CONSULTA N°: 073/2008          

EMENTA: ICMS. CÁLCULO DO VALOR ADICIONADO. A TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO TITULAR (INDETERMINAÇÃO DO VALOR DA OPERAÇÃO) DEVE OBSERVAR O DISPOSTO NO ART. 15 DA LEI Nº 10.297/96.

EM QUALQUER HIPÓTESE, O VALOR DA TRANSFERÊNCIA NÃO PODE SER INFERIOR AO DA ENTRADA DA MESMA MERCADORIA NO ESTABELECIMENTO.

PARA FINS DE DECLARAÇÃO PARA CÁLCULO DO VALOR ADICIONADO, DEVE SER OBSERVADA A REGRA PELA QUAL O IMPOSTO INTEGRA SUA PRÓPRIA BASE DE CÁLCULO.

DOE de 16.12.08

01 - DA CONSULTA

                   A Prefeitura Municipal em epígrafe formula consulta, com supedâneo no inciso I do parágrafo único do art. 209 da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, sobre procedimento de empresa estabelecida em seu território: cuida-se de fabricação de alimentos para animais cujo produto é transferido para outros Municípios a preço de custo.

                   Informa a consulente que as mercadorias adquiridas são contabilizadas pelo valor líquido do ICMS que é contabilizado como “ICMS a recuperar”. A transferência é feita pelo valor contábil que acrescido dos insumos utilizados é inferior ao preço de entrada, resultando em valor adicionado negativo.

 

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

                   Lei Complementar 63, de 28 de dezembro de 1989, art. 3°, § 1°;

                   Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 12, I, e 13;   

                   Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, arts. 209, parágrafo único, I, e 212;

                   Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 11, I;

                        RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 9° a 25; Anexo 5, arts. 156, 158, 166, I, 168, I, e 176.

 

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

                   A formulação de consulta à Administração Tributária sobre interpretação e aplicação de dispositivo da legislação tributária é prerrogativa do sujeito passivo tributário, com supedâneo no direito de petição, agasalhado pelo art. 5°, XXXIV, “a”, da Constituição Federal.

                   O inciso I do parágrafo único do art. 209 da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, estendeu essa faculdade aos órgãos da administração pública, inclusive municipal. No entanto, a resposta à consulta, nesse caso, não tem o efeito vinculante que lhe é próprio, constituindo mera informação. Assim sendo, não se produzem os efeitos previstos no art. 212 da mesma lei, a saber:

                   a) suspende o prazo de pagamento do tributo, em relação ao fato objeto da consulta, até trinta dias após a ciência da resposta;

                   b) impede, durante o mesmo prazo, o início de medida de fiscalização destinada à apuração de infrações referentes à mesma matéria.

                   Tais efeitos somente se produzem quando a consulta é formulada pelo próprio sujeito passivo tributário.

                   No mérito, assiste razão à consulente. Não é admissível que o critério de escrituração adotado resulte em valor adicionado negativo. Sobretudo, não é admissível escriturar as entradas de mercadorias utilizando um critério e as saídas utilizando outro.

                   A escrituração fiscal é disciplinada pelo Anexo 5 do Regulamento do ICMS-SC, que, em seu art. 176, dispõe que o valor adicionado do estabelecimento será calculado com base nas informações prestadas na Declaração de Informações do ICMS e Movimento Econômico – DIME. A referida Declaração, conforme dispõe o art. 168, I, se constitui no registro dos lançamentos constantes do livro Registro de Apuração do ICMS.

                   A seu turno, o art. 166, I, determina que o livro Registro de Apuração do ICMS, modelo 9, destina-se a registrar, em cada período estabelecido para a apuração do imposto, os totais, extraídos dos livros próprios, das operações com mercadorias e das prestações de serviços, agrupadas segundo o CFOP. Os livro próprios, no caso, são o livro Registro de Entradas, modelo 1 ou 1-A, disciplinado pelo art. 156, e o livro Registro de Saídas, modelo 2 ou 2-A, disciplinado pelo art. 158, nos quais serão escriturados, respectivamente, os documentos fiscais relativos às entradas, a qualquer título, de bens, mercadorias, insumos e material de uso ou consumo e saídas de mercadorias, a qualquer título, do estabelecimento. Em um ou outro caso, deverão ser registrados, como valor contábil, o valor total constante do documento fiscal, e como base de cálculo, o valor sobre o qual incide o imposto.

