EMENTA: ICMS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO ACRÉSCIMO FINANCEIRO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS PELA LEGISLAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA NÃO TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO TRIBUTÁRIO AOS ADQUIRENTES DAS MERCADORIAS, OU DE HAVER EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DESTES PARA ESSE FIM.

CONSULTA Nº: 12/2002

PROCESSO Nº: GR01 6.740/99-5

01. CONSULTA

A consulente, acima identificada, empresa industrial estabelecida neste Estado, dirige à COPAT consulta a respeito das disposições do inciso III do art. 34 do RICMS/89, aprovado pelo Decreto n° 3.017, de 28 de fevereiro de 1989, que estatui que não integra a base de cálculo do ICMS "os acréscimos financeiros cobrados nas vendas a prazo para consumidor final".

Nas palavras da consulente, esta, "ao longo dos últimos anos, vem recolhendo o ICMS em sua integralidade sobre as vendas parceladas a consumidor final, deixando de utilizar o regramento instituído pelo RICMS" (a saber, a exclusão dos acréscimos financeiros da base de cálculo, acima referida). Anexa relação do que afirma serem todos os créditos não utilizados, relativamente a suas vendas parceladas, questionando, ao final:

a) "sendo o 'financiamento da mercadoria proporcionado pela própria empresa vendedora', o ICMS deveria incidir sobre o preço da venda com exclusão da base de cálculo dos encargos financeiros. É correto a consulente usar este crédito na forma de compensação nos recolhimentos doravante deste imposto?"

b) "caso afirmativo, qual será o procedimento correto de uso dos créditos para fiscalização?"

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Código Tributário Nacional, art. 166;

RICMS/01, arts. 23, II, e 24;

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

De fato, nos termos do art. 23, II do RICMS/01, aprovado pelo Decreto n° 2.870, de 27 de agosto de 2001, o valor correspondente aos acréscimos financeiros cobrados pelo contribuinte ao adquirente consumidor final, nas operações com pagamento a prazo, não integrará a base de cálculo do ICMS. É o que diz o dispositivo mencionado, verbis:

Art. 23. Não integra a base de cálculo do imposto:

I - (...)

II - os acréscimos financeiros cobrados nas vendas a prazo a consumidor final.

Nos regulamentos anteriores esse era igualmente o tratamento previsto para a matéria. Assim, disposições idênticas são as dos art. 23, II, do RICMS/97, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997. No mesmo sentido também é o disposto no art. 34, III, do RICMS/89, aprovado pelo Decreto n° 3.017, de 28 de fevereiro de 1989.

A exclusão de tais valores da base de cálculo do imposto, no entanto, está condicionada ao atendimento de uma série de condições, que vêem discriminadas no art. 24 do RICMS/01, que dispõe:

Art. 24. A exclusão dos acréscimos financeiros de que trata o art. 23, II, fica condicionada a que a base de cálculo do imposto,  em cada operação, não seja inferior ao valor da entrada da mercadoria no estabelecimento, acrescido de percentual de margem de lucro bruto definido em portaria do Secretário de Estado da Fazenda.

§ 1° O contribuinte, para o fim previsto neste artigo, deverá indicar:

I - na nota fiscal, modelo 1 ou 1A, ou no respectivo Cupom Fiscal ou Nota Fiscal de Venda a Consumidor, modelo 2, emitidos por equipamento emissor de Cupom Fiscal - ECF:

a) o preço à vista da mercadoria;

b) o valor do acréscimo financeiro efetivamente cobrado;

c) o valor da entrada, se houver, e o número de prestações;

II - na  Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, o valor total excluído.

§ 2° O valor do acréscimo financeiro a ser excluído da base de cálculo não deve exceder o valor resultante da aplicação, sobre o preço à vista, excluído o valor da entrada, de percentuais fixados em portaria do Secretário de Estado da Fazenda.

