EMENTA: ICMS. SERVIÇO DE
COMUNICAÇÃO. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV POR ASSINATURA CONSTITUI PRESTAÇÃO
ONEROSA DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. O NEGÓCIO REALIZADO ENTRE A OPERADORA DO
SERVIÇO E O ASSINANTE TEM POR OBJETO A PRESTAÇÃO DESSE SERVIÇO, E NÃO A CESSÃO
DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS À PROGRAMAÇÃO.
A “TAXA DE ADESÃO” INTEGRA O PREÇO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PRESTADO AO
ASSINANTE E, PORTANTO, A BASE DE CÁLCULO DO ICMS. TRATA-SE DE PARTE DA
REMUNERAÇÃO DEVIDA À OPERADORA EM FUNÇÃO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, NÃO
DERIVANDO DE UMA OUTRA OBRIGAÇÃO DESVINCULADA DESTE.
RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº
37 - CONSULTA Nº: 74/2002
PROCESSO Nº: GR01
7.119/02-0
01. CONSULTA
A empresa acima identificada,
concessionária de serviços de TV por assinatura na modalidade de TV a cabo,
prestando serviços neste Estado, formula consulta à COPAT, indagando:
a) se a atividade realizada pela
consulente, consistente na prestação de serviço de televisão por assinatura,
“mediante licenciamento e distribuição, por sinais codificados, de programação
de sua titularidade, contra o pagamento do respectivo preço das mensalidades de
programação pelos assinantes”, constitui uma prestação onerosa de serviço de
comunicação, sujeita portanto ao ICMS;
b) se, em caso de resposta
positiva ao quesito anterior, a taxa de adesão cobrada pela consulente a seus
assinantes “antes da entrega da programação” integra a base de cálculo do
referido imposto, ou por outra, se a concessão ao assinante do direito de
acesso ao sistema de TV por assinatura configura prestação onerosa de serviço
de comunicação.
Alega a consulente não haver
certeza da incidência do ICMS na prestação de serviços de TV por assinatura,
tendo em vista não haver “uma norma legal sequer – lei em sentido estrito – que
faça referência à tributação da TV a cabo pelo Estado”. Menciona ainda a
inexistência de pronunciamento do Judiciário a respeito, enquanto em sede de
doutrina “a unanimidade dos juristas concluíram pela não-incidência do ICMS” na
hipótese.
Afirma a consulente que o fato
gerador do imposto, na hipótese não se confunde com a ocorrência efetiva da
comunicação, mas com a disponibilização de meios que a tornem possível. Mais
adiante, porém, reconhece que a mensalidade que cobra de seus clientes “não
constitui remuneração pela efetiva prestação de um serviço, mas, sim, valor
cobrado pela mera disponibilização de um serviço ao usuário”. E continua:
“Este [o usuário] paga sempre um
valor fixo, podendo acionar o serviço ou não. Se não acioná-lo, não terá havido
uma efetiva prestação de serviço, de modo que o valor pago a concessionária de
serviços de TV por assinatura a título de mensalidade terá remunerado,
tão-somente, a disponibilização do serviço”.
Argumenta ainda a consulente que
não há prestação de serviço de comunicação “típica”, sujeita ao ICMS, quando,
como no caso da TV por assinatura, não há disponibilização do meio para a
comunicação entre terceiros, mas para o simples “transporte” de uma
comunicação, de uma mensagem “do próprio dono do meio”.
Assim, conclui a consulente que
não presta serviço de comunicação a seus assinantes, mas fornece-lhes a
programação de televisão de que é titular.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, art. 155,
inciso II e § 2º;
Lei federal nº 5.172/66 (CTN),
art. 109;
Lei Complementar nº 87/96, arts.
2º, inciso III, e 13, inciso III;
Lei nº 10.297/96, arts. 2º,
inciso III, e 10, inciso, III;
Lei federal nº 8.977/95, arts.
26, 30 e 33, inciso II;
Lei federal nº 9.610/98, arts.
