Consulta nº 101/07
EMENTA: ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA CONTRATADA DE
POTÊNCIA. O FATO GERADOR DO IMPOSTO É O SEU FORNECIMENTO A CONSUMIDOR FINAL E A
BASE DE CÁLCULO É O VALOR TOTAL COBRADO PELA CONCESSIONÁRIA.
A TEOR DO ART. 155, § 2°, IX, “b”, O IMPOSTO INCIDE
SOBRE O VALOR TOTAL DA OPERAÇÃO QUANDO MERCADORIAS FOREM FORNECIDAS COM
SERVIÇOS NÃO COMPREENDIDOS NA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS MUNICÍPIOS.
OPERAÇÕES MISTAS. INCIDÊNCIA DO ICMS OU DO ISS,
CONFORME O CRITÉRIO DO NEGÓCIO PREPONDERANTE. OS VALORES COBRADOS, CORRESPONDENTES
AO DIMENSIONAMENTO DAS INSTALAÇÕES, NECESSÁRIO PARA O FORNECIMENTO DE ENERGIA
ATÉ O POTENCIAL CONTRATADO, DEVE INTEGRAR A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO ESTADUAL.
DOE de 11.04.08
01 - DA CONSULTA.
Cuida-se de consulta formulada por empresa
concessionária de distribuição de energia elétrica. Informa a consulente que
fornece energia elétrica para alguns consumidores estabelecidos no Município
sob a forma de contrato de demanda.
Isto posto, indaga se o ICMS deve ser calculado sobre o quantum
de energia contratado ou sobre o consumo efetivo.
A consulta foi encaminhada ao Grupo Setorial de
Energia (GSE) que após descrever o cálculo da tarifa, nos termos do Decreto
federal 62.724/68, para os usuários do Grupo “A” (tensão igual ou superior a 2,3
kv), teceu as seguintes considerações (fls. 6-7):
“Na verdade, pode ocorrer, eventualmente, que o
quantitativo da demanda de potência contratada não seja integralmente utilizado
pelo usuário, caso em que, em relação a esta parcela não teria ocorrido o fato
gerador e, portanto, não seria devido o ICMS”.
“Importante salientar que a questão discutível atinge
apenas a diferença entre a demanda contratada e a demanda utilizada, vez que,
em relação à demanda utilizada ou demanda medida não há dúvida sobre a ocorrência
do fato gerador, porquanto é objeto de medição por aparelho próprio, instalado
na unidade consumidora”.
A informação GSE dá conta de decisão ainda não
publicada do TJESC que “entendeu que deve permanecer excluída da base de
cálculo do ICMS apenas a parcela da demanda contratada, porém não utilizada”
(sic). Finaliza, manifestando sua posição pela “inclusão na base de cálculo do
ICMS da demanda contratada, vez que, sobre esta a concessionária emite
documento fiscal e o usuário realiza o pagamento, configurando o valor da
operação, no fornecimento de energia elétrica”.
Por fim, a GSE traz à colação os seguintes trabalhos:
A – “Energia Elétrica – Estrutura Tarifária” (fls. 8
a 13) que declara textualmente: “... uma parcela do preço pelo fornecimento de
energia elétrica se refere à demanda de potência e outra parcela se refere ao
consumo de energia”;
B – “Memorial dos Estados-membros e do Distrito
Federal” (fls. 14 a 19);
C – “Demanda Contratada de Potência Elétrica: base de
cálculo do ICMS no fornecimento de energia a grandes consumidores” (fls. 20 a
27), de César Fonseca, Marcos Carneiro e Sérgio Silva, Auditores Fiscais do
Estado da Bahia.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
Lei 10.297/96, arts. 4°, I, e 41;
RICMS-SC/01, arts.
11, XIII, e 13.
03 -
FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.
Versa a presente consulta sobre a inclusão ou não na
base de cálculo do ICMS dos valores cobrados pela fornecedora de energia
elétrica a título de demanda reservada de potência.
A matéria já foi analisada por este Colegiado que
concluiu estarem
inclusos na base de cálculo do imposto estadual os valores cobrados a título de
demanda contratada. Com efeito, a resposta à Consulta n° 8/97 foi do
seguinte teor:
EMENTA: ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. O FATO GERADOR DO
IMPOSTO É O SEU FORNECIMENTO A CONSUMIDOR FINAL E A BASE DE CÁLCULO É O VALOR
TOTAL COBRADO PELA CONCESSIONÁRIA.
