EMENTA: ICMS/ISS. RETIFICAÇÃO OU CROMAGEM DE CILINDROS RETIRADOS DE BENS DO ATIVO IMOBILIZADO DO ENCOMENDANTE E POSTERIOR RECOLOCAÇÃO. NÃO INCIDE O IMPOSTO ESTADUAL POR AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO FATO GERADOR, OU SEJA, OS CILINDROS APÓS RETIFICADOS OU CROMADOS NÃO SÃO DESTINADOS AO COMÉRCIO, MAS AO USO DO ENCOMENDANTE.

CONSULTA Nº: 28/05

PROCESSO Nº: GR05 30.380/03-0

01 - DA CONSULTA

         A consulente noticia que “tem por objeto social o desenvolvimento de atividades relacionadas com a retificação, texturização, cromagem e modelagem de metais e todas as outras atividades relacionadas com cilindros, a serem utilizadas na indústria de aço e outras indústrias, bem como a prestação de serviços relacionados com as tecnologias e atividades acima mencionadas” (sic).

         O objeto da consulta é a incidência do ICMS ou do ISS sobre a recuperação de cilindros. No caso, o cilindro é retirado de bem do ativo imobilizado de cliente da consulente para retificação ou cromagem, sendo a seguir instalado novamente no bem de onde foi retirado.

          A autoridade fiscal, em sua informação a fls. 35, entende que a atividade da consulente está sujeita exclusivamente ao ISS, de competência municipal, estando enquadrada no item 72 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56/87.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

         Constituição Federal, arts. 155, II, e 156, III;

         Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, art. 1º, § 2º.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

         A matéria da consulta envolve a delimitação das respectivas esferas de incidência do ICMS (de competência estadual) e do ISS (de competência municipal).

         A Constituição Federal cometeu aos Estados a competência para instituir imposto sobre operações de circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (art. 155, II). Também incide o imposto estadual sobre o valor total da operação quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (§ 2°, IX, b).

         O fato gerador do ICMS consiste em operações de circulação de mercadorias e na prestação de serviços de transporte (exceto o estritamente municipal) e de comunicação. Examinando apenas o primeiro dos comportamentos típicos descritos, para haver incidência do ICMS é preciso que a circulação seja de mercadoria, ou seja, de bem móvel adquirido com o fim de ser revendido, atividade esta exercida de modo profissional (não eventual). O critério para classificar qualquer bem como mercadoria é, portanto, subjetivo, dependendo da intencionalidade ou da finalidade com que é adquirido. Leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, 1997, p. 29):

“Todas as mercadorias são coisas, mas nem todas as coisas são mercadorias. O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para a venda.”

         A competência tributária dada aos Municípios, por sua vez, é de instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar (art. 156, III). Assim não é qualquer serviço que está sujeito ao ISS, mas apenas aqueles definidos em lei complementar. Os serviços não sujeitos ao ISS, porque são tributados pelo ICMS são os serviços de transporte, exceto quando prestado exclusivamente dentro do Município, e os de comunicação. Também ficam sujeitos ao ICMS o fornecimento de mercadorias com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios, isto é, aqueles não previstos na Lei Complementar.

         A Lei Complementar nº 116, de 2003, entretanto, não adota a definição clássica, pelo gênero próximo e pela diferença específica, mas utiliza a chamada definição denotativa, pela exemplificação de elementos pertencentes à mesma classe. Misabel Derzi (em sua atualização da obra de Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 1999, p. 410) assim trata a questão:

         “Ninguém duvida que cabe à lei complementar federal definir aqueles serviços, ou seja, formular conceito especificante e determinado por meio de enumeração dos aspectos, características, notas essenciais do conceito de prestação de serviços, critérios que permitam a sua identificação em cada caso concreto. Até mesmo lista exemplificativa e de esclarecimento do conceito poderia acompanhar a formulação do conceito. Desde a edição do Decreto-lei n° 406/68, porém, ao invés de formulação de conceito definitório, optou-se por serviços elencados em lista, sujeitos à incidência do imposto municipal. Uma longa discussão se instalou no país, para se saber a natureza da lista, se numerus clausus ou apertus. Prevaleceu, na jurisprudência de nossos tribunais superiores, a posição restritiva à autonomia municipal, que qualificou a lista de serviços de taxativa, abrigando os únicos e específicos serviços tributáveis pelo ISS.”

         Chegamos aqui à primeira grande dificuldade na delimitação do campo de incidência possível do ISS: a lista sendo taxativa ou números clausus fica excluída qualquer definição, mesmo a denotativa. Temos, no caso, não uma definição, mas mera listagem de serviços tributáveis, necessariamente arbitrária e sem qualquer coerência interna. Posto isto, não podemos prescindir da discussão do conceito de serviço, compreendido em si mesmo. Devemos ir além da simples análise semântica dos itens da lista.

