Consulta nº 067/07

EMENTA: ICMS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO. O FORNECIMENTO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO A PRESTADORAS DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE CARGAS OU DE PASSAGEIROS É CONSIDERADA SAÍDA COM DESTINO A CONSUMIDOR FINAL. INAPLICÁVEL A REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC.

DOE de 11.04.08

01 - DA CONSULTA.

Noticia a consulente que atua no ramo de distribuição e comércio de autopeças, fornecendo principalmente a empresas de transporte de passageiros e carga.

A consulta versa sobre a Alteração 363 que acrescentou o § 3° ao art. 90 do Anexo 2, excluindo as operações com autopeças a consumidor final do benefício previsto no caput do artigo. Em princípio, o dispositivo atingiria os transportadores, a teor do disposto no art. 33, I, da Lei Complementar 87/96.

Argumenta, entretanto, a consulente que o conceito de consumidor foi modificado pela Lei 13.790/2006 (Pró Cargas), art. 2°, I, que admitiu o crédito de autopeças. Assim, sustenta que:

“... a empresa prestadora de serviços de transporte que adquire peças de reposição para utilização nos seus veículos (pessoa jurídica que adquire o bem para continuar a produzir), não é consumidor final, apenas utiliza esse bem (peça de reposição), como insumo ao desempenho de sua atividade lucrativa, que é o oferecimento, ao seu cliente, dos serviços de transporte, seja de passageiros ou de carga, em operações intermunicipais e interestaduais, fatos geradores do ICMS”.

Conclui que as suas operações com prestadores de serviço de transporte não são atingidas pela Alteração 363, retroagindo seus efeitos até o início da vigência da citada alteração.

A informação fiscal a fls. 13 limita-se a afirmar que a consulta atende aos requisitos da Portaria SEF nº 226/01, sem comentar ou refutar as informações prestadas pela consulente, o que permite supor a concordância da referida autoridade com as mesmas.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei Complementar 87/96, arts. 19, 20 e 33, I;

Lei 13.790/2006, arts. 1° e 2°, I, d, e II;  

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

Inicialmente, é preciso estabelecer a distinção entre “interpretação” da legislação e a elaboração dessa mesma legislação. A interpretação toma o direito posto como dado, constituindo este o seu ponto de partida. O texto normativo estabelece o limite das possibilidades interpretativas. No caso específico do direito tributário, a atividade da Administração é vinculada, não podendo, o aplicador do Direito, decidir da conveniência e oportunidade da aplicação da legislação.

Assim sendo, para a interpretação do direito tributário, não tem significado considerações sobre eventuais “ataques promovidos por grandes atacadistas de outros Estados” ou se a decisão desta Comissão neste ou naquele sentido “causará um violento impacto negativo no faturamento, e conseqüentemente na arrecadação do imposto, como em todo o segmento das empresas atacadistas e distribuidoras de autopeças”. Tais considerações interessam à elaboração legislativa, quando serão discutidos os objetivos pretendidos pelo Estado e os instrumentos legais para sua consecução. Entretanto, a competência delegada a esta Comissão restringe-se à interpretação e aplicação da legislação tributária, vedado discutir-lhe o mérito.

Feita a ressalva, passaremos à análise da consulta propriamente dita.

Cuida-se, na presente consulta, de discutir o conceito de “consumidor” e quais seriam suas conseqüências, para fins de aplicação da redução de base de cálculo prevista no art. 90 do Anexo 2 do Regulamento do ICMS de Santa Catarina.

Isso porque o § 3° do artigo mencionado exclui expressamente da redução de base de cálculo as saídas de autopeças com destino a consumidor final. O dispositivo é redundante, pois quaisquer saídas com destino a consumidor final já estavam excluídas do benefício, pelo  § 1°, III, do mesmo artigo.

A consulente baseia a sua pretensão na redação do art. 2°, I, “d”, da Lei 13. 790, de 2006, que garante expressamente, aos prestadores de serviço de transporte de cargas, o crédito relativo a peças de reposição. Conclui a consulente que o dispositivo citado reconhece que as transportadoras, de cargas e de passageiros, não são consumidores finais de peças de reposição, uma vez que o art. 33, I da Lei Complementar 87, de 1996, somente permite o crédito das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento a partir de 1° de janeiro de 2011. Logo, se é permitido o crédito, não se trata de consumo.

Ora, uma coisa é a definição de consumo final; outra, é o direito ao crédito.

A Lei Complementar 87/96 introduziu no direito tributário brasileiro o regime de créditos financeiros, em substituição ao regime de créditos físicos, até então adotados.

Pelo regime de créditos físicos, somente dariam direito a crédito do ICMS as mercadorias entradas no estabelecimento, os insumos que integrassem fisicamente a mercadoria fabricada ou que fossem integralmente consumidos no processo de fabricação.

