EMENTA: CARCINICULTORES (CRIADORES DE CAMARÃO) EQUIVALEM A PRODUTORES PRIMÁRIOS PERANTE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA CATARINENSE SENDO, PORTANTO, CONTRIBUINTES DO ICMS.  SUAS UNIDADES DE PROCESSAMENTO INDUSTRIAL ARTESANAL (LIMPEZA, CONSERVA E EMBALAGEM DO CAMARÃO) SÃO EQUIPARADAS A ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL CONFORME LEI Nº 10.610/97.  DESTARTE, É-LHES FACULTADO O APROVEITAMENTO DO CRÉDITO PRESUMIDO PREVISTO NO RICMS/SC, ANEXO 2, ART, 21, VI, “B”, DESDE QUE OBSERVADO O DISPOSTO NO § 4º DO MESMO ARTIGO.

CONSULTA Nº: 71/05

PROCESSO Nº: GR11 47927/050

01- DA CONSULTA.

A Consulente acima identificada, devidamente qualificada nos autos deste processo de consulta, vem em nome de seus associados – produtores rurais que se dedicam à cultura de camarão -  expor,  em síntese, o seguinte:

Considerando que o Decreto nº 842/03 concedeu redução de alíquota de ICMS para a saída de produtos industrializados, consulta a esta Comissão se o benefício tratado no Decreto citado aplica-se aos carcinicultores e às Cooperativas de produtores de Camarão do Estado de Santa Catarina

Entende que o benefício  concedido pelo Decreto citado não abrange apenas as empresas (pessoas jurídicas), mas estende-se aos produtores rurais e suas cooperativas.

Acrescenta, que  se trata de pedido oportuno em razão da crise por que passa o setor. 

A autoridade fiscal no âmbito da Gerência Regional em  Tubarão conclui que não se trata de consulta, pois “ O que a requerente pretende, não é uma consulta acerca da interpretação da  legislação tributária, mas um estudo para que os carnicicultores possam ter um benefício da legislação tributária, já existente para outro ramo empresarial, não se tratando de matéria pertinente à consulta” (fl. 07).

É o relatório, passo à análise.

02 - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

Lei nº 10.610, de 1º de dezembro de 1997, art. 1º;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 28 de agosto de 2001, art. 5º ; Anexo 2, art. 21, VI, “b”, § 4º ; Anexo 6, arts. 12, 13, 16 e 30-A;

Portaria SEF nº 226, 30 de agosto de 2001, art. 1º, parágrafo único, II .

03 – DA FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA.

Preliminarmente, deve-se registrar que, numa leitura apressada da exordial,  pode-se  chegar à mesma conclusão a que chegou a autoridade fiscal, ou seja, de que o pedido não se trata de consulta, mas  de solicitação de estudo desta Comissão para uma futura proposição de lege ferenda. Isso se deve em razão de a peça vestibular carecer de lógica e precisão argumentativa.

Porém, “Em processo administrativo são indispensáveis algumas  formas e ritos adequados à consecução de seus fins, porém, são suficientes as formalidades estritamente necessárias à  obtenção da certeza jurídica e à segurança procedimental. (...) Afora isto, não é dado apegar-se em excessivo formalismo, pretendendo unicamente impossibilitar o alcance do verdadeiro objetivo do processo administrativo...” (VEIGA, Lintney Nazareno da, O Processo Administrativo Fiscal. In Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros. Vol. 73, pág.168.). Estribado no enunciado do princípio do informalismo ou do formalismo moderado que deve matizar o processo administrativo em geral, o caso em tela requer algumas ponderações, senão vejamos:

a)       O Decreto nº 842, de 29 de setembro de 2003, citado pela consulente, introduziu no RICMS/SC, entre outras, a Alteração nº 359 que se refere ao inciso VI do artigo 21 do Anexo 2, in verbis:

Art. 21. Fica facultado o aproveitamento de crédito presumido em substituição aos créditos efetivos do imposto, observado o disposto no art. 23:

VI – nas saídas de peixes, crustáceos ou moluscos, calculado sobre o valor do imposto devido pela operação própria, nos seguintes percentuais, observado também o disposto no § 4º, quando (Lei nº 10.297/96, art. 43):

a) promovidas por estabelecimento industrial:

1. 89,412% (oitenta e nove inteiros e quatrocentos e doze milésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 17% (dezessete por cento);
2. 85% (oitenta e cinco por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 12% (doze por cento);
3. 74,286% (setenta e quatro inteiros e duzentos e oitenta e seis milésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 7% (sete por cento);

b) promovidas por outros estabelecimentos, exceto varejistas:

1. 64,70% (sessenta e quatro inteiros e setenta centésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 17% (dezessete por cento);
2. 50% (cinqüenta por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 12% (doze por cento);
3. 14,29% (quatorze inteiros e vinte e nove centésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 7% (sete por cento).
       § 1º. Na hipótese do inciso I, tratando-se de operação sujeita à alíquota de 7% (sete por cento), o crédito dos valores fiscais relativos à aquisição dos insumos e dos serviços recebidos será proporcional ao volume destas operações.

