EMENTA: A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA PASSIVA
INDEPENDE DA CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS. NADA IMPEDE QUE MENORES,
ABSOLUTAMENTE OU RELATIVAMENTE INCAPAZES, SEJAM SÓCIOS DE EMPRESAS COMERCIAIS.
CONSULTA Nº: 16/99
PROCESSO Nº: GR03
85308/98-6
01 - DA CONSULTA
O consulente é Fiscal de Tributos
Estaduais e exerce, na 3ª Gerência Regional da Fazenda Estadual, com sede em
Blumenau, atividades de assessoramento, estando encarregado de analisar e
deferir pedidos de inscrições estaduais.
Noticia o consulente que
foram-lhe submetidos pedidos de inscrição estadual para sociedades comerciais,
constituídas pelo regime de quotas de responsabilidade limitada, das quais
participam como sócios menores de idade, portanto incapazes, nos termos do
Código Civil.
A questão levantada refere-se à
possibilidade de admitir menores, salvo se relativamente incapazes e
devidamente emancipados, como sócios de sociedades comerciais. Traz à colação a opinião de conhecidos
comercialistas sobre a matéria.
Assim expostos os fatos, o
consulente formula as seguintes indagações:
a) se devem ser deferidos
requerimentos de empresas constituídas sob a forma societária de sociedades por
quotas de responsabilidade limitada nas quais participem como sócios-cotistas
menores de 21 anos e maiores de 18 anos, portanto, relativamente incapazes;
b) se positiva a dúvida exposta
no item “a”, se devem ser deferidos requerimentos de cadastro de empresas de
cujo quadro societário participem, como sócios-cotistas maiores de 16 anos e
menores de 18 anos;
c) se positivas as dúvidas
expostas nos itens “a” e “b”, se devem ser deferidos requerimentos de cadastro
de empresas de cujo quadro societário participem, como sócios-cotistas menores
de 16 anos;
d) se devem ser deferidos
requerimentos de cadastro de empresas de cujo quadro societário participem,
como sócios-gerentes menores de idade, relativamente incapazes (18 a 21 anos);
e) por fim, no caso de maior de
16 anos e menor de 21 anos, os quais se estabeleçam com economia própria como
se deve comprovar tal condição para que possa ser deferido o cadastro da
respectiva empresa.
Apensados ao presente,
encontram-se os seguintes processos:
1 – GR03 70825/98-0 – Sorelle
Poffo Criações Ltda.
2 – GR03 16064/98-4 – Bluana
Confecções Ltda.
3 – GR03 70812/98-5 – Sorelle Poffo
Criações Ltda.
4 – GR03 70587/98-1 - Confecções
Oigana Ltda. ME
5 – GR03 16106/98-9 – JGP
Distrib. Auto Peças Ltda.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Código Tributário Nacional, Lei
n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 126 e 134.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A questão colocada pelo
consulente refere-se à capacidade civil dos sócios da pessoa jurídica, para fim
de inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS.
Importa distinguir inicialmente
que a capacidade civil pode ser de gozo ou de exercício. A primeira é inerente
ao ser humano: “todo homem é capaz de direitos e obrigações” (CC, art. 2°). Já
a capacidade de exercício consiste na aptidão de exercitar os seus direitos o
que pressupõe consciência e vontade. Essa capacidade depende de fatores
objetivos como por exemplo, a idade. Assim, ao menor, embora detentor de
direitos, presume-se incapaz de exercitá-los. Falta-lhe plena autonomia da
vontade e desenvolvimento da consciência o que só ocorre com a idade adulta.
A incapacidade pode ser absoluta
(CC, art. 5°) ou relativa (CC, art. 6°) que se distinguem porque a
incapacidade, no segundo caso, poder ser suprida pela emancipação. O
relativamente incapaz pode ser emancipado (CC, art. 9°) por concessão paterna
(mediante escritura pública ou particular), por sentença judicial (na forma do
art. 1.112, I do CPC), pelo casamento, pelo exercício de emprego público
efetivo, pela colação de grau em curso de ensino superior, pelo
estabelecimento civil ou comercial, com
economia própria. Em todos esses casos, presume-se que o menor é detentor dos
requisitos necessários ao exercício pleno de seus direito civis.
