CONSULTA:                  137/2011

EMENTA:       ICMS. CRÉDITO. NÃO SÃO DEDUTÍVEIS OS CRÉDITOS RELATIVOS ÀS AQUISIÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE NAS AQUISIÇÕES DE MERCADORIAS DE USO E CONSUMO, NAS REMESSAS DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS DO PROCESSO PRODUTIVO, NO TRANSPORTE DE FUNCIONÁRIOS RESIDENTES EM OUTROS MUNICÍPIOS E NAS VENDAS, NO MERCADO INTERNO, SOB CLÁUSULA CIF, DE PRODUTOS ISENTOS OU NÃO TRIBUTADOS.

NO QUE TANGE ÀS REMESSAS PARA INDUSTRIA-LIZAÇÃO, O TOMADOR DO SERVIÇO DE TRANSPORTE TEM DIREITO AO CRÉDITO RELATIVO AO SERVIÇO CONTRATADO.

Disponibilizado na página da SEF em 08.11.11

 

1 - DA CONSULTA

 

 

A empresa em epígrafe, qualificada nos autos deste processo, dedica-se à industrialização, fundição e comercialização de metais ferrosos e não ferrosos, à fabricação de peças e acessórios para veículos automotores, máquinas e equipamentos.

Na consecução de suas atividades, adquire matéria-prima, material de embalagem, materiais intermediários e de uso e consumo. Utiliza, ainda, serviços de transporte em operações internas e interestaduais que, segundo ela, integram o custo de seus produtos.

Com relação às aquisições de serviços de transporte, revela possuir dúvidas - quanto ao crédito de ICMS, na proporção das saídas tributadas - nos casos abaixo relacionados:

 

 

a)   Na aquisição de materiais para uso ou consumo?

b)   Na remessa de insumos para industrialização por encomenda?

c)   Na remessa de resíduos industriais do processo produtivo?

d)   Na venda no mercado interno, sob a cláusula CIF, de produtos isentos ou não tributados, na proporcionalidade das saídas tributadas do estabelecimento?

e)   No transporte de funcionários da produção de outros municípios?

 

Como os fatos geradores do ICMS-Mercadoria e do ICMS-Serviço são distintos, nada impede, por exemplo, que, embora os materiais de uso e consumo não dêem direito a crédito, o mesmo não ocorra com o serviço tomado para transportar tais materiais.

O raciocínio apresentado subsidia o entendimento da consulente de que tem direito aos créditos mencionados. É o que submete ao crivo desta Comissão.

Por fim, declara que:

 

a) Não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado, para apurar fatos que se relacionam com a matéria objeto da consulta.

b) Não está intimada a cumprir obrigação relativa ao fato objeto da consulta.

c) O fato nela exposto não foi objeto de decisão anterior, proferida em consulta ou litígio em que foi parte.

 

A autoridade fiscal ressalta a ausência de previsão legal para as situações aventadas pela interessada e atesta o cumprimento dos pressupostos de admissibilidade preconizados pela Portaria SEF nº 226/01.

É o relato.

 

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

 

 

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I e II;

Lei Complementar nº 87/96, arts. 19, 20 e 33;

Lei nº 10.297/96, arts. 21 a 30;

RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 28 e 29.

 

 

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

 

 

A Lei Maior prevê que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso I).

Reparemos, em primeiro lugar, que, apesar de incidir ICMS em cada uma das operações relativas à circulação de mercadorias ou prestação de serviços (é dito plurifásico, por incidir em cada etapa de comercialização), ele é, ao mesmo tempo, um imposto não cumulativo, de tal sorte que o valor a recolher será a diferença entre o imposto relativo à operação e o que incidiu nas operações anteriores. Esse imposto dedutível é que chamamos de crédito fiscal.

Paro neste ponto para chamar a atenção para a falta de rigor técnico relativo ao termo crédito fiscal. Crédito aqui, não significa que haja - no sentido obrigacional - um crédito do contribuinte contra o Estado. Em outros termos, não constitui um débito do Estado para com o contribuinte ou um dever de prestação patrimonial relativa ao imposto, mas um direito de dedução resultante de incidências anteriores, oponível aos valores a recolher supervenientes[1].

O crédito fiscal a que me referi nas linhas anteriores é o chamado crédito físico, previsto na Constituição Federal (art. 155, § 2º, I, proveniente da Emenda Constitucional nº 3/93), que é aquele em que só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que integrem fisicamente o produto industrializado a ser vendido, resultará em crédito a ser compensado com o imposto devido na saída desses bens.

Porém, todas as mercadorias e bens que são adquiridos por um estabelecimento, em última análise, prestam-se ao cumprimento de seu objeto social, independentemente de serem (ou não) consumidos em sua atividade principal. Ciente disso, o legislador complementar inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio da LC 87/96, o regime de créditos financeiros, em substituição ao de créditos físicos. De absoluta pertinência, transcrevo o escólio de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 143), quanto ao novo regime introduzido pela lei complementar:

 

 

Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa, é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.

