Consulta nº 100/07

EMENTA: CONSULTA. O INSTITUTO VISA EXCLUSIVAMENTE DIRIMIR DÚVIDAS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. NÃO PODE SER RECEBIDO COMO TAL, PEDIDO CUJA RESPOSTA ENCONTRA-SE CLARAMENTE NA LEGISLAÇÃO. NÃO SE PRESTA A SER VEÍCULO DO INCONFORMISMO DO CONTRIBUINTE COM A LEGISLAÇÃO. CARACTERIZADO DESVIO DE FINALIDADE. CONSULTA NÃO RECEBIDA.  PRECEDENTES DA COMISSÃO.ITCMD. DOAÇÃO DE QUOTAS EMPRESARIAIS. INCIDÊNCIA (ART.2º, III DA LEI N. 13.136/04 E ART. 1º, § 4º, V DO RITCMD/04). BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO BEM OU DIREITO TRANSMITIDO (ART. 7º DA LEI N. 13.136/04).

01 - DA CONSULTA.

Os consulentes devidamente qualificados nos autos, informam que receberam em doação de seus pais quotas empresarias gravadas com reserva de usufruto e mais as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e reversão.

No seu entendimento o legislador catarinense acolheu equivocadamente a inteligência da norma prevista no art. 155, I da Constituição Federal quando dispõe no art. 7º, § 2º da Lei nº 13.136, de 25 de novembro de 2004, in verbis:

§ 2º Na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo será reduzida para cinqüenta por cento do valor venal do bem.

Alegam que da leitura do dispositivo surge o questionamento quanto à possibilidade de ocorrerem os fatos geradores do imposto, quando há doação com reserva de usufruto e cláusulas de inalienabilidade e de reversão, uma vez que, não ocorre de forma plena a transmissão da propriedade e, também, porque, usualmente, a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido.

A constatação dos consulentes é de que somente haverá transmissão de bens ou direitos com o evento morte ou doação incondicional, o que não se apresenta ao caso em consulta, pois na instituição do usufruto acontece um ato de reserva, e reservar não gera os efeitos da transmissão. Quem reserva não transfere, embora doe.

Acreditam os consulentes que a interpretação correta é a de que não é a inscrição da nua- propriedade que serve como base de cálculo para o imposto, e sim a extinção do usufruto quando, então, os bens, efetivamente passam a prestar uso e fruição ao proprietário, sem empecilho do usufruto, ocorrendo a efetiva transmissão.

Mencionam, ainda, que a Carta Magna trouxe, explicitamente, competências para instituição e exigibilidade de impostos e no seu art. 146, impôs a necessidade de Lei Complementar para a criação destes. Mas diante da inexistência de Lei Complementar Federal, que disponha sobre a matéria, entendem, os consulentes, que os Estados-Membros podem editar, dentro de suas competências, lei complementar estadual e que, no entanto, o Estado de Santa Catarina ao dispor sobre o ITCMD editou a Lei ordinária nº 13.136/04 que não satisfaz o meio formal exigido para a criação do imposto sobre bens móveis.

Ademais, os consulentes, embora convictos de que não há ocorrência do fato gerador do ITCMD, já que no seu entendimento, com a reserva de usufruto e cláusulas de inalienabilidade e de reversão não ocorre a transmissão dos bens e, também, porque a matéria não poderia ser veiculada por lei ordinária, ainda assim, pretendem deduzir questionamento em torno da natureza jurídica e classificação do ITCMD, que é da espécie dos impostos reais, onde não há permissão constitucional para que suas alíquotas sejam fixadas de forma progressiva, reincidindo a Lei catarinense nº 13.136/04, em inconstitucionalidade material. Em razão disso, perquire a esta Comissão:

1. se a doação de quotas empresarias gravadas com reserva de usufruto e cláusulas de inalienabilidade e reversão está ao abrigo da transmissão por doação prevista no art. 2º da Lei nº 13.136/04?

2. qual o critério utilizado para reduzir a base de cálculo em 50% na transmissão da nua-propriedade?

3. por tratar de bens móveis a transmissão de quotas societárias e considerando que o art. 35 do CTN prevê a incidência do imposto somente sobre bens imóveis, não seria necessária edição de lei complementar estadual?

4. em virtude de inexistência de previsão constitucional para a progressividade para o imposto de natureza real, como é o ITCMD, o art. 9º, II a V da Lei nº 13.136/04 não é inconstitucional ?