1º, 24, 25, 27, 29 e 50.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A propósito da matéria objeto da
presente consulta, é esclarecedora a lição de Aliomar Baleeiro, ao comentar o
antigo Imposto sobre Serviços de Transporte e Comunicações, cuja base imponível
foi posteriormente incorporada à do ICM, passando à competência dos Estados,
sobre o que seja serviço de comunicação:
“Igualmente, não há restrição outra em relação ao
imposto sobre comunicações senão as de que estão excluídas as intramunicipais.
Quaisquer outras que importem em transmitir ou receber mensagens por qualquer
processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais, papéis etc., estão sob
o alcance do imposto federal, desde que constituam prestação remunerada de
serviços”. (Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 1977, 9.
ed., rev. e acrescida de um apêncice, p. 258)
Segundo Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, Rio de
Janeiro, J.E.M.M. Editores, 1988), comunicação é o “ato ou efeito de emitir,
transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos
convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros
sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro
e/ou visual” e, por extensão, “a ação de utilizar os meios necessários para
realizar tal comunicação”.
Portanto, ao realizar suas
atividades, consistentes, conforme descreve a consulente, na distribuição aos
assinantes, por meios físicos ou por microondas, de sinais de telecomunicação
codificados, a consulente está realizando verdadeiramente um serviço de
comunicação, ou seja, no dizer de Baleeiro, supra transcrito, está transmitindo
mensagens (as obras audiovisuais componentes da programação televisiva) por um
processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais.
Dessa forma, quando o pacote de
programação televisiva é distribuído aos assinantes, clientes da consulente,
mediante transmissão de sinais codificados, seja, conforme refere a consulente,
por meio do espectro radioelétrico, seja por meios físicos, tem-se aí a comunicação
tal como referida na legislação, dado que é inegável a ocorrência do envio, da
transmissão ou da retransmissão de mensagens várias, componentes da programação
da TV por assinatura (propagandas, jogos, filmes, novelas, telejornais etc.).
Não obstante evidente a
ocorrência, neste caso, de um serviço de comunicação, a consulente pretende ver
tal operação fora do campo de incidência do ICMS, pois entende não haver, no
caso, um serviço prestado a título oneroso a terceiro, tal como
na hipótese descrita pela Lei Complementar nº 87/96. Tal não ocorreria, no caso
em tela, segundo a consulente, posto que o negócio celebrado com o tomador do
serviço de TV por assinatura teria por objeto o conteúdo apenas dessa
comunicação, que seria apenas o meio de entrega do conteúdo. A atividade
econômica explorada pela consulente seria, então, a produção e aquisição (e,
naturalmente, a posterior revenda, licença ou cessão onerosa) do conteúdo da
transmissão - “canais, programação, obras, filmes, etc.” - sendo a transmissão
ao tomador (a comunicação) mero instrumento para a realização dessa atividade,
vale dizer, seria apenas uma atividade-meio. Destarte, não haveria, na
hipótese, uma prestação onerosa de serviço de comunicação.
Tal entendimento, com a devida
vênia de respeitáveis opiniões nesse sentido, é completamente absurdo. O objeto
da relação obrigacional que se estabelece entre o assinante e a operadora do
serviço de TV a cabo é precisamente um serviço de comunicação, ou seja, a
operadora, quando contrata com o assinante, obriga-se a realizar a emissão,
transmissão, retransmissão, repetição de sinais de áudio e vídeo tendo por
conteúdo programação televisiva. É por esse serviço que paga o assinante, e não
pelos direitos de propriedade da programação transmitida. Para a configuração
da hipótese de incidência do ICMS é absolutamente irrelevante saber quem seja
titular dos direitos autorais da programação transmitida, podendo mesmo a
operadora incluir em sua programação obras pertencentes a terceiros, desde que
pague ao autor os direitos devidos, como adiante se verá.
Direitos autorais
Os direitos de que podem ser
objeto os programas transmitidos pela consulente são os denominados direitos
autorais, quais sejam, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, que altera e consolida a legislação sobre direitos autorais,
“os direitos de autor e os que lhe são conexos”. A respeito, diz J. M. de
Carvalho Santos:
“Os direitos de autor de qualquer obra literária,
científica ou artística, consistem na faculdade que só ele tem de reproduzir ou
autorizar a reprodução do seu trabalho pela publicação, tradução, representação
ou execução de qualquer outro modo (...).