                   Ora, integra a base de cálculo do imposto, conforme disposição da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. A mesma disposição encontramos no art. 13, §1°, I. da Lei Complementar federal 87, de 13 de setembro de 1996, no exercício da competência privativa a que se refere o art. 155, § 2°, XII, “i”, da Constituição Federal.

                   Assim, tanto o valor contábil quanto a base de cálculo das mercadorias entradas ou saídas do estabelecimento, devem ser registrados, respectivamente, nos livros Registro de Entradas e Registros de Saída, devem incluir o montante do imposto. Estes são os valores que devem ser declarados na DIME e que devem ser utilizados para cálculo do valor adicionado; ou seja, com o imposto.

Exemplo:

                   Suponhamos que a empresa G adquire mercadorias no Estado por R$ 1.000,00 e que as transfere a preço de custo (por hipótese) para outro estabelecimento da mesma empresa. No livro Registro de Entradas, vai escriturar a mercadoria pelo valor de R$ 1.000,00 e o imposto correspondente por R$ 170,00. A transferência deverá ser registrada no livro Registro de Saídas pelo mesmo valor: R$ 1.000,00.

                   Estes são os valores das entradas e das saídas que deverão ser transpostos para o livro Registro de Apuração do ICMS e, por conseguinte, declarados na DIME para efeito de valor adicionado.

                   Por outro lado, a matéria já foi analisada pela Diretoria de Administração Tributária, na Informação Getri n° 56/200, nos seguintes termos:

 

No mérito, cuida-se de questionamento sobre critério de cálculo do valor adicionado. A definição de “valor adicionado” é dado pelo § 1° do art. 3° da Lei Complementar n° 63, de 28 de dezembro de 1989, como o “valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil”.

O conceito de valor da mercadoria está referido na Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 12, I, e 13, I: na “saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular, a base de cálculo do imposto é o valor da operação”. Esta disposição está reproduzida na legislação estadual – Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, arts. 4°, I, e 10, I.

No caso do ICMS, o valor da operação é o preço da mercadoria ou do serviço, acordado entre comprador e vendedor. No prestigiado magistério de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pg. 345): “a base de cálculo será o valor da operação pela qual a mercadoria saiu do estabelecimento do contribuinte de jure. Tal operação, na imensa maioria dos casos, é a compra e venda feita pelo produtor ou comerciante, ou pelas pessoas equiparadas a um ou ao outro. Excepcionalmente poderá ser outro negócio jurídico com valor definido e incontestável”.

Isto porque, se a hipótese de incidência tributária do ICMS consiste em operação de circulação de mercadoria ou na prestação de serviços, o valor da operação somente pode ser o preço cobrado do adquirente da mercadoria ou do tomador do serviço. “A base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil realizada”, como leciona Roque Antonio Carrazza (ICMS, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pg. 73).

Porém, no caso de transferência da mercadoria entre estabelecimentos da mesma empresa, não existe preço pactuado entre vendedor e comprador. Nesse caso, deveria ser adotada a regra do art. 15 da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996. Trata-se de disposição idêntica à da Lei Complementar n° 87/96, como não poderia deixar de ser, pois, falece competência ao Estado para dispor de modo diverso da lei complementar federal.

Com efeito, a teor do art. 146, III, a, da Constituição Federal, é de competência privativa da União, legislar, mediante lei complementar, sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, inclusive sobre a base de cálculo dos impostos discriminados na Constituição.

No caso em apreço, a diferença apontada decorre da prática contábil de registrar o valor da entrada da mercadoria pelo valor líquido (sem o ICMS), enquanto a saída é registrada pelo valor bruto (com o ICMS).

Ocorre que o ICMS integra sua própria base de cálculo por expressa disposição legal (LC 87/96, art. 13, §1°, I). A expressão “valor da mercadoria”, como visto acima, denota o “preço”, real ou arbitrado, pelo qual se faz a saída. Neste sempre deve estar incluído o ICMS. O “preço” é o valor cobrado pelo vendedor do comprador ou o valor pago pelo comprador ao vendedor que, no caso do ICMS, inclui o imposto.

