CONSULTA               042/2012          

EMENTA:       ICMS. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. TRANSPORTE DE LIXO. INCIDE O TRIBUTO SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE, SENDO IRRELEVANTES PARA A CARACTERIZAÇÃO DO FATO GERADOR A NATUREZA DA COISA TRANSPORTADA, SEU VALOR OU DESVALOR.

CARACTERIZADO O FATO GERADOR DO TRIBUTO, O AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA ESTÁ SOB RESERVA ABSOLUTA DA LEI, OBSERVADO, NO CASO DO ICMS, A NECESSIDADE DE CONVÊNIO AUTORIZATIVO, CELEBRADO ENTRE OS ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL, NOS TERMOS DA LC 24/1975.

RESPOSTA RECONSIDERANDA CONFIRMADA.

Disponibilizado na página da SEF em 29.06.12

 

01 - DA CONSULTA

                   Cuida-se de pedido de reconsideração da resposta à Consulta 2/2012, desta Comissão, assim ementada:

“ICMS. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE RESÍDUOS (LIXO), DO LOCAL ONDE ESTABELECIDA A CONTRATANTE ATÉ O ATERRO SANITÁRIO OU ATERRO INDUSTRIAL, PRESTADO EM REGIME DE DIREITO PRIVADO, CONFIGURA-SE COMO SITUAÇÃO FÁTICA SUBMETIDA À INCIDÊNCIA DO ICMS”.

                   Na inicial, a consulente informa que tem, entre suas atividades principais, o transporte de resíduos (lixo) a aterros sanitários e aterros industriais. Segundo a consulente:

                   “A legislação do ICMS do Estado de Santa Catarina, atual Decreto 2.870/2001, não traz em seu bojo, de forma específica os procedimentos a serem tomados por estas empresas quando da sua contratação para efetuarem o transporte destes resíduos (lixo) até seu destino final, ou seja, aterros sanitários ou aterros industriais”. Acrescenta que o único material encontrado foi a Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001 que assegura a não incidência no transporte de lixo.

                   Em sede de reconsideração, argumenta que a resposta desta Comissão deu um sentido tão genérico à palavra “bem” que compreenderia qualquer coisa, conceito este que não poderia ser admitido, pois o cerne principal do questionamento foi se a empresa pode utilizar o procedimento mencionado na Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001, documento que, segundo a consulente, esta Comissão teria feito questão de ignorar.

                   A consulente passa a discorrer sobre a acepção de “resíduos”, detritos e lixo em diversas legislações, inclusive ambiental, enfatizando a sua falta de valor econômico. Conclui que não tendo valor econômico, não pode ser mercadoria e, portanto, não poderia ser tributado pelo ICMS. Traz à colação duas consultas respondidas respectivamente pelo Estado de São Paulo e pelo Distrito Federal, relativas ao tratamento tributário de sucatas e resíduos provenientes da indústria de informática, remetidos para aterros sanitários ou industriais.

                   A consulente foi cientificada da resposta à Consulta 2/2012 em 27 de março de 2012, protocolando o pedido de reconsideração em 9 de abril do mesmo ano, tempestivamente, portanto, a teor do disposto no art. 152-F do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário do Estado de Santa Catarina (RNGDTSC), aprovado pelo Decreto 22.586/84.

 

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

                   Constituição Federal, arts. 155, II, 150, § 6°, 155, §2°, XII, g;

                   CTN, arts. 96, 97, I, e 100;

                   Lei Complementar 87/1996, art. 2º, II;

                   Lei Complementar 24/1975;

                   RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 1°, II, 3°, V, 4°, II, e 12 a 14.

 

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

                   Segundo declara a consulente, presta serviço de transporte de resíduos (lixo) para aterros sanitários. Quando o transporte ocorre dentro do território do Município, tributa pelo ISS. Já no caso de transporte intermunicipal, não submete à tributação pelo ICMS, com base na Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001. A consulta versa sobre a aplicação do mesmo procedimento no caso de transporte de outros resíduos para aterro industrial.