Já ficou explicado que o direito de autor, pela sua
natureza jurídica é, em parte, moral, sendo a paternidade da obra um direito
inalienável e imprescritível. Mas a utilidade econômica da propriedade pode ser
cedida, surgindo do direito do autor uma série de direitos fracionários e
protegidos pela lei, de natureza patrimonial, inerentes à propriedade.” (Código
Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1977, 12. ed.,
vol. VIII, p. 404 e 446)
De fato, os direitos assegurados
ao autor da obra intelectual protegida, subdividem-se em direitos morais
e em direitos patrimoniais. Por força de seus direitos morais, é assegurado ao
autor, e somente a ele: a) reivindicar a autoria da obra e b) ter seu nome
indicado na obra como sendo seu autor; c) conservar a obra inédita; d)
assegurar sua integridade, opondo-se a modificações; f) retirar a obra de
circulação (Lei nº 9.610/98, art. 24). Os direitos morais do autor são
inalienáveis e irrenunciáveis (Lei nº9.610/98, art. 27), cabendo seu exercício,
no caso de obras audiovisuais, como o são em geral as obras veiculadas pelos
canais televisivos, inclusive os de acesso restrito, exclusivamente ao seu diretor
(Lei nº 9.610/98, art. 25).
Os direitos patrimoniais
do autor, por sua vez, diferentemente do que ocorre com os direitos morais,
podem ser transferidos total ou parcialmente a terceiros. Somente ao titular
dos direitos patrimoniais é facultada a exploração econômica da obra, dado que
qualquer utilização da obra, tais como a reprodução, a edição, a adaptação, a
tradução a inclusão em produção audiovisual
etc. depende de autorização prévia e expressa do titular desses
direitos, seja este o próprio autor ou terceiro a quem este os tenha
transferido (Lei nº 9.610/98, art. 29).
Assim, a consulente,
concessionária de serviço de TV por assinatura, pode, de fato, ser titular de
direitos autorais. Pode ainda retransmiti-lo a terceiros, visto tratar-se o
direito patrimonial do autor de “direito dominial”, que, “ou se aliena
totalmente, ou se transfere algum de seus elementos, suscetíveis de aparição
como direitos reais limitados” (Pontes de Miranda, in Tratado de Direito
Privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, 3. ed., tomo XVI, p. 65).
Contudo, na hipótese descrita na
consulta não ocorre uma tal transmissão de direitos autorais ao assinante do
serviço de TV a cabo. Ao contrário, o objeto do negócio celebrado entre a
operadora e o assinante é a prestação de um serviço, consistente no envio de
sinais contendo programação televisiva, e não a transmissão da titularidade dos
direitos relativos a essa programação. Basta ver que, em caso de inadimplemento
do contrato pela consulente, o que poderá exigir o assinante é que se realize
um serviço de comunicação, mas nunca que seja investido em qualquer das
prerrogativas asseguradas pela legislação somente ao autor ou a quem este as
houver transmitido.
Vale lembrar que a transmissão
(cessão total ou parcial) dos direitos de autor somente se pode realizar
mediante instrumento escrito específico, nos termos do art. 50 da Lei n°
9.610/98, verbis:
Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de
autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
§ 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro
a que se refere o art. 19 desta Lei ou, não estando a obra registrada, poderá o
instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
§ 2º Constarão do instrumento de cessão como
elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito
quanto a tempo, lugar e preço.
É evidente, portanto, que a
contratação do serviço de TV por assinatura não corresponde a um negócio
relativo à cessão de direitos sobre a programação transmitida.
A titularidade dos direitos autorais
sequer é condição para que a consulente possa incluir determinada obra em sua
programação. Basta que para tanto haja autorização do autor, nos termos do art.
29 da Lei nº 9.610/98. Veja-se que a própria Lei que regulamenta o serviço de
TV a cabo contém disposição relativa à necessidade de observância da legislação
sobre o direito autoral quando a operadora do serviço incluir em sua
programação programas produzidos por terceiros:
Art. 30. A operadora de TV a Cabo poderá:
I - transmitir sinais ou programas produzidos por
terceiros, editados ou não, bem como sinais ou programas de geração própria;
(...)
