EMENTA: ICMS. AUTONOMIA DOS ESTABELECIMENTOS. PARA OS EFEITOS DO ICMS, CADA ESTABELECIMENTO ONDE EXERÇA O CONTRIBUINTE SUAS ATIVIDADES GOZA DE AUTONOMIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS.
INADMISSÍVEL, IGNORANDO-SE ESSA AUTONOMIA, A ENTREGA DE MERCADORIA A ESTABELECIMENTO DIVERSO DO INDICADO NO DOCUMENTO FISCAL RESPECTIVO, AINDA QUE DO MESMO CONTRIBUINTE. RESTRIÇÃO QUE ASSUME AINDA MAIOR RELEVÂNCIA QUANDO SE TRATE DE OPERAÇÃO INTERESTADUAL.

RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 36 - CONSULTA Nº: 63/2002

PROCESSO Nº: GR14 52.901/98-0

01. CONSULTA

A consulente acima identificada indaga sobre a possibilidade de efetuar a entrega de mercadorias vendidas a cliente localizado no Distrito Federal em outro estabelecimento, do mesmo cliente, situado no Estado de Minas Gerais.

Informa que a mercadoria vendida destina-se à comercialização pelo destinatário.

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2º I, II, IV, VI, VII e VIII;

Resolução do Senado Federal nº 22;

Lei Complementar nº 87/96, arts. 11; 12 e 25;

Lei nº 10.297/96, arts. 2º, VI; 5º; 6º; 10, IX e § 4º; 66 e 69;

RICMS/01, arts. 45, III e § 1º; 55; Anexo 3, art. 8º, III.

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A formulação da resposta à consulta exige, inicialmente, que se faça referência à questão relativa à previsão legal de autonomia dos estabelecimentos do contribuinte do ICMS e às conseqüências daí advindas, especialmente no que se refere à sistemática de apuração do imposto. Essa temática não pode, ainda, ser desenvolvida sem que se atente igualmente para a previsão de incidência do imposto nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular.

A Lei Complementar nº 87/96, em seu art. 11, vincula o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS, em várias situações, à figura do estabelecimento do contribuinte. Essa vinculação tem seus reflexos, segundo refere o “caput” do mesmo art. 11, em primeiro lugar, na definição da própria titularidade ativa do tributo. Com efeito, ao indicar o estabelecimento como “local da operação ou prestação, para os efeitos da cobrança do imposto”, o dispositivo, de fato, estabelece que, ainda que um mesmo contribuinte tenha estabelecimentos em várias unidades da Federação, o imposto será devido àquela em cujo território estiver localizado o estabelecimento em que ocorrer o fato gerador.

Outra conseqüência das disposições do art. 11 da Lei Complementar nº 87/96 é a “definição do estabelecimento responsável” pelo pagamento do imposto em função do local em que considera ocorrido o fato gerador. Essa disposição reflete a adoção do princípio segundo o qual, para os fins do ICMS, cada estabelecimento do contribuinte do ICMS é dotado de autonomia em relação aos demais, consagrado expressamente pelo inciso II do § 3º do art. 11, verbis:

Art. 11.(...)

§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:

I – (...)

II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;

III - considera-se também estabelecimento autônomo o veiculo usado no comércio ambulante e na captura de pescado;

IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.

Veja-se que o próprio dispositivo trata de mitigar os efeitos da autonomia conferida aos estabelecimentos ao estabelecer que todos os estabelecimentos de um mesmo titular respondem solidariamente pelo crédito tributário.

Outra disposição que aplaca a aplicação rigorosa do princípio da autonomia dos estabelecimentos vem contida no art. 25 da Lei Complementar nº 87/96. Previa inicialmente o dispositivo, em sua redação original, como medida facultativa, dependente da discricionariedade do legislador ordinário estadual, a possibilidade de que a apuração do imposto pelo contribuinte fosse efetuada levando em conta o conjunto dos débitos e  créditos de todos os seus estabelecimentos localizados em um mesmo Estado.