                   A matéria foi enfrentada por esta Comissão, na resposta à Consulta 2/2012, no sentido de incidir o ICMS no transporte de resíduos (lixo) em ambas as hipóteses: transporte de resíduos tanto para aterro sanitário quanto para aterro industrial.

                   Daí a discussão desviou-se para a conceituação de “bem”, no sentido jurídico do termo ou no sentido econômico; se, para sua conceituação, é relevante o bem ter valor econômico.

                   Na verdade, o parecerista, escorado na autoridade inconteste de juristas da estatura intelectual de Clóvis Beviláqua e de Pontes de Miranda, procedeu à refutação da interpretação dada à matéria pela Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001.

                   Em síntese, a questão relevante consiste em definir se transporte de lixo constitui fato gerador do ICMS ou não. Ou seja, o valor econômico do que é transportado é relevante para determinar o respectivo tratamento tributário ou não?

                   Conforme dispõe o RNGDTSC, cabe pedido de reconsideração nas seguintes hipóteses:

                   a) a resposta reconsideranda deixou de analisar algum ponto da consulta;

                   b) for apresentado fato novo, suscetível de modificar a resposta;

                   c) a resposta reconsideranda divergir de resposta a consulta anterior.

                   No caso presente, a consulente alega que a resposta reconsideranda não tratou suficientemente a Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001. Além disso, é do interesse da Administração que não persistam dúvidas sobre a matéria debatida.

                   Para melhor compreensão, a questão será examinada por partes.

 

3.1. O silêncio do legislador:

                   Argumenta a consulente que “a legislação do ICMS do Estado de Santa Catarina ... não traz em seu bojo, de forma específica os procedimentos a serem tomados por estas empresas quando da sua contratação para efetuarem o transporte destes resíduos (lixo) até seu destino final, ou sejam aterros sanitários ou aterros industriais”.

                   Ora, não é obrigatório que a legislação do ICMS trate de forma específica o tratamento tributário no caso do transporte de lixo. O núcleo do critério material da hipótese de incidência do imposto é “transportar”. O que? Qualquer coisa. A valoração econômica da coisa transportada não é relevante para a caracterização do fato gerador. Assim, a Constituição Federal cometeu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre “prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal”, sem qualquer referência à qualificação do que está sendo transportado. O transporte pode ser de algo sem valor, de algo nocivo ou perigoso.

                   Conforme Luis Alberto Warat (O Direito e sua Linguagem. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1984, p. 65): “Toda palavra possui um número considerável de implicações não manifestas. A mensagem nunca se esgota na significação de base das palavras empregadas. O sentido gira em torno do dito e do calado.

                   Ou seja, o legislador pode legislar tanto dizendo quanto não dizendo: ficando calado. Conhecido é o antigo brocardo: “Se a lei quis, disse, se não quis, guardou silêncio”. O silêncio também pode expressar a vontade do legislador. Por isso que Karl Larentz (Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. Lisboa: Gulbenkian, 1997, p. 525) fala do “silêncio eloqüente da lei”, quando o legislador “intencionalmente não inclui na lei disposição a esse respeito”. Não se trata, pois, de uma lacuna da lei, que somente se caracteriza quando há uma “incompletude insatisfatória” do ordenamento jurídico. “‘Lacuna’ e ‘silêncio da lei’ não são, portanto, pura e simplesmente o mesmo”.

                   Entre nós, o silêncio da lei foi adequadamente tratado por Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 184):

                   “Lacuna é a falta de previsão específica; o silêncio eloqüente é a previsão específica através de uma não previsão. O legislador ao não editar norma específica prevê que não está incluído. Dizendo de outra forma: a lacuna é a não previsão no sentido de falta de norma específica para a hipótese; o silêncio eloqüente é o não querer que esteja previsto, no sentido de existir uma norma que determina que o caso não está alcançado. Não é meramente o não prever; silêncio eloqüente é uma não previsão que corresponde a uma vontade que o caso não esteja alcançado”.

                   “Deste ângulo, o silêncio do legislador tem o significado de vontade de não querer prever a hipótese; daí a figura do silêncio eloqüente. Silêncio eloqüente não se preenche porque ‘existe norma’ deixando o caso fora da previsão. Lacuna é o vazio que demanda uma etapa ulterior de interpretação/aplicação a partir de um determinado critério”.

