EMENTA: ICMS. AUTONOMIA
DOS ESTABELECIMENTOS. PARA OS EFEITOS DO ICMS, CADA ESTABELECIMENTO ONDE EXERÇA
O CONTRIBUINTE SUAS ATIVIDADES GOZA DE AUTONOMIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS.
INADMISSÍVEL, IGNORANDO-SE ESSA AUTONOMIA, A ENTREGA DE MERCADORIA A
ESTABELECIMENTO DIVERSO DO INDICADO NO DOCUMENTO FISCAL RESPECTIVO, AINDA QUE
DO MESMO CONTRIBUINTE. RESTRIÇÃO QUE ASSUME AINDA MAIOR RELEVÂNCIA QUANDO SE
TRATE DE OPERAÇÃO INTERESTADUAL.
RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº
36 - CONSULTA Nº: 63/2002
PROCESSO Nº: GR14
52.901/98-0
01. CONSULTA
A consulente acima identificada
indaga sobre a possibilidade de efetuar a entrega de mercadorias vendidas a
cliente localizado no Distrito Federal em outro estabelecimento, do mesmo
cliente, situado no Estado de Minas Gerais.
Informa que a mercadoria vendida
destina-se à comercialização pelo destinatário.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, art. 155, §
2º I, II, IV, VI, VII e VIII;
Resolução do Senado Federal nº
22;
Lei Complementar nº 87/96, arts.
11; 12 e 25;
Lei nº 10.297/96, arts. 2º, VI;
5º; 6º; 10, IX e § 4º; 66 e 69;
RICMS/01,
arts. 45, III e § 1º; 55; Anexo 3, art. 8º, III.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A formulação da resposta à
consulta exige, inicialmente, que se faça referência à questão relativa à
previsão legal de autonomia dos estabelecimentos do contribuinte do ICMS e às
conseqüências daí advindas, especialmente no que se refere à sistemática de
apuração do imposto. Essa temática não pode, ainda, ser desenvolvida sem que se
atente igualmente para a previsão de incidência do imposto nas transferências
de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular.
A Lei Complementar nº 87/96, em
seu art. 11, vincula o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS, em
várias situações, à figura do estabelecimento do contribuinte. Essa vinculação
tem seus reflexos, segundo refere o “caput” do mesmo art. 11, em primeiro
lugar, na definição da própria titularidade ativa do tributo. Com efeito, ao
indicar o estabelecimento como “local da operação ou prestação, para os efeitos
da cobrança do imposto”, o dispositivo, de fato, estabelece que, ainda que um
mesmo contribuinte tenha estabelecimentos em várias unidades da Federação, o
imposto será devido àquela em cujo território estiver localizado o
estabelecimento em que ocorrer o fato gerador.
Outra conseqüência das
disposições do art. 11 da Lei Complementar nº 87/96 é a “definição do
estabelecimento responsável” pelo pagamento do imposto em função do local em
que considera ocorrido o fato gerador. Essa disposição reflete a adoção do princípio
segundo o qual, para os fins do ICMS, cada estabelecimento do contribuinte do
ICMS é dotado de autonomia em relação aos demais, consagrado expressamente pelo
inciso II do § 3º do art. 11, verbis:
§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento
é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde
pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou
permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado,
ainda, o seguinte:
I – (...)
II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;
III - considera-se também estabelecimento autônomo o
veiculo usado no comércio ambulante e na captura de pescado;
IV - respondem pelo crédito tributário todos os
estabelecimentos do mesmo titular.
Veja-se que o próprio dispositivo
trata de mitigar os efeitos da autonomia conferida aos estabelecimentos ao
estabelecer que todos os estabelecimentos de um mesmo titular respondem
solidariamente pelo crédito tributário.
Outra disposição que aplaca a
aplicação rigorosa do princípio da autonomia dos estabelecimentos vem contida
no art. 25 da Lei Complementar nº 87/96. Previa inicialmente o dispositivo, em
sua redação original, como medida facultativa, dependente da discricionariedade
do legislador ordinário estadual, a possibilidade de que a apuração do imposto
pelo contribuinte fosse efetuada levando em conta o conjunto dos débitos e créditos de todos os seus estabelecimentos
localizados em um mesmo Estado.
