EMENTA: ICMS/ISS. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. O SERVIÇO DE PROVIMENTO DE ACESSO À INTERNET CONSTITUI SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO E SUJEITA-SE AO ICMS, QUANDO ONEROSO.

 

CONSULTA Nº: 27/06

D.O.E. de 19.10.06

1 - DA CONSULTA

A consulente é empresa de informática que atua como provedora de acesso à internet. Informa que tem recolhido o ICMS ao fisco estadual, relativo a essa atividade, desde 2002, e que “possui informações de que o fisco municipal buscará tributar a referida atividade como se serviço fosse (tributada pelo ISSQN)”.

Pretende saber se, com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/03, “ocorreu alguma alteração relacionada com a tributação da atividade desenvolvida pela empresa consulente (provedor de internet)”. Para esclarecer a dúvida, formula as seguintes questões:

a)      O ICMS incide sobre a atividade de provimento de acesso à internet?

b)      Se positiva a resposta à questão do item a), qual a previsão legal para a exigência tributária?

c)      A partir de qual data seria devido o recolhimento do tributo ao fisco estadual?

d)      Se negativa a resposta à questão do item a), a partir de quando a empresa não deveria pagar o ICMS sobre suas atividades?

Na informação fiscal (fls. 11), o Auditor Fiscal observa que a consulta preenche as condições materiais e processuais de admissibilidade previstos para o instituto. Pondera que, apesar de haver resolução normativa sobre a matéria (RN nº 33, de 07/06/2002), esta é anterior à Lei Complementar nº 116/03, o que pode ensejar nova interpretação pela COPAT.

É este o relatório, passo à análise.

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, art. 155, II;

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, art. 2º, III;

Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 2º, III;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 13, III.

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A matéria objeto desta consulta já foi apreciada por esta Comissão e a resposta proferida para a Consulta nº 15/02 resultou na Resolução Normativa nº 33, publicada no Diário Oficial do dia 07/06/2002, cuja ementa é transcrita abaixo:

“ICMS. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. O SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET CONSTITUI PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, CONFIGURANDO, QUANDO ONEROSO, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ICMS”.

Para facilitar o entendimento sobre o assunto, este é apresentado em tópicos.

1. Competência tributária na instituição de imposto sobre a prestação onerosa de serviço de comunicação.

A Constituição Federal de 1988 definiu, em seu art. 155, inciso II, a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir imposto sobre prestações de serviços de comunicação.

A Lei Complementar nº 87/96, que estabelece normas gerais sobre o ICMS prevê, em seu art. 2º, III, como hipótese de incidência do ICMS: “... prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza” (destaquei).

A Lei nº 10.297/96, que instituiu o ICMS no âmbito do Estado de Santa Catarina, dispôs em termos idênticos ao previsto na LC nº 87/96, em seu art. 2º, III, quanto à incidência do imposto sobre prestações onerosas de serviços de comunicação.

Destaque-se que cabe exclusivamente aos Estados a instituição e cobrança de imposto sobre prestações onerosas de serviços de comunicação. Isso se deve à rígida discriminação constitucional de competências tributárias, que possibilitou aos Municípios a instituição e cobrança do ISSQN sobre as prestações de serviços não abrangidos pela competência dos Estados (CRFB/88, art. 156, III).

2. A natureza do serviço de provimento de acesso à internet: serviço de comunicação.

A “quaestio juris” refere-se à definição da natureza do serviço prestado pelo provedor de acesso à internet: se é um serviço de comunicação, ou de outra natureza. Se o serviço prestado pelo provedor for classificado como de comunicação, sujeita-se ao ICMS, de competência estadual, conforme previsto no art. 155, II, da Constituição Federal. Caso contrário, se não for considerado como serviço de comunicação, pode, em tese, ser um serviço sujeito ao ISSQN. Todavia, como será visto adiante, isso não ocorre.

É preciso inicialmente, definir e entender o que é serviço de comunicação. Segundo Aires F. Barreto (Revista de Direito Tributário, nº 85, p. 150), para que haja um serviço de comunicação, é necessário que, “além de transmissor, receptor, mensagem, codificação comum, o meio seja fornecido por terceiro e que esse meio seja oneroso”. Esses são os elementos essenciais para que haja prestação de serviço de comunicação.

Isso conduz ao conceito de serviço, conforme o autor acima citado: “esforço humano prestado a terceiros com conteúdo econômico, em caráter negocial, oneroso, regulado pelo Direito Privado, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial”.

Destaque-se o registro de Roque Antonio Carrazza (ICMS. 6ª ed. Malheiros, p. 132): “... o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a ‘relação comunicativa’, isto é, a atividade de alguém, em caráter negocial, fornecer a terceiro condições materiais para que a comunicação ocorra.” Ou seja, para que ocorra uma prestação de serviço de comunicação tributável pelo ICMS, é necessário que exista um terceiro que viabilize a comunicação, fornecendo os meios ao tomador, de forma onerosa.