Parágrafo único. O disposto no inciso I deste artigo
não exime a operadora de TV a Cabo de observar a legislação de direito autoral.
(Lei nº 8.977/95, art. 30)
Assim, a programação transmitida
aos assinantes pela concessionária de TV por assinatura pode compor-se tanto de
obras cujos direitos autorais lhe pertençam,
quanto de obras cujos direitos autorais pertençam ainda ao respectivo
autor. Em um caso ou noutro, somente interessa saber quem seja o titular dos
direitos sobre a programação caso esteja-se discutindo a faculdade de a
operadora incluir ou não determinada obra na programação que transmite. Ao
assinante, contudo, pouco importa se a operadora está ou não investida dos
direitos do autor, se está ou não autorizada a explorar economicamente os
programas.
Vale lembrar (por mais óbvio que
isso possa parecer, o teor da consulta nos impõe a observação) que para
assistir determinado programa, apreciar determinada obra de arte, peça de
teatro ou obra audiovisual, ouvir uma música etc. não necessitamos ser
titulares de direitos autorais. Quanto adquirimos um CD do cantor de nossa
predileção, podemos dar-lhe uso apenas doméstico, visto que não nos tornamos por
isso titulares de direitos autorais sobre a obra. Nunca poderemos utilizá-lo em
qualquer das modalidades que somente ao autor são facultadas, nos termos do
art. 29 da Lei nº 9.610/98. Portanto, ao adquirir um CD não estamos realizando
um negócio cujo objeto sejam os direitos autorais, mas simplesmente adquirindo
uma mercadoria. O fabricante desta mercadoria, sim, está obrigado a observar a
legislação sobre os direitos do autorais, posto que não poderia reproduzir,
distribuir ou incluir uma obra em fonograma ou produção audiovisual etc. sem
estar para tanto autorizado.
O mesmo ocorre com a programação
transmitida pela operadora de TV a cabo: a operadora, explorando como explora
comercialmente a programação televisiva oferecida aos assinantes, somente
poderá fazê-lo se autorizada pelo titular dos direitos autorais; com relação
aos assinantes, contudo, somente se obriga a realizar o serviço de comunicação,
transmitindo-lhe e assegurando a recepção da referida programação.
Prestação de serviço de
comunicação
Conforme restou demonstrado, a
atividade descrita pela consulente, objeto da consulta, não está relacionada à
cessão (ou licença) de direitos sobre a programação televisiva. Por outro lado,
o fato de eventualmente ser a consulente titular de direitos autorais não
impede a caracterização da prestação de serviço de comunicação. Como diz a
própria consulente, não é o que é comunicado que se tributa, mas sim a
prestação do serviço que possibilita a comunicação, ou seja, a transmissão,
emissão, recepção, retransmissão etc. de mensagens, e é precisamente isso que
realiza a consulente no exercício de seus fins sociais.
Tampouco a circunstância de ser a
consulente proprietária dos meios utilizados para a realização da comunicação é
suficiente para descaracterizar a prestação de serviço. De fato, uma prestação
de serviço pode consistir tanto numa atividade de natureza material quanto numa
atividade de natureza intelectual, independentemente ainda de que o resultado
dessa atividade materialize-se num bem que ocupe fisicamente o espaço ou não
(Marçal Justen Filho, O Imposto Sobre Serviços na Constituição, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1985, p. 82).
Para Aires F. Barreto, serviço “é
a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter
negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material
ou imaterial” (ISS e ICM - Competência municipal e estadual - limites, in RDT,
São Paulo, v. 5, n. 15/16, jan./jun. 1981, p. 200). Esse mesmo autor, em
trabalho conjunto com Geraldo Ataliba, afirma:
“A prestação de serviços tem, em muitos casos, como
imprescindível a utilização de instrumentos, aparelhos, ferramentas,
equipamentos, máquinas ou veículos. Outros há que dispensam qualquer espécie de
instrumental seja de que natureza for. Alguns, ainda, a par desse instrumental,
requerem o emprego de materiais.” (ISS - Conflitos de competência e tributação
de serviços, in RDT, São Paulo, v. 2, n. 6, out./dez. 1978, p. 57)
Vê-se, desde logo, que o
argumento da consulente de que por serem de sua propriedade os meios de que se
vale para efetuar a transmissão da programação ao assinante não se
configuraria, na hipótese, de uma prestação de serviço.
