CONSULTA N°  023/2010

EMENTA: ICMS. IMPORTAÇÃO DE SÊMEN DE PAÍS MEMBRO DO GATT. RECIPROCIDADE DE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO POR FORÇA DE TRATADO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

ISENÇÃO NA IMPORTAÇÃO, POR CONTRIBUINTE CATARINENSE, DE SÊMEN BOVINO DO CANADÁ, MESMO SE A ENTRADA FÍSICA DA MERCADORIA NO TERRITÓRIO NACIONAL SE DER POR OUTRO ESTADO.

01 - DA CONSULTA

Informa a consulente que importa e comercializa sêmen bovino originário do Canadá, acondicionado em botijões com nitrogênio. Indaga a esta Comissão:

a) A importação de sêmen bovino do Canadá, país signatário do GATT/OMC, está ao abrigo da isenção estabelecida no Acordo multilateral de Comércio do qual o Brasil é signatário?

b) Essa isenção alcança as importações realizadas por portos marítimos ou fronteiras secas localizados em outros Estados?

A informação fiscal a fls. 22-24 analisou os requisitos de admissibilidade da Consulta, conforme Portaria SEF 226/01. No mérito, ressalta que o tratamento de mercadoria importada de países membros da Organização Mundial de Comércio – OMC – já foi analisado por esta Comissão, relacionando as respostas a consultas que tratam da matéria.

No mesmo sentido foi a manifestação do Gescomex, a fls. 26-28, que transcreveu parte da resposta desta Comissão à Consulta 01/97.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei 5.172, de 25  de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), art. 98;

Súmula STF n° 575;

Convênio ICMS 70/92, cláusula primeira;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 2°, V,  “a”.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A matéria já foi apreciada por esta Comissão que emitiu a Resolução Normativa n° 28, do seguinte teor (DOE de 27-4-99):

ICMS. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO NA IMPORTAÇÃO DE PEIXE E FILÉ DE PEIXE, CONGELADOS,  DE PAÍSES MEMBROS DO MERCOSUL  OU ALALC. OS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS APROVADOS PELO CONGRESSO NACIONAL E PROMULGADOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PREVALECEM SOBRE A LEGISLAÇÃO INTERNA. TRATAMENTO ISONÔMICO ÀS MERCADORIAS NACIONAIS, IN CASU, ISENÇÃO, OBSERVADO AS EXCEÇÕES CONSTANTES NO DISPOSITIVO ISENTIVO. ICMS – IMPORTAÇÃO

Com efeito, dispõe o art. 98 do CTN que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. É o caso dos tratados de que o Brasil é signatário que contenham cláusula de reciprocidade de tratamento tributário. Nesse caso, ao produto importado fica assegurado o mesmo tratamento tributário dado ao similar nacional. Esse entendimento foi albergado pelo Supremo Tribunal Federal que editou a Súmula 575, do seguinte teor:

“Súmula STF n° 575: À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadoria concedida a similar nacional”.

A Organização Mundial de Comércio (OMC) foi criada em 1995 com os objetivos declarados de criar um sistema de comércio não discriminatório em que cada país recebesse garantias de que suas exportações seriam tratadas consistentemente em outros mercados. O ato final da Rodada Uruguai (negociações multilaterais que alterou a carta do GATT), que resultou na criação da OMC, foi referendado no plano interno pelo Decreto 1.355/94. Conforme pondera Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional do Brasil, 1994):

“Com efeito, se o Estado Brasileiro assegura, ao nível constitucional, a vigência de direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais em que seja parte (§ 2° do artigo 5° da Constituição Federal), isso significa que ele próprio tem o dever de conformar a sua ordem interna com o direito internacional convencional, não podendo, assim, emitir leis infraconstitucionais contrárias às normas daquele. Dito de outro modo: o Estado brasileiro não quis deixar na disponibilidade do legislador ordinário a vigência de normas de origem não unilateral.”

“Daqui decorrem duas conclusões: (a) a de que o Direito Internacional convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; e (b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna.”

No mesmo sentido converge a jurisprudência de ambas as turmas que compõe a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, conforme jurisprudência colacionada:

Primeira Turma, REsp 666.894 RS, Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 3 de outubro de 2006 (DJ 04.12.2006 p. 264):

TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE LEITE DO URUGUAI. ISENÇÃO DE ICMS CONCEDIDA POR LEI ESTADUAL AO SIMILAR NACIONAL. TRATAMENTO NÃO MENOS FAVORECIDO EXTENSÍVEL AO PRODUTO IMPORTADO. ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT.

1. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT (art. III da Parte II) assegura aos produtos originários de qualquer Parte Contratante um tratamento não menos favorecido que o concedido a produtos similares de origem nacional do país importador. A garantia diz respeito não apenas ao regime fiscal previsto na legislação federal, mas abrange também, no âmbito da respectiva unidade federativa, as hipóteses em que o similar nacional é favorecido por isenção concedida por lei estadual.

2. Considerando que a Lei n.º 8.820/89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908/96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, tal benefício se estende ao produto similar importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação. Precedentes: REsp 480.563/RS, Min. Luiz Fux, 1ª T., DJ 03.10.2005; AgRg no Ag 543.968/RS, Min. Franciulli Netto, 2ª T., DJ 07.04.2006.

3. Recurso especial a que se dá provimento.

Primeira Turma: REsp 480.563 RS, Ministro Luiz Fux, Julgamento: 6 de setembro de 2005 (DJ 03.10.2005 p. 121; RDDT vol. 123 p. 222).

TRIBUTÁRIO. ICMS. ISENÇÃO. IMPORTAÇÃO DE LEITE DE PAÍS MEMBRO DE TRATADO FIRMADO COM O MERCOSUL. POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL ISENCIONAL.

1. Pacto de tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com "isenção de impostos, taxas e outros gravames internos" (art. 7º, do Decreto n.º 350/91, que deu validade ao Tratado do Mercosul).

2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para fazê-la.

3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que "Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional.  Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los.  Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força." (AgRg no AG n.º 438.449/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003)

4. O Tratado do Mercosul, consoante o disposto no art. 7º, do Decreto n.º 350/91,  estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos produtos oriundos dos Estados-Membros em matéria tributária  e não limita que referido tratamento igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União.

5. Deveras, a Súmula n.º 71/STJ ("O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM") confirma a possibilidade de, em sede de Tratado Internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional.

6. A Lei n.º 8.820/89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908/96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.

7. Decisão em consonância com a doutrina do tema encontradiça in "Tributação no Mercosul", RT, págs. 67/69.

8. Recurso Especial provido.

Segunda Turma: REsp 709.216 MG, Ministro Franciulli Netto, julgado em 22 de fevereiro de 2005 (DJ 09.05.2005 p. 379).

RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. ICMS.  PAÍS SIGNATÁRIO DO GATT. ISENÇÃO. BACALHAU.ESTADO DE MINAS GERAIS. CONVÊNIO N. 29/87. REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO. NÃO-APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 71/STJ.

Ausência de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez que não há nos autos qualquer omissão, contradição ou obscuridade, pois o egrégio Tribunal a quo apreciou toda a matéria recursal devolvida.

O Convênio ICM n. 29, de 18.08.87, firmado pelo Estado de Minas Gerais e outros Estados, revogou expressamente a isenção concedida às saídas de pescados pelo Convênio de Porto Alegre. Na seqüência, o Estado de Minas Gerais editou o Decreto n. 27.281, de 27.08.87, que ratificou o Convênio ICM n. 29/87, para revogar a isenção concedida ao pescado.

Os convênios têm natureza meramente autorizativa. Assim, como os Estados e o Distrito Federal têm liberdade para conceder ou não a isenção do ICMS para o pescado seco ou salgado, os convênios posteriores que voltaram a conceder isenção ao pescado aplicam-se apenas àqueles Estados que, de forma expressa, ratificaram tais convênios, o que não ocorreu no Estado de Minas Gerais.

Dessa forma, não se aplica à hipótese dos autos a Súmula n. 71 desta Corte, pois o Estado de Minas Gerais revogou expressamente a isenção do ICMS ao peixe seco e salgado nacional e o bacalhau importado do país signatário do GATT é isento do referido imposto apenas nos Estados em que o similar nacional é contemplado com a isenção.

Precedentes.

Recurso especial provido.

As isenções em matéria de ICMS dependem da celebração de convênios entre as unidades da Federação (CF, art. 155, § 2°, XII, “g”), na forma prescrita pela Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975. A Cláusula Primeira do Convênio ICMS 70/92 autoriza a isenção de sêmen de bovino, nas operações internas e interestaduais, regra esta que foi incorporada à legislação catarinense no art. 2°, V, “a”, do Anexo 2 do Regulamento do ICMS.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) a importação de sêmen bovino do Canadá (país signatário do acordo do GATT/OMC), tem o mesmo tratamento das operações internas (isenção), por força da cláusula de reciprocidade de tratamento tributário;

b) aplica-se a isenção, mesmo no caso da entrada física da mercadoria no território nacional se der por outro Estado, relativa a importação realizada por contribuinte catarinense.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 22 de abril de 2010.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia  29 de abril de 2010.

Alda Rosa da Rocha                                                          Edson Fernandes Santos

Secretária Executiva                                                          Presidente da Copat