EMENTA: ICMS. INDÚSTRIA CARBONÍFERA. NÃO DÃO DIREITO A CRÉDITO AS PARTES E PEÇAS DE REPOSIÇÃO E OS INSUMOS QUE SE DESGASTAM NO PROCESSO INDUSTRIAL, SEM INTEGRAREM FISICAMENTE O PRODUTO FINAL. TAMBÉM NÃO DÁ DIREITO A CRÉDITO O COMBUSTÍVEL UTILIZADO NO TRANSPORTE DO CARVÃO PELA PRÓPRIA CARBONÍFERA.
DÃO DIREITO A CRÉDITO A ENTRADA DE EXPLOSIVOS CONSUMIDOS NA ATIVIDADE MINERADORA.

CONSULTA Nº: 02/04

PROCESSO Nº: GR12 66668/03-4

01 - DA CONSULTA

         Cuida-se de consulta formulada por órgão representativo de segmento empresarial, nos termos do art. 1º, parágrafo único, II, da Portaria SEF nº 226/01, sobre o direito a crédito do ICMS relativo a insumos empregados na extração de carvão.

         A consulente distingue entre a “mineração a céu aberto” e “mineração de subsolo”. Quanto à primeira modalidade, informa o seguinte:

“A extração é feita por meio de equipamentos convencionais de terraplanagem como escavadeiras hidráulicas (FH-200, CAT 320 e outras), carregadeiras, tratores de esteira e caminhões, que promovem a retirada da cobertura e a extração do carvão. Freqüentemente são usadas a perfuração e a detonação com explosivos para o afrouxamento do capeamento ou mesmo da camada de carvão.”

“Os principais itens deste tipo de mineração são o óleo diesel, os itens de desgaste das carregadeiras e escavadeiras, os materiais de perfuração e os explosivos e acessórios.”

“O crédito do ICMS dos expolsivos e acessórios e do óleo diesel é aceito pela Fazenda Estadual, de acordo com a Resolução Normativa 024/89.”

         Quanto à modalidade “mineração do subsolo”, a consulente agrupa os insumos sobre os quais pretende o crédito, conforme a etapa do processo extrativo a que se referem. Em resumo, trata-se do seguinte:

a) escoramento de teto:

Materiais intermediários como brocas integrais

Hastes

Conectores

Bits ou cone bits

Parafusos de aço

Resinas sintéticas

Chapas metálicas ou pranchas de madeira

Arruelas e porcas

Prumos e barras de madeira

Barra e postes de aço

Chapas ou tiras metálicas

Telas de aço até concreto projetado

Elementos de concreto estruturas ou arcos metálicos

b) Corte

Corrente de corte

Lança e bit

c) Perfuração de frente

Hastes de perfuração

Conectores

Bits

Brocas integrais

d) Desmonte com explosivos

Explosivos nitroglicerinados

Emulsões explosivas

Explosivos a base de nitrato de amônia

Iniciadores não elétricos

Estopim

Espoletas

Cordel detonante

Retardos

e) Desmonte mecânico

Bits

Blocos

Suportes de fixação dos bits

Eletrodos duros para revestimento

Correntes transportadoras

Esteiras

Chapas de desgaste de metal duro

f) Carregamento

Correntes transportadoras

Esteiras

Chapas de desgaste de aço especial

Eletrodos de revestimento duro

g) Alimentador

Corrente transportadora

Esteiras

Bits e pinos

Chapas de desgaste e revestimento

Eletrodos de revestimento duro

h) Transporte até a superfície

Borracha da correia transportadora

Roletes de carga e retorno

Suportes de roletes de carga e de retorno

Estruturas de correia (tubular ou com cabo de aço)

         A consulente pretende ainda créditos relativos a materiais utilizados no “beneficiamento” do carvão, atividade realizada já na superfície e que compreende as seguintes etapas: britagem e peneiramento, beneficiamento de grossos e beneficiamento de finos. Os créditos pretendidos referem-se a:

a) Britagem e peneiramento

Eletrodos de revestimento duro

Chapas de desgaste

Telas de poliuretano e de aço carbono SAE 1070

b) Beneficiamento de grossos

Telas rima em aço inox (eletrofundidas)

Telas

Grelhas

Chaps

Telas de aço duro SAE 1070

Poliuretano ou aço inoxidável

c) Beneficiamento de finos

Ciclones de aço NIHARD, inox ou cerâmica

Telas de aço SAE 1070, telas de nylon e poliuretano

Rotores de flotação de inox ou de borracha

Reagentes do beneficiamento como óleo de pinho, cloreto de zinco e óleo diesel

         Isto posto, a consulente solicita que sejam explicitados os itens em relação aos quais é permitido o crédito, enquanto não entrar em vigor plenamente o regime de créditos financeiros, introduzido pela Lei Complementar nº 87/96.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I e II;

Lei complementar nº 87/96, arts. 19, 20 e 33:

Lei nº 10.297/96, arts. 21 a 30.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

         Discute-se o regime de compensação do imposto no período que medeia entre a edição da LC 87/96 e a sua entrada em pleno vigor. Como é sabido, o referido texto legal introduziu no direito tributário brasileiro o regime de créditos financeiros, em substituição ao de créditos físicos, até então adotado.