Mais recentemente, mediante alteração
promovida pela Lei Complementar nº 102/00, essa apuração conjunta tornou-se
regra, mediante a previsão, pelo mesmo art. 25, em nova redação, da compensação
dos saldos credores e devedores apurados pelos estabelecimentos de um mesmo
titular. Vale destacar, a propósito, a manutenção da restrição da aplicação
dessa sistemática de apuração conjunta aos estabelecimentos situados em um só
Estado. Diz o art. 25 da Lei Complementar nº 87/96, em sua redação atual:
Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24,
os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento,
compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do
mesmo sujeito passivo localizados no Estado. (NR)
Em sintonia com a autonomia
conferida a cada estabelecimento em que o contribuinte do imposto exerça suas
atividades, prevê o art. 12 da Lei Complementar nº 87/96 a ocorrência do fato
gerador do imposto sempre que se verifique a saída de mercadoria de um estabelecimento, ainda que a operação tenha
como destinatário outro estabelecimento de um mesmo titular. É o que prevê o
inciso I do art. 12, verbis:
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto
no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de
contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
Essa previsão da incidência do
imposto em operações que correspondam à circulação de mercadorias entre os
estabelecimentos de um mesmo titular sofre críticas severas por parte da
doutrina, que se baseia na afirmação de que contribuinte do imposto é a pessoa
jurídica, e não cada um de seus estabelecimentos, não sendo estes mais que
unidades operacionais despersonalizadas.
José Souto Maior Borges,
comentando dispositivo da legislação pernambucana que estabelecia não
constituir fato gerador do imposto a saída de mercadoria em transferência de um
para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, da mesma natureza e no mesmo
Município, negava a possibilidade de extrair-se dessa disposição a conclusão, a
contrario sensu, de que, sendo de natureza diversa o estabelecimento, haveria a
incidência do imposto. Afirma o autor verificar-se, na hipótese, simples
movimentação física da mercadoria, que não corresponde a uma preexistente
operação relativa à circulação de mercadoria (in “O fato gerador do ICM e os
estabelecimentos autônomos”. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 103, p. 33-48. jan./mar. 1971.).
No mesmo sentido o entendimento
de Roque Antonio Carrazza, para quem não pode haver a incidência do imposto na
remessa de mercadoria da matriz para a filial, ou entre filiais de uma mesma
empresa, por não haver na situação transferência da mercadoria de um patrimônio
a outro, o que somente ocorreria “por força de uma operação jurídica (compra e
venda, doação, permuta etc.)” (in ICMS, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 48-49).
Carrazza afirma ser, dessa forma,
inconstitucional a atribuição legal de autonomia aos estabelecimentos,
“equiparando a filial a um terceiro”. O motivo seria o fato de que a legislação
(referindo-se especificamente ao art. 6º, § 2º do Decreto-Lei nº 406/68), “ao
assim estatuir, desnaturou a regra-matriz constitucional do ICMS,
ferindo o direito que a Carta Magna dá aos contribuintes de só pagarem este
imposto quando realmente se configura uma operação mercantil” (Op. cit.,
p. 49).
No entanto, ao contrário do
afirmado, a previsão legal de incidência do imposto em todas as operações,
inclusive quando destinadas a um outro estabelecimento do mesmo titular,
encontra-se em perfeita consonância com a disciplina constitucional do ICMS.
Com efeito, de acordo com a Constituição Federal, o ICMS é imposto que se
caracteriza pela não-cumulatividade, ao mesmo tempo em que plurifásico, com
incidência em todas as etapas do ciclo de circulação econômica da mercadoria, desde
o início de sua produção até sua chegada ao consumidor final.
A forma como essas duas
características devem conciliar-se, garantindo que a possibilidade de um mesmo
produto vir a ser objeto de várias operações tributadas não seja obstáculo à
não-cumulatividade do imposto, vem estabelecida pelo inciso I do § 2º do art.
155 da Constituição Federal, verbis:
Art. 155. (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao
seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços
com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito
Federal.
Logo a seguir, o inciso II do §
2º do art. 155 faz ressalva expressa e inequívoca a essa regra, ao estabelecer
que:
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em
contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante
devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações
anteriores;
Infere-se da sistemática de
tributação traçada por esses dispositivos que é por meio da incidência do
imposto em todas as operações de que seja objeto a mercadoria, com a
conseqüente compensação do imposto devido em cada uma delas com o montante
cobrado na etapa anterior, que se concretiza o princípio da não-cumulatividade
do imposto.
