CONSULTA N° 078/2009
EMENTA: ELABORAÇÃO DE PROTOTIPOS SOB ENCOMENDA E SEGUNDO PROJETO DO ENCOMENDANTE, PARA FINS DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO, TESTES, EXPOSIÇÃO ETC. NEGÓCIO JURÍDICO EM QUE PREVALECE PRESTAÇÃO DE FAZER, EMBORA ENVOLVA UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS. INEXIGIBILIDADE DO ICMS, POSTO QUE NÃO RESTA CARACTERIZADO O FATO GERADOR DO IMPOSTO.
01 - DA CONSULTA
A consulente identifica-se como indústria de moldes, protótipos,
matrizes e desenvolvimento de projetos por computador.
A presente consulta refere-se à elaboração de protótipos, fabricados
conforme projetos fornecidos pelos clientes, para fins de testes, exposição em
feiras, marketing, desenvolvimento etc.
Ao final, consulta a esta Comissão se é devido ICMS sobre a saída dos
protótipos, com destino aos encomendantes:
a) considerando que os protótipos não se destinam ao mercado consumidor;
b) que não se caracteriza como mercadoria, conforme definida pelo
direito comercial; e
c) que não há circulação, entendida como mudança de titularidade do bem.
A informação fiscal analisou as condições de admissibilidade da
consulta.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
CF, art. 155, II;
Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 2°, 8° e 9°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A consulta, apesar do seu sabor acadêmico, não pode ser considerada
consulta em tese, pois se refere a situação concreta, envolvendo o ramo de
atividade da empresa.
A Constituição da República cometeu aos Estados-membros competência para
instituir e cobrar impostos sobre operações de circulação de mercadorias e
sobre prestação de serviços de transporte (exceto os intra-municipais) e de
comunicação (CF, art. 155, II). A questão levantada na consulta consiste em
estabelecer se a elaboração de protótipos, sob encomenda e projeto do encomendante,
se caracteriza como operação de circulação de mercadoria. Em caso negativo, não
incidiria o imposto estadual sobre a elaboração de protótipos.
Analisando separadamente os conceitos envolvidos na descrição do fato
gerador ou da hipótese de incidência, como quer a doutrina, entende-se por
“mercadoria” o bem móvel adquirido para revenda. Também será considerada
mercadoria o resultado de um processo industrial de que resulte bem móvel
destinado à revenda. Conforme Meireles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem.
Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52):
“Mercadoria é toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação
econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é
mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material
posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração”.
Toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo o bem móvel é mercadoria. O
que a distingue é justamente a intenção – elemento subjetivo – de quem promove
a operação: adquirir ou produzir o bem para ser comercializado (mercancia).
Assim, determinado bem pode ser mercadoria em um momento e não o ser em outro
momento.
Além disso, para que fique caracterizado o fato gerador do ICMS, a
operação precisa ser relativa à “circulação” de mercadorias. No magistério de
Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética,
1997, p. 25):
“Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou
negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles,
que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a
produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte
produtora até o consumidor”.
Roque Antonio Carrazza, a seu turno, enfatiza que o ICMS “incide sobre
operações com mercadorias (e não sobre a simples circulação de mercadorias). Só
a passagem de mercadorias de uma pessoa para outra, por força da prática de um
negócio jurídico, é que abre espaço à tributação por meio de ICMS” (ICMS, São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 40).
No caso em tela, cuida-se de um protótipo, elaborado por encomenda e
segundo projeto do encomendante. Considerando-se a característica de
singularidade dos protótipos, como modelo primário de alguma coisa, não se
vislumbra, na hipótese, a produção de bem para venda. Pelo contrário, o negócio
tem por objeto a própria elaboração do protótipo ou a execução do projeto
fornecido pelo encomendante. O “fazer”, nesse caso, prepondera sobre o “dar”
que participa no negócio de modo secundário, apenas como forma de viabilizar o
“fazer”.
Aires F. Barreto analisa a distinção entre a incidência do ICMS e do
ISS, respectivamente, nos seguintes termos (ISS na Constituição e na Lei São
Paulo: Dialética, 2005, p. 235):
“Sendo inquestionável que a qualificação de um bem como mercadoria não
decorre das suas características intrínsecas, senão do destino que se lhe dá, é
inexorável a conclusão de que só é mercadoria o bem objeto de mercancia. Não
aquele cujo fim é viabilizar uma prestação de serviço”.