Já o art. 20 da Lei Complementar 87/96, assegurou “ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação”. Entretanto, o legislador complementar optou pela adoção gradual do regime de créditos financeiros. Assim, enquanto o crédito relativo aos bens destinados à integração ao ativo permanente entrou em vigor a partir da publicação da Lei Complementar, as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão direito ao crédito a partir de 1° de janeiro de 2011, conforme redação do inciso I do art. 33 dada pela Lei Complementar 122, de 2006.

Ressalte-se que a Lei Complementar 87/96 em nenhum dispositivo define o que é “consumidor final”. Os dispositivos referidos tratam apenas de direito ao crédito. Tão pouco estabelece qualquer relação entre “direito ao crédito” e “consumidor final”. Pelo contrário, o art. 20 admite expressamente o crédito relativo às mercadorias adquiridas para consumo do estabelecimento, embora este direito somente entre em vigor a partir de 1° de janeiro de 2011.

De qualquer modo, as peças de reposição são efetivamente consideradas “consumo do estabelecimento”, enquadrando-se na situação a que se refere o inciso I do art. 20 da Lei Complementar 87/96. Este tem sido o entendimento desta Comissão, como na resposta à Consulta n° 68/06 que diz expressamente: “a partir de primeiro de setembro de 2006, poderá creditar-se também ..... peças de reposição, para prestar serviço de transporte rodoviário intermunicipal ou interestadual de cargas, iniciado exclusivamente neste estado, conforme prevê o art. 265, § 1º, do anexo 6 do RICMS/SC”.

No mesmo sentido, foi respondida a Consulta n° 57/05: “até a data fixada pela LC nº 87/96, não geram direito ao crédito de ICMS as entradas das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, incluídas nesta classificação, as mercadorias destinadas à reposição de peças e partes das máquinas e equipamentos, bem como aquelas destinadas à manutenção em geral do ativo imobilizado”.

Da mesma forma, esta Comissão respondeu à Consulta n° 73/05 que: “pneus, lubrificantes e peças de reposição e manutenção são bens de uso e consumo. O crédito relativo às suas aquisições não é permitido segundo a legislação tributária vigente”.

Não é diferente a resposta dada à Consulta n° 23/01: “as partes e peças adquiridas para manutenção de bens integrados ao ativo imobilizado são consideradas consumo do estabelecimento, somente dando direito a crédito fiscal quando da plena entrada em vigor da LC 87/96”.

O mesmo entendimento encontramos nos tribunais superiores. Assim, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 195.894 RS, em 14 de novembro de 2000, decidiu:

“IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - OBJETO. O princípio da não- cumulatividade visa a afastar o recolhimento duplo do tributo, alcançando hipótese de aquisição de matéria-prima e outros elementos relativos ao fenômeno produtivo. A evocação é imprópria em se tratando de obtenção de peças de máquinas, aparelhos, equipamentos industriais e material para a manutenção.”

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial n° 101.797 SP, em 14 de agosto de 1997, manteve o mesmo entendimento:

TRIBUTARIO - ICMS - CREDITAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIARIO - PEÇAS E ACESSORIOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO, DE CONSERTO, DE CONSERVAÇÃO OU ACESSORIOS QUE GUARNECEM VEICULOS NÃO SE CONFUNDEM COM INSUMOS EXAURIDOS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTENCIA DO DIREITO AO CREDITO DO ICMS.

A Lei 13.790, de 2006, ao contrário do que pretende a consulente, não modificou o tratamento, nem em relação ao direito ao crédito, nem em relação à caracterização das peças de reposição como consumo do estabelecimento. O Pró-Cargas (Programa de Revigoramento do Setor de Transporte Rodoviário de Cargas de Santa Catarina) foi instituído com o escopo declarado de fomentar a atividade no Estado. Deste modo, o crédito do imposto, relativo à aquisição de peças de reposição, a que se refere o art. 2°, I, “d”, nada mais é que benefício fiscal, concedido como forma de estimular a referida atividade econômica. O seu caráter de incentivo torna-se evidente por abranger apenas o transporte de carga, não se estendendo ao transporte de passageiros ou à indústria em geral.

As peças de reposição não se integram fisicamente à mercadoria, nem são consumidos integralmente na prestação do serviço (regime de créditos físicos). Também não se destinam à integração ao ativo permanente do adquirente, mas apenas à sua conservação. São contabilizadas no ativo circulante (estoque) e, quando substituídas, como despesa ou custo. Por exclusão, devem ser consideradas como destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) peças de reposição consideram-se destinadas a uso ou consumo do estabelecimento;

b) fornecimento de peças de reposição, a prestador de serviço de transporte de carga ou de passageiros, é considerada saída com destino a consumidor final;

c) o imposto correspondente a saída de peças de reposição incide sobre a base de cálculo integral, sendo inaplicável o benefício previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01.

À superior consideração da Comissão.  

Getri, em Florianópolis, 18 de julho de 2007.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 6 de setembro de 2007. 

A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta a esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, ao final dos quais, se for o caso, o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios (Lei 3.938, de 1966, art. 212, I).

           Alda Rosa da Rocha                                                                    Almir José Gorges

           Secretária Executiva                                                                   Presidente da Copat