Somente quando essa cadeia é
interrompida, com a verificação, no ciclo de circulação econômica da
mercadoria, de uma operação não onerada pelo imposto, é que haverá frustração,
por expressa disposição constitucional, da implementação desse princípio.
Realizada nova operação tributada com a mercadoria, o ciclo de tributação irá
iniciar-se novamente.
A tese defendida pela doutrina,
negando aplicação às disposições da lei complementar no sentido da incidência
do imposto inclusive nas operações relativas à circulação de mercadorias entre
estabelecimentos de um mesmo titular, ao contrário de assegurar a eficácia das
disposições constitucionais, contrariam-nas.
Afinal, o princípio da autonomia
dos estabelecimentos não pode ser ignorado, ainda que se defenda a não
incidência do imposto nas operações realizadas entre eles. Em conseqüência,
deve-se ter em conta que a apuração do imposto deve ser feita por cada
estabelecimento independentemente, considerando apenas as entradas e saídas
respectivas. Apenas após a apuração dos saldos, devedores ou credores, em cada
estabelecimento, é que se promoverá a compensação entre eles (RICMS/01,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 55).
Assim, a alegada não incidência
do imposto na saída de um estabelecimento com destino a outro, do mesmo
titular, implicaria, por força do disposto no inciso II do § 2º do art. 155 da
Constituição Federal, já mencionado, a impossibilidade de aproveitamento de
créditos, pelo estabelecimento que promove a operação, relativamente à operação
anterior, de que decorreu a entrada da mercadoria.
O estabelecimento destinatário
dessa operação, por seu turno, não disporia de qualquer crédito para compensar com
o imposto eventualmente devido na saída dessa mercadoria que ele próprio
promover, haja vista a regra do inciso I do mesmo § 2º do art. 155 da
Constituição.
Essa conseqüência indesejável da
não incidência do imposto nas operações entre estabelecimentos do mesmo
titular, defendida por parte da doutrina, não passou despercebida a Hugo de
Brito Machado. Vislumbrou, corretamente, o autor, que a incidência do imposto,
também nessas operações, assumia papel essencial na implementação do princípio
constitucional da não-cumulatividade, valendo-se para isso o legislador do
expediente de atribuir autonomia a cada estabelecimento. Diz o autor:
“Na verdade, estabelecimento é objeto e não sujeito de
direitos; entretanto, por ficção legal, admite-se que o estabelecimento seja
considerado contribuinte. O que se quer realmente é tomar em consideração cada
estabelecimento, e não a empresa, para os fins de verificação da ocorrência do
fato gerador do imposto. Como esclarece Viana Neto, ‘a autonomia de um estabelecimento para outro permite que
créditos sejam transferidos concomitantemente
com as mercadorias de um estabelecimento para outro, dando cumprimento
ao princípio da não cumulatividade’.” (Machado, Hugo de Brito. O
estabelecimento como contribuinte autônomo e a não-cumulatividade do ICMS. in
Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 82, p. 24-27. jul.
2002.) (grifei)
Mesmo Souto Maior Borges, para
quem não se verifica a incidência do imposto na hipótese, admite a
possibilidade de, por ficção legal, atribuir-se capacidade tributária passiva a
cada estabelecimento do contribuinte do imposto. Nas palavras do autor:
“A tributação dos estabelecimentos autônomos de um só
contribuinte constitui aspecto particular do problema tormentoso, no âmbito
doutrinário, da capacidade tributária dos entes desprovidos de personalidade
jurídica. São os estabelecimentos autônomos de uma empresa organismos a que a
lei tributária confere o caráter de sujeitos passivos, sem que tenham
personalidade jurídica de direito privado, já que pessoa jurídica é a empresa,
considerada como unidade econômica. Não são os estabelecimentos autônomos
pessoas jurídicas. Todavia, a lei lhes confere aptidão para ser sujeitos
passivos do imposto, o que importa em lhes reconhecer uma certa capacidade jurídica
de direito tributário.