Passa-se agora à descrição, no mundo dos fatos, dos serviços prestados pelo provedor de acesso à internet. Para isso, é elucidativo o seguinte trecho, extraído da resposta à Consulta nº 33/99, em que a matéria tratada é idêntica à atual:

“No caso em tela, é extreme de dúvidas que se realiza de fato uma comunicação. Através de seu computador, o usuário dos serviços da consulente envia e acessa informações contidas em computadores localizados nas mais diversas partes do globo, recebe e transmite mensagens, imagens, fac-símiles etc., consulta bancos de dados, comunica-se em tempo real com outras pessoas através dos denominados chats, enfim, as possibilidades de troca de informações através da Internet são incontáveis.

Por outro lado, também não se pode negar que essa comunicação somente ocorre em função dos serviços prestados pela consulente, que, através de seus equipamentos, e programas específicos, realiza, em favor do contribuinte e mediante remuneração, o roteamento, o armazenamento e encaminhamento de informações, implementa e gerencia protocolos e rotinas destinadas a administrar as conexões à rede, fornece os meios para a transmissão de correio eletrônico, acesso a computadores remotos, transferência de arquivos, acesso a banco de dados, acesso a diretórios etc.

Trata-se, pois, positivamente de uma prestação onerosa de serviço de comunicação, (...)”

Marco Aurélio Greco, em sua obra Internet e Direito (2ª ed. Dialética, 2000, p. 125), discorre brevemente sobre os quatro elementos que compõem a internet: a) conjunto de dispositivos ligados, tais como computadores, roteadores, etc.; b) meio físico, que liga os dispositivos entre si, como cabos, satélites, etc.; c) linguagem específica, que permite aos equipamentos entenderem as instruções e procedimentos e d) endereço lógico, que indica a posição de cada componente, relativamente ao conjunto de toda a rede.

Salienta o autor (op. cit., p. 126), que “todo aquele que pretenda se conectar à internet, para ser reconhecido na rede e poder enviar e receber mensagens, precisa se utilizar de um endereço lógico”, denominado “endereço IP” (Internet Protocol) e quem disponibiliza tal “endereço lógico” ao internauta é o provedor de acesso à internet.

Prossegue Marco Aurélio (op. cit., p. 127), informando que “o acesso à internet abrange um conjunto de fases que podem ser visualizadas como camadas superpostas (layers), cada uma delas formada por vários conjuntos de elementos”. Dessa forma, a primeira camada é a “camada de ligação física”, viabilizada pela prestadora de serviços de telefonia, que estabelece uma ligação telefônica entre dois números telefônicos. A segunda camada é a “camada de conexão lógica”, disponibilizada pelo provedor de acesso à internet, que atribui ao usuário um endereço lógico IP, que irá permitir o seu reconhecimento pelos demais na rede. A terceira camada é a “camada de aplicativos”, tais como os programas de navegação (browser), bate-papo (chat), correio eletrônico, etc.

Esclarece o autor (op. cit., p. 128) que o serviço prestado pelo provedor de acesso à internet situa-se na segunda camada (atribuição de endereço IP), e que o ambiente criado por este, para viabilizar a transmissão de mensagens através da internet, é distinto do ambiente fornecido pela prestadora de serviços de telefonia.

Feitas essas ponderações, conclui o autor (op. cit., p. 130 e 131):

“O serviço prestado pelo provedor de acesso é diferente do serviço prestado pela empresa de telefonia, pois a conexão à internet permite uma multiplicidade de conexões e uma multiplicidade de caminhos para a transmissão de mensagens. Sob este ângulo, o provedor de acesso atua como um instrumento, ou meio, para que o usuário possa ter acesso a um sistema de transferência de mensagens com tal flexibilidade. No âmbito da internet, só haverá transmissão de mensagem se houver um endereço lógico de origem e de destino e este endereço não é fornecido ao usuário pela empresa de telefonia. Portanto, o provedor fornece ‘algo mais’ do que o viabilizado pela telefonia e algo que se insere como um meio diferenciado de realização de transmissão de mensagens. (...) Entendo que o serviço prestado pelo provedor de acesso à internet configura um serviço de comunicação, estando abrangido pelo âmbito de incidência do ICMS de competência estadual” (destaquei).

3. A não incidência do ISSQN sobre o serviço de provimento de acesso à internet.

Apesar da ponderação do Auditor Fiscal na sua informação (fls. 11), de que poderia haver interpretação diferente desta Comissão, quanto à incidência tributária sobre o serviço de provimento de acesso à internet, a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003, na verdade não houve mudança de tratamento tributário para tal atividade, segundo a legislação complementar federal. Com efeito, tanto a Lista de Serviços anterior, na vigência da Lei Complementar nº 56/87, quanto a atual, anexa à LC nº 116/2003, não prevêem o serviço de provimento de acesso à internet.