                   Na ausência de previsão expressa da lei, o transporte de lixo submete-se à regra geral que prevê a incidência do imposto em qualquer transporte, não importando o que esteja sendo transportado.

 

3.2. Orientação interna e legislação tributária:

                   Dispõe o art. 96 do Código Tributário Nacional que a expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a ele pertinentes.

                   Já as “normas complementares” das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, conforme art. 100 do mesmo pergaminho, compreendem:

                   a) os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

                   b) as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

                   c) as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

                   d) os convênios que entre si celebrem a União, os Estados o Distrito Federal e os Municípios.

                   O ordenamento jurídico assume a forma de uma pirâmide em que o vértice é ocupado pelas normas constitucionais. Nelas encontram seu fundamento de validade as leis (complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias etc). Essas são as leis em sentido formal, debatidas e aprovadas pelo Poder Legislativo e sancionadas e publicadas pelo Poder Executivo. A seguir, vêm os decretos e regulamentos, que têm caráter normativo, mas são produzidos unilateralmente pelo Poder Executivo. Por isso que estão restritos à fiel execução das leis que regulamentam (CF, art. 84, IV). As “normas complementares” estão na base da pirâmide e compreendem os atos normativos de menor importância.

                   “Ainda que não sejam formalmente atos legislativos, eles se revestem de caráter normativo na medida em que se conformam com as leis e regulamentos”, leciona Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 647). Mas, prossegue o mesmo autor, “como regulamento em relação à lei (art. 99 do CTN), os atos normativos das autoridades administrativas não podem inovar, indo além do que está na lei ou no regulamento; subordinando-se a este ou áquela, pois se destinam à sua fiel execução. O mesmo quanto aos atos dos diretores de Departamento e órgãos hierarquicamente colocados abaixo do auxiliar imediato do Poder Executivo”.

                   A que categoria pertencem as orientações internas? Podem ser compreendidas como “normas complementares” e, portanto, como “legislação tributária”? Ao contrário das espécies aqui estudadas, as orientações internas não são publicadas (dadas ao conhecimento do público), pois se destinam aos servidores e não aos contribuintes (não produzem efeitos erga omnes). Apenas os servidores fazendários estão obrigados ao seu cumprimento.

                   Podemos considerá-las, antes, como “exercício do poder hierárquico”, orientando e disciplinando os servidores. Diógenes Gasparini esclarece o sentido do poder hierárquico da Administração (Direito Administrativo, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 52):

                   “A estruturação da Administração Pública, compreendida como a instituição dos órgãos encarregados da execução de certas e determinadas atribuições, faz-se com a observância do princípio da hierarquia, que é a relação de subordinação existente entre os órgãos públicos com competência administrativa e, por conseguinte, entre seus titulares, decorrentes do exercício da atribuição hierárquica, chamada por alguns de poder hierárquico”.

                   “Com o exercício dessa atribuição objetiva-se ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas. Ordena-se, isto é, organiza-se, repartindo e escalonando as funções dos agentes públicos, de modo que possam desempenhar eficientemente as respectivas responsabilidades. Coordena-se na medida em que se dispõe sobre a realização das funções dos respectivos órgãos, evitando-se o desvio e a superposição de funções. Controla-se quando se acompanha a conduta e o rendimento dos agentes públicos e se observa a aplicação da legislação. Corrige-se, pela ação revisora dos superiores, os atos dos agentes públicos de menor hierarquia que atentem contra o mérito ou legalidade”.

                   Mas, mesmo que fosse entendida como “norma complementar”, a orientação interna pode ser revogada ou modificada, como qualquer outro ato administrativo. Na verdade, “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (Supremo Tribunal Federal: Súmula 473).

                   O parágrafo único do art. 100 do CTN, por sua vez, dispõe que “a observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”. Em outras palavras, a obediência às normas complementares exclui a punibilidade e a mora, mesmo que dita norma complementar esteja errada. O que não pode ser excluído é o próprio tributo. O tributo somente pode ser excluído por lei (em sentido formal).

