CONSULTA               040/2012          

EMENTA:       ICMS. TRANSFERÊNCIA DE ESTABELECIMENTOS ENTRE EMPRESAS. CONTINUIDADE DA MESMA ATIVIDADE INDUSTRIAL (LAMINAÇÃO E METALURGIA DE COBRE). INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, MEDIANTE EMPREGO DA ANALOGIA.

1. Mantida a identidade do estabelecimento, poderá ser mantida a mesma inscrição estadual, os mesmos livros e os créditos escriturados;

2. Da mesma forma, deverá ser mantida a continuidade na emissão dos documentos fiscais, inclusive quanto à numeração seqüencial da NF-e;

3. Com a transferência do estabelecimento, acompanha o tratamento tributário diferenciado, concedido em função da atividade industrial especializada por ele desenvolvida, não podendo, em hipótese alguma, ser estendido a outro estabelecimento da mesma empresa – o regime especial somente acompanha o estabelecimento transferido se esse efeito for reconhecido pelo Fisco, após nálise criteriosa;

4. A empresa que recebeu o estabelecimento em transferência deve manifestar expressamente e por escrito a sua adesão aos termos em que concedido o regime especial e declarar que está ciente que o mesmo não se estende a outros estabelecimentos.

5. Os materiais de terceiros em poder do estabelecimento (industrialização por encomenda etc.) deverão ser devolvidos pela empresa sucessora, com menção no corpo da nota fiscal da empresa sucedida.

Disponibilizado na página da SEF em 29.06.12

 

01 - DA CONSULTA

                     Informa a consulente que pretende “segregar as atividades de laminação e metalurgia de cobre”, mediante transferência de seu estabelecimento neste Estado à Dracka Comteq Cabos Brasil S/A, com sede em São Paulo – aumento do capital da Dracka que será subscrito pela consulente e que integralizará o capital com o referido estabelecimento.

                   O estabelecimento filial em questão é beneficiário do Programa Pró-Emprego (Lei 13.992/2007).

                   Ambas as empresas envolvidas pertencem ao mesmo grupo econômico.

                   Considerando a continuidade das atividades do estabelecimento (laminação e metalurgia de cobre), alterando apenas a razão social e o número do CNPJ, levanta as seguintes questões junto a esta Comissão:

                   a) os benefícios fiscais concedidos (Programa Pró-Emprego) serão transferidos à nova empresa?

                   b) poderá ser mantida a mesma inscrição estadual?

                   c) poderá ser mantida continuidade na emissão de documentos fiscais (mesma numeração seqüencial da NF-e)?

                   d) como será feita a devolução do material de terceiros em poder do estabelecimento (industrialização por encomenda etc.)?

                   A consulta não foi informada pela Gerfe de origem.

 

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

                   CTN, arts. 108 e 132;

                   RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, anexo 5, art. 155

 

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

                   O Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966) trata de sucessão nos arts. 129 a 133. Assim, dispõe o art. 132 que “a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas”. Acrescenta o parágrafo único do mesmo artigo que o disposto neste artigo “aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual”.

                   No mesmo sentido, o art. 1.116 do Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) dispõe que a incorporadora sucede à incorporada em todos os direitos e obrigações.

                   Por sua vez, o art. 155 do Anexo 5 do RICMS-SC, diz que “nos casos de fusão, transformação ou incorporação, o novo titular do estabelecimento deverá transferir para o seu nome, mediante comunicação à Gerência Regional da Fazenda Estadual a que jurisdicionado, no prazo de 30 (trinta) dias da data da ocorrência, os livros fiscais em uso, assumindo a responsabilidade pela sua guarda, conservação e exibição ao fisco”.

                   O dispositivo citado assegura, pois, a continuidade da escrituração do estabelecimento e, por conseguinte, da documentação fiscal e dos créditos porventura existentes.

                   A legislação citada, contudo, trata especificamente de incorporação e, nesse último dispositivo de fusão e transformação. Não é o caso da consulta, em que apenas um estabelecimento passa de uma titularidade para outra, como integralização de capital. A legislação, nesse caso, é omissa.

                   O art. 108 do CTN trata de integração da legislação tributária, prevendo, entre outras técnicas, o emprego da analogia. O § 1º desse dispositivo acrescenta que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.