Embora o entendimento desta Consultoria sobre a
matéria não se tenha modificado, a evolução do tema em sede de doutrina e de
jurisprudência justifica o aprofundamento da discussão. A seguir, procuraremos
desenvolver uma nova abordagem da questão.
3.1. A
energia elétrica como “mercadoria”:
Conforme Plácido e Silva, “mercadoria é designação
genérica dada a toda coisa móvel, apropriável, que
possa ser objeto de comércio”. No caso da energia elétrica, a condição de coisa
móvel é expressamente declarada pela lei o que justifica a sua tributação pelo
ICMS, sem adentrar na discussão de sua natureza física específica.
Por outro lado, a tributação das
operações com energia elétrica pelo ICMS é reconhecida por expressa
disposição constitucional. Com efeito, o art. 155, § 2°, X, b,
dispõe que o imposto “não incidirá sobre operações que destinem a outros
Estados (...) energia elétrica”, A contrario sensu,
incide nas demais operações. Neste sentido leciona Roque Antonio Carrazza (“O ICMS”, 1997, p. 104):
(...) a energia elétrica, para fins de tributação por via de
ICMS, foi considerada, pela Constituição, uma mercadoria, o que, aliás, não é
novidade em nosso direito positivo, que para que se caracterize o furto, há
muito vem equiparando a energia elétrica à coisa móvel (art. 155, § 3°, do
Código Penal).
Nos termos da Constituição Federal, este
imposto tem por hipótese de
incidência possível a circunstância de uma pessoa produzir, importar, fazer circular, distribuir ou consumir energia
elétrica. O legislador ordinário (estadual ou distrital), ao criar “in
abstrato”, este imposto, poderá colocar em sua hipótese de incidência todos, alguns ou um desses fatos (Carrazza, “ICMS”,
1997; 104).
Por sua vez, a Lei Complementar n° 87/96 estabelece que “o imposto
incide também sobre a entrada, no território do Estado destinatário (...) de
energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à
industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao
Estado onde estiver localizado o adquirente (art. 2°, § 1°,
III)”.
Apesar disso, a energia elétrica possui
características peculiares que a diferencia substancialmente de qualquer outra
mercadoria. Se a lei não afirmasse expressamente a sua natureza de “coisa
móvel”, caberia a discussão da natureza mercantil da energia elétrica.
Revisitando os manuais escolares (L. P. M. Maia. Ótica e Eletricidade. Rio de Janeiro: Latino-Americana,
1969), colacionamos algumas definições que veremos a seguir. A natureza da
eletricidade é descrita (p. 127) da seguinte forma:
“Diz-se que um corpo onde o número de elétrons é igual ao de
prótons está eletricamente descarregado
(ou neutro). Se, por um qualquer processo, faz-se com que o número de elétrons
em um corpo seja diferente do de prótons, o corpo passa a presentar
efeitos elétricos externos e então se diz que ele está eletricamente carregado. Se o número de elétrons
supera o de prótons, diz-se que o corpo está negativamente carregado, no caso contrário diz-se que está positivamente carregado”.
Os corpos eletricamente carregados
tem a
propriedade de se atraírem, quando tiverem cargas diferentes, ou se repelirem,
quando tiverem a mesma carga. Ora, “chamamos de diferença de potencial elétrico entre os pontos 1
e 2 à razão entre o trabalho W realizado pela força elétrica f, entre os pontos
1 e 2 e a carga q do corpo que se deslocou do ponto 1 ao 2” (p. 130). A unidade de carga elétrica no sistema MKS é
chamada de “coulomb”,
enquanto a unidade de trabalho, no mesmo sistema, é chamado de “joule”.
“Sendo diferença de potencial elétrico entre dois pontos,
por definição, razão entre um trabalho e uma carga elétrica, é claro que sua
unidade será uma diferença de potencial tal que um trabalho unitário seja
realizado por uma carga unitária que se desloque entre dois pontos entre os
quais exista tal diferença de potencial” (p. 132). Assim sendo, a unidade de
diferença de potencial (ou tensão), no sistema MKS, deverá ser “uma diferença
de potencial tal que sob sua ação um trabalho de um joule seja realizado por cada um coulomb de
carga elétrica que se desloque entre dois pontos entre os quais exista tal
diferença de potencial. Esta unidade recebeu o nome de volt, em homenagem ao físico italiano A.Volta. O símbolo de volt é V”. (p. 132)
Finalmente podemos definir corrente eletrica como “qualquer
movimento ordenado de cargas elétricas” (p. 135), decorrentes de uma diferença
de potencial entre dois pontos. Os geradores
são aparelhos que gozam da propriedade de produzir e manter uma diferença de
potencial entre dois pontos determinados. “Enquanto o gerador estiver funcionando, ou seja, enquanto uma diferença
de potencial for mantida entre seus terminais, cargas elétricas circularão
através do fio, o movimento dessas cargas sendo um movimento ordenado.