As discussões travadas acerca da
relevância do emprego de materiais pelo obrigado, da utilização de equipamentos
de sua propriedade etc., para a caracterização de uma prestação de serviço
sempre tiveram em vista estabelecer o limite entre os campos de incidência do
ISS e do ICMS.
Embora tal discussão seja aqui
despicienda, já que não há dúvida que os serviços de comunicação são tributados
pelo ICMS, vale observar que, embora a consulente possa, em determinadas
situações, entregar ao assinante decodificadores ou outros equipamentos,
utilizados para a recepção dos sinais transmitidos, não se tem aí uma outra
espécie de obrigação, diferente da de prestar o serviço de comunicação.
Lembre-se que o fornecimento desses equipamentos constitui obrigação legal - e
não decorrente apenas do contrato celebrado com o assinante - da operadora do
serviço de TV a cabo, haja vista o disposto no art. 33, inciso II, da Lei nº
8.977/95, verbis:
Art. 33. São direitos do assinante do serviço de TV a
Cabo:
I - (...)
II - receber da operadora de TV a Cabo os serviços de
instalação e manutenção dos equipamentos necessários à recepção dos sinais.
Ademais, trata-se de obrigações
subjacentes à obrigação principal assumida pelo contratado, e que desta não se
desvinculam. São as denominadas atividades-meio, referidas por Aires F.
Barreto, que a respeito afirma:
“Os leigos tendem a confundir o exercício de
atividades-meio com prestação de serviço. Calcados na nomenclatura dos serviços
(...) misturam, embaralham, confundem, equiparam, tarefas-meio com serviços. Na
sua simplicidade ingênua, não distinguem a consistência do esforço humano prestado
a outrem, sob regime de direito privado, com conteúdo econômico, das ações
intermediárias que tornam possível o “fazer para terceiros”.
(...)
A concreta indicação de uma ação (datilografia,
programação, organização, manutenção, operação, administração) é, muitas vezes,
configuradora de atos, fatos ou obras meramente constitutivos de etapas
necessárias para alcançar um fim. É inafastável - ainda que disso muitos não se
dêem conta - que o atingir um fim qualquer exija, empírica ou cientificamente,
atividades de planejamento, organização, administração, controle, não obstante
essas ações nada tenham a ver com o fim perseguido que, por hipótese, poderia
ser o de transportar pessoas.
Outras vezes, essas mesmas ações humanas não mais se
caracterizam como atividades condicionantes da concretização de um fim, mas
demarcam, ao revés, o próprio objeto colimado. Nesses casos, a razão última
dessas ações é a sua própria produção como utilidade, para terceiros.
(...)
Para essas atividades-meio não há cobrança de preço;
mas, nem mesmo quando, em certos casos, para elas é destacado preço, essas
“ações-meio” se transformam em “ações-fim”. O serviço médico não assume outra
natureza pelo simples fato de os resultados de diagnósticos serem fornecidos
verbalmente, datilografados ou por listagem de computador, mesmo que para os
últimos houvesse uma cobrança adicional e específica de tantos reais.
(...)
Não se pode decompor um serviço (...) nas várias
ações-meio que o integram para pretender tributá-las separadamente, isoladamente,
como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo”. (ISS -
atividade-meio e serviço-fim, Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo, n. 5, fev. 1996, p. 81-85)
Portanto, mesmo nos casos em que
haja a colocação de equipamentos na residência do assinante - o que se daria a
título de comodato - não se descaracteriza a prestação de serviço de
comunicação, nem tampouco esse fornecimento desvincula-se desta, para que se
tenha no caso duas situações autônomas, passíveis de tratamento tributário
distinto: uma relativa à prestação do serviço de comunicação e outra relativa
ao comodato.