                   Com efeito, no magistério de Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. II, São Paulo: Atlas, 2004, p. 94): “Como regras jurídicas de categoria inferior, as normas complementares evidentemente não podem modificar as leis, nem os decretos e regulamentos. Por isto não asseguram ao contribuinte o direito de não pagar um tributo que seja efetivamente devido, nos termos da lei”.

                   Pois bem, a Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001, em uma tentativa bem intencionada de orientar os membros do Fisco sobre o tratamento do transporte de lixo, incorreu em erro ao condicionar a incidência do ICMS sobre o transporte à natureza da coisa transportada, ou melhor, ao seu valor. O erro apontado decorreu de tomar a nuvem por Juno, entendendo o termo “bem”, não no sentido jurídico, mas no sentido econômico.

                   Com efeito, está implícita no poder hierárquico da Administração a orientação dos servidores quanto ao sentido e ao conteúdo da legislação. Conforme ainda Hugo de Brito Machado (idem, p. 96):

                   “Assim, desde que à Administração Tributária é atribuído o poder de criar normas gerais, de caráter regulamentar, seria impossível negar-lhe, com vistas à certeza e uniformidade na aplicação do Direito, a faculdade de interpretar as normas que seguidamente há de aplicar. Interpretar, como interpreta, mediante a edição de normas de hierarquia inferior, vale dizer, normas complementares da legislação tributária”.

                   As orientações internas são emitidas pelo Diretor de Administração Tributária, como instrumento para orientação dos servidores que lhe estão subordinados.

                   O Diretor de Administração Tributária também é o presidente da Comissão Permanente de Assuntos Tributários – Copat, órgão colegiado incumbido de responder consultas, por delegação do Secretário de Estado da Fazenda.

                   As respostas emitidas pela Copat às consultas formuladas pelos contribuintes constituem “legislação tributária”, nos termos do art. 100, II, do CTN. Com efeito, a resposta, no caso concreto, vincula tanto a Administração Tributária quanto o contribuinte que formulou a consulta, correspondendo a enunciação de norma jurídica singular e concreta.

                   A resposta a essa consulta, contrária à interpretação dada pela OI 6/2001, produz o efeito de uma revogação tácita da orientação interna, ao menos no caso concreto. Restaria dar a essa revogação efeito erga omnes.

                   A revogação pode ser expressa ou tácita: é expressa quando diz expressamente que tal norma está revogada; é tácita quando a norma nova dispõe diversamente sobre a mesma matéria.

 

3.3. Natureza da consulta fiscal:

                   Dispõe o art. 209 da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, que o sujeito passivo poderá, mediante petição escrita, dirigida ao Secretário de Estado da Fazenda, formular consulta sobre a interpretação de dispositivos da legislação tributária estadual. Essa competência foi delegada a comissão técnica, nos termos do art. 209 da mesma Lei, pela Portaria SEF 226, de 30 de agosto de 2001, tendo como presidente o Diretor de Administração Tributária.

                   No caso de matéria considerada relevante e de interesse geral, a Comissão pode emitir resolução normativa com efeitos erga omnes, conforme § 1° do art. 211 da referida Lei. Caso contrário, a resposta aproveita apenas ao sujeito passivo que a formulou.

                   Ainda conforme art. 212 da mesma Lei, a protocolização da consulta, formulada pelo sujeito passivo, suspende o prazo para pagamento do tributo, em relação ao fato objeto da consulta, até trinta dias após a ciência da resposta. Além disso, impede, durante o mesmo período, o início de qualquer medida de fiscalização, com relação ao consulente, destinada à apuração de infrações referentes à matéria consultada.

                   Por outro lado, o art. 32 da Lei Complementar 313, de 22 de dezembro de 2005, garante que os contribuintes têm direito à igualdade entre as soluções a consultas relativas a uma mesma matéria, fundadas em idêntica norma jurídica.

