EMENTA: CONSULTA
FORMULADA POR GERÊNCIA REGIONAL. DESCABIMENTO. O SUJEITO PASSIVO TRIBUTÁRIO TEM
O DIREITO DE SER ESCLARECIDO QUANTO AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. O
MESMO NÃO ACONTECE COM O FUNCIONÁRIO FISCAL CUJO DEVER DE OFÍCIO É A EXIGÊNCIA DO
CUMPRIMENTO DESSA MESMA OBRIGAÇÃO PELO SUJEITO PASSIVO.
A CONSULTA QUANDO FORMULADA PELO SUJEITO PASSIVO VINCULA A ADMINISTRAÇÃO
TRIBUTÁRIA À RESPOSTA DADA. NO ENTANTO, O MESMO NÃO ACONTECE QUANDO A CONSULTA
É FORMULADA POR FUNCIONÁRIO OU ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, VALENDO ENTÃO
COMO MERA ORIENTAÇÃO. ORA, A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA TEM OUTROS MEIOS PARA
ORIENTAR SEUS FUNCIONÁRIOS, DE MODO MAIS EFICIENTE QUE A CONSULTA.
A FORTIORI, NÃO SE PODERÁ ADMITIR CONSULTA FORMULADA PELO ÓRGÃO LOCAL DA
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, ENCARREGADO DAS ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS.
CONSULTA Nº: 59/2002
PROCESSO Nº: GR09
57.179/02-6
01 - DA CONSULTA
Cuida-se
de consulta formulada pela 9° Gereg, com supedâneo no inciso I do parágrafo
único do artigo 1° da Portaria SEF n° 226/01:
"Também
poderão formular consultas os órgãos da administração pública federal, estadual
ou municipal, direta ou indireta."
Com efeito, argumenta
a consulente:
"A
Gerência Regional da Fazenda Estadual é órgão da administração pública direta
estadual, na qualidade de Unidade de Atuação Descentralizada, nos termos do
Regimento Interno da Secretaria de Estado da Fazenda, instituído pelo Decreto
1.168, de 17/09/1996, art. 2°, inc. VI, portanto, autorizada a formular
consulta à COPAT."
Quanto
ao seu objeto, a consulta versa sobre a transferência de créditos do produtor
rural, prevista pelo § 6° do art. 20 da Lei Complementar n° 87/96.
Finalmente,
a consulente sugere que a resposta seja fornecida sob a forma de resolução
normativa "de modo que todas as Gerências Regionais possam observar o
mesmo entendimento".
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei
n° 3.938, de 26 de dezembro de 1966, art. 209.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
consulta versa dobre matéria já tratada na Orientação Interna n° 3/98. Apenas
aborda aspectos por ela omitidos.
A
consulente não esclarece porque uma resposta a consulta, mesmo que convertida
em Resolução Normativa, seria instrumento mais adequado à orientação dos
servidores fiscais quanto aos procedimentos que devem ser observados por ocasião
da autorização da transferência de créditos de produtor. Para tal finalidade
costumam ser utilizadas orientações internas emitidas pelo Diretor de
Administração Tributária que, por este ser a mais alta autoridade na estrutura
administrativa do Fisco, são de observância obrigatória por todos os servidores
fiscais, em homenagem ao princípio hierárquico. Com efeito, o descumprimento de
disposições contidas em orientação interna constitui desobediência, sujeita a
procedimento disciplinar.
A
consulta é espécie do processo administrativo fiscal que compreende tanto a
forma contenciosa (contra o crédito tributário constituído de ofício) quanto a
preventiva (procedimento de consulta), tendo ambos por fundamento o direito de
petição previsto no art. 5°, XXXIV, a, da Constituição Federal. Na legislação
estadual, a consulta é tratada no Capítulo VIII do Título VI, que trata do
processo contencioso, da Lei n° 3.938/66. Na esfera federal, o instituto da
consulta é tratado no Capítulo II do Decreto n° 70.235/72. O Capítulo I trata
do processo fiscal.