Por isso, só a figura da ficção de direito tributário
explica a equiparação, por lei ordinária do Estado-membro, desses organismos, a
contribuintes do ICM (fictio est falsitas pro veritate accepta).” (Op. cit.,
p. 41-42)
A polêmica envolvendo o assunto
ficou desde logo afastada em Santa Catarina em razão da previsão do
diferimento, para a etapa seguinte de circulação da mercadoria, do imposto
incidente nas operações destinadas a outro estabelecimento do mesmo titular
(RICMS/01, Anexo 3, art. 8º, III). Além disso, ao mesmo tempo em que atribui ao
estabelecimento destinatário a responsabilidade pelo pagamento do imposto,
prevê a legislação estadual a possibilidade de ser-lhe transferido o crédito
correspondente, nos termos do inciso III do art. 45 do RICMS/01, calculado na
forma do § 1º do mesmo artigo.
Não obstante, a matéria ainda se
revela de grande importância, especialmente no que toca às operações que
envolvam estabelecimentos de um mesmo titular situados em unidades federadas
diversas. É que nestes casos, como já se referiu, além de implicações relativas
à cumulatividade do imposto ou ao seu regime de apuração, verificam-se
conseqüências ainda mais relevantes, pertinentes à determinação da própria
titularidade ativa para a cobrança do tributo.
É importante observar que mesmo
as críticas doutrinárias ao princípio da autonomia dos estabelecimentos, e
conseqüentemente à incidência do imposto nas operações com mercadorias
realizadas entre eles, não se estendem, necessariamente, às situações em que
tais operações envolvam estabelecimentos, ainda que do mesmo titular, que se
localizem em Estados diversos.
Isso porque nesses casos,
reconhece-se, a desconsideração dessa autonomia implicaria desrespeito à
distribuição constitucional da competência tributária entre os entes federados,
bem como à repartição, entre estes, do produto da tributação.
A respeito, afirma Souto Maior
Borges, em nota relativa à sua conclusão de que a circulação de mercadorias
entre estabelecimentos do mesmo titular não sofre tributação:
“A única exceção à regra, plenamente justificável,
está no art. 53, § 2º, nº II (trata-se de dispositivos do C.T.N., vigorantes à
época; nossa é a ressalva), referente à tributação de ‘transferências para
estabelecimentos do próprio remetente’, situado ‘em outro Estado.’ Não há
circulação, por ausência de mudança de dono ou possuidor, e não obstante deve
ser pago o tributo, para não se prejudicar o Estado de onde sai a mercadoria.
Ao tempo do velho Imposto de Venda e Consignações já se tributava essa espécie
de transferência, exatamente para proteger os Estados produtores.” (Op. cit.,
p. 43)
Não diverge desse entendimento
Roque Carrazza, que após criticar o que entende ser um alargamento da hipótese
de incidência do ICMS, para alcançar “simples movimentação de mercadorias”,
escreve:
“Há, porém, uma exceção a esta regra: quando a
mercadoria é transferida para estabelecimento do próprio remetente, mas situado
no território de outra pessoa política (Estado ou Distrito Federal), nada impede,
juridicamente, que a filial venha a ser considerada ‘estabelecimento autônomo’,
para fins de tributação por via do ICMS. Assim é para que não se prejudique o
Estado (ou o Distrito Federal)) de onde sai a mercadoria.
Em outras palavras, cabe ICMS quando a transferência
de mercadorias dá-se entre estabelecimentos da mesma empresa, mas
localizados em territórios de pessoas políticas diferentes, desde que se
destinem à venda e, portanto, não sejam bens do ativo imobilizado. A razão
disso é simples: a remessa traz reflexos tributários às pessoas políticas
envolvidas no processo de transferência (a do estabelecimento de origem e a do
destino).
Ora, aplicando-se a regra geral (de que inexiste
circulação na transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro, de
um mesmo proprietário) a pessoa política de origem nada pode arrecadar, a
título de ICMS; só a localizada no estabelecimento de destino.
Logo – e também porque o princípio federativo e
o princípio da autonomia distrital
inadmitem que Estados e Distrito Federal se locupletem às custas de outrem –
concordamos que tais estabelecimentos sejam considerados autônomos, pelo menos
para fins de tributação por meio do ICMS.” (Op. cit., p. 50-51)
De fato, sérias limitações, de
ordem jurídica e mesmo prática, se opõem à validade da pretensão de
desconsiderar a previsão legal da autonomia dos estabelecimentos e da
incidência do imposto também nas saídas destinadas a outro estabelecimento do
mesmo titular, especialmente quando tais estabelecimentos estejam situados em
Estados distintos.