§ 3° Consideram-se vendas a prazo aquelas cujo valor, exceto o da entrada, deverá ser pago em uma ou mais vezes, observando-se o seguinte:

I - nos casos de venda em prestação única ou em prestações uniformes, com espaço mínimo de 30 (trinta) dias entre os vencimentos das prestações, a contar da data da realização da venda, o montante máximo do acréscimo financeiro será determinado em função do número de prestações fixado entre as partes no ato da venda;

II - no caso de venda em prestações desiguais, com espaço mínimo de 30 (trinta) dias, a contar da data da realização da venda, o montante máximo do acréscimo financeiro será determinado em função do prazo médio de pagamento do valor financiado.

§ 4° Considera-se prazo médio de pagamento do valor financiado a parte inteira do quociente da divisão em que:

I - o dividendo será a soma dos produtos das multiplicações das quantidades de dias decorridos entre a data da venda e a data do vencimento de cada prestação e os valores das prestações respectivas;

II - o divisor será igual à soma dos valores das prestações.

Traz o dispositivo, como se vê, uma série de condições, que limitam a possibilidade de o contribuinte utilizar-se do benefício. Somente mediante a rigorosa observância de tais exigências é que poderá deixar o contribuinte de tributar aquela parcela, cobrada de seus clientes a título de acréscimo financeiro ao valor da operação, em função de a venda ter-se efetuado para pagamento a prazo.

Destaca-se, dentre as mencionadas condições, a constante do caput do artigo 24, que exige que a base de cálculo do imposto, na operação relativa à saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, não seja inferior à ao valor da entrada da mercadoria no estabelecimento, a crescido de percentual de margem de lucro bruto definido em portaria do Secretário de Estado da Fazenda.

Atenção especial merece também a exigência estabelecida pelo § 2° do mesmo artigo, ao limitar o valor do acréscimo financeiro sujeito à exoneração ao valor obtido mediante aplicação, sobre o preço à vista, excluído o valor da entrada, de percentuais fixados em portaria do Secretário de Estado da Fazenda.

Tais exigências, dentre outras, como as relativas à forma de documentação da operação, mediante registro de dados específicos nos livros e documentos fiscais (art. 24, § 1°), e as que definem, para os fins do art. 23, II, o que sejam vendas a prazo (art. 24, § 3°), restringem consideravelmente os casos em que é possível a exclusão dos valores mencionados da base de cálculo do imposto, além de limitar o montante dessa exclusão.

Mencione-se finalmente, por sua extrema importância, a exigência de que se trate de venda a prazo que tenha como destinatário consumidor final do produto adquirido. A respeito, já se manifestou a COPAT, esclarecendo o alcance da exoneração discutida, conforme resposta à Consulta n° 53/99, em cuja ementa se lê:

ICMS. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ACRÉSCIMO FINANCEIRO COBRADO NAS VENDAS A PRAZO A CONSUMIDOR FINAL. BENEFÍCIO QUE SOMENTE SE APLICA ÀS MERCADORIAS DESTINADAS A CONSUMIDOR FINAL, ASSIM ENTENDIDO AQUELE QUE ADQUIRE O PRODUTO PARA ATENDER UMA SATISFAÇÃO PESSOAL. ESTÃO EXCLUÍDOS DO BENEFÍCIO OS BENS DE CONSUMO INTERMEDIÁRIO E OS BENS DE CAPITAL.

Convém também transcrever os termos em que vazado o respectivo parecer:

"De fato, como bem lembrado pela consulente, o RICMS/89 estabelecia  expressamente (§ 4º do art. 34) que a exclusão da base de cálculo do acréscimo financeiro cobrado nas vendas a prazo não se estendia, cingindo ao assunto abordado na consulta, às saídas de bens destinados ao ativo imobilizado do adquirente.