§ 4º O benefício previsto no inciso VI: 

I - não se aplica:
a) cumulativamente com aquele previsto no art. 11, I, "h" e "n";
b) nas saídas de adoque, bacalhau, congrio, merluza, pirarucu e salmão;
c) nas transferências internas para outros estabelecimentos do mesmo titular;
d) nas saídas promovidas por estabelecimentos varejistas;
      II - fica condicionado à concessão, pelo Secretário de Estado da Fazenda, de regime especial no qual poderão, como forma de incentivar o desenvolvimento da atividade no Estado, ser definidas outras condições e garantias.

b)       Tratando-se  de uma associação de carcinicultores, que segundo o dicionário Aurélio refere-se  àqueles que se dedicam à cultura de crustáceos, pode-se inferir, das entrelinhas da peça vestibular, que a intenção da consulente é ver sua dúvida esclarecida. Isto é: Os seus associados - produtores primários e as suas cooperativas de produtores -  poderão  utilizar o crédito presumido previsto no artigo 21 suso transcrito, e cuja redação atual foi inserida pelo Decreto nº  842/03.

Pelo exposto, e considerando que a consulente tem legitimidade para pleitear o labor desta Comissão (Portaria  SEF nº 226/01, art. 1º, parágrafo único, II), e estando subentendido o dispositivo da legislação sobre o qual repousa a dúvida da consulente, e, em homenagem aos princípios da fungibilidade e da economia processual que se prestam perfeitamente ao caso em tela, é lídimo concluir que o presente pedido pode ser recebido como consulta.

No mérito, tem-se que a matéria em tela restringe-se a delimitação do conceito de produtor primário  para fins da legislação tributária, bem como, se as unidades de produção podem ser classificadas como estabelecimentos industriais ou comerciais.

Mister se faz, portanto, resgatar o que preceitua os artigos 12 ,13 e 16 do  Anexo 6:

Art. 12. Para os fins deste Capítulo considera-se:

I - produtor primário, a pessoa física que se dedique à produção agrícola, animal ou extrativa vegetal ou à captura de animais marinhos, com:

a) manipulação ou simples conservação dos respectivos produtos em estado natural;

b) elaboração, em pequena escala, de produtos artesanais comestíveis de origem animal ou vegetal, desde que registrado no Serviço de Inspeção Estadual - SIE, nos termos da Lei n° 10.610, de 01 de dezembro de 1997;

II - local de exercício da atividade de produtor primário, o lugar, construído ou não, onde este a exerce, em caráter permanente ou temporário, bem como o local onde se encontrem armazenados ou depositados os produtos objeto de sua atividade, ainda que este local pertença a terceiros.

Parágrafo único. Considera-se ainda produtor primário quem se dedique às atividades de pesca, apicultura, aqüicultura, avicultura, cunicultura, ranicultura, sericicultura e congêneres, exceto a de extração de substâncias minerais.

Art. 13. Os produtores primários deverão providenciar sua inscrição no Cadastro de Produtor Primário - CPP junto à Unidade Setorial de Fiscalização ou à prefeitura municipal ou entidade conveniada para esse fim a que jurisdicionado o local de exercício de sua atividade

Art. 16. A alteração dos dados cadastrais do contribuinte inscrito no CPP deve ser comunicada dentro de 15 (quinze) dias contados da data da ocorrência do fato.

De outro norte, o RICMS/SC em artigo 5º  determina que “Estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias.”

Depreende-se da simples leitura dos dispositivos suso transcritos que os produtores primários são considerados contribuintes do ICMS e suas unidades produtivas são equiparadas a estabelecimento para fins da legislação tributária .

Aduz as razões deste parecer o que  determina o artigo 30- A do Anexo 6 do RICMS/SC, in verbis:

Art. 30-A. O produtor primário que realize predominantemente operações sujeitas ao recolhimento do imposto por ocasião da saída poderá, mediante regime especial deferido pelo Gerente Regional, ser autorizado a apurar e recolher o imposto na forma prevista para os contribuintes pessoas jurídicas, ....

Numa interpretação sistêmica da legislação tributária vigente, observa-se que foi dispensado, ao produtor primário catarinense,  tratamento simplificado em relação à inscrição no cadastro de contribuintes - Cadastro de Produtores Rurais, e às obrigações tributárias acessórias, mas, no tocante à obrigação tributária principal  não    nenhuma distinção  entre os produtores rurais e os contribuintes normais.

Ressalte-se, também, que o legislador prevê a possibilidade de os produtores primários serem equiparados a estabelecimentos industriais, quando se refere “a elaboração, em pequena escala, de produtos artesanais comestíveis de origem animal ou vegetal, desde que registrado no Serviço de Inspeção Estadual - SIE, nos termos da Lei n° 10.610, de 01 de dezembro de 1997;” (RICMS/SC, Anexo 6, art. 12, I “b”).