         A classificação econômica dos impostos, adotada pelo direito positivo brasileiro desde a edição da Emenda Constitucional n° 18, em 1965, reservou aos Municípios a tributação sobre a circulação de bens imateriais (serviços) e aos Estados a de bens materiais (produtos ou mercadorias). Conforme magistério de Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1978), temos que:

“A noção de serviço (objeto do ISS) não pode ser confundida com a simples "prestação de serviços" (contrato de direito civil que corresponde ao fornecimento de trabalho). O conceito de "serviços" nos vem da economia, do trabalho como produto. De fato, o trabalho, aplicado à produção, pode dar como resultado duas classes de bens: bens materiais, denominados material, produto ou mercadoria; e bens imateriais, conhecidos como serviços. Serviço, assim, é expressão que abrange qualquer bem imaterial, tanto atividades consideradas de "prestação de serviços" (v.g.: atividades do médico, do advogado, de engenheiro, do corretor, etc.) como as demais vendas de bens imateriais (v.g.: atividades do locador de bens móveis, do transportador, do albergueiro, do vendedor de bilhete de Loteria Federal, etc.).”

         Inobstante, os fenômenos econômicos são categorias pré-jurídicas e que interessam ao mundo jurídico apenas na medida em que são juridicizadas. Assim, a interpretação das normas jurídicas deve se ater a categorias jurídicas, evitando-se o uso de categorias econômicas ou sociológicas, a não ser quando a norma as faz entrar no mundo jurídico. No caso em pauta, quando o fato gerador do tributo é uma obrigação de fazer, estamos diante do ISS. Já o ICMS pode ter como fato gerador, obrigação de fazer (prestação de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) ou de dar. Não qualquer obrigação de dar, mas mercadoria, assim entendida a coisa móvel, objeto de mercancia. Nesse sentido, a lição de Marçal Justem Filho ( O Imposto Sobre Serviços na Constituição. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1985):

“Somente quando a conduta do indivíduo é qualificável como adimplemento de obrigação de fazer originada de contrato bilateral é que nos deparamos com o fato relevante para o ISS. Nesses casos é que há serviço economicamente relevante. Essa relevância econômica decorre de a prestação de serviço representar uma movimentação de riqueza, exteriorizando riqueza apropriável pelo Fisco.”

         Do exposto até agora, tentaremos estabelecer um critério de delimitação da incidência do ICMS e do ISS. A aplicação de trabalho humano sobre um bem material, fornecido pelo encomendante, pode configurar fato gerador de um ou de outro imposto, conforme o bem resultante seja destinado ao uso próprio do encomendante ou para revenda. No primeiro caso, incide o ISS. O trabalho realizado é puramente uma prestação de serviço. Porém, se a intenção do autor da encomenda for de comercializar o bem, submetendo-o ou não a novo processo industrial, a hipótese é de incidência do ICMS. É o caso da indústria têxtil que remete tecidos para tingimento em outro estabelecimento e que, depois de retornados, os destina à venda. Diferente é o caso do particular que manda tingir uma peça de roupa para seu próprio uso. Nesta última hipótese, resta caracterizado o fato gerador do ISS, embora o trabalho realizado seja o mesmo (tingimento).

         No caso vertente, a consulente descreve a sua atividade como “retificação” ou “cromagem” de cilindros que são retirados de bens do ativo imobilizado de seus clientes e, subseqüentemente, recolocados nos mesmos bens. A destinação ao seu próprio uso e não à revenda descaracteriza o fato  gerador do ICMS. Os cilindros que foram retificados ou cromados se destinam ao uso do encomendante o que caracteriza a prestação de serviço. Podemos com segurança concluir que a atividade descrita não está sujeita à incidência do imposto estadual, por não configurar fato gerador do ICMS. Não há subsunsão do fato (retifica ou cromagem) à norma que prevê a incidência tributária (operação de circulação de mercadoria).

         Quanto à incidência do ISS,  deve ser consultado o Fisco municipal. Não compete a esta Comissão manifestar-se sobre a incidência de tributo de alheia competência. Para incidir o tributo municipal, a atividade deve estar prevista na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. A informação fiscal sugere o enquadramento no item 72 da lista anexa à Lei Complementar nº 56/87 (revogada). O item que lhe corresponde na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 é o 14.5. Para a incidência do ISS, devemos entender que a “retificação” e a “cromagem” estão abrangidas na expressão “congêneres”, por integração analógica do texto.

         Uma última dificuldade a assinalar é que a redação do item 14.5 omitiu a expressão “objetos não destinados à industrialização ou comercialização” que constava in fine do item 72 da lista anterior. A regra, contudo, mesmo não escrita, deve ser considerada, pois ela decorre do próprio conceito de serviço, como desenvolvido acima. Sérgio Pinto Martins (Manual do ISS, 2ª ed. 1998, p. 166) interpreta o conteúdo desse item nos seguintes termos. “Se os objetos são destinados à industrialização ou comercialização não há incidência do ISS, mas do IPI ou ICMS. O beneficiamento, pintura, anodização etc. devem ser feitos ao usuário final do serviço, que o encomenda. Se o serviço é prestado pelo próprio comerciante ou industrial que vende ou explora o objeto beneficiado, pintado, anodizado etc., haverá a incidência do IPI ou do ICMS.”

         Posto isto, responda-se à consulente:

         a) a “retificação” ou a “cromagem” de cilindros, retirados de bens do ativo do encomendante e recolocados após a prestação do serviço, não caracterizam o fato gerador do ICMS;

         b) incidiria o ICMS, pelo contrário, se o autor da encomenda destinasse os cilindros à venda.

À superior consideração da Comissão.           

         Getri, em Florianópolis, 11 de fevereiro de 2005.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

         De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 22 de março de 2005.

Josiane de Souza Corrêa Silva                                             Vera Beatriz da Silva Oliveira

Secretário Executivo                                                            Presidente da Copat