         Revendo os conceitos, o princípio da não-cumulatividade operacionaliza-se mediante a compensação do imposto a pagar, no todo ou em parte, com o montante cobrado nas etapas anteriores de comercialização, pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal (CF, art. 155, § 2º, I). O assim chamado crédito do ICMS nada mais é que o imposto que onerou as mercadorias entradas no estabelecimento, seja as destinadas à revenda, seja as destinadas à utilização como insumos de produção. Sendo o crédito do imposto, não um haver do contribuinte contra a Fazenda Pública, mas um mero direito de compensar o imposto devido, ele existe apenas em razão do débito. Se não houver débito do imposto, não haverá crédito. Dispõe a alínea “b” do inciso II do dispositivo constitucional citado que “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. A simples entrada de mercadoria ou insumo de produção, onerado anteriormente pelo imposto, não basta para garantir o direito ao crédito. O contribuinte somente poderá creditar-se do imposto se a saída subseqüente for tributada.

         A definição da abrangência do regime de compensação do imposto compete ao legislador complementar (CF, art. 155, § 2º, XII, “c”) que poderá adotar o regime de créditos físicos, o de créditos financeiros ou um misto de ambos. Entende-se por regime de créditos financeiros aquele que admite o crédito correspondente à entrada de qualquer material que represente custo de produção ou de comercialização, diversamente do regime de créditos físicos que admite o crédito apenas para os materiais que se integrem fisicamente ao produto vendido. No magistério lapidar de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS), temos que:

“Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.”

“É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.”

“Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso da indústria, integram o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos bens.”

“É um regime de não-cumulatividade relativa. Não-cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime de crédito físico.”

         O legislador complementar adotou o regime de créditos financeiros mas optou por implantá-lo gradualmente (LC 87/96, art. 33). Assim, o crédito relativo à entrada de alguns itens, como é o caso dos bens adquiridos para integrar o ativo permanente, passaram a ser apropriáveis a partir da edição da LC 87/96, em 16 de setembro de 1996. Outros itens, porém, como o material adquirido para uso e consumo do estabelecimento, somente passarão a dar direito a crédito do imposto em 1º de janeiro de 2007 (redação dada ao art. 33 da LC 87/96 pela LC 114/02). Esta Comissão já analisou a questão na resposta à  Consulta nº 02/03:

ICMS. BENS DE USO OU CONSUMO DO ESTABELECIMENTO. POSSIBILIDADE DE CRÉDITO APENAS A PARTIR DE 1° DE JANEIRO DE 2007. A ADOÇÃO DO REGIME DE CRÉDITOS FINANCEIROS É OPÇÃO DO LEGISLADOR COMPLEMENTAR, CONFORME CF, ART. 155, § 2°, XII, “G”, QUE PODE INCLUSIVE IMPLANTÁ-LO GRADUALMENTE.

         No período compreendido entre 16 de setembro de 1996, quando a LC 87/96 entrou em vigor, e 1º de janeiro de 2007, quando o regime de créditos financeiros passará a ser aplicado plenamente, teremos um regime intermediário que não é totalmente o dos créditos físicos, nem totalmente o dos créditos financeiros. Dito de outro modo, o regime de créditos fiscais atualmente em vigor é o dos créditos físicos, salvo em relação aos itens cujos créditos o legislador complementar assegurou vigência imediata. É o caso dos bens destinados ao ativo permanente. Nos demais casos, a condição para o creditamento é que os respectivos materiais se integrem fisicamente ao produto final (o carvão). Conforme decidiu a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 197.121 MG), “somente os produtos que integram fisicamente a mercadoria, como elemento indispensável à sua composição, geram direito ao crédito do ICMS”. A mesma turma ainda decidiu, no julgamento do Recurso Especial nº 80.144 SP, que:

“Assentado nas decisões de primeiro e segundo graus que as mercadorias adquiridas pelo contribuinte (óleo combustível, ferramentas, peças e acessórios de máquinas, tintas, enfim, diversos produtos que, absolutamente, como no caso em exame) não se integram ao produto final fabricado, torna-se sem amparo legal o auto-lançamento de crédito de ICMS feito, a respeito, pelo contribuinte.”

         Nem todas as imobilizações, porém, permitem o crédito. Quando os materiais adquiridos vão ser utilizados em obras de construção civil, ou seja, obras que aderem ao imóvel (no caso, aderem à mina), não há direito ao creditamento do imposto que onerou esses materiais nas etapas anteriores de comercialização. Isto porque os bens imóveis (o que inclui as edificações e obras de construção civil) não estão sujeitos ao imposto de circulação de mercadorias. Mercadorias, por definição, são bens móveis, o que exclui da incidência do imposto operações que tenham por objeto bens imóveis.

