EMENTA: ICMS. SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO. INCIDE O ICMS NO SERVIÇO PRESTADO A TOMADOR SITUADO NO PAÍS, NADA OBSTANTE A CIRCUNSTÂNCIA DE QUE O USUÁRIO SE VALHA DE TAL SERVIÇO PARA COMUNICAR-SE COM PESSOA SITUADA NO EXTERIOR.

CONSULTA Nº: 10/2002

PROCESSO Nº: GR01 6.761/99-2

01. CONSULTA

A consulente, acima identificada, é pessoa jurídica estabelecida no Estado operando no ramo de prestação de serviços de telecomunicação.

Dentre os serviços que presta, refere-se especificamente à modalidade em que se estabelece a comunicação entre um ponto fixo situado no território nacional, e outro ponto localizado no exterior. Afirma a consulente entender que não incide o ICMS sobre tais serviços, tendo em vista o disposto no art. 3°, II, da Lei Complementar n° 87/96. Questiona se está correto esse seu entendimento, o qual, segundo afirma, é compartilhado pela Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL.

02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2°, X, a e IX, a.

Lei Complementar n° 87/96, arts. 2°, § 1°, I e II; 3°, II; 4°, parágrafo único, II e 12, X .

03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Dispõe o art. 3°, II, da Lei Complementar n° 87/96, sobre cuja interpretação versa a presente consulta:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

(...)

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

Refere-se a consulente a um suposto intuito do legislador complementar de, com tal previsão, "não tributar tais serviços de modo a propiciar às empresas brasileiras de telefonia o mesmo grau de competitividade havido no mercado mundial".

Até certo ponto, o pressuposto afirmado é verdadeiro. É equivocada, no entanto, a conclusão que dele extrai a consulente, especialmente por não ter em conta outros fatores extremamente relevantes, contidos na própria legislação disciplinadora do tributo em apreço, que permitem, sistematicamente considerados, uma mais acurada percepção do verdadeiro alcance da incidência do imposto, e quais os limites da situação de não incidência estabelecida.

De fato, é questão de política tributária, relacionada estreitamente com as práticas de comércio internacional, a não tributação das exportações. Interessados os países em geral em incrementar o volume de suas exportações, fonte de ingresso de divisas, deixam geralmente de tributar as saídas de produtos produzidos em seu território. Caso o fizessem, tais produtos certamente perderiam competitividade no mercado internacional, pois é certo que no ingresso no mercado do país importador, estará sujeito à imposição dos tributos neste vigentes. Em contrapartida, visando igualmente o equilíbrio das condições de competividade, é comum o estabelecimento nos acordos internacionais de comércio de cláusulas que proíbem a discriminação de produtos em função de sua origem. Tais cláusulas vedam que o país importador imponha ao produto importado encargos tributários mais gravosos que os sofridos pelo produto nacional.

Nesse sentido é que a Lei Complementar n° 87/96, seguindo preceito estabelecido na própria Constituição Federal (art. 155, § 2°, X, a), exclui da incidência do ICMS as exportações de mercadorias, ao mesmo tempo em que estabelece a incidência do imposto nas importações (art. 2°, § 1°, I, da Lei Complementar n° 87/96 e art. 155, § 2°, IX, a, da Constituição Federal).

A Lei Complementar 87/96 inova nesse campo, relativamente ao disposto na Constituição Federal, prevendo a não incidência do ICMS não somente nas operações que destinem mercadorias ao exterior do país, mas também quanto aos serviços que tenham esse mesmo destino. Diante dessa previsão, impõe-se a necessidade de se definir em que consiste o denominado "serviço destinado ao exterior", retirado do campo de incidência do ICMS, e o que o diferencia do serviço interno, sujeito à tributação.

Entende a consulente que o elemento que diferencia o serviço com destino no país do serviço destinado ao exterior é o fato de que neste a comunicação se estabelece entre um ponto situado no Brasil e outro situado no exterior. Esta seria, a seu ver, a operação que mereceu proteção do legislador, por meio da exoneração tributária, com vistas a garantir "às empresas brasileiras de telefonia o mesmo grau de competitividade havido no mercado mundial".

Ocorre, no entanto, que o serviço de comunicação referido pela consulente - graças ao qual estabelece-se a comunicação telefônica entre pessoa situada no Brasil e outra localizada no estrangeiro - tanto pode ser prestada por operadora de telefonia situada no Brasil quanto por empresa concorrente desta, situada no exterior, tudo a depender apenas da circunstância relativa ao local onde se originou a chamada. Tem-se, portanto, claramente, que o mesmo serviço, com idêntico objeto - a comunicação telefônica internacional - pode ser prestado tanto pela operadora nacional, quanto pela operadora situada no país onde localizado o outro participante da relação comunicativa estabelecida via telefônica.