Conseqüentemente, no fio haverá uma corrente elétrica” (p. 136). A intensidade
da corrente elétrica é medida em Ampère (quantidade
de carga que flui por unidade de tempo).
Um aspecto de alta relevância é que “só há corrente quando o
circuito está fechado; se desligarmos
o fio de um dos terminais a corrente cessa imediatamente (diz-se então que o circuito
está aberto)” (p. 142). A
peculiaridade da “mercadoria” energia elétrica é que ela somente existe no
momento em que está sendo consumida; quando o circuito está fechado, ocasião em
que um trabalho é realizado pelo deslocamento de uma carga elétrica, decorrente
de uma diferença de potencial. A “tradição” da energia elétrica (coisa móvel)
ocorre instantaneamente, no momento de seu consumo (produção).
3.2. O que
é “demanda contratada de potência”:
Define-se “potência”, cuja unidade é W (watt), como o
trabalho realizado por unidade de tempo (potência de um W
desenvolvida quando se realiza o trabalho de um joule por segundo).
Por sua vez, o “consumo” de energia elétrica é medido
em kWh (quilo watt hora).
Assim, temos que:
a) consumo de
energia elétrica: é a quantidade de energia elétrica absorvida por uma
instalação; e
b) demanda de
potência elétrica: é a relação entre energia e tempo, ou seja, o fluxo de
energia consumida na instalação.
O artigo dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia, trazido à
colação pelo Grupo Setorial de Energia (“Demanda Contratada de Potência
Elétrica: base de cálculo do ICMS no fornecimento de energia a grandes consumidores”)
apresenta o seguinte exemplo elucidativo:
Suponhamos uma casa que tenha como único aparelho elétrico
uma lâmpada de 0,1 kW de potência, acesa durante 24 horas. Suponhamos ainda que
outra casa tenha como único aparelho elétrico um chuveiro de 4,8 kW que
funciona apenas 30 minutos por dia. O seguinte quadro mostra as relações entre
potência e consumo:
|
Casa 1 |
Casa 2 |
Potência demandada |
0,1 kW |
4,8 kW |
Consumo mensal |
72 kWh |
72 kWh |
Portanto, podemos ter o mesmo consumo para diferentes
demandas de potência. Na casa 2 o consumo de energia é
feito de forma irregular, pois nas restantes 23,5 h não há consumo. No entanto
a demanda maior (casa 2) exige o dimensionamento da
rede para atendê-la. Contudo, se a utilização do chuveiro passar de 30 minutos
por dia para uma hora, o consumo de energia elétrica deverá passar de 72 kWh
para 144 kWh. O fornecedor de energia elétrica deve estar preparado para
atender a esse consumo adicional quando for necessário. Para isso a instalação
elétrica deve estar dimensionada para esse potencial de consumo. O que é
cobrado a título de demanda contratada de potência nada mais é que o custo do
dimensionamento da instalação para atender ao consumo quando necessário. Não se
trata de cobrar pela energia não consumida.
A Resolução 456/00 da Agência Nacional de Energia Elétrica –
ANEEL define duas formas de tarifação: a monômia que mede apenas o consumo e a binômia que abrange
consumo e demanda. Segundo os mesmos articulistas:
“Para aplicar a tarifa monômia os custos com medição são bastante reduzidos. É
utilizado apenas o medidor de energia. A ANEEL estabelece este tipo de tarifa
para todos os clientes de menor porte (aqueles ligados em baixa tensão – Grupo
B) a exemplo das residências.
Já para a tarifa binômia,
obrigatória para todos os consumidores de grande porte (aqueles ligados em alta
tensão – Grupo A), a exemplo das grandes indústrias, é utilizado, também, o
medidor de demanda, que tanto mede a energia, quanto a
demanda.
(.....)
Apesar do consumidor de pequeno
porte não ser medido pela sua demanda, ele também paga pelos custos a ela
referentes. Os preços fixados pela ANEEL para a tarifa Monômia
já embutem os custos com a demanda, conforme se confirma em publicação daquela
agência reguladora, intitulada Cadernos Temáticos, 4,
p.14: ANEEL, 2005:
‘As tarifas do "grupo B"
são estabelecidas somente para o componente de consumo de energia, em reais por
megawatt-hora, considerando que o custo da demanda de potência está incorporado ao custo do
fornecimento de energia em megawatt-hora’.
