-se a "aramados metálicos", utilizados para acondicionar a malha crua, bem como a malha já industrializada, em retorno ao estabelecimento A.

Esclarece ainda que os aramados metálicos são de propriedade da empresa A.

Diante do exposto, formula a seguinte consulta:

a) a legislação tributária catarinense prevê tratamento para a situação descrita?

b) como deve proceder para a emissão dos documentos fiscais para que acobertem o transporte e circulação dos aramados metálicos?

O Gerente Regional, a seu turno, informa que foi paga a taxa de serviços gerais e a consulente não tem contra si notificações fiscais relativas ao mesmo assunto. Há registro no S@T de processo de auditoria na consulente, mas relativa a drawback. Acrescenta que não foi localizada resolução ou resposta para o assunto da consulta. Conclui manifestando-se favoravelmente pela admissibilidade da consulta.

 

Legislação

Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN), art. 108;        

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 2º, VII; Anexo 6, arts.71 e 166 a 168.

 

Fundamentação

Com efeito, a regra do art. 71 do Anexo 6 do RICMS trata da situação em que "um estabelecimento encomende a industrialização de mercadorias, fornecendo matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem adquiridos de terceiro, os quais, sem transitar pelo estabelecimento adquirente, sejam entregues pelo fornecedor diretamente ao industrializador".

No tocante aos "aramados metálicos", de propriedade do adquirente/encomendante, utilizados para o acondicionamento da malha crua ou industrializada, não se caracteriza como operação de circulação de mercadorias.

Mercadoria é entendida como o "bem móvel adquirido" para fins de revenda. Então qualquer bem móvel pode ser mercadoria, conforme seja destinado à mercancia ou ao consumo. O bem pode ser mercadoria em determinada operação e não sê-lo em outra. Nesse sentido, Hely Lopes Meireles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52) leciona que:

"Mercadoria é toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração".

Por sua vez, ensina Marco Aurélio Greco (Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 93): "Estariam incluídos no conceito de mercadoria todos os bens (independente de serem corpóreos ou incorpóreos) negociados no mercado, com habitualidade, objetivo de lucro por alguém que seja considerado comerciante".

Portanto, se os referidos "aramados metálicos" permanecem de propriedade da em presa A, quando remetidos à empresa B, para acondicionamento da malha crua em seu transporte até a empresa C, e finalmente retornam à empresa A, acondicionando a malha industrializada, à evidência, não se trata de operação de circulação de mercadoria, o que requereria a transferência da titularidade dos "aramados metálicos".

Ora, a competência deferida aos Estados, pelo art. 155, II, da Constituição da República, é para instituir imposto sobre "operações relativas à circulação de mercadorias".

Por outro lado, dispõe o art. 150, I, do Estatuto Supremo, que "é vedado exigir tributo sem lei que o estabeleça".

Em vista do exposto, podemos concluir que não se tratando de operação de circulação de mercadoria, falece ao Estado competência para instituir e cobrar ICMS sobre a circulação dos referidos "aramados metálicos".

A dúvida da consulente restringe-se apenas à documentação necessária para acobertar a circulação dos "aramados metálicos".

Dispõe o art. 108 do CTN que na "ausência de disposição expressa", a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário;

III - os princípios gerais de direito público;

IV - a equidade.

Conforme o § 1º do mesmo artigo, o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei e, conforme o § 2º, o emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

O dispositivo citado trata da integração do direito tributário, entendida como técnica de colmatação de lacunas. A lacuna é uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico. Não se confunde com o silencio do legislador. A "incompletude", ensina Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico.São Paulo: Polis; Brasília: UnB, 1989, p. 114),  "consiste no fato de que o sistema não compreende nem a norma que proíbe um certo comportamento nem a norma que o permite. De fato, se se pode demonstrar que nem a proibição nem a permissão de um certo comportamento são dedutíveis do sistema, da forma que foi colocado, é preciso dizer que o sistema é incompleto e que o ordenamento jurídico tem uma lacuna".

A isso acrescenta Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 176) que:

"o Direito existe para regular todas as condutas humanas, mas pode, em determinado momento, não ser completo; na relação entre norma e fato, podem existir momentos de incompletude (a regra é que a norma não preveja a totalidade da realidade com todas suas peculiaridades), mas o próprio ordenamento, porque não pode conviver com fatos não previstos, tende à completude. Em suma, ele não é completo, mas é completável, e o próprio ordenamento se encarrega de prever as regras para que se completem os vazios".

Assim, uma vez identificada a existência de lacuna no ordenamento, ou seja, a ausência de regra para normatizar uma situação que deveria ser contemplada pelo ordenamento, pode ser aplicada uma das regras de integração previstas no art. 108. Pondera Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 263) que se não é possível a aplicação de uma norma jurídica singular, "é possível a aplicação da ordem jurídica -e isso também é aplicação do direito".