Mesmo que se conclua que,
independentemente de qual seja o estabelecimento da empresa que haja realizado
o fato gerador do imposto, o sujeito passivo será sempre um só, dado que todos
os estabelecimentos integram, juntos, uma única pessoa jurídica, não se pode a
partir disso desconsiderar a distinção que a lei faz entre os vários
estabelecimentos, nem tampouco as conseqüências daí advindas.
É bastante comum que um mesmo
contribuinte do ICMS exerça suas atividades, simultaneamente, em diversas
unidades federadas, mantendo em cada uma delas um ou vários estabelecimentos.
Em tais casos, será, naturalmente, contribuinte de cada uma dessas unidades, e
a sujeição ativa da relação obrigacional tributária será definida, em cada
caso, em função da vinculação da operação a um estabelecimento específico.
A precisa identificação de cada
estabelecimento do contribuinte, bem como a vinculação, segundo critérios
fixados em lei, de cada operação realizada pelo contribuinte a um determinado
estabelecimento, é indispensável, portanto, para a definição da titularidade
ativa da competência tributária. Afinal, como referido, é ao Estado onde
situado o estabelecimento em que se considere ocorrido o fato gerador do
tributo – saída da mercadoria – que competirá a cobrança do tributo devido.
Não só dessa circunstância,
porém, decorre a relevância dessa identificação.
Com efeito, é necessário
considerar que o ICMS, embora pertencente à competência tributária de cada um
dos Estados e do Distrito Federal, individualmente, é um tributo com clara
vocação nacional. Lembra, a propósito, Souto Maior Borges:
“Porque o sistema tributário brasileiro está concebido
em termos nacionais, a legislação complementar e ordinária não é estruturada em
compartimentos estanques, mas o integra, de modo a formar uma superior unidade.
Segue-se que a disciplina dos fatos geradores do tributo, na legislação
complementar e ordinária, não decorre de livre escolha do legislador, mas,
estando vinculada à previsão constitucional, tem que se adaptar a ela” (Op.
cit., p. 36)
Daí a razão porque de a
disciplina constitucional do ICMS, diferentemente do que ocorre com outros
tributos, abranger aspectos os mais diversos relativos à instituição e cobrança
desse imposto. Dentre esses, um dos mais importantes é a distribuição
constitucional, entre os entes federados,
do produto da incidência do imposto nas operações interestaduais
realizadas entre contribuintes do imposto.
Em regra, o produto da incidência
do ICMS é atribuído ao Estado em cujo território ocorra o fato gerador. No
entanto, quando a operação envolver contribuintes do imposto situados em
unidades da Federação distintas, parte do tributo fica atribuída à unidade onde
situado o destinatário. Nesse sentido as disposições do art. 155, § 2º, VII e
VIII da Constituição Federal, verbis:
§ 2º (...)
VII – em relação às operações e prestações que destinem
bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for
contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for
contribuinte dele;
VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior,
caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à
diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
Observe-se que apesar de os
dispositivos mencionados apenas se referirem a operações destinadas a
consumidor final, a repartição do produto da arrecadação entre os Estados de
origem e destino ocorre também quando se trate de mercadorias destinadas à
comercialização ou à industrialização. Nestes casos, porém, não em decorrência
do recolhimento do diferencial de alíquota a que está obrigado o destinatário
contribuinte do imposto, nos termos do arts. 2º, VI; e 10, IX e § 4º da Lei nº 10.297/96,
mas em razão da tributação da operação interestadual com base em alíquota menor
que a aplicável às operações internas (cf. art. 155, § 2º, IV e VI, da
Constituição Federal). Assim, quando o destinatário promove nova operação
tributada com a mesma mercadoria, com incidência da alíquota interna, a
diferença entre esta e a alíquota interestadual fica subsumida no montante do
imposto devido ao Estado de destino.
Com essa sistemática assegurou o
constituinte a mencionada repartição, entre os Estados de origem e destino, do
produto da incidência do ICMS. Assim, uma mercadoria tributada normalmente em
alíquota de 17% (dezessete por cento) nas operações internas, será, numa
operação interestadual, onerada em 12% (doze por cento) – ou 7% (sete por
cento) se destinada ao Espírito Santo ou a unidade federada localizada nas
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Resolução do Senado Federal nº 22, de
19 de maio 1989). A diferença entre essa alíquota interestadual e a alíquota
interna caberá ao Estado de destino.