Em outras palavras, nas contas de
energia das nossas residências, estão embutidos os custos com demanda e sobre
eles pagamos o ICMS. Nessa mesma linha de pensamento, não teria sentido, por
sua vez, admitir que os consumidores de grande porte não paguem ICMS sobre a
parcela de demanda”.
No caso dos grandes consumidores (Grupo A), o fornecimento
de energia é cobrado por tarifa binômia, “contemplando, de forma
individualizada, dois componentes: (a) custo com o consumo em megawatt-hora; e (b) custo com a demanda em quilowatt”. A
demanda contratada, segundo os mesmos articulistas, consta de contratos de
fornecimento firmados com as concessionárias, obrigatórios para essa classe de
consumidores, por determinação da agência reguladora, a ANEEL.
“O grande consumidor, ao solicitar a
ligação de sua unidade à rede da concessionária, precisa declarar qual a
demanda de potência que pretende utilizar. É com base nesta informação que vai
ser dimensionado todo o sistema elétrico
que irá atendê-lo.
Em contrapartida a todo o
investimento que será feito pela concessionária na construção de linhas e subestações
para atender àquela demanda declarada pelo consumidor, este se obriga, por
determinação da ANEEL, a pagá-la, ainda
que não a use por completo em um determinado mês. Em outras palavras, a
demanda contratada pode ser entendida como demanda mínima para fins de
faturamento.
Nesse diapasão, a demanda contratada
é um componente da tarifa que
remunera as concessionárias pelos investimentos
realizados, pois quanto maior for a demanda, delineada pelos próprios
consumidores do "Grupo A" , maiores serão os
investimentos que as concessionárias terão que realizar para dimensionar o
sistema elétrico com linhas de transmissão, subestações etc., exatamente para
atender a esse público (consumidores do "Grupo A").
Em resumo, o consumidor de grande
porte (Grupo A – tarifa binômia) têm medidos consumo e
demanda. O faturamento da energia fornecida se dará por duas componentes. A componente
de consumo é obtida pela multiplicação da tarifa em R$/kWh
pelo valor de energia medida em kWh. A componente de demanda é obtida pela
multiplicação da tarifa em R$/kW pelo valor da
demanda contratada ou da medida em kW, aquela que for maior, como estabelece o
Dec. 62.724, de 17/05/1968, com a nova redação dada pelo Dec. 3.653, de
07/11/2000.
O mecanismo de cobrança citado está
bem claro na Resolução ANEEL 456 de 2000. No entanto, essa tarifação
já era aplicada muito antes de ter sido instituído o ICM (ICMS), pois já estava
prevista desde 1957, conforme se pode verificar no Decreto n° 41.019/57”.
Não
compete a esta Comissão fazer a crítica dos conceitos técnicos, à míngua da
necessária formação em engenharia. Por isso são simplesmente aceitos,
presumindo-se que estão corretos. A análise a seguir restringir-se-á aos
respectivos efeitos jurídicos.
3.3. O fato gerador do ICMS:
O
art. 155, II, da Constituição Federal comete aos Estados e ao Distrito Federal
a competência para instituir o imposto sobre os seguintes fatos geradores:
a)
operações relativas à circulação de
mercadorias;
b)
prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal; e
c)
prestação de serviço de comunicação.
O
§ 2°, IX, a, do mesmo artigo,
com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 33,
de 2001, acrescenta que o imposto incide também “sobre a entrada de bem
ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que
não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade,
assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado
onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria,
bem ou serviço”.
O
fornecimento de energia elétrica, à evidência, não constitui prestação de serviço
de transporte ou de comunicação. Assim, somente pode ser tributada na qualidade
de “mercadoria”, que é como é referida pela Constituição Federal.
Dispõe
o art. 12, I, da Lei Complementar 87/96, que “considera-se ocorrido o fato
gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de
contribuinte”. Dada a natureza da energia elétrica, em que momento ela “sai” do
estabelecimento do contribuinte (fornecedor ou gerador de energia)?
Naturalmente no momento em que o circuito está “fechado”, ou seja, no mesmo
momento em que a energia está sendo consumida (está sendo realizado um trabalho).