No primeiro caso, a chamada teria origem a partir da iniciativa do usuário localizado no Brasil, cliente da operadora nacional. Esta seria, então a prestadora do serviço especificamente considerado, e o usuário no Brasil, seu tomador, a quem caberia pagar pelo serviço. O outro comunicante, situado no exterior, participaria da comunicação, mas não do negócio jurídico cujo objeto é a prestação de serviço de comunicação. Em matéria tributária, tem-se que a prestadora do serviço é potencial sujeito passivo de tributos que tenham como fato gerador a prestação de serviço dessa natureza. Sujeito ativo dessa eventual relação jurídica tributária seria a pessoa política cuja competência tributária abranja o local que a lei tenha indicado como aspecto espacial do fato gerador tributário.

Na outra situação, teríamos o inverso: o tomador do serviço seria o usuário localizado em outro país; o prestador do serviço e sujeito passivo do tributo eventualmente incidente sobre o negócio, a empresa de telefonia estrangeria; e sujeito ativo tributário, o ente público estrangeiro. Vê-se, assim, que em matéria tributária, essa segunda operação em nada interessa aos entes públicos brasileiros, seja à União, sejam aos Estados-membros ou aos Municípios.

Resta perquirir se é procedente a preocupação manifestada pela consulente, de que eventual diferença de tratamento tributário entre as duas operações pode acarretar prejuízo em termos de competitividade a uma ou outra das prestadoras. Esta é, afinal, a premissa básica do raciocínio da consulente, a partir da qual extraiu-se a conclusão de que a prestação, quando iniciada no Brasil, deva ser exonerada do imposto.

Como já se mencionou, a regra que determina a exoneração de exportações e a tributação sistemática das importações tem como objetivo e justificativa a busca da equiparação do tratamento tributário entre o produto nacional e o importado. Tem lugar, assim, quanto se colocam tais produtos em situação de concorrência, quando ao adquirente o produto estrangeiro se ofereça como opção ao produto nacional. Deixar aquele sujeito a um tratamento tributário menos oneroso que o nacional implica em colocar este em situação de desvantagem competitiva.

Contudo, essa preocupação somente se manifesta quando essa possibilidade de substituição do produto nacional pelo estrangeiro existe. Obviamente, nenhuma relevância terá para o produtor nacional o fato de que determinado produto, quando comercializado internamente em outro país, sofre menor ônus tributário, comparativamente à tributação sofrida pelo mesmo bem no Brasil. Afinal, não somente os seus produtos estão sujeitos ao tratamento tributário previsto pela lei brasileira, mas também e igualmente os de todos os seus concorrentes, que com ele disputam o mercado nacional. E será ainda mantida a condição de neutralidade tributária quando eventuais produtos oriundos de outro país sofrerem a mesma tributação, na importação, prevista para os produtos nacionais.

Tal preocupação também não se verifica na situação abordada pela consulente. Com efeito, a garantia de condições equilibradas de competitividade, no que diz respeito a possíveis interferências da tributação sobre os serviços prestados, repita-se, deve ser proporcionada pela previsão de tratamento tributário isonômico a todos os fornecedores desse serviço, que estejam disputando um mesmo mercado. E esse princípio, a despeito da opinião contrária da consulente, é plenamente respeitado, posto que todos os concorrentes, que poderiam fornecer o mesmo serviço que a consulente, estão sujeitos a tratamento tributário idêntico.

De fato, a espécie de serviço a que se refere a consulente, tendo como tomador usuário situado no Brasil, por cuja iniciativa tenha-se originado a chamada telefônica internacional, é em regra prestado por operadoras nacionais. Entre estas é que se estabelece a disputa por esse mercado, e é portanto apenas entre elas que se deve pesquisar a eventual existência de tratamento tributário discriminatório, que coloque alguma delas em situação competitiva mais vantajosa. Não importa, para o tema em análise, saber qual o tratamento tributário que teria a mesma prestação caso o tomador fosse o usuário situado no exterior, realizada pela companhia estrangeira, porque pela prestação desse serviço não pode a consulente com esta competir, visto que seus clientes, como se referiu, são os usuários situados em território nacional.

A preocupação com eventual desvantagem concorrencial da consulente nas ligações telefônicas internacionais não procede nem mesmo se se considerar a possibilidade de a empresa estrangeira prestadora de serviços de telefonia prestar tais serviços diretamente ao usuário situado no país. Isto porque disso cuidou o legislador complementar, submetendo essa prestação ao mesmo tratamento tributário a que sujeita a mesma operação, quando realizada por empresa situada no país, aqui sim tendo lugar o princípio referido, que manda exonerar as exportações e tributar as importações. Com efeito, prevê a Lei Complementar n° 87/96, ao estabelecer as hipóteses de incidência do ICMS, entre elas as "prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza", que o imposto incidirá também quando as prestações de serviço sejam realizadas no exterior ou ali se tenham iniciado. É o que dispõe o inciso II do § 1° do art. 2°, verbis:

Art. 2º O imposto incide sobre:

(...)

II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

(...)

§ 1º O imposto incide também:

(...)