Mais recentemente, mediante alteração promovida pela Lei Complementar nº 102/00, essa apuração conjunta tornou-se regra, mediante a previsão, pelo mesmo art. 25, em nova redação, da compensação dos saldos credores e devedores apurados pelos estabelecimentos de um mesmo titular. Vale destacar, a propósito, a manutenção da restrição da aplicação dessa sistemática de apuração conjunta aos estabelecimentos situados em um só Estado. Diz o art. 25 da Lei Complementar nº 87/96, em sua redação atual:

Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado. (NR)

Em sintonia com a autonomia conferida a cada estabelecimento em que o contribuinte do imposto exerça suas atividades, prevê o art. 12 da Lei Complementar nº 87/96 a ocorrência do fato gerador do imposto sempre que se verifique a saída  de mercadoria de um estabelecimento, ainda que a operação tenha como destinatário outro estabelecimento de um mesmo titular. É o que prevê o inciso I do art. 12, verbis:

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

Essa previsão da incidência do imposto em operações que correspondam à circulação de mercadorias entre os estabelecimentos de um mesmo titular sofre críticas severas por parte da doutrina, que se baseia na afirmação de que contribuinte do imposto é a pessoa jurídica, e não cada um de seus estabelecimentos, não sendo estes mais que unidades operacionais despersonalizadas.

José Souto Maior Borges, comentando dispositivo da legislação pernambucana que estabelecia não constituir fato gerador do imposto a saída de mercadoria em transferência de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, da mesma natureza e no mesmo Município, negava a possibilidade de extrair-se dessa disposição a conclusão, a contrario sensu, de que, sendo de natureza diversa o estabelecimento, haveria a incidência do imposto. Afirma o autor verificar-se, na hipótese, simples movimentação física da mercadoria, que não corresponde a uma preexistente operação relativa à circulação de mercadoria (in “O fato gerador do ICM e os estabelecimentos autônomos”. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 103, p. 33-48. jan./mar. 1971.).

No mesmo sentido o entendimento de Roque Antonio Carrazza, para quem não pode haver a incidência do imposto na remessa de mercadoria da matriz para a filial, ou entre filiais de uma mesma empresa, por não haver na situação transferência da mercadoria de um patrimônio a outro, o que somente ocorreria “por força de uma operação jurídica (compra e venda, doação, permuta etc.)” (in ICMS, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 48-49).

Carrazza afirma ser, dessa forma, inconstitucional a atribuição legal de autonomia aos estabelecimentos, “equiparando a filial a um terceiro”. O motivo seria o fato de que a legislação (referindo-se especificamente ao art. 6º, § 2º do Decreto-Lei nº 406/68), “ao assim estatuir, desnaturou a regra-matriz constitucional do ICMS, ferindo o direito que a Carta Magna dá aos contribuintes de só pagarem este imposto quando realmente se configura uma operação mercantil” (Op. cit., p. 49).

No entanto, ao contrário do afirmado, a previsão legal de incidência do imposto em todas as operações, inclusive quando destinadas a um outro estabelecimento do mesmo titular, encontra-se em perfeita consonância com a disciplina constitucional do ICMS. Com efeito, de acordo com a Constituição Federal, o ICMS é imposto que se caracteriza pela não-cumulatividade, ao mesmo tempo em que plurifásico, com incidência em todas as etapas do ciclo de circulação econômica da mercadoria, desde o início de sua produção até sua chegada ao consumidor final.

A forma como essas duas características devem conciliar-se, garantindo que a possibilidade de um mesmo produto vir a ser objeto de várias operações tributadas não seja obstáculo à não-cumulatividade do imposto, vem estabelecida pelo inciso I do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, verbis:

Art. 155. (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito Federal.

Logo a seguir, o inciso II do § 2º do art. 155 faz ressalva expressa e inequívoca a essa regra, ao estabelecer que:

II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Infere-se da sistemática de tributação traçada por esses dispositivos que é por meio da incidência do imposto em todas as operações de que seja objeto a mercadoria, com a conseqüente compensação do imposto devido em cada uma delas com o montante cobrado na etapa anterior, que se concretiza o princípio da não-cumulatividade do imposto.