                   A consulta fiscal caracteriza-se como decisão de órgão coletivo, de jurisdição administrativa, a que a lei atribui eficácia normativa, a que se refere o art. 100, II, do CTN. Estamos, assim, diante de norma complementar das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos. Em outras palavras, deve ser encarada como integrante da legislação tributária. Conforme José Souto Maior Borges (Sobre a preclusão da faculdade de rever resposta pró-contribuinte em consulta fiscal e descabimento de recurso pela administração fiscal. RDDT 154: 76-91), “a resposta à consulta pela Administração é obrigatória; tem caráter constitutivo de direito (e não simplesmente declaratório), efeito decorrente de uma interpretação fiscal (= solução dada pelo Fisco). Porque vincula tanto o contribuinte, quanto a Administração ao que na consulta for decidido (= respondido)”.

                   A seu turno, ensina Hugo de Brito Machado (Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 251): “Na verdade a resposta oferecida pelo Fisco à consulta, formulada em face do caso concreto, produz efeito como ato administrativo, em concreto, relativamente ao consulente. E produz efeito normativo, isto é, vale como norma em tese, em qualquer situação, tenha sido formulada em face de caso concreto ou de situação hipotética, relativamente a terceiros”.

                   Sem dúvida, a resposta à consulta tem caráter normativo, mesmo quando dirigida apenas ao consulente, promovendo a interpretação da legislação tributária no caso concreto, trazido ao conhecimento das autoridades fazendárias pelo próprio consulente. Trata-se de procedimento não contencioso e preventivo, em que o contribuinte pede antecipadamente uma posição do Fisco sobre determinada matéria. Nesse sentido, válido ainda é o escólio de Ruy Barbosa Nogueira (Consulta e Direito Autorizado. In: Direito Tributário Atual n° 6, São Paulo: Resenha Tributária, 1986, p. 1545):

                   “Se o contribuinte, antes de praticar o fato ou transação, se dirige à autoridade especificamente competente, dando-lhe ciência prévia do fato e comunicando-lhe sua intenção de praticá-lo, pede ‘autorização’ antecipada para realizá-lo somente se ela autoridade, operando a subsunção do fato às normas, isto é, operando a interpretação e sobretudo a aplicação da lei, que é ato privativo dela autoridade competente; e

                   Somente após essa autorização o exerce; ele contribuinte nada mais praticou do que ‘exercício regular de um direito reconhecido’ (art. 160, I do Código Civil Brasileiro).

                   Quem o reconheceu e o autorizou foi a própria autoridade investida dessas competência e responsabilidade específicas”.

 

3.4. Equívocos da Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001:

                   Podemos distinguir dois equívocos fundamentais na OI 6/2001: o primeiro foi tomar a palavra “bem” na sua acepção econômica e não jurídica; o segundo, decorrência do primeiro, foi condicionar a caracterização do fato gerador da prestação de serviço de transporte à qualificação da coisa transportada.

                   A Constituição Federal ao descrever a competência impositiva dos Estados (art. 155, II), refere-se apenas a “prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal”. Já a Lei Complementar 87/96 descreve o fato gerador do imposto (art. 2°, II) como “prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores”. Ao proceder a essa enumeração, pretendeu o legislador complementar restringir a competência tributária dos Estados, em relação ao disposto na Constituição Federal, ou apenas explicitar o seu conteúdo?

                   A interpretação dada pela OI 6/2001 é que a palavra “bem” teria sido tomada no sentido econômico de utilidade. “Bem”, para a ciência econômica, é qualquer coisa que satisfaça alguma necessidade humana. Assim, Paulo Sandroni (Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999) dá a seguinte definição de bem: “Tudo o que tem utilidade, podendo satisfazer uma necessidade ou suprir uma carência. Os bens econômicos são aqueles relativamente escassos ou que demandam trabalho humano. Assim, o ar é um bem livre, mas o minério de ferro é um bem econômico”. Nesse sentido, o lixo, enquanto desutilidade, não seria um “bem” no sentido econômico. Ora, raciocinou o redator da OI 6/2001, o fato gerador do imposto é o transporte de bem, logo, se a coisa transportada não é um bem, então não ocorreria o fato gerador do imposto.