                   Mas, não é qualquer omissão da lei que justifica a integração da legislação. É preciso que a omissão se caracterize como lacuna: “a existência de uma ‘lacuna’ só é presumida quando a ausência de uma tal norma jurídica é considerada pelo órgão aplicador do Direito como indesejável do ponto de vista da política jurídica” (Hans Kelsen, teoria Pura do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 263). A lacuna é, portanto, uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico. Marco Aurélio Greco situa o problema da identificação das lacunas no direito da seguinte forma:

                   “O Direito existe para regular todas as condutas humanas, mas pode, em determinado momento, não ser completo; na relação entre norma e fato, podem existir momentos de incompletude (a regra é que a norma não preveja a totalidade da realidade com todas suas peculiaridades), mas o próprio ordenamento, porque não pode conviver com fatos não previstos, tende à completude. Em suma, ele não é completo, mas é completável, e o próprio ordenamento se encarrega de prever as regras para que se completem os vazios” (Planejamento Tributário, 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 176).

                   Então o postulado da completude do ordenamento jurídico não significa que ele preveja todos os casos possíveis, mas que o intérprete possa sempre encontrar uma solução para o caso debatido; o ordenamento deve ser completável. Norberto Bobbio, a seu turno, observa que “a completude é uma condição necessária para os ordenamentos em que valem estas duas regras: a) o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem a seu exame; e b) deve julgá-las com base em uma norma pertencente ao sistema” (Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis; Brasília: UnB, 1989, p. 118). O ordenamento jurídico-tributário brasileiro, por força do art. 108 do CTN, que dispõe sobre integração da legislação tributária, é, por conseguinte, completável.

                   A lacuna não se confunde com o silêncio eloqüente (“o que a lei quis, disse; o que não quis, guardou silêncio”). O conceito é explicado por Marco Aurélio Greco (op. cit. p. 184) nos seguintes termos:  

                   “Lacuna é a falta de previsão específica; o silêncio eloqüente é a previsão específica através de uma não previsão. O legislador ao não editar norma específica prevê que não está incluído. Dizendo de outra forma: a lacuna é a não previsão no sentido de falta de norma específica para a hipótese; o silêncio eloquente é o não querer que esteja previsto, no sentido de existir uma norma que determina que o caso não está alcançado. Não é meramente o não prever; silêncio eloqüente é uma não previsão que corresponde a uma vontade que o caso não esteja alcançado”.

                   “Deste ângulo, o silêncio do legislador tem o significado de vontade de não querer prever a hipótese; daí a figura do silêncio eloqüente. Silêncio eloqüente não se preenche porque “existe norma” deixando o caso fora da previsão. Lacuna é o vazio que demanda uma etapa ulterior de interpretação/aplicação a partir de um determinado critério”.

                   No caso presente, não parece que o “legislador tenha querido não prever a hipótese”, mas efetivamente trata-se de lacuna da legislação. O exame das condições para o emprego da analogia esclarecem melhor a questão.

                   Com efeito, a primeira das técnicas integrativas citadas pelo art. 108 do CTN é a analogia, entendendo-se por tal, “o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante” (N. Bobbio, op. cit. p. 151). Acrescenta o mesmo autor que não se trata de uma semelhança qualquer, mas de “uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências”.

                   Para Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª e. Rio de Janeiro: forense, 1988, pg. 208), “a semelhança se encontra em circunstâncias que se deve reconhecer como essencial, isto é, como aquela da qual dependem todas as conseqüências merecedoras de apreço na questão discutida; ou, por outra, se a circunstância comum aos dois casos, com as conseqüências que da mesma decorre, é a causa principal de todos efeitos”.

                   Já Limongi França entende que “a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis” (Hermenêutica Jurídica. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.45).

                   A ratio legis, tanto no caso do art. 132 do CTN, quanto do art. 155 do Anexo 5 do RICMS-SC, é a continuidade do mesmo negócio pelo sucessor. Na transformação, muda a constituição da sociedade, mas o negócio permanece o mesmo. Na incorporação, a incorporada se extingue, absorvida pela incorporadora. Na fusão, duas ou mais empresas se extinguem, para dar lugar a uma só empresa. Finalmente, na cisão, que não é nomeada expressamente pela legislação, mas que a jurisprudência reconhece o mesmo tratamento tributário, uma empresa se extingue, dando nascimento a duas ou mais empresas. Em todos esses casos, a legislação reconhece a continuidade do negócio.