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

 Lei nº 3.938, de 26 de dezembro de 1966, arts. 209 e 212;

 Lei nº 13.136, de 25 de novembro de 2004, art. 2º, II, III e § 1º e art.7º;

Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto nº 2.884, de 30 dezembro de 2004, art. 1º, § 4º.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

A presente não pode ser recebida como consulta, nos estritos termos do art. 209 e 212 da Lei nº 3.938, de 1966, por não apresentar dúvida quanto à interpretação ou aplicação da legislação tributária. Pelo contrário, serve apenas de veículo ao inconformismo dos sujeitos passivos com dispositivos da legislação tributária estadual.

À evidência, a consulta não é o instrumento adequado ao pleito dos sujeitos passivos, pois o seu atendimento não depende da interpretação de dispositivo da legislação tributária, mas é matéria constitucional sobre a qual a administração está impedida de manifestar-se.

O art. 175 da lei nº 3.938, de 1966, dispõe que “as autoridades julgadoras são incompetentes para declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei, decreto ou portaria de Secretário de Estado”. A fortiori, também são incompetentes para este fim as demais autoridades fazendárias.

O terceiro e quarto questionamentos apresentados pelos consulentes tomam a aparência, não de uma expressão de dúvida quanto à interpretação ou integração da legislação tributária, mas de uma forma de crítica, de questionamento da validade da legislação vigente. 

Como já foi dito, cabe observar que, fosse esse o intento, a tentativa seria absolutamente inócua, infrutífera, pois o instituto da consulta não se presta, de forma absoluta, a esse fim. A via administrativa não é o foro próprio para discutir a legalidade ou constitucionalidade de diploma normativo.

Sendo assim, mesmo sem possuir caráter de resposta, esta Comissão entende oportuno tecer algumas considerações sobre o comando constitucional que possibilita à instituição do imposto sobre a transmissão de bens móveis pelo Estado, bem como a progressividade de alíquotas para impostos reais, a exemplo do ITCMD.

A competência supletiva prevista no art. 24, §§ 2º e 3º da Constituição Federal, autoriza o Estado a legislar concorrentemente na omissão do Congresso Nacional em legislar sobre normas gerais.

Portanto, à omissão do Congresso Nacional em editar lei complementar para veicular normas gerais em matéria de legislação tributária, a teor do art. 146 da Constituição Federal, podem os Estados-membros e o Distrito Federal legislar, instituindo impostos relativos à transmissão não onerosa de bens móveis, em vista da outorga constitucional de competência. 

Esta resposta é confirmada no próprio sistema constitucional tributário, ou seja, na competência impositiva, bem como nos princípios federativo e republicano, questão esta que foi solucionada pelo próprio legislador constitucional no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao estabelecer, no art. 34 e §§ 3º, 4º e 5º, o seguinte:

 Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº de 1969, e pelas posteriores.

            [...]

 § 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.

 § 4º As leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição.

 § 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3º, 4º (...).

Assim, as normas gerais não suprimem, nem reduzem ou substituem o exercício da competência legislativa tributária por cada pessoa política, que regulará o tributo de sua competência por meio da edição de lei própria, único ato normativo estatal apto a instituí-lo, validamente, dentro do respectivo âmbito territorial de validade. Nem tampouco a inexistência da norma geral federal poderá paralisar o exercício da competência legislativa estadual ou municipal. É preciso observar o art. 150, I da Constituição e, conseqüentemente, o art. 97 do Código Tributário Nacional os quais referem-se à necessidade de lei da pessoa competente (federal, estadual ou municipal) para instituir e regular o tributo, não satisfazendo o mandamento constitucional à edição de normas gerais por meio de lei complementar federal.          

Já em relação à alegada impossibilidade de o Estado estabelecer a progressividade de alíquotas para impostos reais, tem-se que na Constituição Federal de 1988 inexiste qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação aos impostos reais.

Note-se que o § 1º do art. 145 daquele diploma não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza tenham os impostos sempre que possível caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte. Isso, porém, não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade econômica, ou contributiva.

O fato de o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza ser “informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei” não faz concluir que apenas esse imposto seja progressivo. Se assim fosse, só esse imposto seria informado pelos critérios da universalidade e generalidade, o que não corresponde à verdade.

Se a progressividade é orientada pelo princípio da capacidade contributiva e não constitui um princípio em si mesma, pode-se deduzir que representa, então, a denominação de outra técnica tributária de concretização daquele princípio. O que faz presumir que a progressividade das alíquotas tributárias não é conflitante com o sistema jurídico. Ao contrário, no sistema brasileiro, todo o imposto, em princípio deve ser progressivo, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva e, conseqüentemente, do princípio da igualdade. Essa é a regra geral. Ou seja, a progressividade é de fundamental importância para a efetiva realização do princípio da capacidade contributiva e, por derradeira análise, para a realização dos princípios da igualdade, da Federação e da República.