"Diante da clareza do preceptivo citado, expediu a COPAT a seguinte resolução normativa:

"0018/89 - ICMS - VENDAS A PRAZO. EXCLUSÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ACRÉSCIMO    FINANCEIRO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO. O BENEFÍCIO PREVISTO NÃO ABRANGE A SAÍDA DE BEM DESTINADO A INTEGRAR O ATIVO PERMANENTE OU A USO E CONSUMO DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO OU PRIVADO (§4°, do art. 34, do RICMS/89)

"De igual sorte, como destacou a requerente, o atual regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.790, de 29 de abril de 1997, em consonância com a Lei instituidora do tributo, em seu art. 23, dispõe que não integra a base de cálculo do tributo o acréscimo financeiro cobrado nas vendas a prazo a consumidor final. Contudo, diversamente do que entende a interessada, o fato do mesmo não excetuar do benefício as operações com mercadorias destinadas ao ativo imobilizado de pessoa jurídica, como  fazia o antigo regulamento do imposto, não significa, em hipótese alguma, que essas operações passaram a ser contempladas pelo benefício. Muito pelo contrário, como a seguir demonstraremos, em tais hipóteses a base de cálculo compõe-se também do quantum cobrado a título de acréscimo financeiro.

"O ponto de interesse da "quaestio juris" está em se determinar qual  amplitude do termo "consumidor final", constante do art. 23 do RICMS/97. Com efeito, como nos ensina o mestre José Paschoal Rosseti, os bens e serviços se desdobram em duas categorias básicas: "as que se destinam a satisfazer às necessidades de consumo e as que, pelos investimentos, atendem às necessidades de acumulação de bens de capital" (in Introdução à Economia, Ed. Atlas, 17ª ed., 1997, p. 149).

"Nesse sentido, há que se distinguir:

"a) bens de consumo final: bens destinados a satisfazer diretamente às necessidades do contingente populacional;

"b) bens de consumo intermediário: bens que são consumidos no processo de produção de outros bens. Os produtos intermediários, portanto, são insumos destinados ao reprocessamento; e

"c) bens de capital: bens que, sem serem consumidos no processo de produção, são utilizados na produção de outros bens ou serviços; destinados ao processo de acúmulo de capital (investimento) e não à satisfação das necessidades imediatas de consumo. Nesse sentido, leciona o Prof. Rosseti: "destinam-se a esse fim os equipamentos infra-estruturais, econômicos e sociais; as construções e edificações; as máquinas; os equipamentos, os instrumentos e as ferramentas". (Obra citada, p. 146)

"Saliente-se, por oportuno, que, como definido no Dicionário Econômico, Comercial e Financeiro (Ed. Civilização Brasileira S.A., 7ª ed., p. 56), consumo "é a fase final do processo econômico, e ao contrário da produção, da circulação e da distribuição, opera-se de modo individual". (grifamos)

"Ademais, impende registrarmos - por relevante - que, no dispositivo em comento, o vocábulo "consumidor" encontra-se delimitado, na espécie, pelo qualificador "final". Portanto, é induvidoso que a expressão "consumidor final", nele contida, está a identificar, tão somente, a pessoa que adquire produtos para uso próprio, ou noutro dizer, para satisfação de uma necessidade pessoal.

"Com o escopo de afastar possíveis dúvidas ao entendimento acima esposado,  há de se destacar que, pesquisando a norma em apreço quanto a sua finalidade (interpretação teleológica), verifica-se que a mesma foi instituída visando estabelecer condições de igualdade de competição entre as empresas que, nas vendas a varejo, financiam as vendas com recursos próprios, com empresas que utilizam a intermediação de instituições financeiras. Neste caso, não incide o ICMS sobre o acréscimo financeiro cobrado do consumidor final, por estar fora do campo de incidência deste tributo.

"Finalmente, nunca é demais lembrar que a legislação tributária que versa sobre benefício fiscal, por constituir matéria de direito excepcional, deve ser interpretada restritivamente, nos termos do art. 111 do CTN. Não cabe, "in casu", a interpretação extensiva ou mesmo o recurso à equidade.

"À evidência, impõe-se concluir que a exclusão do acréscimo financeiro da base de cálculo do ICMS, nas vendas a prazo, não se aplica às operações com mercadorias a serem utilizadas no processo produtivo (acúmulo de capital). Dessa forma, por sua própria natureza, os bens de consumo intermediário e os bens de capital estão excluídos do benefício.

