Consulta nº 102/07 Pedido de
Reconsideração da Consulta 052/07.
EMENTA: ICMS. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. O FORNECIMENTO
DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO A PRESTADORAS DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE CARGAS OU DE
PASSAGEIROS É CONSIDERADA SAÍDA COM DESTINO A CONSUMIDOR FINAL. INAPLICÁVEL A
REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO ART. 90 DO ANEXO 2
DO RICMS-SC. RESPOSTA RECONSIDERANDA CONFIRMADA.
DOE de 11.04.08
01 - DA CONSULTA.
Cuida-se
de pedido de reconsideração interposto contra resposta desta Comissão, assim ementada:
ICMS. A SAÍDA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO COM DESTINO A
PRESTADOR DE SERVIÇO RODOVIÁRIO DE CARGAS ESTÁ EXCLUÍDA DO TRATAMENTO PREVISTO
NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC/01,
POR FORÇA DO DISPOSTO NO § 3° DO MESMO ARTIGO.
Justifica
o pedido de reconsideração, dizendo que a resposta não se ateve ao questionamento
formulado na consulta, “a conceituação de consumidor final, para efeitos do disposto
no § 3° do artigo 90 do Anexo 2 do RICMS,
expressamente nas saídas a empresas prestadoras de serviço de transporte de
cargas”.
Alega
ainda que a resposta “limitou-se a expressar conceitos genéricos, extraídos de
textos de autores, sobre consumidor. Não se ateve ao fato circunscrito ao teor
da consulta que foi especificamente as saídas de
autopeças destinadas ao setor de serviços de transporte rodoviário de cargas”.
Finalmente,
transcreve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na apelação Cível
em Mandado de Segurança 200.025853-4 que trata de aproveitamento de créditos,
proporcionalmente à incidência do imposto sobre base de cálculo reduzida.
A
autoridade fiscal, em suas informações de estilo, fls. 59-60, opina pelo não
recebimento do pedido de reconsideração, por improcedentes os argumentos
apresentados. Com efeito, salienta a mencionada autoridade que a resposta à
consulta “trabalha, exaustiva e precisamente, o conceito de consumidor final
utilizado no § 3° do artigo 90 do Anexo 2 do RICMS/SC, ponto central do questionamento feito pela consulente”.
No tocante ao aludido fato novo apresentado pela consulente – acórdão do
Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina – “em nada contraria o conceito
de consumidor final exarado na resposta dada pela COPAT na Consulta n°
053/2007, ora reconsideranda”. Finaliza a referida
autoridade dizendo que “o fato da interpretação exarada pela COPAT ser
contrária aos interesses da consulente não justificam a interposição de pedido
de reconsideração”.
02 -
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.
Com efeito, os argumentos da recorrente não se sustentam. A
conceituação de “consumidor final” deve ser pesquisada necessariamente nos
autores de reconhecida competência na matéria. Não se pode pretender, como quer
a consulente, uma conceituação para aquela situação específica enfocada na
consulta. Isto porque a relação entre o “significado” e o “significante” é uma
questão de “acordo semântico” e não da vontade ou conveniência dos falantes
daquela linguagem. Nesse sentido, nos fica a lição preciosa de Ferdinand de Sausure (Curso de
Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995, p.
85):
“Se, com relação à idéia que
representa, o significante aparece como escolhido livremente, em compensação,
com relação à comunidade lingüística que o emprega, não é livre: é imposto.
Nunca se consulta a massa social nem o significante escolhido pela língua poderia
ser substituído por outro. Este fato, que parece encerrar uma contradição,
poderia ser chamado familiarmente de “a carta forçada”.
Diz-se à língua: “Escolhe!”; mas acrescenta-se: “O
signo será este, não outro.” Um indivíduo não somente
seria incapaz, se quisesse, de modificar em qualquer ponto a escolha feita,
como também a própria massa não pode exercer sua soberania sobre uma só palavra:
está atada à língua tal qual é.”
O
pedido de reconsideração tem como fundamento apenas o fato de a resposta desta
Comissão ser contrária aos interesses da consulente. Neste contexto, tem um
caráter meramente protelatório. No entanto, o intérprete fica limitado ao mundo
de significações lingüísticas em que está situado. “O que está para além do
sentido literal lingüisticamente possível e é claramente excluído por ele, já
não pode ser entendido, por via da interpretação, como o significado aqui
decisivo deste termo” (Karl Larentz. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª
ed. Lisboa: Gulbenkian, 1997, p. 453).
O
homem, como ser-no-mundo, pertence a um lugar e a uma
época. O significado de uma palavra é aquele que é utilizado pela coletividade
onde situado, não podendo arbitrariamente ser atribuído outro conteúdo
semântico. A pesquisa desse significado deve ser feita entre os que o usam, na
linguagem comum ou na técnica, e que é reconhecido e aceito pela comunidade em
que vivem. “A intenção significativa cria um corpo para si e conhece a si mesma
ao procurar um equivalente seu no sistema de significações disponíveis,
representado pela língua que falo e pelo conjunto dos escritos e da cultura de
que sou herdeiro” (Maurice Merlau-Ponty. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991,
p. 96).
Superado
esse ponto, focalizemos uma vez mais o mérito da consulta. O § 3° do
art. 90 do Anexo 2, exclui expressamente da redução de
base de cálculo as saídas de autopeças com destino a consumidor final. O
dispositivo é redundante, pois quaisquer saídas com destino a consumidor final
já estavam excluídas do benefício, pelo § 1°, III, do mesmo artigo.