                   Duas objeções podem ser levantadas contra esse raciocínio simplista: em primeiro lugar, se estamos interpretando norma jurídica, o termo “bem” deve ser tomado no sentido jurídico e não no sentido econômico; em segundo lugar, o intérprete estaria dizendo que o legislador complementar estaria reduzindo a competência impositiva deferida aos Estados pelo Poder Constituinte Originário. Como falece ao legislador complementar competência para modificar o alcance de dispositivos constitucionais, em particular os que se referem à competência tributária, a interpretação conforme a Constituição é que “bem”, nesse contexto, deve ser entendida no sentido jurídico e não econômico.

                   “Bem” no sentido jurídico, ensina com maestria Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado. Tomo II, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 22), “é aproximativamente o de objeto de direito, mais amplo, pois, que o de coisa”. Prossegue o mesmo autor dizendo que (idem, p. 23):

                   “Para o conceito de coisa, ou de bem, ou de objeto de direito é sem relevância o conceito de valor. O que não tem valor pode ser objeto de direito, inclusive de direito das coisas (coisa em sentido estrito). A tese de ser res nullius a coisa sem valor tem de ser energicamente repelida. Há propriedade de coisas sem valor e, até, de valor negativo, pelo custo de as guardar (e.g., coleção de jornais velhos; direito de autor de telas, músicas, ou livros que não mereceriam ser editados e, de certo, ninguém os adquiriria; cartas, cartões, papéis de embrulho já utilizados; créditos contra insolventes)”.

                   A seu turno, leciona Clóvis Beviláqua, com a autoridade do autor do projeto do primeiro código civil brasileiro (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p. 269), que “para o direito, bens são os valores materiais ou imateriais, que servem de objeto a uma relação jurídica”.

                   Então, se alguém é contratado para transportar, ou melhor, para remover, lixo ou detritos ou qualquer coisa inservível, para o respectivo aterro sanitário ou industrial, esse lixo é o objeto de uma relação jurídica que se estabelece entre o contratante e o contratado, relação esta que consiste em uma obrigação de fazer: o contratado tem a obrigação de remover o lixo ou os detritos, depositando-os no aterro sanitário ou industrial e o contratante tem do direito subjetivo de exigir do contratado o seu cumprimento.

                   Se o contrato é celebrado tendo por objeto a remoção do lixo, então o lixo é o objeto do direito e, portanto, um “bem”, no sentido jurídico do termo.      

                   Ademais, o fato gerador do imposto é o transporte seja do que for e não do que tenha valor ou que tenha utilidade. A utilidade, no caso, seria o próprio transporte, removendo o lixo ou os detritos. Entender de outro modo, seria cercear o exercício da competência impositiva dos Estados em hipótese não prevista pelo constituinte.

 

3.5. Fatos geradores distintos e não comunicantes:

                   A teor do disposto no art. 2°, I e II, da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, são fatos geradores distintos:

                   a) operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; e

                   b) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores.

                   No primeiro caso, temos uma obrigação de dar; no segundo a obrigação é de fazer. Esses fatos são distintos e não se comunicam, de modo que um não implica no outro. Ou seja, o tratamento tributário do transporte é distinto do tratamento da coisa transportada. A prestação de serviço de transporte pode ser tributada e a coisa transportada não o ser. Ou a coisa transportada pode ser tributada e o transporte não o ser. Ou ainda, podem ser tributados, tanto a coisa quanto a prestação de serviço de transporte. Os seguintes exemplos ilustram as alternativas:

1° exemplo:

                   Seja A um atacadista que vende determinada quantidade de mercadorias para um seu cliente e contrata B para transportar a mercadoria até o estabelecimento do comprador. Nesse caso, incide o ICMS sobre a coisa transportada, por constituir operação de circulação de mercadoria. Também incide o ICMS sobre a prestação do serviço de transporte.

2° exemplo:

                   Seja A uma industria que contrata a empresa B para transportar uma máquina de sua propriedade até um estabelecimento filial da contratante. Apenas a prestação do serviço de transporte é tributado, já que a saída de bem do ativo imobilizado não se caracteriza como operação de circulação de mercadoria e, portanto, não é fato gerador do ICMS.