                   No caso presente, embora não se trate propriamente de sucessão (ao menos nas modalidades de incorporação, transformação, fusão ou cisão), trata-se sem dúvida de uma continuidade do negócio. O estabelecimento transferido de uma empresa para outra permanecerá a operar na mesma atividade (laminação e metalurgia de cobre), inclusive dando continuidade à compromissos anteriormente assumidos, como a industrialização por encomenda.

                   O art. 150, II, da Constituição Federal veda instituir tratamento tributário desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Comenta Ives Gandra da Silva Martins (Direito Constitucional Tributário. 8. O Princípio da Igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, pp. 154-172, p. 166):

                   “‘Equivalente’ é um vocábulo de densidade ôntica mais abrangente do que ‘igual’. A igualdade exige absoluta consonância em todas as partes, o que não é da estrutura do princípio da equivalência”.

                   “Situações iguais na eqüipolência, mas diferentes na forma, não podem ser tratadas diversamente. A equivalência estende à similitude de situações a necessidade de tratamento igual pela política impositiva, afastando a tese de que os desiguais devem ser tratados, necessariamente, de forma desigual. Os desiguais, em situação de aproximação, devem ser tratados pelo princípio da equivalência, de forma igual em matéria tributária, visto que a igualdade absoluta, na equivalência não existe, mas apenas a igualdade na equiparação de elementos (peso, valor, etc.)”.

                   Nesse sentido, é perfeitamente aceitável o uso da técnica integrativa da analogia para aplicar no caso presente (transferência de estabelecimento) o mesmo tratamento dispensado pela legislação à incorporação (mutatis mutandis).

                   Resta saber se o mesmo raciocínio se aplica ao tratamento tributário diferenciado da Lei 13.992/2007 (Programa Pró-Emprego). O estabelecimento, conforme  Parecer 31/2008 – GGPPE, fora beneficiado com o tratamento previsto no Decreto 105/2007 (Regulamento do Programa Pró-Emprego), art. 8º, II, III e IV, § 6º, I e II, e § 11, II; art. 9º (exceto para energia elétrica) e § 1º; e art. 10.

                   Em situação semelhante, pedido de aproveitamento pela incorporadora do Pró-Emprego concedido à incorporada, esta Gerência manifestou-se contrariamente ao pleito (Informação Getri 8/2008), alegando que “a incorporação implica na extinção jurídica da empresa incorporada”, o que inviabilizaria qualquer aditamento ao regime especial concedido, que se aplica apenas à incorporada.

                   Ora, no caso presente não houve extinção de empresa, mas apenas a transferência do estabelecimento de uma empresa para outra. Como o regime especial foi concedido atendendo às condições daquele estabelecimento, mantida a mesma inscrição e os mesmos livros fiscais, depreende-se que o referido regime deve acompanhar o estabelecimento.

                   Deve ficar bem claro que o regime especial acompanha o estabelecimento apenas em razão da atividade industrial especializada por ele desenvolvida, não podendo, em hipótese alguma ser estendido a outro estabelecimento da mesma empresa. Assim, não é qualquer regime especial que acompanha o estabelecimento transferido. Esse efeito deve ser reconhecido apenas após criteriosa análise pelas autoridades fazendárias.

                   Pelo mesmo motivo, é recomendável que a empresa que recebeu o estabelecimento em transferência manifeste expressamente e por escrito a sua adesão aos termos em que concedido o regime especial e declare que está ciente que o mesmo não se estende a outros estabelecimentos.

                   Posto isto, responda-se à consulente:

                   a) mantida a identidade do estabelecimento, poderá ser mantida a mesma inscrição estadual, os mesmos livros e os créditos escriturados;

                   b) da mesma forma, deverá ser mantida a continuidade na emissão dos documentos fiscais, inclusive quanto à numeração seqüencial da NF-e;

                   c) com a transferência do estabelecimento, acompanha o tratamento tributário diferenciado, concedido em função das características do estabelecimento;

                   d) os materiais de terceiros em poder do estabelecimento (industrialização por encomenda etc.) deverão ser devolvidos pela empresa sucessora, com menção no corpo da nota fiscal da empresa sucedida.

À superior consideração da Comissão.      

                   Copat, em Florianópolis, 23 de maio de 2012.

 

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

 

                   De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 14 de junho de 2012.

                   A resposta à presente consulta poderá, nos termos do art. 11 da Portaria SEF 226/2001, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

     Marise Beatriz Kempa                                                          Francisco de Assis Martins

       Secretária Executiva                                                                 Presidente da Copat