O
regime de créditos financeiros,
adotados pela Lei Complementar 87/96 em substituição ao regime de créditos físicos, passou a reconhecer “o
direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que
tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou
simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente,
ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de
comunicação” (art. 20), além dos insumos que integrassem fisicamente a
mercadoria fabricada ou que fossem integralmente consumidos no processo de
fabricação.
Entretanto,
o legislador complementar optou pela adoção gradual do regime de créditos financeiros. Assim, enquanto o
crédito relativo aos bens destinados à integração ao ativo permanente entrou em
vigor a partir da publicação da Lei Complementar 87/96, as mercadorias
destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão direito ao
crédito a partir de 1° de janeiro de 2011, conforme redação do inciso I
do art. 33, dada pela Lei Complementar 122, de 2006.
Pode
ser questionado o adiamento da entrada em vigor do crédito financeiro em sua
plenitude, principalmente por prazo tão dilatado. Porém, a decisão não foi da
Administração, mas do legislador. À Administração cabe apenas cumprir a lei.
Não lhe é permitido descumpri-la, enquanto estiver em vigor ou até que seja
declarada sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico vigente, pelo Poder
Judiciário, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ou suspensa
sua execução pelo Senado da República, em sede de controle difuso (CF, art. 52,
X).
De qualquer modo, as peças de reposição são
efetivamente consideradas “consumo do estabelecimento”, enquadrando-se na
situação a que se refere o inciso I do art. 20 da Lei Complementar 87/96. Este
tem sido o entendimento desta Comissão, como na resposta à Consulta n°
68/06 que diz expressamente: “a partir de primeiro de setembro de 2006, poderá
creditar-se também ..... peças de reposição, para prestar serviço de transporte rodoviário
intermunicipal ou interestadual de cargas, iniciado exclusivamente neste
estado, conforme prevê o art. 265, § 1º, do anexo 6 do RICMS/SC”.
No mesmo sentido, foi respondida a Consulta n°
57/05: “até a data fixada pela LC nº 87/96, não geram direito ao crédito de
ICMS as entradas das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento,
incluídas nesta classificação, as mercadorias destinadas à reposição de peças e partes das máquinas e equipamentos, bem como
aquelas destinadas à manutenção em geral do ativo imobilizado”.
Da mesma forma, esta Comissão respondeu à Consulta n°
73/05 que: “pneus, lubrificantes e peças
de reposição e manutenção são bens de uso e consumo. O crédito relativo às
suas aquisições não é permitido segundo a legislação tributária vigente”.
Não é diferente a resposta dada à Consulta n°
23/01: “as partes e peças adquiridas para manutenção de bens integrados ao
ativo imobilizado são consideradas consumo do estabelecimento, somente dando
direito a crédito fiscal quando da plena entrada em vigor da LC 87/96”.
O mesmo entendimento encontramos nos tribunais superiores, contra os quais não pode
prevalecer decisão de tribunal estadual:
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Extraordinário n° 195.894 RS, em 14 de novembro de
2000, decidiu:
“IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS -
PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - OBJETO. O princípio da não-cumulatividade
visa a afastar o recolhimento duplo do tributo, alcançando hipótese de
aquisição de matéria-prima e outros elementos relativos ao fenômeno produtivo.
A evocação é imprópria em se tratando de obtenção de peças de máquinas,
aparelhos, equipamentos industriais e material para a manutenção.”
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no
julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial n° 101.797 SP, em 14 de agosto de 1997, manteve o mesmo entendimento:
TRIBUTARIO - ICMS - CREDITAMENTO - PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIARIO - PEÇAS E ACESSORIOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO, DE
CONSERTO, DE CONSERVAÇÃO OU ACESSORIOS QUE GUARNECEM VEICULOS NÃO SE CONFUNDEM
COM INSUMOS EXAURIDOS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTENCIA DO DIREITO AO CREDITO
DO ICMS.
A Lei 13.790, de 2006, ao contrário do que pretende a
consulente, não modificou o tratamento, nem em relação ao direito ao crédito,
nem em relação à caracterização das peças de reposição como consumo do
estabelecimento. O Pró-Cargas (Programa de Revigoramento do Setor de Transporte
Rodoviário de Cargas de Santa Catarina) foi instituído com o escopo declarado
de fomentar a atividade no Estado. Deste modo, o crédito do imposto, relativo à
aquisição de peças de reposição, a que se refere o art. 2°, I, “d”, nada
mais é que benefício fiscal, concedido como forma de
estimular a referida atividade econômica. O seu caráter de incentivo torna-se
evidente por abranger apenas o transporte de carga, não se estendendo ao
transporte de passageiros ou à indústria em geral.
As peças de reposição não se integram fisicamente à
mercadoria, nem são consumidos integralmente na prestação do serviço (regime de
créditos físicos). Também não se
destinam à integração ao ativo permanente do adquirente, mas apenas à sua
conservação. São contabilizadas no ativo circulante (estoque) e, quando
substituídas, como despesa ou custo. Por exclusão, devem ser consideradas como
destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento.
Isto posto, responda-se à consulente que a saída de peças de reposição com destino
a empresa de transporte, por disposição expressa da legislação, está excluída
do tratamento previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01.
À superior
consideração da Comissão.
Getri, em
Florianópolis, 20 de novembro de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na
Sessão do dia 13 de dezembro de 2007.
Alda Rosa da Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva
Presidente da Copat