Ora,
os valores cobrados pela concessionária que não correspondem a consumo, mas a demanda de potência, referem-se à
hipótese diversa do fornecimento de energia elétrica. Vimos que os valores cobrados
corresponderiam ao custo do dimensionamento da instalação elétrica. Portanto,
trata-se de uma obrigação de fazer e
não de dar, ou seja, estamos diante
de uma prestação de serviço e não de uma operação de circulação de mercadoria.
Entretanto, esta prestação de serviço está relacionada com o fornecimento de
energia; somente é prestada em razão do fornecimento.
Tratando-se
de operação que envolva, ao mesmo tempo, operação de circulação de mercadorias
e prestação de serviços (operações mistas)
incidirá o ICMS ou o ISS, conforme o que for predominante: a operação de circulação de mercadorias ou a
prestação de serviços.
No
caso em tela, resulta cristalino que o negócio entre o usuário e a
concessionária tem por objeto o fornecimento de energia elétrica. O serviço
prestado pela concessionária, relativo à demanda de potência (dimensionamento
da rede etc.), não constitui o objeto principal do contrato, mas lhe é
acessório. O negócio predominante é o fornecimento de energia elétrica. Ora, a
energia elétrica é tributada pelo ICMS, inclusive por expressa disposição
constitucional.
3.4. A base de cálculo do ICMS:
No
caso das operações mistas (fornecimento de mercadoria com prestação de
serviço), a Constituição Federal adotou regramento próprio. Com efeito, o art.
155, § 2°, IX, b, dispõe que o
imposto incidirá também “sobre o valor total da operação, quando mercadorias
forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos
Municípios”.
A
incidência do imposto municipal depende de dois fatores: i) tratar-se de
prestação de serviço (obrigação de fazer); e ii) o
serviço estar definido em lei complementar (CF, art. 156, III). A jurisprudência
tem entendido que a lista anexa à Lei Complementar 116, de 2003, é numeros clausus, ou
seja, somente são tributáveis pelo ISS os serviços nela expressamente discriminados.
SERVIÇOS |
COM FORNECIMENTO DE MATERIAIS |
SEM FORNECIMENTO DE MATERIAIS |
NÃO PREVISTOS NA LISTA |
Incide apenas o ICMS sobre o valor total da
operação (mercadoria e serviço) |
Não incide ICMS e não incide ISS. |
PREVISTOS NA LISTA |
Incide apenas o ISS sobre o valor total da operação
(mercadoria e serviço) |
Incide apenas o ISS. |
PREVISTOS NA LISTA COM RESSALVA |
Incide o ICMS sobre o valor da mercadoria e ISS
sobre o valor do serviço. |
Esse
entendimento tem merecido acolhida pelo Superior Tribunal
de Justiça, como demonstram os seguintes acórdãos:
a) Recurso Especial n° 115.641 / SP (Primeira Turma,
julgado em 20-nov-1997, DJ 15-dez-1997 p. 66227), com a seguinte ementa:
TRIBUTARIO. ICMS. INCIDENCIA. VENDA
DE MERCADORIA COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 8°, §. 2°, DO DL
406/68.
1. A LEI, AO INSTITUIR O ICMS SOBRE
O FORNECIMENTO DE MERCADORIAS ADJUNTAS A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (DL 406/68, ART.
8°, §. 2°) ADOTOU, COMO PARAMETRO, O CRITERIO DA ATIVIDADE
PREPONDERANTE.
2. NA VENDA DE FORROS E DIVISORIAS
FABRICADOS PELA PROPRIA EMPRESA (E QUE CONSTITUI O SEU RAMO PRINCIPAL DE
NEGOCIOS), SEGUIDA DA ENTREGA AO COMPRADOR E RESPECTIVA INSTALAÇÃO, INCIDE O
ICMS.
3. RECURSO IMPROVIDO.
b) Recurso Especial n° 88.078 / MG (Primeira Turma,
julgado em 24-abr-1997, DJ 30-jun-1997 p. 30890, RDR vol. 9
p. 232, RSTJ vol. 100 p. 80), com a seguinte ementa:
TRIBUTARIO. ICMS. INCIDENCIA. VENDA DE MERCADORIA COM
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 8., PAR. 2. DO DEL.
406/1968. VENDA DE VIDROS E ENTREGA AO USUARIO. A LEI, AO INSTITUIR O ICMS
SOBRE O FORNECIMENTO DE MERCADORIAS ADJUNTAS A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (DEL.