“A distinção – vital – entre o fornecimento de coisa, qualificável como
mercadoria, e a prestação de um serviço, que envolve aplicação de material,
repousa, ainda, no discernimento entre coisas como meio e coisas como fim”.
“Diante de operação mercantil a coisa é objeto do contrato; sua entrega
é a própria finalidade da operação. No caso de prestação de serviço a coisa é
simples meio para a realização de um fim. A finalidade não é mais o fornecer ou
entregar uma coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o
emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio”.
Com efeito, o negócio celebrado é de produção de um protótipo que
servirá para uso específico, como exposição, demonstração, testes etc. em que
se esgota a sua finalidade. Não é um bem de uso e consumo do encomendante ou
integração ao seu ativo imobilizado, o que o diferencia de uma mercadoria
produzida por encomenda.
A consulente informa que adquire matérias-primas e outros insumos
empregados na elaboração do protótipo. Isto, no entanto, é insuficiente para
caracterizar a produção de mercadoria: o preço do serviço integrará o valor da
mercadoria ou os materiais empregados integrarão o valor do serviço, conforme
prevalecer a incidência do ICMS ou do ISS. Com efeito, a base de cálculo do imposto
é o preço do serviço (LC 116/2003, art. 7°), incidindo o ISS sobre os serviços
relacionados na lista anexa, “ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadorias (art. 1°, § 2°)”.
Não é o caso de incidência do ICMS sobre o fornecimento de mercadorias
com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios
(LC 87/96, art. 2°, IV), hipótese em que a base de cálculo é o valor da
operação (art. 13, IV, a). Na hipótese, prepondera a entrega da mercadorias
sobre o serviço prestado que é acessório. É o que sucede na compra de um bem ou
equipamento que dependa de montagem ou instalação. A prestação do serviço,
nesse caso, é complementar à entrega da coisa.
Também não se confunde com o bem produzido por encomenda e segundo especificações
do encomendante, mas destinado ao seu próprio uso ou à integração ao ativo
imobilizado. É o caso da produção de máquinas-ferramentas ou de uma peça
específica para ser acoplada a determinada máquina (bem de capital), para
utilização na produção de mercadorias que serão comercializadas pelo encomendante.
Apesar das semelhanças, o protótipo de que estamos falando esgota sua
finalidade em si mesmo. Não será utilizado pelo encomendante na produção de
outras mercadorias. Pelo contrário, sua utilidade é apenas como corpo de prova,
cessando quando forem obtidos os resultados desejados. O protótipo tem por
destino sua destruição ou o descarte, uma vez alcançada sua finalidade.
A Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do Recurso Especial 881.035 RS (RDDT 153: 133), distingue nos seguintes termos
a incidência dos dois tributos:
1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2°,
IX, b e 156, III da CF, art. 2°, IV da LC 87/96 e art. 1°, § 2° da LC 116/03),
a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios,
relativamente a incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes
critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadorias e sobre serviços de
transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b)
sobre operações de prestação de serviço compreendidos na lista de que trata a
LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que
agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver
compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o
serviço agregado não estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas
as turmas do STF.
Não compete a esta Comissão definir quais serviços estão sujeitos à
tributação pelo ISS. Essa é atribuição do Fisco municipal. No entanto, não
podemos deixar de observar que o item 2.01 da Lista de Serviços anexa à LC
116/2003, trata de “serviços de pesquisa e desenvolvimento de qualquer natureza”,
onde poderá estar compreendida a elaboração de protótipos. Contudo, o correto
enquadramento deve ser buscado junto às autoridades fazendárias municipais.
Posto isto, responda-se à consulente:
a) a elaboração de protótipos, considerando sua singularidade e sua
destinação direcionada para testes, pesquisa, desenvolvimento ou exposição, em
que se esgota sua finalidade, não caracteriza o fato gerador do ICMS;
b) predomina, no caso, a obrigação de fazer sobre a obrigação de dar,
hipótese que pode configurar o fato gerador do imposto municipal, se estiver
previsto na Lista de Serviços anexa à LC 116/2003.
À superior consideração da Comissão.
Getri, em Florianópolis, 30 de novembro de 2009.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado
pela Copat na Sessão do dia 3 de dezembro de 2009.
Alda Rosa da Rocha
Anastácio Martins
Secretária Executiva Presidente
da Copat