A propósito, lembramos ainda a lição de Marçal Justen
Filho:
“A norma tributária, como regra, não se ocupa de
determinar como deve ser executada a prestação nem como deve efetuar-se a
contratação - o que lhe importa é que se configure a execução de uma obrigação,
consubstanciando-se prestação de utilidade qualificável como serviço. Caberá a
outras normas regularem a forma do contrato e os requisitos para qualificação
jurídica da atividade como execução de obrigação.
Isso não quer significar, por óbvio, que a norma
tributária esteja compelida a aceitar a qualificação jurídica efetuada por
normas não-tributárias.” (op. cit., p. 88-89)
Vê-se, assim, que ainda que se celebrem
diversos contratos, visando desmembrar a operação realizada em diversas outras,
com denominações e naturezas jurídicas distintas, não se produzirá o pretendido
efeito de se ter cada uma dessas etapas realizadas pela operadora tributadas
como se fossem uma operação distinta e desvinculada do fim visado pelo
destinatário ao contratar o serviço.
Comunicação realizada entre
terceiros
Ao contrário do que pretende a
consulente, não estaremos diante de um serviço de comunicação somente quando o
meio de comunicação “for explorado para ser disponibilizado a terceiros o seu
uso para a comunicação de mensagens de terceiros e entre terceiros”. A
realização de qualquer espécie de comunicação, seja a mensagem emitida,
transmitida, retransmitida, repetida, recebida etc. e independentemente de qual
seja seu conteúdo, será alcançada pelo ICMS quando realizada, mediante
remuneração, como cumprimento de uma obrigação nesse sentido assumida para com
terceiros. Não é outra a lição de Roque Antônio Carrazza:
“Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação
propriamente dita, mas sobre a “relação comunicativa”, isto é, a atividade de,
em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais para
que a comunicação ocorra.
Isso é feito mediante a instalação de microfones,
caixas de som, telefones, radiotransmissores etc. Tudo, enfim, que faz parte da
infra-estrutura mecânica, eletrônica e técnica necessárias à comunicação.
O serviço de comunicação tributável por meio do ICMS
se perfaz com a só colocação à disposição do usuário dos meios e modos aptos à
transmissão e recepção de mensagens.
Embora o sistema seja arcaico, um serviço de pombos-correio posto à disposição
de uma pessoa (física ou jurídica), para a transmissão ou recepção de
mensagens, pode perfeitamente ser tributado por meio do ICMS.
São irrelevantes, para fins de ICMS, tanto a
transmissão em si mesmo considerada (“relação comunicativa”), como o conteúdo
da mensagem transmitida.” (grifos
nossos) (ICMS, São Paulo, Malheiros, 4. ed, p. 115 e 116)
Taxa de adesão
Resta por fim analisar a questão
relativa à incidência do ICMS sobre a parcela do preço cobrado pela consulente
a título de “taxa de adesão”.
A consulente não apresenta nenhum
fundamento para sua dúvida neste ponto, ou porque entenderia não haver a incidência
do ICMS na hipótese.
Apresenta-se em geral como
justificativa para a cobrança da referida taxa de adesão a necessidade da
empresa prestadora do serviço de realizar despesas e investimentos realizados
pela prestadora de serviço de comunicação com vistas a possibilitar a
transmissão, recepção e decodificação dos sinais pelo assinante do serviço, e
que essas operações (instalações de equipamentos, construção de redes, entrega
de equipamentos em comodato). Tais valores serviriam, assim, ao ressarcimento
dessas despesas, que não constituem, por si, fato gerador do ICMS.
Como visto acima, tais atividades
não se desvinculam do serviço prestado pela consulente, enquadrando-se, antes,
na categoria das denominadas atividades-meio. Ao contrário, não se pode conceber
que o usuário do serviço de TV a cabo fosse solicitar a instalação de
equipamentos ou a construção de redes se não fosse com vistas à prestação do
serviço de TV a cabo.
Tanto é assim que tais valores
recebidos a título de adesão devem normalmente ser devolvidos pela operadora
caso se constate ser inviável a prestação do serviço. Portanto, seja qual for a
denominação que se lhe dê, a referida taxa de adesão constitui parte da
remuneração paga pelo assinante à consulente pelo serviço que lhe é prestado,
qual seja o serviço de TV por assinatura. Não há, no caso, a prestação de dois
serviços distintos e independentes, com remunerações distintas, embora para o
adimplemento de sua obrigação a consulente deva realizar diversas atividades.
