CONSULTA Nº 015/09

EMENTA:ICMS. MERCADORIA SUJEITA À SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA CUJO TRANSPORTE FOI CONTRATADO PELO SUBSTITUÍDO QUE SOFRE A REPERCUSSÃO FINANCEIRA DO IMPOSTO. DIREITO DO SUBSTITUÍDO CREDITAR-SE DO IMPOSTO RELATIVO AO FRETE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE QUE NÃO PODE SER AFASTADO POR LEGISLAÇÃO DE INFERIOR HIERARQUIA.

D.O.E. de 24.09.09

01 - DA CONSULTA.

A consulente, identificada como “posto de gasolina”, estabelecido neste Estado, informa que contrata o transporte do combustível desde a distribuidora.

Isto posto, indaga se pode se creditar do imposto destacado no CRTC, mesmo que o frete seja relativo à compra de combustível – mercadoria sujeita à substituição tributária –, para compensar débitos do imposto relativos a saída de mercadorias não sujeitas ao referido regime.

Invoca, como dispositivo objeto da consulta, o art. 34, II, do RICMS-SC/01.

A informação fiscal a fls. 5-6 manifesta-se favoravelmente ao entendimento da consulente, observando o seguinte:

“No caso em tela, a consulente não se reveste da condição de substituto, mas sim de substituído. Assim, é totalmente irrelevante que os créditos sejam derivados de prestação de serviço de transporte de mercadorias sujeitas à substituição tributária para que sejam usados na compensação com débitos derivados das saídas de outras mercadorias. Resta-lhe pois, assegurado o direito constitucional à não-cumulatividade por período, com ampla fungibilidade dos créditos e débitos respectivamente”.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Constituição Federal, art. 155, § 2°, I;

Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, arts. 21 e 22;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 28, 29 e 31; Anexo 3, arts. 154 e 155;

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

A autoridade fiscal tratou adequadamente a matéria em suas informações.

Com efeito, a substituição tributária constitui modalidade de sujeição passiva indireta em que a lei atribui expressamente a responsabilidade pela satisfação do crédito tributário “a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação” (CTN, art. 128).

A Lei Complementar federal 87, de 13 de setembro de 1996, art. 6°, § 1°, prevê a instituição de substituição tributária do ICMS em relação a operações ou prestações (i) antecedentes, (ii) concomitantes e (iii) subseqüentes. Neste último caso, o contribuinte substituto estará recolhendo antecipadamente o tributo relativo aos fatos geradores futuros até a venda da mercadoria ao consumidor final (fato gerador presumido). Por conseguinte, não será devido imposto, nem haverá direito a crédito, relativamente às operações futuras.

A base de cálculo da retenção do imposto devido por substituição tributária, por sua vez, deverá ser o valor da operação terminativa da circulação da mercadoria, ou seja, a operação com o consumidor final. Como por ocasião do recolhimento o valor da última operação não é conhecido (recolhimento antecipado), a base de cálculo deve, necessariamente, ser estimada ou arbitrada. O Anexo 3 do RICMS-SC define a base de cálculo da substituição tributária nos seguintes termos:

Art. 154. A base de cálculo do imposto a ser retido é o preço máximo ou único de venda a consumidor fixado por autoridade competente.

Art. 155. Na falta do preço a que se refere o art. 154, a base de cálculo será o montante formado pelo preço estabelecido por autoridade competente para o remetente, ou, em caso de inexistência deste, pelo valor da operação acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, tributos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, adicionados, ainda, em ambos os casos, do valor resultante da aplicação dos percentuais de margem de valor agregado divulgados em Ato Cotepe/MVA publicado no Diário Oficial da União.

Por outro lado, o ICMS é imposto do tipo plurifásico não-cumulativo. Ou seja, incide em todas as fases do ciclo de comercialização da mercadoria, mas de modo que, em cada fase, seja possível abater o imposto que onerou a mercadoria em fases anteriores. A não-cumulatividade radica na Constituição da República que dispõe em seu artigo 155, § 2°, I: “o imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadoria ou prestação de serviço com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

A substituição tributária “para a frente” exige antecipadamente todo o imposto devido nas fases de comercialização futuras. Por esta razão, não será devido qualquer outro valor a título de ICMS, até a venda a consumidor final. Pela mesma razão, os contribuintes substituídos não poderão apropriar qualquer valor a título de crédito do ICMS.

Porém, a substituição tributária, embora autorizada pela Constituição, tem origem em diplomas infraconstitucionais (LC 87/96, leis estaduais e convênios Confaz). Assim, não tem o condão de afastar a aplicação de preceito constitucional como é o caso da não-cumulatividade.

No caso em tela, a consulente adquire combustível de distribuidora, com o ICMS retido por substituição tributária. Ela não está obrigada ao recolhimento de qualquer parcela a título de ICMS, pois que todo o imposto foi recolhido antecipadamente na origem. Como corolário, resulta a regra do art. 34, II, do RICMS que veda o crédito nas entradas de mercadorias ou utilização de serviços, “com imposto retido na origem em regime de substituição tributária”. A vedação, ressalte-se, é apenas quanto à utilização como crédito do imposto retido pelo substituto tributário. A ressalva contida no art. 22 do Anexo 3 elucida melhor a que se refere o crédito. Com efeito, a legislação permite expressamente que o substituído se credite “do imposto retido por substituição tributária e do correspondente à operação própria do substituto” nos seguintes casos:

a) emprego como matéria-prima etc. cujo produto resultante for tributado (evitar que o produto seja onerado em duplicidade);

b) emprego como insumo na agorpecuária;

c) exportação para o exterior do País;

d) integração ao ativo permanente;

e) uso e consumo de estabelecimento exportador;

f) utilização na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal;

g) das mercadorias em estoque no estabelecimento do substituído quando da exclusão da mercadoria do referido regime (Anexo 3, art. 35, II, “b”).