II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

Para a hipótese, prevê o art. 4°,  parágrafo único, II, do mesmo diploma que contribuinte do imposto é "a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior". Ainda a respeito, estabelece a lei, em seu art. 12, inciso X, como momento da ocorrência do fato gerador do imposto o do "recebimento, pelo destinatário, de serviço prestado no exterior".

Fica, portanto, bastante claro e evidente que o simples fato de a prestação ter por objeto a comunicação entre pessoas situadas em países distintos, nos termos da Lei Complementar n° 87/96, não é suficiente para qualificá-la como uma prestação de serviço destinada ao exterior. Muito menos para colocar tal prestação fora do alcance da incidência do ICMS, a pretexto de proteger o prestador da concorrência com empresas estrangeiras prestadoras do mesmo serviço, quando é a própria lei complementar que prevê a tributação do serviço prestado por esta, de forma a preservar a neutralidade da tributação. Entender de outro modo, como pretende a consulente, seria, sim, estabelecer um privilégio para o prestador nacional, cujos serviços não seriam tributados, enquanto a mesma prestação, se possível sua realização por operadora estrangeira a usuário localizado no Brasil, seria, nos termos legais citados, tributada normalmente, em flagrante desrespeito aos tratados e acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário.

Analisando a questão das prestações que têm como objeto prestações de serviço iniciadas no exterior, embora tendo como enfoque a outra espécie de prestação de serviço tributada pelo ICMS - o serviço de transporte -, pronuncia-se Hugo de Brito Machado:

"Se a prestação do serviço tem início no exterior, considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no ato final do transporte. Como a regra da Constituição Federal, atributiva de competência aos Estados, refere-se expressamente a prestações de serviços que se iniciem no exterior, tem-se de admitir a tributação de tais serviços. O fato gerador respectivo, nestes casos, considera-se ocorrido quando é completada a prestação do serviço, no território brasileiro.

"Se a prestação do serviço começa e termina no exterior, o fato gerador do imposto considera-se ocorrido, diz a lei, no momento do recebimento, pelo destinatário. Recebimento de quê? Não pode ser do objeto transportado. Há de ser da prestação do serviço, consubstanciada no conhecimento de que o transporte ocorreu e completou-se, nas condições desejadas. (sublinhamos)

"Não fora a norma do art. 155, § 2º, inciso IX, "a", diríamos ser impossível a cobrança do ICMS sobre uma prestação de serviço ocorrida inteiramente no exterior. De todo modo, mesmo em face daquela norma, o serviço prestado inteiramente no exterior somente é tributável por um Estado brasileiro quando prestado a alguém que está no Brasil. O serviço é executado no exterior, mas por conta e ordem,  em benefício, de quem está no Brasil." (Aspectos Fundamentais do ICMS, p. 49-50)

Vê-se que o autor, analisando os diversos aspectos do fato gerador do ICMS relativamente às prestações de serviço de transporte, distingue muito claramente dois elementos da hipótese de incidência: o objeto mesmo da prestação, ou seja o transporte de algo de um local a outro, e o tomador ou destinatário do serviço, cuja localização pode mesmo ser diversa daquelas onde se inicia ou se encerra o transporte. Distingue também, com clareza, entre o destinatário da prestação do serviço e a pessoa a quem eventualmente deva ser entregue o bem transportado, por ordem daquele.

Observe-se, pois, que nos termos da lei e em consonância com a opinião do autor citado, o destinatário do serviço, a pessoa a quem o serviço se destina juridicamente, é aquele que é o contratante e beneficiário último da prestação, e que pode mesmo nem ter contato direto e imediato com o serviço prestado, mas apenas dele se beneficiar, conforme sejam seus interesses. Assim no exemplo citado por Hugo de Brito Machado, em que a prestação se desenvolve inteiramente no exterior, estando o tomador, beneficiário do serviço, localizado no Brasil.

No sentido dessas observações, pode-se concluir que ter-se-á uma prestação de serviço destinada ao exterior apenas quando o destinatário dessas prestações, o tomador desse serviço, situar-se no exterior do país. Nesse caso, seja qual for o objeto da prestação realizada - comunicação realizada entre dois pontos situados no país, entre dois pontos situados em países distintos, ou entre dois pontos situados ambos no exterior -, estará configurada a hipótese de não incidência prevista no inciso II do art. 3° da Lei Complementar n° 87/96.

Se, por outro lado, o tomador do serviço de comunicação estiver situado no país, haverá a incidência do ICMS, não impedindo a configuração da hipótese de incidência a circunstância de que essa prestação possibilite a seu destinatário comunicar-se com pessoa situada no exterior.

É o parecer. À consideração da Comissão.

Gerência de Tributação, em Florianópolis, 5 de fevereiro de 2002.

Laudenir Fernando Petroncini

FTE -  Matr. 301.275-1

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 9 de abril de 2002.

Laudenir Fernando Petroncini                    João Paulo Mosena

Secretário Executivo                                Presidente da COPAT