Mais uma vez lembramos a lição de
Marçal Justen Filho (op. cit., p. 88-89), no sentido de que a outras normas, e
não às tributárias, cabe regular a forma do contrato e os requisitos para a
qualificação jurídica da atividade, mas que essa qualificação jurídica efetuada
por normas não-tributárias (a qualificação de determinada parcela da
remuneração do serviço como “taxa de adesão” ou “mensalidade”, por exemplo) não
interfere na configuração da hipótese de incidência tributária, in casu, a
“execução de uma obrigação, consubstanciando-se na prestação de uma utilidade
qualificável como serviço” de comunicação. O fato de que a Lei que regulamenta
o serviço de TV a cabo prescreve que a remuneração da operadora deva dar-se sob
a forma de um pagamento já no momento da contratação, ao que denomina “adesão”,
e de mensalidades pela “disponibilidade e utilização” do serviço (Lei nº
8.977/95, art. 26) não prejudica a validade e a aplicação das normas
jurídico-tributárias que fixam a base de cálculo do tributo. Nesse sentido o
disposto no artigo 109 do Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de
outubro de 1966, verbis:
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado
utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus
institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos
tributários.
A Lei nº 10.297, de 26 de
dezembro de 1996, repetindo os termos da Lei Complementar nº 87/96, fixa, em
seu artigo 10, inciso III, como base de cálculo do ICMS na prestação de serviço
de comunicação o preço do serviço.
Bernardo Ribeiro de Moraes,
falando sobre a base de cálculo do ISS, que, tal como no serviço de
comunicação, é o preço do serviço, assevera:
“Preço do serviço é, pois, a expressão monetária do
valor auferido, imediata ou diferida, pela remuneração ou retribuição do bem
imaterial (serviço) oferecido (prestado, vendido).
(...)
O legislador utiliza a expressão “preço do serviço”,
sem qualquer outro adjetivo e silenciando quanto a deduções permitidas.
Evidentemente o legislador está dispondo sobre o preço bruto (sem dedução de
qualquer parcela, mesmo a título de carreto ou imposto), e não o líquido. O
preço do serviço vem a ser, desta forma, a receita bruta que lhe corresponda,
auferida pelo prestador do bem imaterial.
(...)
O preço do serviço abrange a receita total auferida,
sem quaisquer deduções da importância entrada para o patrimônio do
contribuinte, proveniente da prestação de serviços. Abrange, pois, a soma de
tudo quanto foi auferido pelo contrbuinte como produto da atividade prestada.
Da receita bruta, diz o Prof. Rubens Gomes de Sousa, “não se admite qualquer
dedução”. (Doutrina e prática do ISS, São Paulo, RT, 1978, p. 518-520)
Ora, não há negar que a
denominada “taxa de adesão” somente é recebida em função da prestação de
serviço de comunicação. Ninguém vai a uma operadora de TV por assinatura para
contratar a instalação de equipamentos, a construção de redes de
telecomunicação, tendo como fim último essa atividade. O objetivo último será
sempre a prestação do serviço de comunicação. A operadora, por sua vez, não
realiza a prestação de serviço de comunicação sem a cobrança da “taxa de
adesão”. Resta claro, portanto, que a “taxa de adesão” constitui remuneração
pela prestação do serviço de TV por assinatura, integrando o preço (receita
bruta) auferido pela operadora em decorrência do serviço prestado, e, sendo
assim, integra a base de cálculo do ICMS. Isso fica evidenciado na análise do
art. 26 da Lei nº 8.977/95, pois o acesso ao serviço de TV a cabo somente é
assegurado ao assinante que houver pago ambas as parcelas (a adesão e a
mensalidade). Se pagar somente a mensalidade, o assinante terá pago apenas
parte do que deve pelo serviço.
Diante do exposto, responda-se à
consulente:
a) que o serviço de TV por
assinatura está sujeito ao ICMS; e
b) que a denominada taxa de
adesão integra a base de cálculo do imposto.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 12 de dezembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 18 de
dezembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário
Executivo Presidente da
COPAT