À evidência, a proibição de apropriar-se do crédito refere-se exclusivamente ao imposto retido pelo substituto, com encerramento da tributação. As exceções são somente as previstas pelo art. 22.

Justamente porque a retenção antecipada do imposto pelo substituto tributário encerra a tributação, a regra do art. 34, II, do RICMS não conflita com a garantia constitucional da não-cumulatividade, prevista no art. 155, § 2°, I, da Constituição: o imposto pago constitui crédito para compensar o imposto devido na operação subseqüente. A exceção é a do inciso II, “b” do mesmo dispositivo, segundo o qual  “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Ou seja, se não tem imposto a pagar, também não poderá apropriar qualquer parcela do imposto que onerou a mercadoria em fases anteriores. O direito ao crédito, no direito tributário brasileiro, somente existe em razão do débito. Se não há débito, não há crédito.

A vexata questio, entretanto, refere-se ao imposto relativo a prestação de serviço de transporte, contratado pelo substituto. O contratante pode creditar-se deste imposto? Note-se que o contratante é contribuinte substituído da mercadoria transportada.

Ora, a saída do combustível promovida pelo substituído é tributada, embora o imposto correspondente seja recolhido antecipadamente pelo substituto. Portanto, não se aplica ao caso, a vedação de que trata o art. 155, § 2°, II, “b”, da Constituição Federal.

Por outro lado, o ICMS relativo ao frete repercute sobre o contribuinte substituído, que arca com o ônus tributário, por ser o contratante do serviço: ele é quem paga o frete, onde está incluído o ICMS.

No entanto, se o frete tivesse sido contratado pelo substituto, o crédito seria deste último e estaria compreendido no imposto retido. O imposto relativo ao frete, neste caso, seria recuperado pelo contribuinte substituto, sob a forma de crédito usado para compensar o imposto próprio do substituto.

A substituição tributária “para a frente” consiste na técnica de arrecadação de obrigar o fornecedor (substituto) a recolher o imposto devido pelo substituído, em sua operação com o consumidor final – encerramento do ciclo de comercialização da mercadoria. Assim sendo, o regime de substituição tributária deve conduzir ao mesmo resultado que o regime “normal”, por tal entendendo-se o regime em que o imposto seja apurado em cada fase do ciclo de comercialização. Para que seja verdadeira a afirmativa, devemos supor que a base de cálculo estimada coincida com o valor praticado pelo substituído na operação com o consumidor final.

Adotadas as premissas acima, examinemos como seriam as operações envolvidas sem substituição tributária.  Neste caso, o fornecedor recolhe apenas o imposto relativo à própria operação. A consulente também calcula o imposto por ela devido, aplicando a alíquota sobre o seu preço de venda. O transportador, por sua vez, recolhe o ICMS correspondente ao frete. O imposto a recolher pela consulente, observada a regra da não-cumulatividade, será a diferença obtida entre o imposto por ela debitado e o imposto recolhido tanto pelo fornecedor como pelo transportador, já que a consulente foi a contratante do transporte. À evidência, a soma do ICMS recolhido pela consulente, pelo fornecedor e pelo transportador deverá ser igual ao resultado obtido pela aplicação da alíquota sobre o valor da operação realizada pela consulente. Esta é uma decorrência necessária da técnica da não-cumulatividade.

No mesmo caso, mas sujeita a mercadoria ao regime de substituição tributária, o fornecedor, na condição de substituto tributário, recolhe o imposto sobre base de cálculo estimada (= preço da venda a consumidor final). O contribuinte substituído recebe a mercadoria com retenção do imposto na origem, com tributação encerrada. Por isso, não será devido imposto relativo à operação que realizar com o consumidor final, por já ter sido recolhido por substituição tributária. Pelo mesmo motivo, não poderá se creditar de nenhuma parcela do imposto retido. Entretanto, o transporte da mercadoria foi contratado pelo substituído que sofre a repercussão do tributo relativo ao transporte, pois este vem embutido no próprio frete. Assim temos um recolhimento, relativo à comercialização da mercadoria, efetuado pelo fornecedor (substituto) e outro recolhimento, relativo ao frete, efetuado pelo transportador, mas com repercussão sobre o substituído que foi o contratante do transporte. A soma dos recolhimentos excede o resultado da aplicação da alíquota sobre o valor da venda a consumidor final o que demonstra que o princípio da não-cumulatividade não está sendo observado.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) a vedação do art. 34, II, refere-se apenas ao imposto retido por substituição tributária;

b) o crédito do ICMS é uma garantia constitucional (art. 155, § 2°, I) que não pode ser afastada por regras de inferior hierarquia;

c) o contribuinte substituído tem o direito de aproveitar como crédito o imposto relativo à prestação de serviço de transporte por ele contratado.

À superior consideração da Comissão. 

Copat, Florianópolis, 28 de janeiro de 2009.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 5 de março de 2009.

Alda Rosa da Rocha                                                      Renato Vargas Proux

Secretária Executiva                                                      Presidente da Copat