Impõe-se, dessa forma, que a resposta aos questionamentos seja orientada pela legislação aplicável à matéria.

Assim, em relação ao primeiro e ao segundo questionamentos, deve-se informar aos consulentes que na doação de bem móvel gravado com reserva de usufruto, o que ocorre é a doação da propriedade, embora gravada com restrição ao uso e gozo (posse) imposta ao donatário. Fato que não inibe a transmissão do bem. Tanto é verdade que a “tradição” das quotas empresariais, ocorre no momento do arquivamento da alteração contratual na Junta Comercial. Ou seja, a partir daí, as quotas empresariais passam a pertencer aos quotistas donatários.

Na hipótese objeto da análise, além de a propriedade estar gravada com usufruto, ela também é onerada com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, e de reversão, com intuito de preservar o patrimônio familiar na unidade societária. Mas estas restrições não impossibilitam a transmissão das quotas societárias, que é fato gerador do imposto, em conformidade com o art. 2º, III da Lei nº 13.136, de 25 de novembro de 2004 e art. 1º, § 4º, V do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto nº 2.884, de 30 de dezembro de 2004.

Quando a lei estabelece que a transmissão de bens móveis é fato gerador do imposto, não cabe ao intérprete ampliar ou restringir o comando da norma, até porque o mesmo art. 2º da citada lei, em seu § 1º define o termo doação, quando menciona que: “para efeitos daquele dispositivo, considera-se doação qualquer ato ou fato, não oneroso, que importe ou se resolva em transmissão de quaisquer bens ou direitos.”

Agora, quando a lei estabelece que a transmissão de bem móvel ou imóvel decorrente de direito real é hipótese de incidência do ITCMD (Lei nº 13.136/04, art. 2º, II), há que se entender que ocorrendo a transmissão da posse (uso e gozo) de qualquer desses bens, esta será fato gerador do imposto. Transmissão que não ocorre na hipótese em análise por tratar-se de reserva de usufruto. Nesse caso, a posse estava com o doador e permanece com ele, agora usufrutuário. Assim, a transmissão da posse do bem em questão dar-se-á com a extinção do direito real, que é fato gerador do imposto (art. 2º, II da lei nº 13.136/04).

Da definição pode-se concluir que o legislador não impõe nenhuma restrição à hipótese de incidência transmissão de bens móveis, basta que ocorra a transmissão da propriedade, independente de gravame, para que ocorra o fato jurídico tributário. Este entendimento é confirmado numa leitura atenta da legislação, quando se verifica que o legislador catarinense não menciona o termo ‘nua propriedade’ quando trata de incidência do imposto, o termo só é citado quando se trata de benefício fiscal, a redução de base de cálculo do imposto.

Mas o fato de o Estado conceder benefício fiscal, não quer dizer que o critério utilizado para estabelecer a base de cálculo do imposto seja diverso daquele que foi estabelecido no art. 7º da Lei nº 13.136, de 2004, o valor venal do bem ou direito transmitido. O que ocorre com o ITCMD, em Santa Catarina, é que em virtude de registro de gravame em relação ao atributo concernente à propriedade (posse) do bem ou direito transmitido, o Estado resolveu conceder o benefício de redução de base de cálculo, benefício este que poderia ser estabelecido sob qualquer percentual, dependendo da disponibilidade do erário. O legislador poderia não ter concedido tal benefício se entendesse não ser possível a sua concessão pelo Estado, mas o entendimento foi de que seria possível o Estado conceder a redução de 50%.

Isto posto, responda-se aos consulentes que:

a) a consulta não será recebida com seus efeitos próprios, previstos no art. 212, da Lei nº 3.938, de 1966, por não atender aos requisitos previstos no art. 209 da mesma lei;

b) sobre a doação de quotas empresariais incide o ITCMD, em conformidade com o art. 2º, III da Lei nº 13.136/04 e art. 1º, § 4º, V do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto nº 2.884/04;

c) o critério para apurar a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, conforme previsto no art. 7º da Lei nº 13.136/04. A redução de base de cálculo do imposto trata-se de benefício fiscal. 

À superior consideração da Comissão.

GETRI, 7 de novembro de 2007.

                                                        Alda Rosa da Rocha

AFRE IV – matr. 344171-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na sessão do dia 13 de dezembro de 2007.

       Alda Rosa da Rocha                                                                       Almir José Gorges

       Secretária Executiva                                                                     Presidente da Copat