         Note-se que o crédito foi reconhecido pela LC 87/96 apenas aos bens entrados para integrar o ativo permanente, não às suas partes ou peças. A reposição de peças é considerado consumo do estabelecimento e o creditamento do imposto respectivo somente será possível em 2007. A matéria foi discutida à saciedade por esta Comissão na resposta à Consulta nº 16/02:

ICMS. CRÉDITO. ATIVO PERMANENTE. PARTES E PEÇAS DE REPOSIÇÃO. AS PARTES E PEÇAS ADQUIRIDAS PARA MANUTENÇÃO DE BENS INTEGRADOS AO ATIVO IMOBILIZADO SÃO CONSIDERADAS CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, SOMENTE DANDO DIREITO A CRÉDITO FISCAL A PARTIR DO TERMO FIXADO PELA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96.

         Da mesma forma a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 101.797, julgado em 14/08/97) negou direito a crédito pela entrada de partes e peças: “Peças de reposição, de conserto, de conservação ou acessórios que guarnecem veículos não se confundem com insumos exauridos na prestação do serviço. Inexistência do direito ao crédito do ICMS.”

         Também não é reconhecido o crédito relativo ao desgaste do material, despesa esta de caráter tipicamente financeiro. A este respeito, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 88.161 SP, entendeu ser, no caso, o creditamento do ICMS  “direito não consubstanciado, porque não se confunde o desgaste das chapas de vidro com o consumo no processo industrial. Na espécie, inocorrência de ofensa ao princípio da não cumulatividade. Recurso improvido”.

         No tocante aos materiais utilizados no transporte do carvão, também devem ser considerados como consumo do estabelecimento. O imposto não incide sobre o transporte, mas sobre a prestação de serviço de transporte, o que pressupõe a existência de um prestador de serviço e um tomador do serviço. O transporte prestado para si mesmo não é tributável. Ora, se não há incidência do imposto, não há que se falar em crédito. Assim os créditos correspondentes aos materiais empregados no transporte não podem ser aproveitados porque (a) não se integram ao produto final e (b) o transporte realizado não é tributável. Se o transporte, no caso, fosse prestado por terceiro, com incidência do imposto, os insumos utilizados na prestação dariam direito a crédito para compensar o imposto devido pelo prestador do serviço. Por outro lado, o imposto relativo à prestação de serviço de transporte poderia ser aproveitado como crédito pelo tomador.

         Isto posto, responda-se à consulente:

         a) poderão ser aproveitados como créditos, nos termos da Lei Complementar nº 87/96, o imposto que onerou os bens adquiridos para integrar o ativo permanente da empresa e a energia elétrica consumida no processo de industrialização;

         b) a utilização de serviços de comunicação não dá direito a crédito, salvo no caso de execução de serviço da mesma natureza (LC 87/96, art. 33, IV);

         c) o transporte somente dará direito a crédito se o serviço for prestado por terceiro e devidamente onerado pelo imposto – o combustível utilizado no transporte do carvão pelo próprio contribuinte (transporte de carga própria) não dá direito a crédito;

         d) nos demais casos, o crédito somente poderá ser aproveitado se o insumo respectivo for integrado fisicamente ao produto final ou integralmente e imediatamente consumido no processo de produção.

         Com base nos critérios acima discriminados, podemos fazer as seguintes considerações sobre os créditos pretendidos:

         i) Escoramento do teto: estes materiais são incorporados definitivamente à mina, caracterizando obra de construção civil. A própria consulente informa que “o escoramento uma vez aplicado não pode ser recuperado ou retirado permanecendo instalado até o final da vida útil da mina (exaustão da jazida) sendo consumidos com o tempo”. Não dão direito a crédito.

         ii) Corte: os materiais utilizados apenas se desgastam durante o processo. Não dão direito a crédito porque não integram fisicamente o produto final. Constituem consumo do estabelecimento.

         iii) Perfuração de frente: não há direito a crédito pela mesma razão do item precedente.

         iv) Desmonte: os explosivos, estopins, espoletas etc. dão direito a crédito por se consumirem integralmente no processo de produção (ou de extração do carvão). Já os demais itens não são consumidos no processo de produção, mas apenas sofrem desgaste, não dando, por isso, direito a crédito do imposto.

         v) Carregamento: cuida-se de desgaste do equipamento, não dando direito a crédito.

         vi) Alimentador: também a hipótese é de desgaste, não dando direito a crédito.

         vii) Transporte até a superfície: não há direito a crédito por tratar-se de desgaste do equipamento.

         viii) Britagem e peneiramento: mero desgaste, não dando direito a crédito.

         ix) Beneficiamento de grossos: mero desgaste, não dando direito a crédito.

         x) Beneficiamento de finos: mero desgaste, não dando direito a crédito.

         Os filiados da consulente, nos termos da Portaria SEF nº 226/01, art. 9º, I, deverão adequar-se à presente resposta, inclusive estornando os créditos indevidamente apropriados, se for o caso, no prazo de trinta dias, contados da sua ciência. Após o decurso deste prazo, o Fisco poderá constituir o correspondente crédito tributário, acrescido de multa e juros.

À superior consideração da Comissão.

         Getri, em Florianópolis, 12 de fevereiro de 2004.

Velocino Pacheco Filho

FTE - matr. 184244-7

         De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 22 de março de 2004. 

Josiane de Souza Corrêa Silva                                                    Anastácio Martins

Secretário Executivo                                                                  Presidente da Copat