Consulta nº 050/07

EMENTA:       ICMS. A SAÍDA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO COM DESTINO A PRESTADOR DE SERVIÇO RODOVIÁRIO DE CARGAS ESTÁ EXCLUÍDA DO TRATAMENTO PREVISTO NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC/01, POR FORÇA DO DISPOSTO NO § 3° DO MESMO ARTIGO.

01 - DA CONSULTA.

Informa a consulente que dedica-se ao ramo de distribuição e comércio atacadista de autopeças e que grande parte de seus clientes são empresas de prestação de serviços de transporte. O Decreto 842, de 2003, acrescentou parágrafo ao art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01, do seguinte teor:

“§3°  Nas operações com autopeças e tecidos, o benefício previsto no ‘caput’ não se aplica às saídas de consumidor final”.

Sustenta a consulente que essa disposição legal não seria aplicável às operações com empresas prestadoras de serviço de transporte, pois estas são contribuintes do ICMS. Fundamenta sua posição nos seguintes argumentos:

a) para as empresas prestadoras de serviço de transporte, as peças de reposição são insumos utilizados na prestação de serviços;

b) consumidor final, para fins tributários, é o usuário final da mercadoria, a qual tem encerrado o seu ciclo de comercialização;

c) a Lei 13.790/06 (Pró Cargas) reconheceu que as peças de reposição são insumos da prestação de serviço ao permitir expressamente o crédito correspondente à sua aquisição.

A informação fiscal a fls. 9-10 manifesta-se contrariamente à tese defendida pela consulente, argumentando que “as peças de reposição são mercadorias destinadas ao seu uso e consumo, correspondendo a créditos financeiros, e como tal, o imposto somente poderia ser creditado no prazo previsto no artigo 33, inciso I, da Lei Complementar 87/96 (1° de janeiro de 2011)”. Acrescenta que a Lei 13.790/2006, “à revelia da Lei Complementar 87/96, permitiu, por tempo determinado, o crédito dessas mercadorias e, mesmo assim, apenas para as empresas de transporte rodoviário de cargas”.

Conclui a informação, sugerindo que a consulta não seja recebida, nos termos do art. 7°, III, “c”, da Portaria SEF 226, por não haver indagação alguma por parte da consulente e a matéria estar suficientemente clara na legislação.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei 13.790/06, art. 2°, I;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.

A presente consulta questiona o sentido e alcance da expressão “consumidor final”, utilizada pelo legislador, na redação do § 3° do art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01.

De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico) conceitua consumidor como quem adquire mercadoria “para seu uso ou consumo, sem intenção de revendê-la”. Já o adjetivo “final” aplicado a “consumidor” indica uma categoria de consumidores em especial, distinguido-a de outros consumidores que não são “finais”.

A Constituição anterior (1969), ao dar competência aos Estados para instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (art. 23, II), dispunha (§ 5°) que sua alíquota seria “uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como nas interestaduais realizadas com consumidor final”.

Há consenso entre os intérpretes que a expressão “consumidor final”, utilizada pelo constituinte, identifica aquele que adquire a mercadoria para seu próprio uso; para satisfazer suas necessidades. Distingue-se assim de quem adquire a coisa para empregá-la na produção de outras coisas, que serão destinadas ao comércio. Neste último caso, o consumo não seria final, mas intermediário.

O consumo final, portanto, define-se pelo uso dado à mercadoria, pouco importando se o consumidor é pessoa natural ou jurídica,  contribuinte ou não-contribuinte.

Com efeito, o constituinte de 1988, ao tratar da mesma matéria, ampliou o campo de aplicação da alíquota interestadual, conforme art. 155, §2°, VII:

“VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele:”

Assim, a alíquota interestadual passou a aplicar-se também ao “consumidor final que for contribuinte do imposto”. Nesta hipótese, dispõe o inciso VIII, deverá ser pago “ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual”. Trata-se de mercadoria que foi adquirida por contribuinte do imposto, na condição de “consumidor final”, ou seja, para seu próprio uso e não para aplicação na produção ou na prestação de serviço.

Quanto a identificação de quais mercadorias seriam adquiridas pelo “contribuinte do imposto”, na qualidade de “consumidor final”, a Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 2°, VI, constitui fato gerador do imposto “o recebimento de mercadorias, destinadas a consumo ou integração ao ativo permanente, oriundas de outra unidade da Federação”. O art. 10, IX, dispõe que a base de cálculo, neste caso, é “o valor da prestação ou da operação no Estado de origem ou no Distrito Federal”. Acrescenta o § 4° do mesmo artigo que “o imposto a recolher será o valor resultante da aplicação do percentual equivalente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sobre o valor ali previsto”.

Dos dispositivos legais citados, depreende-se que a aquisição por “contribuinte do imposto” de mercadoria destinada a integração ao ativo permanente ou ao uso ou consumo do estabelecimento, caracteriza-se como “consumo final”. A operação interestadual, neste caso, deve ser tributada pela alíquota interestadual, cabendo ao Estado onde localizado o destinatário cobrar a diferença entre o imposto cobrado pelo Estado de origem e o resultado da aplicação da alíquota interna sobre a mesma base de cálculo.