"Diante do exposto, responda-se à consulente que, na hipótese por ela ventilada, a pessoa jurídica, para efeitos do art. 23 do RICMS/97, não se enquadra no conceito de consumidor final."

A consulente, em sua exposição, afirma, com efeito, que as operações que entende terem-se realizado sem a devida exclusão de acréscimos financeiros da base de cálculo do ICMS são destinadas a consumidor final. Contudo, à falta de maiores esclarecimentos, torna-se impossível verificar se os demais requisitos exigidos pela legislação foram atendidos, de forma a validar sua pretensão. Mesmo a afirmação de que se trata de operações destinadas a consumidor final não pode, à vista dos elementos constantes dos autos, ser confirmada, especialmente tendo em conta as conclusões da resposta à consulta acima transcrita, que exclui desse conceito o adquirente pessoa jurídica.

A natureza das exigências que faz a legislação para tornar admissível a exclusão sugere, antes, uma muito maior probalidade de que não houve sua observância pela consulente, em especial quanto àquelas atinentes à necessidade de indicação e discriminação, nos documentos fiscais relativos à operação, do seu valor para pagamento à vista, valor do acréscimo, número de parcelas etc. Tais requisitos, não cumpridos no momento oportuno, de forma a constarem na documentação fiscal entregue ao consumidor, muito dificilmente poderão ser atendidos agora pela consulente.

Ainda que pudesse a consulente, de algum modo, dar cumprimento a todos esses requisitos, apontados pelos arts. 23 e 24 do RICMS/01, um outro obstáculo de muito difícil transposição opõe-se a sua pretensão de aproveitar-se extemporaneamente da exclusão dos acréscimos financeiros da base de cálculo do ICMS. É que, sendo o ICMS espécie de imposto em que há naturalmente a transferência do ônus tributário, pelo contribuinte, por meio do preço cobrado, àquele que adquire a mercadoria, impõe-se a observância da restrição estabelecida pelo art. 166 do Código Tributário Nacional à repetição de indébito relativo a impostos dessa natureza. Diz o citado dispositivo, verbis:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Cumpre lembrar, a propósito, o teor de duas súmulas do Supremo Tribunal Federal, que versam sobre a matéria disciplinada por esse dispositivo, esclarecendo seu alcance e aplicação, verbis:

Súmula 71: Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto.

Súmula 546: Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte "de jure" não recuperou do contribuinte "de facto" o "quantum" respectivo.

Diante dessas disposições, tem-se que a procedência da pretensão da consulente de recuperar, sob a forma de créditos, valores que seriam correspondentes ao imposto incidente sobre a parcela que, nas condições do art. 24 do RICMS/01, poderia ser excluída da base de cálculo do imposto, condiciona-se à comprovação de que esse ônus tributário, do qual a consulente pretende ressarcir-se, não foi por ela repassado aos adquirentes de seus produtos. Somente nessas condições, ou, em caso contrário, mediante expressa autorização de todos aqueles a quem efetivamente haja sido imposto o ônus tributário, é que o creditamento pretendido poderia ser realizado.

Face ao exposto, responda-se à consulente:

a) que a exclusão dos acréscimos financeiros cobrados nas vendas a prazo a consumidor final da base de cálculo do ICMS somente é admitida quando atendidas as condições estabelecidas no art. 24 do RICMS/01;

b) que a aplicação extemporânea dessa exclusão, mediante retificação de operações anteriormente realizadas, depende igualmente da estrita observância dos mesmos requisitos, bem como da obediência ao disposto no art. 166 do CTN, que exige a comprovação de que não houve transferência do respectivo encargo tributário aos consumidores adquirentes, ou então de estar a consulente por estes autorizada a pleitear essa restituição.

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 8 de fevereiro de 2002.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 28 de maio de 2002.

Laudenir Fernando Petroncini                    João Paulo Mosena

Secretário Executivo                                Presidente da COPAT