Parece bastante evidente que a
observância do princípio da autonomia dos estabelecimentos assume especial
relevância diante dessa sistemática de tributação. Afinal, a destinação da
mercadoria a um ou a outro dos estabelecimentos de um contribuinte será determinante
tanto da alíquota incidente na operação interestadual – e portanto do montante
do tributo que cabe ao Estado de origem – quanto da unidade federada que terá a
titularidade do direito de exigir o imposto correspondente ao diferencial de
alíquotas, este também variável conforme o caso.
A questão proposta pela
consulente, versando sobre a possibilidade de efetuar a “venda de mercadorias
para um cliente localizado no Distrito Federal, porém, entregar a mercadoria em
outro estabelecimento do cliente situado em Minas Gerais”, insere-se claramente
no âmbito dessa discussão, na medida em que a operação sugerida subverte toda a
estrutura constitucional do imposto. A pretexto de confundir os
estabelecimentos de um mesmo contribuinte, por serem integrantes de uma mesma
pessoa jurídica, confunde também, de forma absolutamente indevida, as unidades
da Federação envolvidas na operação.
Além de estar em inegável
conflito com o regime legal que estabelece a distinção e autonomia dos
estabelecimentos, a hipótese levantada pela consulente está baseada no
desvirtuamento dos registros fiscais da operação. Com efeito, se a mercadoria é
de fato entregue no estabelecimento situado no Estado de Minas Gerais, não há
como pretender que o destinatário da operação seja outro senão esse mesmo
estabelecimento. Fosse o estabelecimento localizado no Distrito Federal o
destinatário da operação, a este é que seria efetivamente entregue a
mercadoria.
Sendo a mercadoria efetivamente
destinada a Minas Gerais, a este Estado é que caberá a percepção do diferencial
de alíquotas correspondente à operação, sendo a operação de remessa tributada à
alíquota de 12%. Aquele direito somente caberia ao Distrito Federal caso a
mercadoria fosse destinada ao estabelecimento ali situado.
A solução proposta pela
consulente, consignando como destinatário da operação outro estabelecimento que
não aquele ao qual efetivamente é destinada a mercadoria, por ofender a
disciplina legal do tributo, frustrando a exigência de regular registro e
documentação das operações, com sérias e negativas conseqüências no tocante à
determinação da responsabilidade passiva pelo tributo e da competência ativa
para sua cobrança, é tipificada como infração tributária, sujeita a severa
penalidade.
Com efeito, veda o art. 69 da Lei
nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, a emissão de documento fiscal consignando
declaração falsa quanto ao estabelecimento destinatário da mercadoria. Por
outro lado, o art. 66 do mesmo diploma, que disciplina a cobrança do ICMS em
Santa Catarina, proíbe a entrega de mercadoria em estabelecimento diverso
daquele indicado no documento fiscal
como destinatário da mercadoria. Para ambas essas infrações, a lei prescreve
severa multa, equivalente a 30% do valor da mercadoria ou operação. Dizem os
dispositivos mencionados:
Art. 66. Entregar ou receber mercadoria em
estabelecimento diverso do indicado no documento fiscal como destinatário:
MULTA de 30% (trinta por cento) do valor da mercadoria.
Art. 69. Emitir documento fiscal consignando declaração
falsa quanto ao estabelecimento remetente da mercadoria ou prestador de
serviço, ou quanto ao destinatário da mercadoria ou usuário do serviço:
MULTA de 30% (trinta por cento) do valor da operação ou
prestação.
Diante da clareza dos
dispositivos, é de se concluir mesmo pela desnecessidade da presente consulta
para o esclarecimento do questionamento formulado. A impossibilidade de
realização da operação na forma descrita na consulta está claramente vedada
pelos dispositivos legais transcritos.
Face ao exposto, responda-se à
consulente que não é possível efetuar a entrega de mercadoria vendida a
contribuinte situado no Distrito Federal a outro estabelecimento, localizado no
Estado de Minas Gerais.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 21 de novembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 29 de
novembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário
Executivo
Presidente da COPAT