Atente-se todavia que a
incapacidade refere-se apenas à capacidade de exercício, posto que a capacidade
de gozo é própria da pessoa humana. Por isso a lei civil prevê que o incapaz
será assistido ou representado nos atos da vida civil. Leciona Washington de
Barros Monteiro (curso de Direito Civil, v. 1, 1997, p. 70):
... a incapacidade de fato não
elimina a capacidade de gozo ou de direito, sendo suprida através da representação.
O incapaz de fato exerce seus direitos representado ou assistido pelo
respectivo representante legal; representado, se absoluta a incapacidade;
assistido apenas, se relativa essa incapacidade.
Como visto, a incapacidade civil
das pessoas naturais afeta apenas o exercício da capacidade, mas não afeta a
capacidade de direito (ou de gozo). O incapaz pode participar da vida civil,
desde que representado ou assistido, conforme a incapacidade seja absoluta ou
relativa. O incapaz pode ser ainda emancipado, na forma da lei, se considerado
apto ao exercício da capacidade civil plena.
Entre outros atos da vida civil,
o incapaz pode participar de sociedades, inclusive comerciais, desde que
representado ou assistido. Isto porque o Direito Comercial conceitua
comerciante pela prática de atos de comércio e não meramente pela formalidade
de sua inscrição no Registro de Comércio. Fran Martins, em sua conhecida obra
(Curso de Direito Comercial, 1998, p. 83) conceitua comerciante nos seguintes
termos:
Entende-se por comerciante a
pessoa, natural ou jurídica, que, profissionalmente, exercita atos de
intermediação ou prestação de serviços com intuito de lucro. Os atos praticados
pelos comerciantes, no exercício de sua profissão, são denominados atos de
comércio por natureza ou subjetivos. A lei reconhece como comerciais outros
atos, mesmo praticados por não-comerciantes. Esses são atos de comércio
objetivos ou decorrentes da vontade do legislador. A pessoa que os pratica não
é considerada comerciante porque, no caso, é o ato em si que tem a natureza
comercial.
O Registro de Comércio não é
indispensável para caracterizar a condição de comerciante. A sua falta apenas o
caracteriza como comerciante irregular, clandestino ou informal, negando-lhe os
privilégios e prerrogativas previstos na lei comercial. Desse modo, nada impede
que o menor, absoluta ou relativamente incapaz, exerça o ofício de comerciante,
ainda que como comerciante informal. Por isso mesmo, a lei civil admite, como
forma de emancipação, o estabelecimento civil ou comercial com economia
própria.
No caso de sociedade comercial,
diante do exposto, depreende-se que nada impede o menor de ser sócio de
empreendimento comercial, desde que emancipado ou devidamente assistido ou
representado, conforme o caso, principalmente se não exercer cargo de direção
ou gerência. Acrescente-se que a sociedade comercial tem personalidade própria,
distinta da de seus sócios.
Mas, às autoridades tributárias
não compete questionar os requisitos para a inscrição da sociedade comercial no
Registro de Comércio. Essa função é cometida às Juntas Comerciais. Sobretudo
porque a capacidade tributária independe da capacidade jurídica do sujeito
passivo. De fato, estatui o Código Tributário Nacional:
Art. 126. A capacidade tributária
passiva independe:
I – da capacidade civil das
pessoas naturais;
II – de achar-se a pessoa natural
sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades
civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou
negócios;
III – de estar a pessoa jurídica
regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou
profissional.