 

O regime de créditos financeiros introduzido pela LC 87, entretanto, não entrou plenamente em vigor. No caso dos bens de uso e consumo, terá de ser observado o disposto em seu art. 33, I, que é taxativo: créditos, só a partir de janeiro de 2020 (LC 138/10)!

Mas, e quanto aos produtos intermediários de necessária aplicação nas diversas etapas do processo produtivo que, muito embora não se incorporem ao produto final, são imprescindíveis à atividade industrial da empresa?

Com relação à matéria, os Tribunais vêm decidindo que o crédito só será possível em relação aos materiais que se integrarem fisicamente ao produto ou que venham a ser integralmente consumidos no processo produtivo (Nesse sentido: STJ, Recurso Especial 235.324, SP, 2000; STJ, Recurso Especial 799.724, RJ, 2007; STJ, AgRg no R Esp 738.905, RJ, 2008).

A solução antecipada no parágrafo anterior, e que nos é imposta por assente jurisprudência, reclama algum desenvolvimento antes que seja aplicada ao caso específico ora analisado.

Se o direito ao crédito em análise diz respeito a produtos intermediários que se integram fisicamente ao produto final ou que sejam totalmente consumidos em seu processo fabril, então só poderemos admiti-lo no estrito âmbito do setor produtivo da empresa industrial. É o primeiro ponto.

Em segundo lugar, é sensato concluir que o que permeou as decisões dos Tribunais, no que concerne aos materiais intermediários, foi, ainda, o regime de “créditos físicos” (que, análise última, tem supedâneo no conceito contábil de custo de produção). Nem poderia ocorrer de outra forma, já que há impedimento legal para o aproveitamento dos créditos financeiros (contabilmente, considerados como despesas).

Mas se é assim, os créditos fiscais advindos do serviço contratado para transportar materiais de uso e consumo adquiridos não podem ser admitidos como pretende a consulente, simplesmente porque sua natureza é de despesa, e não de custo. A propósito, eis o motivo para que haja previsão legal, por exemplo, para o crédito relativo ao serviço contratado para transportar matéria-prima.

Observemos que tal corolário não é apenas evidente, mas preliminar, pois tais aquisições não pertencem ao universo de situações passíveis de gerarem crédito nos termos legais atualmente admitidos.

Podemos, então, discernir os casos cuja análise do direito pleiteado independe do mérito, pois não sobrevive à preliminar apresentada acima. Tais situações, expostas à crítica pela consulente, dizem respeito às aquisições de serviços de transporte na aquisição de materiais para uso e consumo, na remessa de resíduos industriais do processo produtivo e de funcionários residentes em outros municípios.

De tal sorte, remanescem, das perquirições apresentadas, os créditos relativos às aquisições de serviços de transporte, nas remessas de insumos para industrialização por encomenda (item b) e nas vendas no mercado interno, sob cláusula CIF, de produtos isentos ou não tributados, na proporcionalidade das saídas tributadas do estabelecimento (item d).

Começando pelo último, assinalei parágrafos atrás que crédito fiscal é um direito de dedução resultante de incidências anteriores, oponível aos valores de imposto a recolher supervenientes. Não é o caso, o imposto relativo ao frete não se refere a operações anteriores, mas à própria operação praticada pela consulente, ou seja, esse imposto, sob o ponto de vista da consulente, constitui um débito (obrigação tributária), e não um crédito (direito de dedução).

Já, quanto às remessas para industrialização, em que a consulente for a tomadora do serviço de transporte, a situação é análoga a do direito ao crédito relativo a serviço de transporte na aquisição de matérias-primas, pois resta incólume idéia de custo de produção.

Pelo exposto, há subsídios suficientes para que se responda à consulente que não há possibilidade de apropriação dos créditos relativos às aquisições de serviço de transporte: 1) nas aquisições de materiais de uso e consumo; 2) nas remessas de resíduos industriais do processo produtivo; 3) no transporte de funcionários residentes em outros municípios; 4) nas vendas, no mercado interno, sob cláusula CIF, de produtos isentos ou não tributados, na proporcionalidade das saídas tributadas do estabelecimento. No que tange às remessas para industrialização, em que for a tomadora do serviço de transporte, há direito ao crédito relativo ao imposto cobrado no serviço de transporte contratado.

 

À crítica desta Comissão.

 

COPAT, 17 de outubro de de 2011.

 

 

Nilson Ricardo de Macedo

AFRE IV - matr. 344.181-4

 

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 27 de outubro de 2011, ressalvando-se, a teor do disposto no art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule entendimento diverso.

 

 

Marise Beatriz Kempa                                   Francisco de Assis Martins

Secretária Executiva                                 Presidente da Copat



[1] A rigor, não necessariamente supervenientes, pois, muito embora a Lei Maior (art. 155, § 2º, inciso I) pressuponha uma ordem cronológica ao referir-se a não cumulatividade, não é o que acontece na realidade, porque o cumprimento da seqüência temporal - compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores - é absolutamente inexeqüível operacionalmente.