A Lista de Serviços vigente, anexa à Lei Complementar nº 116/2003 prevê, em seu item 1, os serviços de informática e congêneres. Se o serviço de provimento de acesso à internet fosse alcançado pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), seria esse o item dentro do qual se encontraria sua hipótese de incidência. Todavia, verifica-se que não há nesse item qualquer referência à atividade de provimento de acesso à internet.

O art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003 estabelece que “o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ...” (o destaque é nosso).

Assim, com base no princípio da legalidade e seu corolário, o princípio da tipicidade tributária, pode-se afirmar que, se o serviço de provimento de acesso à internet não consta da Lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, não há incidência do ISSQN sobre ele. Isso porque tal Lista deve ser considerada taxativa, ou seja, os serviços alcançados pelo imposto municipal são apenas os ali relacionados.

4. A legislação estadual sobre a matéria.

O Conselho de Política Fazendária – CONFAZ – regulou, mediante o Convênio nº 78/01, a tributação dos serviços de provimento de acesso à internet. Note-se, conforme atesta a norma abaixo, que o provimento de acesso à internet, quando prestado de maneira onerosa, é classificado como prestação de serviço de comunicação:

Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder redução de base de cálculo do ICMS incidente nas prestações onerosas de serviço de comunicação, na modalidade de provimento de acesso à Internet, realizadas por provedor de acesso, de forma que a carga tributária seja equivalente ao percentual de 5% (cinco por cento) do valor da prestação”. (os destaques são nossos).

O Estado de Santa Catarina, ao implementar essa norma, inseriu-a na Seção II do Anexo 2 do RICMS/SC-01, in verbis:

Seção II

Das Prestações de Serviços

Art. 13. Fica reduzida a base de cálculo nas seguintes prestações de serviço:

I – (...);

II – (...);

III - onerosa de comunicação, na modalidade de provimento de acesso à Internet, realizadas por provedor de acesso, em 80% (oitenta por cento), até 31 de dezembro de 2006. (Convênios ICMS 78/01, 116/03, 119/04 e 120/04).

Parágrafo único. Fica facultado aplicar diretamente os seguintes percentuais sobre a base de cálculo integral, desde que o sujeito passivo aponha, no documento fiscal, a seguinte observação: “Base de cálculo reduzida - RICMS-SC/01, Anexo 2, art. 13, ...”:

I – (...);

II – (...);

III - na hipótese do inciso III, o percentual de 5% (cinco por cento)”.

Assim, segundo a legislação tributária estadual, o serviço oneroso de provimento de acesso à internet está sujeito à incidência do ICMS, com o benefício de redução de 80% (oitenta por cento) da base de cálculo do imposto. 

5. Conclusão.

Vistas as considerações acerca da natureza da atividade exercida pelos provedores de acesso à internet, a opinião da doutrina, a legislação tributária pertinente sobre a matéria e ainda, considerando que:

1. os provedores de acesso à internet, mediante o fornecimento de um endereço lógico – o Internet Protocol (IP) – propiciam aos usuários, meios para que mensagens sejam transmitidas aos destinatários, mediante seus equipamentos, roteadores, programas de computador, aplicativos e demais dispositivos eletrônicos;

2. este meio é independente em relação aos serviços prestados pelas empresas de telefonia;

3. fornecer meios para que a comunicação seja viabilizada significa prestar serviço de comunicação, segundo a legislação vigente;

4. este serviço é fornecido mediante contratação, de forma onerosa ao usuário.

Conclui-se que:

O serviço oneroso de provimento de acesso à internet é um de serviço de comunicação e enquadra-se dentre os previstos no art. 2º, III, da LC nº 87/96, ou seja: “prestações onerosas de serviços de comunicação por qualquer meio”. Assim, esse serviço sujeita-se à incidência do ICMS.

Isto posto, responda-se à consulente que:

a) a entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/03, que dispõe sobre o ISSQN, não trouxe alteração alguma quanto ao serviço de provimento de acesso à internet, mesmo porque esse é um serviço de comunicação, sujeito à incidência do ICMS, de competência estadual;

b) como se trata de um serviço de comunicação, a previsão legal de incidência encontra-se no art. 2º, inciso III, da Lei estadual nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996;

c) o imposto é devido desde o momento em que a empresa prestou o primeiro serviço de provimento de acesso à internet, respeitado o prazo decadencial para o lançamento do tributo.

d)       prejudicado, face à resposta fornecida ao primeiro quesito.

Este é o parecer que submeto à superior consideração desta Comissão.

Gerência de Tributação, Florianópolis, 11 de abril de 2006.

Fernando Campos Lobo

AFRE III – matrícula 184.725-2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 11 de abril de 2006.

Josiane de Souza Correa Silva                                       Pedro Mendes

Secretária Executiva                                                     Presidente da COPAT