A incapacidade civil não exclui a
capacidade tributária. Se o menor, mesmo incapaz, pratica atos de comércio que
se subsumem na hipótese de incidência do ICMS, o imposto é devido e o menor,
ainda que incapaz, responde por ele. Nesse sentido, elucidativo é o comentário
de Roque Antonio Carrazza (O ICMS, 1994, p. 24):
... não queremos significar que
apenas as pessoas dotadas de personalidade jurídica de comerciante, industrial
ou produtor, conforme as regras do direito privado, podem ser validamente
compelidas a ocupar a posição de sujeitos passivos do ICMS. Também pode ser
alcançado por este imposto quem lhes faz as vezes, como, v.g., o comerciante de
fato, o comerciante irregular, um agregado familiar que, ainda de modo
clandestino, promova em caráter de habitualidade, atos de comércio ou, mesmo,
um menor absolutamente incapaz que, repetidamente, pratique operações relativas
à circulação de mercadorias e assim avante.
No mesmo sentido, ao comentar o
art. 126, a lição de Luiz Antonio Caldeira Miretti, nos Comentários ao Código
Tributário Nacional, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins (v.2, p.207):
Nas prescrições desse dispositivo,
uma vez mais, o legislador do CTN assevera a autonomia das normas do direito
tributário, tendo sempre como objetivo o alcance do conteúdo econômico das
relações reguladas por este ramo do direito, desconsiderando-se os ditames do
direito civil, mais especificamente do Código Civil, a respeito da capacidade
civil das pessoas, para a busca da exigência do cumprimento da obrigação
tributária.
A capacidade tributária
caracteriza-se na aptidão de caráter jurídico que as pessoas têm para figurar
na relação de natureza tributária para o atendimento de obrigações ou o
exercício de direitos, independente da capacidade civil tal como prevista nos
arts. 2°, 5°, 6° e 9° do Código Civil.
O efeito da incapacidade civil
sobre a obrigação tributária é tornar solidariamente responsáveis pelo crédito
tributário aqueles que assistem ou representem o incapaz. Assim, o Código
Tributário Nacional prescreve:
Art. 134. Nos casos de
impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo
contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou
pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos
devidos pelos filhos menores;
II – os tutores e curadores,
pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
.............................................................
VII – os sócios, no caso de
liquidação de sociedade de pessoas.
Comenta Ives Gandra da Silva
Martins (op. cit. p. 254):
Dessa forma, passou, o
legislador, a ter um contribuinte a mais, por força da solidariedade criada,
que juntamente com o devedor originário passou a dar maior garantia ao crédito
fiscal.
De notar, todavia, que a eleição
de um novo responsável, sem a eliminação ou substituição do responsável
primeiro, decorreu, fundamentalmente, de uma incapacidade do sujeito ativo em
receber a totalidade da obrigação principal.
Do ponto de vista do direito
tributário, a capacidade das pessoas naturais é irrelevante para estabelecer a
responsabilidade pelo crédito tributário. Nada impede que o menor,
absolutamente ou relativamente incapaz, seja contribuinte do imposto. Com mais
razão, nada obsta que seja sócio de empresa comercial, mormente se não exercer
funções de direção ou gerência.
Isto posto, responda-se ao
consulente:
a) não há impedimento legal ao
deferimento de inscrição estadual a empresas de que participem como sócios
menores de idade, absolutamente incapazes ou relativamente incapazes;
b) já quanto às empresas de que
participem menores, relativamente incapazes, como sócios-gerentes recomenda-se
a comprovação da sua condição de emancipado, mediante apresentação de documento
que comprove a sua concessão pelo pai (ou na sua falta, da mãe), da sentença
judicial, de certidão de casamento ou diploma de graduação em curso de nível
superior etc.;
c) a comprovação de
estabelecimento com economia própria é mais difícil, mas deve consistir em
documento comprobatório de que provê o seu próprio sustento;
d) recomenda-se ainda que sejam
identificados, nos casos de menores absolutamente ou relativamente incapazes,
os pais, tutores ou curadores.
Recebida a resposta a esta
consulta, deve ser providenciada a retomada da tramitação dos processos
apensados.
À superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis,
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na sessão do dia 5/03/99.
João Paulo Mosena Isaura Maria Seibel
Presidente da Copat Secretária Executiva