Somente quando essa cadeia é interrompida, com a verificação, no ciclo de circulação econômica da mercadoria, de uma operação não onerada pelo imposto, é que haverá frustração, por expressa disposição constitucional, da implementação desse princípio. Realizada nova operação tributada com a mercadoria, o ciclo de tributação irá iniciar-se novamente.

A tese defendida pela doutrina, negando aplicação às disposições da lei complementar no sentido da incidência do imposto inclusive nas operações relativas à circulação de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular, ao contrário de assegurar a eficácia das disposições constitucionais, contrariam-nas.

Afinal, o princípio da autonomia dos estabelecimentos não pode ser ignorado, ainda que se defenda a não incidência do imposto nas operações realizadas entre eles. Em conseqüência, deve-se ter em conta que a apuração do imposto deve ser feita por cada estabelecimento independentemente, considerando apenas as entradas e saídas respectivas. Apenas após a apuração dos saldos, devedores ou credores, em cada estabelecimento, é que se promoverá a compensação entre eles (RICMS/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 55).

Assim, a alegada não incidência do imposto na saída de um estabelecimento com destino a outro, do mesmo titular, implicaria, por força do disposto no inciso II do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, já mencionado, a impossibilidade de aproveitamento de créditos, pelo estabelecimento que promove a operação, relativamente à operação anterior, de que decorreu a entrada da mercadoria.

O estabelecimento destinatário dessa operação, por seu turno, não disporia de qualquer crédito para compensar com o imposto eventualmente devido na saída dessa mercadoria que ele próprio promover, haja vista a regra do inciso I do mesmo § 2º do art. 155 da Constituição.

Essa conseqüência indesejável da não incidência do imposto nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular, defendida por parte da doutrina, não passou despercebida a Hugo de Brito Machado. Vislumbrou, corretamente, o autor, que a incidência do imposto, também nessas operações, assumia papel essencial na implementação do princípio constitucional da não-cumulatividade, valendo-se para isso o legislador do expediente de atribuir autonomia a cada estabelecimento. Diz o autor:

“Na verdade, estabelecimento é objeto e não sujeito de direitos; entretanto, por ficção legal, admite-se que o estabelecimento seja considerado contribuinte. O que se quer realmente é tomar em consideração cada estabelecimento, e não a empresa, para os fins de verificação da ocorrência do fato gerador do imposto. Como esclarece Viana Neto, ‘a autonomia  de um estabelecimento para outro permite que créditos sejam transferidos concomitantemente  com as mercadorias de um estabelecimento para outro, dando cumprimento ao princípio da não cumulatividade’.” (Machado, Hugo de Brito. O estabelecimento como contribuinte autônomo e a não-cumulatividade do ICMS. in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 82, p. 24-27. jul. 2002.) (grifei)

Mesmo Souto Maior Borges, para quem não se verifica a incidência do imposto na hipótese, admite a possibilidade de, por ficção legal, atribuir-se capacidade tributária passiva a cada estabelecimento do contribuinte do imposto. Nas palavras do autor:

“A tributação dos estabelecimentos autônomos de um só contribuinte constitui aspecto particular do problema tormentoso, no âmbito doutrinário, da capacidade tributária dos entes desprovidos de personalidade jurídica. São os estabelecimentos autônomos de uma empresa organismos a que a lei tributária confere o caráter de sujeitos passivos, sem que tenham personalidade jurídica de direito privado, já que pessoa jurídica é a empresa, considerada como unidade econômica. Não são os estabelecimentos autônomos pessoas jurídicas. Todavia, a lei lhes confere aptidão para ser sujeitos passivos do imposto, o que importa em lhes reconhecer uma certa capacidade jurídica de direito tributário.