A consulta versa sobre a interpretação do § 3° do art. 90 do Anexo 2. Este artigo reduz a base de cálculo do imposto em 29, 411%, no caso de mercadorias sujeitas a tributação pela alíquota de 17%, e em 52%, no caso de mercadorias sujeitas a tributação pela alíquota de 25%. Em ambos os casos, a tributação efetiva é reduzida para o patamar equivalente à alíquota de 12%.

Desse tratamento, o referido § 3° exclui expressamente as autopeças destinadas a consumidor final.

A consulente argumenta que a Lei 13.790, de 2006, reconheceu expressamente o direito ao crédito relativo à aquisição de peças de reposição (art. 2°, I, “d”). Ora, como as mercadorias destinadas ao consumo do estabelecimento, pela legislação vigente, não dão direito ao crédito, conclui que as peças de reposição não se destinam ao consumo do estabelecimento.

O raciocínio da consulente é falho porque a premissa menor não é universal. Pelo contrário, é verdadeira apenas para o setor de transporte de cargas e, mesmo assim, apenas a partir da entrada em vigor da lei que criou o Programa Pró-cargas.

Com efeito, o dispositivo invocado permite o referido crédito, somente como estímulo ao desenvolvimento do setor de transporte (Programa Pró-cargas).  Não pode ser entendido como um reconhecimento de que as peças de reposição não se destinem ao consumo do adquirente. Qualquer outra peça de reposição – em setor de atividade diverso do transporte de cargas – não dá direito a crédito. Trata-se de benefício fiscal que somente produz efeitos a partir da edição da lei que o concede, como, aliás, dispõe expressamente o art. 6°, I, do mesmo pergaminho: “o disposto nesta Lei, em seu art. 2º, I, ‘d’, aplica-se somente às aquisições realizadas a partir de sua entrada em vigor”. Como norma excepcional, deve ser interpretada restritivamente, pois a regra geral é que os materiais de consumo não dão direito a crédito antes do regime de créditos financeiros entrar completamente em vigor.

As peças de reposição não constituem bens destinados à integração ao ativo imobilizado, nem são integralmente consumidas na prestação de serviço, devendo ser repostas ao final de certo tempo.

Mesmo porque o direito ao crédito é um critério irrelevante para a classificação do consumo como final ou intermediário. Os materiais de consumo darão direito ao crédito ou não de acordo com o regime de compensação adotado. Na verdade, a Lei Complementar 87/96 optou por implantar gradativamente o regime de créditos financeiros. As mercadorias destinadas ao consumo do estabelecimento não dão direito ao crédito hoje, mas darão direito ao crédito em algum momento no futuro. Não podemos admitir que a utilização da mesma mercadoria seja, num determinado momento, consumo final e, em outro momento, consumo intermediário, ou vice-versa, conforme possa ou não ser aproveitado o crédito.

Pelo contrário, a classificação de consumo final e de consumo intermediário, sendo econômica, deve permanecer a mesma, independentemente do regime de compensação adotado.

No caso em tela, as peças de reposição, à evidência, não constituem ativo permanente. Também não são insumos que são integralmente consumidos na prestação de serviços. Portanto, constituem material de uso e consumo do estabelecimento. A matéria já foi analisada por esta Comissão, na resposta à Consulta 23/2001, com a seguinte ementa:

EMENTA: ICMS. CRÉDITO DO ATIVO PERMANENTE. AS PARTES E PEÇAS ADQUIRIDAS PARA MANUTENÇÃO DE BENS INTEGRADOS AO ATIVO IMOBILIZADO SÃO CONSIDERADAS CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, SOMENTE DANDO DIREITO A CRÉDITO FISCAL QUANDO DA PLENA ENTRADA EM VIGOR DA LC 87/96.

Do corpo da consulta, extraímos referência a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, 1ª T, ED no REsp. 101.797-SP, j. 14.08.97) que, analisando caso anterior à edição da Lei Complementar 87/96 (créditos físicos), repeliu a possibilidade de crédito em relação a peças de reposição.

Em relação ao período posterior à edição da Lei Complementar 87/96, esta comissão acompanhou a resposta a Consulta 129/98, do Estado de São Paulo, que, baseada em teoria colhida em Sérgio de Iudicibus et Alli ("Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações", São Paulo: FIPECAPI/Atlas, 1985), assim tratou a questão:

“15. Já no que pertine às partes e peças adquiridas, separadamente, para o fim de manutenção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas no Ativo Imobilizado) de máquinas ou equipamentos, não geram, por suas aquisições, o direito de lançar na escrita fiscal o valor do imposto correspondente, por se tratar de valores de mercadorias que serão lançados na contabilidade como Ativo Circulante ou diretamente como despesas opercionais, gastos gerais de fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo direito ao crédito somente se dará a partir de 1º de janeiro de 2003, por força da Lei Complementar n° 99/99.”

Posto isto, responda-se à consulente:

a) peças de reposição de veículos utilizados na prestação de serviço de transporte rodoviário de cargas caracterizam-se como “consumo final” do estabelecimento;

b) a saída de peças de reposição com destino a empresa de transporte está excluída do tratamento previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01, por força de seu § 3°;

c) o regime de compensação do imposto, físico ou financeiro, é irrelevante para caracterizar consumo final.

À superior consideração da Comissão.      

Getri, em Florianópolis, 5 de junho de 2007.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 28 de junho de 2007. 

         Alda Rosa da Rocha                                                                      Almir José Gorges

        Secretária Executiva                                                                      Presidente da Copat