EMENTA: ICMS. O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E O ACESSO E USO DOS SISTEMAS DE TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO CONSTITUEM NEGÓCIOS DISTINTOS. O MERO USO DE REDE DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PELO FORNECEDOR, REMUNERADO PELA TUSD (TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO), NÃO CONSTITUI FATO GERADOR DO ICMS QUE IMPLICA NECESSARIAMENTE OBRIGAÇÃO DE DAR.

POR OUTRO LADO, A TUSD, QUANDO COBRADA DO CONSUMIDOR DA ENERGIA ELÉTRICA, INTEGRA A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO.

CONSULTA Nº: 36/07

Este texto não substitui o publicado no D.O.E. de 11.07.07

01 - DA CONSULTA

A consulta, segundo informa a interessada, versa sobre a interpretação dos arts. 95 a 99, 227 a 232, e 237 a 239 do Anexo 6 do RICMS-SC e art. 34 do ADCT.

Diz ainda que, em cumprimento da Lei federal n° 10.848/2004 e da Lei estadual n° 13.570/2005, a partir de 2 de outubro de 2006, cindiu-se em três empresas, sendo uma holding e duas subsidiárias integrais.

Feitos esses esclarecimentos, a consulta é formulada nos seguintes termos:

“Desde dezembro de 2003, a rede geradora de energia elétrica Companhia Energética de Chapecó – CEC utiliza a rede de distribuição de energia da Celesc Distribuição S.A., para entrega de sua mercadoria a outras comercializadoras, e remunera a consulente pela Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD. No momento do faturamento a Celesc tem destacado o ICMS com a alíquota de 25% nas respectivas faturas mensais. Mediante correspondência encaminhada à Celesc, a Companhia Energética de Chapecó – CEC comunicou que discorda da cobrança do imposto e, por isso, tem pago à Celesc os valores faturados mensalmente, exceto o ICMS, .....”.

“Considerando que:”

1. “A legislação contida no Regulamento do ICMS, vigente no Estado de Santa Catarina não contempla novas situações específicas praticadas no atual modelo do Setor Elétrico, pois a figura da Transmissão, e suas respectivas tarifas, além de outros atores no setor, são fatos novos, não previstos no referido Regulamento”;

2. “À época da implementação do Decreto n° 2.870/01, o setor elétrico do Estado era formado basicamente pela Celesc, Gerasul e Eletrosul”;

3. “Atualmente operam em nosso Estado geradoras, transmissoras, distribuidoras concessionárias, permissionárias, produtores independentes, dentre outros agentes”;

4. “Outros clientes da Celesc Distribuição S.A. que se enquadram em operações análogas, embora discordem da tributação, estão pagando o total faturado, inclusive o ICMS”.

Ao final, formula a seguinte consulta a esta Comissão: “considerando o novo cenário, resultante das atividades e seus respectivos agentes no novo modelo do setor elétrico, há incidência de ICMS nesse tipo de operação comercial?”

Foram juntadas cópias das leis citadas.

A informação fiscal, a fls. 38 e ss., sustenta que a dúvida quanto à incidência do ICMS justifica-se, porquanto a legislação existente (CF, art. 155, § 2°, X, b; ADCT, art. 34, § 9°; LC 87/96, art. 2°, § 1°, III, art. 3°, III, art. 9ª, ° 1°, II e § 2°) “impõe o destaque do imposto somente quando a energia elétrica for destinada ao usuário final, sendo o produto da arrecadação do Estado onde este estiver localizado”. Acrescenta a autoridade fiscal:

“Apesar da Carta Magna e da legislação infraconstitucional indicar à aplicação do princípio do destino, no caso de fornecimento de energia elétrica, o RICMS-SC/01 apenas contempla com diferimento as saídas internas de energia elétrica destinadas a empresa concessionária distribuidora de energia elétrica (Anexo 3, art. 8°, VII)”.

“Importante destacar que a operação realizada pela consulente, embora tratada como ‘distribuição de energia elétrica’ constitui, na verdade, tecnicamente como transmissão, eis que o produto não se destina a usuário final, mas a empresa comercializadora de energia elétrica, que realiza operações internas e interestaduais, sempre tendo como destinatários consumidores livres”.

Traz à colação a Decisão Normativa CAT-4, de 3-11-2004, do Estado de São Paulo (transcrição na íntegra), segundo a qual a transmissão de energia elétrica constitui operação de circulação de mercadoria.

A fls. 47 foi juntada a correspondência referida pela consulente, em que sua cliente , Companhia Energética Chapecó informa que deduziu dos valores cobrados o correspondente ao ICMS, por não concordar com sua cobrança. Contudo, a correspondência não esclarece os motivos da discordância.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

LC 87/96, art. 4º, § 4º, IV, art. 9º, § 1º, II;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, arts. 8°, VII, e 99, I e II; Anexo 6, arts. 98-A e 237, I, a.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A questão trazida pela consulente à apreciação dessa Comissão refere-se à determinação do fato gerador do ICMS nas operações com energia elétrica.

A competência tributária cometida aos Estados e ao Distrito Federal pelo art. 155, II, da Constituição, é para instituir e cobrar imposto sobre as seguintes situações fáticas:

a) operação relativa à circulação de mercadorias;

b) prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal;

c) prestação de serviço de comunicação.

À evidência, podemos, de plano, afastar a prestação de serviço de comunicação.

