EMENTA: ICMS. SIMPLES/SC. RECEITA TRIBUTÁVEL. A DEVOLUÇÃO DE MERCADORIA INDUSTRIALIZADA AO ENCOMENDANTE NÃO CONSTITUI RECEITA BRUTA, CONFORME PREVISÃO DO ART. 2º, § 1º, III, DA LEI Nº 11.398/00 E, TAMPOUCO, RECEITA TRIBUTÁVEL, PREVISTA NO ART. 4º, § 1º, DESTA LEI. NESTE CASO, TRIBUTA-SE APENAS O VALOR CORRESPONDENTE À INDUSTRIALIZAÇÃO EFETUADA, QUE COMPREENDE O SERVIÇO PRESTADO E A MERCADORIA FORNECIDA.

 

CONSULTA Nº: 81/06

D.O.E. de 07.02.07

1 - DA CONSULTA

O consulente é empresa optante pelo Simples/SC e dedica-se à fabricação de móveis sob encomenda. Sua dúvida é relativa à operação de industrialização, para encomendante situado em outro Estado: tributa-se apenas a industrialização efetuada, CFOP 6.124 – industrialização efetuada para outra empresa - “que é a receita realmente auferida”, ou também integra a receita tributável, definida no art. 4º, § 1º, da Lei nº 11.398/00 - Simples/SC, o “retorno da mercadoria cujo objeto era a industrialização”, CFOP 6.902 – retorno de mercadoria utilizada na industrialização por encomenda?

O Auditor Fiscal da unidade fazendária local, após análise da situação em confronto com a legislação conclui que “as operações decorrentes de remessa ou retorno de industrialização, sejam elas, internas ou interestaduais, estão ao abrigo da suspensão do ICMS e não integram a receita tributável das empresas enquadradas no Simples/SC”.

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, art. 150, I;

Lei nº 11.398, de 8 de maio de 2000, arts. 2º, parágrafo único, III e 4º, § 1º, V.

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A dúvida apontada pelo consulente refere-se à tributabilidade, ou não, da devolução de mercadoria industrializada sob encomenda, sendo o encomendante estabelecimento situado em outro Estado, ante o que dispõe o art. 4º, § 1º, V, da Lei nº 11.398/00:

“§ 1º Será considerada receita tributável, para os fins deste artigo, a receita bruta, como definida no inciso III do parágrafo único do art. 2º, deduzida dos valores correspondentes:

(...)

V – às operações internas decorrentes de remessas para depósito, armazenagem, demonstração, feira ou exposição, industrialização ou conserto”; (destaquei).

A receita tributável, para fins de tributação pelo Simples/SC, funda-se no conceito de receita bruta, definido no art. 2º, parágrafo único, inciso III, dessa Lei. Por sua vez, a receita bruta relaciona os seguintes componentes:

a) as vendas de mercadorias e as prestações de serviços (Lei nº 13.618/05);

b) as receitas não operacionais, delas excluídas as receitas financeiras de juros, correção monetária e descontos;

c) as receitas auferidas em conjunto por todos os estabelecimentos da mesma empresa, dentro ou fora do território catarinense;

d) as receitas próprias e as auferidas pelo fundo de comércio ou estabelecimento comercial ou industrial adquirido pela empresa quando a mesma continuar a respectiva exploração sob o mesmo ou outro nome comercial;

e) as vendas de bens adquiridos para integrar o ativo imobilizado, salvo quando ocorridas após o uso normal a que se destinavam, considerando-se como tal o decurso de período não inferior a doze meses”.

Verifica-se, pois, que há antinomia entre as normas contidas nos dois artigos da Lei nº 11.398/00. Com efeito, se for seguida a regra do art. 4º, § 1º, V, desta Lei, são excluídas apenas as remessas internas para industrialização, para fins de cálculo da receita tributável. “A contrario sensu”, as remessas interestaduais para industrialização e também suas devoluções integrariam a receita tributável, eis que não estão previstas expressamente no dispositivo.

Obtém-se conclusão diversa, porém, se for examinado o conceito de receita bruta, previsto no art. 2º, parágrafo único, III, da Lei nº 11.398/00. A devolução de mercadoria industrializada ao encomendante não consta do rol do mencionado dispositivo desta Lei e, assim, não constitui receita bruta e, tampouco, receita tributável. Essa operação não gera para o estabelecimento industrializador qualquer receita, pois não há ingresso financeiro correspondente.