Mantendo a fidelidade á definição legal de valor adicionado, como a diferença entre o valor das mercadorias saídas e o valor das mercadorias entradas, esse valor deve ser computado segundo o mesmo critério em ambos os casos. O critério compatível com a definição legal de base de cálculo é o que considera o valor da mercadoria com o ICMS incluso, tanto na entrada como na saída da mercadoria. Todavia, se, por algum motivo, for conveniente trabalhar com valores líquidos do imposto, o critério deve ser o mesmo tanto na entrada como na saída. Caso contrário, haveria uma distorção no cálculo do valor adicionado, equivalente ao valor do imposto, além do valor que for “adicionado” no Município.

 

                   O mencionado art. 15 estabelece critérios para determinação da base de cálculo do ICMS, quando o “valor da operação” não é determinado, ou seja, quando não há um “preço” pactuado entre vendedor e comprador. É o caso das transferências entre estabelecimentos da mesma empresa.

                   O dispositivo citado adota os seguintes critérios:

                   a) o preço corrente da mercadoria, ou de seu similar, no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia elétrica;

                   b) o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja industrial;

                   c) o preço FOB estabelecimento comercial à vista, na venda a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante.

                   O § 1º do mesmo artigo dispõe ainda que nas hipóteses previstas nas alíneas “b” e “c”, será adotado “o preço efetivamente cobrado pelo estabelecimento remetente na operação mais recente” e, caso o remetente não tenha efetuado venda de mercadoria, “o preço corrente da mercadoria ou de seu similar no mercado atacadista do local da operação ou, na falta deste, no mercado atacadista regional”.

                   Porém, no caso do estabelecimento remetente não efetuar vendas a outros comerciantes ou industriais ou, em qualquer caso, se não houver mercadoria similar (hipótese da alínea “c”), a legislação adota um critério mais objetivo, ou seja, 75% do preço de venda corrente no varejo.

                   Os critérios previstos no art. 15 referem-se à determinação da base de cálculo do imposto, porém, aplica-se perfeitamente ao cálculo do valor adicionado, já que a ratio legis em ambos os casos é a mesma, ou seja, cuida-se de determinar o valor da operação quando não existe preço cobrado do adquirente ou do tomador do serviço. Satisfeita está, portanto, a condição para proceder-se à integração da norma jurídica, pela via da analogia. Com efeito, a aplicação da analogia, no magistério de Limongi França (Hermenêutica Jurídica. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pg. 45), deve atender aos seguintes critérios: a) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei; b) deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto; e c) a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis. Todas as três condições estão presentes neste caso, pois a) não existe regra disciplinando o valor da transferência; b) em ambos os casos trata-se de determinar o valor da operação quando não existe preço acordado entre vendedor e comprador; e c) a determinação do valor da operação é a razão pela qual o legislador editou a regra.

                   O valor adicionado é o principal critério de repartição da parcela do ICMS devida aos Municípios, nos termos do art. 158, IV, e parágrafo único, I, da Constituição Federal. A repartição equânime exige que o valor adicionado seja calculado da mesma forma, de modo a não privilegiar ou prejudicar qualquer Município em relação aos demais. Para tanto, os contribuintes devem prestar suas declarações da mesma forma, nos estritos termos da legislação tributária.

                   Posto isto, responda-se à consulente:

                   a) a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não pode ser feita por qualquer valor, à inteira discrição do contribuinte;

                   b) no caso de não ser determinado o valor da operação, deve ser adotado o critério previsto no art. 15 da Lei nº 10.297/96;

                   c) em qualquer hipótese, a transferência não pode ser feita por valor inferior ao da entrada.

À superior consideração da Comissão.        

                   Getri, em Florianópolis, 1° de outubro de 2008.

 

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

 

                   De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 16 de outubro de 2008. 

 

       Alda Rosa da Rocha                                                                      Almir José Gorges

       Secretária Executiva                                                                      Presidente da Copat