406/1968, ART. 8°, §. 2°), ADOTOU, COMO PARAMETRO, O CRITERIO DA
ATIVIDADE PREPONDERANTE. NA VENDA DE VIDROS FABRICADOS NA PROPRIA EMPRESA (E
QUE CONSTITUI O SEU RAMO PRINCIPAL DE NEGOCIOS), SEGUIDA DE ENTREGA AO USUARIO
E RESPECTIVA INSTALAÇÃO, INCIDE O ICMS, DESDE QUE, A SIMPLES COLOCAÇÃO DE
VIDROS (OU ENTREGA), COM A FORMAÇÃO DE BOXES (OU DIVISORIAS) NÃO ESTA INSERIDA
NA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DEL. 406/1968.RECURSO PROVIDO. DECISÃO
INDISCREPANTE.
c)
Recurso Especial 139.921 PR (Primeira Turma, julgado em 15-ago-2000, DJ
2-out-2000 p. 142, LEX TJ vol. 137, p. 149, RT vol. 786, p. 226), com a
seguinte ementa:
TRIBUTÁRIO. PREPONDERÂNCIA DA ATIVIDADE COMERCIAL
SOBRE A ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO ISS. PRECEDENTES.
1. empresa que tem como atividade principal o
exercício de comércio, representação, importação e exportação de materiais de
construção, móveis e objetos de decoração, inclusive artesanatos, e secundária
a prestação de serviços de construção civil.
2. Transação da empresa que envolveu a venda de piso
de madeira a um cliente e contratou os serviços de sua aplicação. Emitiu duas
faturas separadas, fazendo constar na primeira a venda
da mercadoria e na segunda o preço do serviço. É, portanto, preponderante a
atividade comercial da recorrida.
3. Ocorrência das chamadas operações mistas, aquelas
que englobam tanto o fornecimento de mercadorias como a prestação de serviços.
4. Em uma atividade mista, em que ocorre tanto o
fornecimento de mercadoria como a prestação de serviços, incidirá o ICMS ou o
ISS conforme prepondere o fornecimento da mercadoria (ICMS) ou a prestação de
serviço (ISS).
5. Incidência do ICMS sobre o valor total da
circulação da mercadoria a título de compra e venda, por ser essa a atividade
preponderante da empresa.
6. Precedentes desta Corte Superior.
7. Recurso provido.
Ora,
se o fornecimento de mercadoria com prestação de serviço, no caso da operação
com mercadorias ser o negócio preponderante, incide apenas o ICMS sobre o valor
total cobrado do destinatário, podemos seguramente concluir que o serviço
prestado conjuntamente com o fornecimento de energia elétrica, como é o caso da
demanda contratada de potência, deve integrar a base de cálculo do ICMS.
Com
efeito, a demanda contratada de potência não corresponde a fornecimento de
energia elétrica, mas à obrigação de fazer (dimensionamento das instalações)
para que seja possível o fornecimento de energia elétrica, da mesma forma que a
instalação de forros e divisórias, ou a colocação de
vidros é uma obrigação de fazer relacionada com a entrega das referidas
mercadorias. Até no caso de colocação do piso de madeira, o entendimento é que
incide exclusivamente o ICMS. Isto porque a colocação do piso é prestação de
serviço vinculado à venda do piso que, este sim, constitui o negócio
preponderante.
Não
é diferente o caso dos valores cobrados pelo fornecedor de energia elétrica a
título de demanda de potência. O contrato tem objeto o fornecimento de energia
elétrica, até determinado potencial. Porém, para viabilizar o fornecimento da
energia, até o potencial contratado, o fornecedor presta um serviço, qual seja,
o dimensionamento adequado das instalações. Este servido é cobrado juntamente
com a energia elétrica fornecida (consumida). Portanto, deve integrar a base de
cálculo do ICMS, da mesma maneira que a colocação de vidros, de divisórias ou
de piso de madeira integra a base de cálculo do imposto
3.5. Conclusão:
Isto posto, deve ser confirmado o entendimento anteriormente
esposado por esta Comissão, respondendo-se à consulente que:
a) o valor cobrado a título de demanda contratada de
potência integra a base de cálculo do ICMS;
b) nas operações mistas (fornecimento de mercadorias
e prestação de serviço), em que o fornecimento da mercadoria (energia elétrica)
for o negócio preponderante, o imposto incide sobre o total do valor cobrado
(inclusive a prestação de serviços relacionados com o fornecimento).
À superior
consideração da Comissão.
Getri, em
Florianópolis, 7 de novembro de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na
Sessão do dia 13 de dezembro de 2007.
Alda Rosa da Rocha
Almir
José Gorges
Secretária Executiva
Presidente da Copat