Por sua vez, Miguel Reale (Filosofia do Direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p.565) corrobora esse entendimento quando diz que "o ordenamento jurídico no seu todo que é pleno - nenhum juiz pode deixar de sentenciar sob pretexto de lacuna ou obscuridade da lei ( Código de Processo Civil, art. 126). No caso da lei ser omissa, "o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 49).

O primeiro método de integração a que se refere o art. 108 do CTN é a analogia, ou seja, "à falta de uma lei para regular determinado fato busca-se outra lei. Para que isto possa ser feito, deve existir compatibilidade entre a situação não prevista e a lei buscada por analogia" (Marco Aurélio Greco, op. cit. p. 153). Limongi França identifica três critérios para a aplicação da analogia (Hermenêutica Jurídica. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45):

(i) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei;

(ii) deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto;

(iii) a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis.

No mesmo sentido é o magistério de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª e. Rio de Janeiro: forense, 1988, p. 208):

"Se entre a hipótese conhecida e a nova a semelhança se encontra em circunstâncias que se deve reconhecer como essencial, isto é, como aquela da qual dependem todas as conseqüências merecedoras de apreço na questão discutida; ou, por outra, se a circunstância comum aos dois casos, com as conseqüências que da mesma decorre, é a causa principal de todos os efeitos; o argumento adquire a força de uma indução rigorosa".

Também sobre o emprego da analogia, leciona Norberto Bobbio (op. cit. p. 153) que "é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências".

Pesquisando a legislação tributária catarinense, encontramos o art. 166 do Anexo 6 ao RICMS-SC/01, que disciplina o trânsito de paletes e contentores por mais de um estabelecimento, ainda que de terceira empresa, e que deva retornar ao estabelecimento da empresa proprietária. Disposições complementares encontramos nos arts. 167 e 168.

Como no caso da presente consulta, trata-se de movimentação de recipientes que (i) acondicionam o transporte de mercadorias, (ii) devem retornar ao estabelecimento do proprietário. Fica assim caracterizada a identidade entre os dois casos (paletes/contentores e aramados metálicos), constituindo-lhe a ratio legis. Em ambos os casos, identificamos a mesma finalidade (transporte de mercadorias) e o fato de não haver translação da propriedade, devendo retornar ao seu proprietário. Essa é a circunstância essencial da qual dependem todas as conseqüências relevantes.

Duas objeções podem ser levantadas à aplicação da regra do art. 166 ao caso em tela:

A primeira é que o art. 166 (seguindo o Convênio ICMS 131/04) nomina expressamente as empresas que podem beneficiar-se do referido tratamento. A segunda, é que o tratamento está restrito às operações amparadas pela isenção prevista no Anexo 2, art. 2º, VII, conforme art. 168, I, do Anexo 6.

A primeira objeção pode ser afastada interpretando o dispositivo conforme a Constituição. Com efeito, o art. 150, II, da Lei Maior, veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente. Assim, independentemente de ter sido nominalmente contemplada no art. 166, pode aplicar-se a regra às empresas que estiverem em situação equivalente (o que é o caso).

A segunda objeção, independentemente dos ditos "aramados metálicos" estarem compreendidos no conceito de "vasilhames, recipientes e embalagens", a circulação meramente física (não jurídica) dos "aramados metálicos" (não há mudança de titularidade dos mesmos) descaracteriza a operação de circulação de mercadorias. Não se pode isentar o que não é tributado. À evidência, a circulação dos "aramados metálicos" está fora do campo de incidência do ICMS.

 

Resposta

Posto isto, responda-se à consulente que o transporte de aramados metálicos que devam retornar ao estabelecimento de seu proprietário pode ser documentado com nota fiscal, emitida na forma do art. 166 do Anexo 6 do RICMS/SC-01.

Adaptando o art. 166 ao caso em tela, podemos definir os seguintes procedimentos:

(i) o trânsito dos "aramados metálicos" deve ser documentado com nota fiscal que, além dos demais requisitos exigidos, deverá conter no campo Informações Complementares a expressão "Aramados metálicos de propriedade da empresa" [....];

(ii) os aramados metálicos deverão identificar a empresa proprietária, mediante marca distintiva, cor etc.

(iii) as notas fiscais emitidas para a movimentação dos "aramados metálicos", CFOP 5920 ou 6920, conforme o caso, serão lançadas nos livros Registro de Entrada e Registro de Saídas com a utilização apenas das colunas Documento Fiscal e Observações, indicando-se nesta a expressão "aramados metálicos" e o nome da empresa proprietária;

(iv) a empresa proprietária deverá manter controle da movimentação dos "aramados metálicos", com indicação, no mínimo, da quantidade, tipo e do documento fiscal correspondente, bem como do estoque existente em seus estabelecimentos e nos de terceiros.

À superior consideração da Comissão.



VELOCINO PACHECO FILHO 
AFRE IV - Matrícula: 1842447

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 06/06/2013.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

Nome                                                Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM   Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA     Secretário(a) Executivo(a)