Por isso, só a figura da ficção de direito tributário explica a equiparação, por lei ordinária do Estado-membro, desses organismos, a contribuintes do ICM (fictio est falsitas pro veritate accepta).” (Op. cit., p. 41-42)

A polêmica envolvendo o assunto ficou desde logo afastada em Santa Catarina em razão da previsão do diferimento, para a etapa seguinte de circulação da mercadoria, do imposto incidente nas operações destinadas a outro estabelecimento do mesmo titular (RICMS/01, Anexo 3, art. 8º, III). Além disso, ao mesmo tempo em que atribui ao estabelecimento destinatário a responsabilidade pelo pagamento do imposto, prevê a legislação estadual a possibilidade de ser-lhe transferido o crédito correspondente, nos termos do inciso III do art. 45 do RICMS/01, calculado na forma do § 1º do mesmo artigo.

Não obstante, a matéria ainda se revela de grande importância, especialmente no que toca às operações que envolvam estabelecimentos de um mesmo titular situados em unidades federadas diversas. É que nestes casos, como já se referiu, além de implicações relativas à cumulatividade do imposto ou ao seu regime de apuração, verificam-se conseqüências ainda mais relevantes, pertinentes à determinação da própria titularidade ativa para a cobrança do tributo.

É importante observar que mesmo as críticas doutrinárias ao princípio da autonomia dos estabelecimentos, e conseqüentemente à incidência do imposto nas operações com mercadorias realizadas entre eles, não se estendem, necessariamente, às situações em que tais operações envolvam estabelecimentos, ainda que do mesmo titular, que se localizem em Estados diversos.

Isso porque nesses casos, reconhece-se, a desconsideração dessa autonomia implicaria desrespeito à distribuição constitucional da competência tributária entre os entes federados, bem como à repartição, entre estes, do produto da tributação.

A respeito, afirma Souto Maior Borges, em nota relativa à sua conclusão de que a circulação de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não sofre tributação:

“A única exceção à regra, plenamente justificável, está no art. 53, § 2º, nº II (trata-se de dispositivos do C.T.N., vigorantes à época; nossa é a ressalva), referente à tributação de ‘transferências para estabelecimentos do próprio remetente’, situado ‘em outro Estado.’ Não há circulação, por ausência de mudança de dono ou possuidor, e não obstante deve ser pago o tributo, para não se prejudicar o Estado de onde sai a mercadoria. Ao tempo do velho Imposto de Venda e Consignações já se tributava essa espécie de transferência, exatamente para proteger os Estados produtores.” (Op. cit., p. 43)

Não diverge desse entendimento Roque Carrazza, que após criticar o que entende ser um alargamento da hipótese de incidência do ICMS, para alcançar “simples movimentação de mercadorias”, escreve:

“Há, porém, uma exceção a esta regra: quando a mercadoria é transferida para estabelecimento do próprio remetente, mas situado no território de outra pessoa política (Estado ou Distrito Federal), nada impede, juridicamente, que a filial venha a ser considerada ‘estabelecimento autônomo’, para fins de tributação por via do ICMS. Assim é para que não se prejudique o Estado (ou o Distrito Federal)) de onde sai a mercadoria.

Em outras palavras, cabe ICMS quando a transferência de mercadorias dá-se entre estabelecimentos da mesma empresa, mas localizados em territórios de pessoas políticas diferentes, desde que se destinem à venda e, portanto, não sejam bens do ativo imobilizado. A razão disso é simples: a remessa traz reflexos tributários às pessoas políticas envolvidas no processo de transferência (a do estabelecimento de origem e a do destino).

Ora, aplicando-se a regra geral (de que inexiste circulação na transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro, de um mesmo proprietário) a pessoa política de origem nada pode arrecadar, a título de ICMS; só a localizada no estabelecimento de destino.

Logo – e também porque o princípio federativo e o  princípio da autonomia distrital inadmitem que Estados e Distrito Federal se locupletem às custas de outrem – concordamos que tais estabelecimentos sejam considerados autônomos, pelo menos para fins de tributação por meio do ICMS.” (Op. cit., p. 50-51)

De fato, sérias limitações, de ordem jurídica e mesmo prática, se opõem à validade da pretensão de desconsiderar a previsão legal da autonomia dos estabelecimentos e da incidência do imposto também nas saídas destinadas a outro estabelecimento do mesmo titular, especialmente quando tais estabelecimentos estejam situados em Estados distintos.