3° exemplo:

                   Seja A consumidor final que adquire mercadoria para seu uso e a transporta até seu estabelecimento com veículo próprio. Nesse caso, apenas a mercadoria sofre a incidência do ICMS, já que transporte de carga própria não sofre a incidência do imposto. O fato gerador do ICMS não é o transporte, mas a prestação do serviço de transporte, o que supõe um tomador e um prestador do serviço.

                   Em resumo, o tratamento tributário do transporte e o da respectiva carga não se comunicam. No caso presente, o lixo (por ser um inservível e não ser objeto de operação de circulação de mercadoria) não é tributado pelo ICMS, mas o transporte do lixo é tributado.

 

3.6. Exoneração tributária:

                   Dispõe o § 6° do art. 150 da Constituição Federal que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2°, XII, g”.

                   A referência in fine trata de exigência de convênio, celebrado no âmbito do Confaz, nos termos da Lei Complementar 24/1975, para a concessão de exoneração tributária do ICMS: “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções,incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

                   O Supremo Tribunal Federal têm reiteradamente decidido pela inconstitucionalidade de benefícios fiscais dados unilateralmente pelos Estados, sem respaldo em convênio. As seguinte decisões do Excelso Pretório ilustram a assertiva:                  

                   ADI 2345 / SC; (DJe-150 DIVULG 04-08-2011 PUBLIC 05-08-2011; EMENT VOL-02560-01 PP-00009; EPIOB v. 1, n. 18, 2011, p. 587-585)

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 11.393/2000, do Estado de Santa Catarina. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS. Benefícios fiscais. Cancelamento de notificações fiscais e devolução dos correspondentes valores recolhidos ao erário. Concessão. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada "guerra fiscal". Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra "g", da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ.

                   ADI 2688 / PR;   (DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011; EMENT VOL-02574-01 PP-00015)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. ISENÇÃO CONCEDIDA A TÍTULO DE AUXÍLIO-TRANSPORTE AOS INTEGRANTES DA POLÍCIA CIVIL E MILITAR EM ATIVIDADE OU INATIVIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONVÊNIO INTERESTADUAL. PERMISSÃO GENÉRICA AO EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.561/2002 DO ESTADO DO PARANÁ.

1. A concessão de benefício ou de incentivo fiscal relativo ao ICMS sem prévio convênio interestadual que os autorize viola o art. 155, § 2º, XII, g da Constituição.

2. Todos os critérios essenciais para a identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais prevista na Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

                   Pretender que a prestação de serviço de transporte de lixo, resíduos e outros inservíveis não sofrem a incidência do ICMS, com fundamento na Orientação Interna SEF/DIAT 6/2001, corresponde a dizer que foi instituída isenção do ICMS por orientação interna, ato administrativo que sequer é publicado, por se destinar exclusivamente ao público interno da Diretoria de Administração Fazendária.

                   Orientação interna não é lei e não é convênio, portanto, não é instrumento próprio para instituir isenção do ICMS.

                   Posto isto, responda-se à consulente:

                   a) incide ICMS sobre a prestação de serviço de transporte de lixo e outros resíduos até aterro sanitário ou industrial;

                   b) para a caracterização do fato gerador da prestação do serviço de transporte é irrelevante a natureza da carga, se é tributável ou não ou se é destituída de valor econômico;

                   c) o tratamento tributário da carga e o da prestação de serviço de transporte não se comunicam.

À superior consideração da Comissão.      

                   Copat, em Florianópolis, 25 de abril de 2012.

 

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

 

                   De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 14 de junho de 2012.

                   A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta desta consulta no prazo de trinta dias, contados de seu recebimento, a teor do art. 212, I, da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final do qual, se for o caso, o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios.

                   A resposta à presente consulta poderá, nos termos do art. 11 da Portaria SEF 226/2001, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

     Marise Beatriz Kempa                                                        Francisco de Assis Martins

       Secretária Executiva                                                             Presidente da Copat