CONSULTA:                  105/2011

EMENTA:       ICMS. CRÉDITO DO ATIVO PERMANENTE. ENTENDE-SE COMO “TOTAL DAS SAÍDAS DO PERÍODO” (RICMS/SC, ART. 39, § 1º) AS QUE SE AFIGUREM OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS.

DOE de 22.09.11

 

1 - DA CONSULTA

 

A empresa têxtil acima, para a consecução de sua atividade produtiva, realiza aquisições de máquinas, equipamentos, partes e peças para seu ativo imobilizado.

Em face disso, perquire se, para fins de apuração dos valores das operações de saídas e prestações do período, a que se refere o § 1º do art. 39 do RICMS/SC, devem ser considerados os valores de saídas que afiguram, “caráter provisório”, isto é, que não transferem a titularidade e não reduzem estoques? Como exemplo, a consulente menciona as remessas para conserto e remessas para industrialização que constituem simples deslocamento físico, sem implicações de ordem patrimonial.

A autoridade fiscal local, em atenção ao disposto no art. 152-B, § 2º, II, do RNGDT/SC, não encontrou impedimento para que o pedido de consulta seja analisado.

É o relato.

 

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

 

 

RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 39, § 1º.

 

 

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

 

A Lei Maior prevê que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso I).

Reparemos, em primeiro lugar, que, muito embora em cada uma das operações relativas à circulação de mercadorias ou prestação de serviços incida ICMS (é dito plurifásico, por incidir em cada etapa de comercialização), ele é, ao mesmo tempo, um tributo não cumulativo, de modo que o valor a recolher será a diferença entre o imposto relativo à operação e o que incidiu nas operações anteriores. Esse imposto dedutível é que chamamos de crédito fiscal.

Mas crédito aqui, não significa que haja - no sentido obrigacional - um crédito do contribuinte contra o Estado. Em outros termos, não constitui um débito do Estado para com o contribuinte ou um dever de prestação patrimonial relativa ao imposto, mas um direito de dedução resultante de incidências anteriores, oponível aos valores a recolher supervenientes.

O crédito fiscal a que me referi nas linhas anteriores é o chamado crédito físico, previsto na Constituição Federal (art. 155, § 2º, I, proveniente da Emenda Constitucional nº 3/93), que é aquele em que só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que integrem fisicamente o produto industrializado a ser vendido, resultará em crédito a ser compensado com o imposto devido na saída desses bens.

Porém, todas as mercadorias e bens que são adquiridos por um estabelecimento, em última análise, prestam-se ao cumprimento de seu objeto social, independentemente de serem, ou não, consumidos em sua atividade principal. Ciente disso, o legislador complementar inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio da LC 87/96, o regime de créditos financeiros, em substituição ao de créditos físicos. De absoluta pertinência, transcrevo o escólio de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 143), quanto ao novo regime introduzido pela lei complementar:

Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa, é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.

 

O regime de créditos financeiros introduzido pela LC 87, entretanto, não entrou plenamente em vigor. No caso dos bens de uso e consumo, por exemplo, terá de ser observado o disposto em seu art. 33, I, que é taxativo: créditos, só a partir de janeiro de 2020 (LC 138/10)! (Avançando um pouco mais, os Tribunais, em relação aos produtos intermediários de necessária aplicação nas diversas etapas do processo produtivo, já vêm decidindo que o crédito só será possível em relação aos materiais que se integrarem fisicamente ao produto ou que venham a ser integralmente consumidos no processo produtivo. Nesse sentido: STJ, Recurso Especial 235.324, SP, 2000; STJ, Recurso Especial 799.724, RJ, 2007; STJ, AgRg no R Esp 738.905, RJ, 2008).