A prestação de serviço de transporte também pode ser afastada, considerando a natureza peculiar da corrente elétrica que não implica efetivo deslocamento de matéria entre o estabelecimento de origem e o de destino. Não há, a rigor, um transporte (= levar algo de um lugar para outro). A transmissão é de energia enquanto fenômeno eletro-magnético.

O único fato gerador possível, no caso da energia elétrica, é a operação relativa à circulação de mercadoria. Efetivamente, a energia elétrica, independentemente de sua natureza física, é considerada “mercadoria” por determinação legal (Código Penal, art. 155, § 3°). A própria Constituição reconhece expressamente a incidência do ICMS (art. 155, § 2°, X. b) sobre operações com energia elétrica.

Ora, o fato gerador do ICMS, na modalidade de circulação de mercadorias, consiste sempre em obrigação de dar. O imposto somente incide sobre obrigações de fazer, no caso da prestação de serviços de transporte e de comunicação.

A Lei Complementar n° 87/96, art. 9°, § 1°, II, permite que a responsabilidade pelo imposto possa ser atribuída às geradoras ou às distribuidoras de energia elétrica, desde a produção até a última operação. A base de cálculo, neste caso, será o preço praticado na operação final.

Revendo a legislação pertinente, vemos que o art. 98-A do Anexo 6 determina que a empresa distribuidora de energia elétrica deve emitir o competente documento fiscal para “cada consumidor livre ou autoprodutor que estiver conectado ao seu sistema de distribuição, para recebimento de energia comercializada por meio de contratos a serem liquidados no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, ainda que adquirida de terceiros (Convênio ICMS 95/05)”.

O art. 237 do mesmo Anexo atribui ao “consumidor de energia elétrica conectado à rede básica a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela conexão e uso dos sistemas de transmissão na entrada de energia elétrica no seu estabelecimento. (Convênios ICMS 117/04 e 135/05)”. A base de cálculo, nesta hipótese, será “o valor total pago a todas as empresas transmissoras pela conexão e uso dos respectivos sistemas de transmissão de energia elétrica, ao qual deve ser integrado o montante do próprio imposto”.

O art. 8°, VII do Anexo 3 difere para a etapa seguinte de circulação  o imposto relativo à saída de energia elétrica para estabelecimento de empresa concessionária, distribuidora do produto.

Finalmente, o art. 99 do mesmo Anexo atribui a responsabilidade pelo recolhimento do imposto, em  operação interestadual, ao estabelecimento gerador ou distribuidor ou ao agente comercializador de energia elétrica, quando esta for destinada a estabelecimento situado neste Estado que não promova nova saída.

Depreende-se dos dipositivos citados que a legislação tributária distingue entre “fornecimento” de energia elétrica e  “conexão e uso dos respectivos sistemas de transmissão de energia”. O primeiro constitui obrigação de dar – fornecimento de energia elétrica ao usuário, de produção própria ou adquirida de terceiro. Já o segundo caso, não parece constituir “obrigação de dar”, mas de mera “cessão de uso” do sistema de transmissão de energia.

Conforme informa a própria consulente, a Companhia Energética de Chapecó – CEC apenas utiliza a rede de distribuição de energia da consulente, mas a energia fornecida é de produção da própria CEC. Informa ainda que é remunerada pela Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD.

Ora, o art. 2° da Resolução ANEEL n° 166/05 define a TUSD como tarifa de uso dos sistemas de distribuição de energia elétrica, relativo ao serviço de transmissão e distribuição de energia elétrica. A mesma Resolução define que o faturamento mensal referente a contrato de compra de energia será remunerada pela Tarifa de Energia Elétrica – TE.

Conclui-se que a atividade da consulente não se caracteriza como obrigação de dar, o que exclui a exigibilidade do ICMS. A energia, no caso, é fornecida pela sua cliente, a CEC, que utiliza a rede de distribuição da consulente. Tanto é assim que a consulente  é remunerada pela TUSD e não pela TE. Diferente seria a situação se a consulente comprasse a energia da CEC e, a seguir, a revendesse a terceiros.

Não se está discutindo se a TUSD deve ou não integrar a base de cálculo do ICMS, enquanto valor cobrado do consumidor final. Porém, no caso presente, a consulente não fornece energia, mas apenas cede o uso de sua rede de transmissão o que não caracteriza o fato  gerador do ICMS, conforme competência dada aos Estados pela Constituição Federal.

Com efeito, o art. 9° da Lei n° 9.648/98 dispõe que “para todos os efeitos legais, a compra e venda de energia elétrica entre concessionários ou autorizados, deve ser contratada separadamente do acesso e uso dos sistemas de transmissão e distribuição”. Assim, se o negócio contratado é apenas de acesso e uso dos sistemas de transmissão e distribuição não se configura o fato gerador do ICMS. Para haver incidência do imposto, deve haver fornecimento de energia, consubstanciado em contrato de compra e venda.

Posto isto, responda-se à consulente:

a) para ficar caracterizado o fato gerador do ICMS, o negócio jurídico deve consistir em obrigação de dar (operação de circulação de mercadoria);

b) a mera disponibilização de rede de distribuição ao fornecedor de energia elétrica não constitui fato gerador do ICMS;

c) entretanto, os valores pagos pelo fornecedor pela utilização da rede, quando cobrados do consumidor, devem integrar a base de cálculo do ICMS.

À superior consideração da Comissão.     

Getri, em Florianópolis, 22 de fevereiro de 2007.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 17 de maio de 2007.

       Alda Rosa da Rocha                                                                        Almir José Gorges

        Secretária Executiva                                                                          Presidente da Copat