A Lei nº 10.610/97, que trata das normas sanitárias para elaboração e comercialização de produtos artesanais comestíveis de origem animal e vegetal, em seu artigo 1º, § 1º diz:

§ 1º São considerados passíveis de beneficiamento e elaboração de produtos artesanais comestíveis de origem animal e vegetal, as seguintes matérias primas, seus derivados e subprodutos.

(...)

V- peixes, crustáceos e moluscos.

Antes, porém, cabe advertir que para fins da aplicação da lei suso transcrita, a  definição do processo industrial artesanal (beneficiamento e elaboração a que poderá se submeter o camarão) deve ser feita à luz da legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados.  Compulsando-se a Tabela do IPI, encontra-se na  sessão IV referente aos produtos das indústrias alimentícias, o capítulo 16 que trata da preparação de carnes, peixes, de crustáceos e de moluscos. Assim, o benefício previsto na alínea “a”, VI do artigo 21 do Anexo 2, do RICMS/SC, objeto desta consulta, somente se  aplica às saídas de camarão, cujo processamento industrial  enquadre-se  na legislação pertinente ao IPI.

Ademais, para palmilhar nossa conclusão em base sólida, impõe-se destacar o princípio  constitucional da isonomia tributária, insculpido no artigo 150, III da CRFB, que veda expressamente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios  instituírem tratamento desigual para contribuintes que encontrem em situações equivalentes.

Luciano Amaro preleciona: “Esse princípio [da isonomia tributária] implica, em primeiro lugar, que, diante da lei “x”, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal. Não há pessoas diferentes que possam, sob tal pretexto escapar do comando legal, ou ser dele excluído. Mas há um segundo aspecto a ser analisado, no qual o princípio [da legalidade] se dirige ao legislador e veda que ele dê tratamento diverso para situações iguais ou equivalente. Assim, nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o legislador, ao ditar a lei, fazer discriminações.”  (in  Direito Tributário Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva.  2005, p. 135).

Então, tem-se que os carcinicultores quando promovem o processamento industrial de forma  artesanal  do camarão (limpeza, embalagem e conservação), deixando-o pronto para o consumo humano, estão em igualdade de condições, ou no mínimo em situação equivalente às empresas industriais do setor pesqueiro. Se ambos - carcinicultores e  empresas industriais pesqueiras -  processam e comercializam camarão, não há por que  tratá-los desigualmente, mormente, no tocante ao aproveitamento do benefício fiscal em tela.  Assim, se  foi dado aos últimos a faculdade de aproveitarem o crédito presumido previsto no Anexo 2, art. 21, VI, “b” ,  é de justiça que seja dispensado o mesmo tratamento tributário aos primeiros.

Com base neste raciocínio estabeleço as seguintes premissas:

1)       Os carcinicultores, no caso em tela, os produtores de camarão, são  contribuintes do ICMS, sendo suas unidades produtivas  enquadráveis como estabelecimento para fins da legislação tributária;

2)       As unidades  destinadas ao processamento do camarão, assim, entendido a limpeza, conserva e embalagem, ou seja, as unidades de processamento artesanal mantidas pelos produtores primários ou suas cooperativas, e que estejam em conformidade com o disposto na  Lei Estadual nº 10.610, de 1º de dezembro de 1997, que dispõe sobre as normas sanitárias para elaboração e comercialização de produtos artesanais comestíveis de origem animal, caracterizam-se como verdadeiras indústrias artesanais, portanto, em homenagem ao princípio da isonomia tributária, devem ser equiparadas aos  estabelecimentos industriais para fins da legislação tributária.

3)       Quando promoverem a venda de camarão, deverão recolher o ICMS correspondente por ocasião da saída, podendo, inclusive, solicitar regime especial para  que a apuração do imposto se dê na mesma forma aplicada aos contribuintes submetidos ao regime normal de apuração. (RICMS/SC, Anexo 6, art. 30- A).

4)       Aplica-se aos produtores primários e suas cooperativas  toda a legislação tributária pertinente à obrigação tributária principal, bem como, os benefícios fiscais previstos genericamente aos demais contribuintes.

Pelo exposto, e à guisa de conclusão,  responda-se a consulente que nas saídas de camarão que tenha se submetido ao processamento industrial artesanal em conformidade com o disposto na Lei Estadual nº 10 10.610/97, é facultado aos carcinicultores e suas cooperativas, o aproveitamento do crédito presumido em substituição aos créditos efetivos do imposto,  previsto no RICMS/SC, art. 21, VI, “b”. Ressalta-se, no entanto, que o aproveitamento acima referido fica condicionado à concessão, pelo Secretário de Estado da Fazenda, de regime especial no qual poderão, como forma de incentivar o desenvolvimento da atividade no Estado, ser definidas outras condições e garantias, ex vi do § 4º, II do art. 21, do Anexo 2, do RICMS/SC.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Gerência de Tributação, em Florianópolis,  22 novembro de 2005.

Lintney Nazareno da Veiga

AFRE – Mat. 191402.2

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 22 de novembro de 2005.

Josiane de Souza Corrêa Silva                                    Renato Luiz Hinnig

Secretária Executiva                                                  Presidente da COPAT