Chega-se, assim, a um impasse, pois as normas contidas nos dois artigos da Lei levam a soluções contraditórias. A doutrina aponta, para a solução de antinomias, três critérios distintos, a saber: a) critério cronológico, em que a norma posterior prevalece sobre a anterior; b) critério hierárquico, segundo o qual há prevalência da norma superior sobre a inferior; c) critério da especialidade, em que a norma especial prevalece sobre a geral. Contudo, nenhum dos critérios citados resolve o problema, pois as duas normas originaram-se na mesma época, do mesmo veículo normativo, e não guardam relação de hierarquia ou de especialidade entre elas.

Fábio Ulhoa Coelho (Roteiro de Lógica Jurídica. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 71 e 72) argumenta que “por vezes, esses critérios podem se revelar insuficientes, isto é, impotentes para a solução das antinomias. Isso ocorre, em primeiro lugar, quando os próprios critérios entram em conflito”. Nesse caso, informa que há “antinomia de segundo grau”, pois “a incompatibilidade não reside apenas nas normas, mas igualmente nos critérios de sua superação”.

Conforme o autor, há outros critérios para se resolver antinomias de segundo grau. No conflito entre o cronológico e o hierárquico, prevalece este último. Prevalece o critério da especialidade no confronto com o cronológico. Já, quando a antinomia de segundo grau se dá entre o critério hierárquico e o da especialidade, pondera que “inexiste meio seguro para se optar por um ou outro, tendo em vista a igual importância dos valores relacionados com cada um deles. O critério da hierarquia decorre do valor segurança e o da especialidade é imposição da justiça” (op. Cit., p. 72).

O autor aponta, ainda, situação particularmente tormentosa, na qual os critérios oferecidos pelo direito são insuficientes para a resolução de antinomias:

“Trata-se do conflito entre duas normas editadas concomitantemente, de hierarquia e âmbito de incidência idênticos. Pense-se em dois dispositivos da mesma lei tributária, definindo, para determinado imposto, alíquotas diversas. Cada dispositivo estabelece um valor diferente ao tributo a ser pago”.

“Nessas situações (antinomia de segundo grau entre os padrões hierárquico e o da especialidade, de um lado, e a identidade de hierarquia, cronologia e âmbito de incidência, de outro), configura-se a chamada antinomia real, ou seja, aquela para cuja superação não existe critério. Diante das antinomias reais, deve-se considerar que as duas normas antinômicas são igualmente válidas, podendo-se escolher qualquer uma delas”. (Id. Ib., p. 72).

Ressalte-se, todavia, que a eleição de uma dessas normas, quando houver antinomia real, deve ser feita pelo intérprete, segundo os princípios que informam o sistema jurídico. A norma escolhida deve ser a mais coerente, razoável e justa possível. Dessa forma, entendo que a norma que melhor preenche esses requisitos é a que dispõe sobre a receita bruta – art. 2º, parágrafo único, III, da Lei nº 11.398/00, pois:

a) desconsidera operações como integrantes da receita bruta, tal como a devolução de mercadoria industrializada ao encomendante, o que está de acordo com o conceito econômico de receita;

b) harmoniza-se com o conceito de justiça ou isonomia, uma vez que a operação apontada, realizada por não optante do Simples/SC, é beneficiada pela suspensão do imposto (art. 27, II, do Anexo 2 do RICMS/SC). Assim, configura-se mais justo, por ser isonômico ao tratamento dado para contribuintes não optantes do Simples/SC, a exclusão de tal operação no cálculo da receita bruta e, por conseguinte, da receita tributável.

Segundo informa o princípio da tipicidade tributária,  corolário do princípio da estrita legalidade, insculpido no art. 150, I, da CF/88, não é lícito tributar operação não prevista expressamente na lei. Em outras palavras, não é possível ampliar o conceito de receita além do que está posto na lei. O que gera, sim, receita, é a industrialização efetuada, classificada no CFOP 6.124, envolvendo serviços prestados e fornecimento de mercadorias.

Isto posto, responda-se à consulente que:

a) a devolução de mercadoria industrializada ao encomendante não constitui receita bruta, conforme previsão do art. 2º, § 1º, III, da Lei nº 11.398/00 e, tampouco, receita tributável, prevista no art. 4º, § 1º, desta Lei;

b) tributa-se, segundo a Lei do Simples/SC, apenas a industrialização efetuada para o encomendante, classificada no CFOP sob nº 6.124, que envolve o serviço prestado e a mercadoria fornecida pelo industrializador.

Este é o parecer que submeto à superior consideração desta Comissão.

Gerência de Tributação, Florianópolis, 26 de outubro de 2006.

Fernando Campos Lobo

AFRE III – matrícula 184.725-2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 26 de outubro de 2006.

Alda Rosa da Rocha                                                     Pedro Mendes

Secretária Executiva                                                     Presidente da COPAT