O objeto da presente consulta - o aproveitamento dos créditos relativos a bens do ativo permanente, levada a termo pela LC 102/00, que alterou a LC 87/96, inserindo-lhe no art. 20, o parágrafo § 5º - constitui hipótese, legalmente prevista, de apropriação de créditos financeiros, cuja metodologia de cálculo (contemplada em nossa legislação pelo já referido § 1º do art. 39), à luz do que foi dito, visa a impedir que o estabelecimento arque com o imposto referente às etapas anteriores relativas aos bens adquiridos pelo estabelecimento e destinados ao seu ativo imobilizado. Antes de seguirmos com o raciocínio, vejamos o teor do § 1º do art. 39:

 

Art. 39. Na hipótese do art. 37, §§ 2º e 3º, a apropriação dos créditos relativos a bens do ativo permanente (Lei Complementar nº 102/00):

(...)

§ 1º Para a aplicação do disposto nos incisos I e II do “caput”, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das saídas e prestações tributadas e o total das saídas e prestações do período, observado o seguinte:

(...)

(não há grifo no original)

 

A necessária proporcionalidade entre as operações/prestações tributadas em relação ao total das operações/prestações praticadas no período fica evidente. Assim como também está evidente (à exceção, obviamente, das hipóteses de manutenção do crédito legalmente previstas) que o direito ao crédito fica condicionado à posterior saída tributada da mercadoria/prestação. Noutros termos, o crédito de um quarenta e oito avos só será permitido na mesma proporção que a existente entre o total das saídas tributadas e as saídas totais em cada período. Assim, se as vendas tributadas representarem 50% das vendas totais, somente metade do crédito relativo ao período será havido (1/48 x 0,5).

Mas se é assim, o mecanismo só fará sentido se a expressão grifada disser respeito (no caso da consulente) a operações tributadas de circulação de mercadorias. Nas situações aventadas pela consulente - remessas para conserto e remessas para industrialização -, não há deslocamento de bens em direção ao consumo (uma movimentação econômica, quero dizer), que justifique sua inserção no “total das saídas do período”, porque não temos operações de circulação de mercadorias.

A expressão “operações de circulação” utilizada no parágrafo anterior reclama algum desenvolvimento. É o que faço a seguir.

O vínculo obrigacional equivalente ao conceito de tributo nasce da ocorrência do fato imponível, sendo este o evento ocorrido no tempo e no espaço que, por corresponder rigorosamente a uma hipótese legal previamente formulada, e por ter sido formalizado, faz surgir a obrigação tributária.

O fato imponível é um fato juridicamente relevante a que a lei atribui a conseqüência de determinar o surgimento do vínculo obrigacional tributário. Esse fato relevante, no caso em análise, é a circulação de mercadorias.

Segundo a Constituição, o ICMS incide sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (art. 155, II).

Pela ampla abrangência dada ao imposto pela Magna Carta, podemos concluir que tantas quantas forem as situações por intermédio das quais se promova a circulação de mercadorias, ressalvadas, obviamente, as exceções legais, teremos incidência de ICMS.

O caminho que se impõe à mercadoria, numa seqüência de transmissões sucessivas entre uma pessoa e outra, impulsionando-a em direção ao seu consumo, é que chamamos de circulação.

Isso equivale afirmar que qualquer negócio correspondente a uma etapa do circuito que ela percorre da produção até o consumo constituirá situação potencial de incidência do imposto (não é o caso das remessas para conserto ou industrialização).

Nesse sentido, é o magistério de Hugo de Brito Machado para quem “circulação quer dizer, aqui, movimentação econômica. A marcha que as coisas realizam desde a fonte de produção até o consumo” (Aspectos Fundamentais do ICMS, 2. ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 27).

Os elementos já são suficientes para que se responda à consulente que, no total das saídas e prestações do período, a que se reporta o § 1º do art. 39 do RICMS/SC, não devem constar as remessas para conserto, remessas para industrialização ou quaisquer saídas que não se afigurem como operações de circulação.

 

À crítica desta Comissão.

 

COPAT, 21 de julho de 2011.

 

Nilson Ricardo de Macedo

AFRE IV - matr. 344.181-4

 

 

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 28 de julho de 2011, ressalvando-se, a teor do disposto no art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule entendimento diverso.

 

 

Marise Beatriz Kempa                                   Carlos Roberto Molim

Secretária Executiva                                 Presidente da Copat