Mesmo que se conclua que, independentemente de qual seja o estabelecimento da empresa que haja realizado o fato gerador do imposto, o sujeito passivo será sempre um só, dado que todos os estabelecimentos integram, juntos, uma única pessoa jurídica, não se pode a partir disso desconsiderar a distinção que a lei faz entre os vários estabelecimentos, nem tampouco as conseqüências daí advindas.

É bastante comum que um mesmo contribuinte do ICMS exerça suas atividades, simultaneamente, em diversas unidades federadas, mantendo em cada uma delas um ou vários estabelecimentos. Em tais casos, será, naturalmente, contribuinte de cada uma dessas unidades, e a sujeição ativa da relação obrigacional tributária será definida, em cada caso, em função da vinculação da operação a um estabelecimento específico.

A precisa identificação de cada estabelecimento do contribuinte, bem como a vinculação, segundo critérios fixados em lei, de cada operação realizada pelo contribuinte a um determinado estabelecimento, é indispensável, portanto, para a definição da titularidade ativa da competência tributária. Afinal, como referido, é ao Estado onde situado o estabelecimento em que se considere ocorrido o fato gerador do tributo – saída da mercadoria – que competirá a cobrança do tributo devido.

Não só dessa circunstância, porém, decorre a relevância dessa identificação.

Com efeito, é necessário considerar que o ICMS, embora pertencente à competência tributária de cada um dos Estados e do Distrito Federal, individualmente, é um tributo com clara vocação nacional. Lembra, a propósito, Souto Maior Borges:

“Porque o sistema tributário brasileiro está concebido em termos nacionais, a legislação complementar e ordinária não é estruturada em compartimentos estanques, mas o integra, de modo a formar uma superior unidade. Segue-se que a disciplina dos fatos geradores do tributo, na legislação complementar e ordinária, não decorre de livre escolha do legislador, mas, estando vinculada à previsão constitucional, tem que se adaptar a ela” (Op. cit., p. 36)

Daí a razão porque de a disciplina constitucional do ICMS, diferentemente do que ocorre com outros tributos, abranger aspectos os mais diversos relativos à instituição e cobrança desse imposto. Dentre esses, um dos mais importantes é a distribuição constitucional, entre os entes federados,  do produto da incidência do imposto nas operações interestaduais realizadas entre contribuintes do imposto.

Em regra, o produto da incidência do ICMS é atribuído ao Estado em cujo território ocorra o fato gerador. No entanto, quando a operação envolver contribuintes do imposto situados em unidades da Federação distintas, parte do tributo fica atribuída à unidade onde situado o destinatário. Nesse sentido as disposições do art. 155, § 2º, VII e VIII da Constituição Federal, verbis:

Art. 155. (...)

§ 2º (...)

VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Observe-se que apesar de os dispositivos mencionados apenas se referirem a operações destinadas a consumidor final, a repartição do produto da arrecadação entre os Estados de origem e destino ocorre também quando se trate de mercadorias destinadas à comercialização ou à industrialização. Nestes casos, porém, não em decorrência do recolhimento do diferencial de alíquota a que está obrigado o destinatário contribuinte do imposto, nos termos do arts. 2º, VI; e 10, IX e § 4º da Lei nº 10.297/96, mas em razão da tributação da operação interestadual com base em alíquota menor que a aplicável às operações internas (cf. art. 155, § 2º, IV e VI, da Constituição Federal). Assim, quando o destinatário promove nova operação tributada com a mesma mercadoria, com incidência da alíquota interna, a diferença entre esta e a alíquota interestadual fica subsumida no montante do imposto devido ao Estado de destino.

Com essa sistemática assegurou o constituinte a mencionada repartição, entre os Estados de origem e destino, do produto da incidência do ICMS. Assim, uma mercadoria tributada normalmente em alíquota de 17% (dezessete por cento) nas operações internas, será, numa operação interestadual, onerada em 12% (doze por cento) – ou 7% (sete por cento) se destinada ao Espírito Santo ou a unidade federada localizada nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Resolução do Senado Federal nº 22, de 19 de maio 1989). A diferença entre essa alíquota interestadual e a alíquota interna caberá ao Estado de destino.

Parece bastante evidente que a observância do princípio da autonomia dos estabelecimentos assume especial relevância diante dessa sistemática de tributação. Afinal, a destinação da mercadoria a um ou a outro dos estabelecimentos de um contribuinte será determinante tanto da alíquota incidente na operação interestadual – e portanto do montante do tributo que cabe ao Estado de origem – quanto da unidade federada que terá a titularidade do direito de exigir o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, este também variável conforme o caso.

A questão proposta pela consulente, versando sobre a possibilidade de efetuar a “venda de mercadorias para um cliente localizado no Distrito Federal, porém, entregar a mercadoria em outro estabelecimento do cliente situado em Minas Gerais”, insere-se claramente no âmbito dessa discussão, na medida em que a operação sugerida subverte toda a estrutura constitucional do imposto. A pretexto de confundir os estabelecimentos de um mesmo contribuinte, por serem integrantes de uma mesma pessoa jurídica, confunde também, de forma absolutamente indevida, as unidades da Federação envolvidas na operação.

Além de estar em inegável conflito com o regime legal que estabelece a distinção e autonomia dos estabelecimentos, a hipótese levantada pela consulente está baseada no desvirtuamento dos registros fiscais da operação. Com efeito, se a mercadoria é de fato entregue no estabelecimento situado no Estado de Minas Gerais, não há como pretender que o destinatário da operação seja outro senão esse mesmo estabelecimento. Fosse o estabelecimento localizado no Distrito Federal o destinatário da operação, a este é que seria efetivamente entregue a mercadoria.

Sendo a mercadoria efetivamente destinada a Minas Gerais, a este Estado é que caberá a percepção do diferencial de alíquotas correspondente à operação, sendo a operação de remessa tributada à alíquota de 12%. Aquele direito somente caberia ao Distrito Federal caso a mercadoria fosse destinada ao estabelecimento ali situado.

A solução proposta pela consulente, consignando como destinatário da operação outro estabelecimento que não aquele ao qual efetivamente é destinada a mercadoria, por ofender a disciplina legal do tributo, frustrando a exigência de regular registro e documentação das operações, com sérias e negativas conseqüências no tocante à determinação da responsabilidade passiva pelo tributo e da competência ativa para sua cobrança, é tipificada como infração tributária, sujeita a severa penalidade.

Com efeito, veda o art. 69 da Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, a emissão de documento fiscal consignando declaração falsa quanto ao estabelecimento destinatário da mercadoria. Por outro lado, o art. 66 do mesmo diploma, que disciplina a cobrança do ICMS em Santa Catarina, proíbe a entrega de mercadoria em estabelecimento diverso daquele indicado  no documento fiscal como destinatário da mercadoria. Para ambas essas infrações, a lei prescreve severa multa, equivalente a 30% do valor da mercadoria ou operação. Dizem os dispositivos mencionados:

Art. 66. Entregar ou receber mercadoria em estabelecimento diverso do indicado no documento fiscal como destinatário:

MULTA de 30% (trinta por cento) do valor da mercadoria.

Art. 69. Emitir documento fiscal consignando declaração falsa quanto ao estabelecimento remetente da mercadoria ou prestador de serviço, ou quanto ao destinatário da mercadoria ou usuário do serviço:

MULTA de 30% (trinta por cento) do valor da operação ou prestação.

Diante da clareza dos dispositivos, é de se concluir mesmo pela desnecessidade da presente consulta para o esclarecimento do questionamento formulado. A impossibilidade de realização da operação na forma descrita na consulta está claramente vedada pelos dispositivos legais transcritos.

Face ao exposto, responda-se à consulente que não é possível efetuar a entrega de mercadoria vendida a contribuinte situado no Distrito Federal a outro estabelecimento, localizado no Estado de Minas Gerais.

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 21 de novembro de 2002.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 29 de novembro de 2002.

          Laudenir Fernando Petroncini           João Paulo Mosena

         Secretário Executivo                        Presidente da COPAT