O
instituto da consulta, por estar fundamentado no direito de petição, tem
um caráter essencialmente garantista, ou seja, constitui um instrumento à
disposição do sujeito passivo tributário, na defesa dos direitos e garantias
fundamentais, contra qualquer ação arbitrária do Fisco. Por isso mesmo, o
parágrafo único do art. 100 do C. T. N. afasta a imposição de penalidades ou a
cobrança de juros de mora e atualização monetária do tributo, no caso do
sujeito passivo agir em observância da orientação dada pelo Fisco (a resposta à
consulta é ato normativo aplicado ao caso singular e concreto, no que difere
das leis e regulamentos que se referem a casos gerais e abstratos). A este
propósito, leciona Ruy Barbosa Nogueira (Consulta e Direito Autorizado. In:
Direito Tributário Atual, vol. 6, São Paulo: Resenha Tributária, 1986, p. 1567)
"Como
vimos, especial e especificamente dos arts. 161, § 2° e 100, I e parágrafo
único do Código Tributário Nacional, estes dispositivos configuram a Consulta
prévia não só para lhe dar o realce e a configuração de um direito assegurado,
mas sobretudo para estatuir, como estatuem, as respectivas garantias para o
contribuinte que prévia e honestamente se pauta por essa auto-fiscalização,
informando os fatos e expondo seu projeto ou transação futura, condicionando a
sua realização ou não realização à sua conformidade com a resposta ou comando
autorizado."
A
resposta à consulta, além de afastar penalidades e outros acréscimos legais ao
crédito tributário, no caso de sua observância pelo consulente, impede o início
de qualquer procedimento fiscal sobre a matéria consultada, até trinta dias
após o seu recebimento. Por outro lado, a resposta vincula a Administração
Tributária que fica obrigada à sua observância. Com efeito, leciona Valdir de
Oliveira Rocha em seu excelente estudo, A Consulta Fiscal (São Paulo:
Dialética, 1996, p. 24):
"A
decisão posta como resposta da Administração, vinculará necessariamente a esta,
pois, se assim não fosse, tudo não passaria de mero aparato, incondizente com o
ordenamento jurídico que põe como inviolável o direito à segurança (caput do
art. 5° da Constituição) de que são termos o direito de petição e o devido
processo administrativo.
Para
Hely Lopes Meirelles, a força vinculante da decisão final do fisco é a mais
importante das decorrências da consulta 'que esclarece e estabiliza a situação
do contribuinte'.
A
Administração fica vinculada a observar a decisão final dada à consulta
formulada pelo administrado. Mas o administrado não fica obrigado a observá-la,
porque, se entender que a resposta dada obsta ou ameaça direito seu, sempre
poderá ver sua posição apreciada pelo Poder Judiciário (art. 5°, XXXV da
Constituição de 1988)."
Assim,
tem legitimidade para formular consulta, em princípio o sujeito passivo
tributário, seja em relação à obrigação tributária principal (contribuinte ou
responsável) ou às obrigações acessórias. Ou seja, podem formular consulta ao
Fisco todos os que devem satisfazer obrigação tributária, de dar, de fazer ou
de não fazer. Por extensão, a consulta pode ainda ser formulada por entidade
representativa de categorias econômicas, sobre assunto de interesse comum de
seus filiados. No caso, os filiados detém, eles mesmos, legitimidade para
formular consulta. A fortiori, deve ter a mesma legitimidade o órgão que
os representa. A esse propósito, pondera oportunamente Wagner Balera (Consulta
em Matéria Tributária, RDT n° 45, 1988, p. 227):
"A
atribuição de eficácia normativa às consultas, mormente quando formuladas por
entidades representativas de categorias profissionais ou econômicas, deveria
constituir-se em regra, o que muito contribuiria para o prestígio do instituto
e para o diálogo permanente entre a Administração Tributária e os
particulares."
Quanto
à consulta formulada por órgãos da Administração Pública, tem sido alvo de
sérias críticas. Entre outras coisas, argumenta-se que não é compatível com o
princípio hierárquico, o órgão jurídico máximo na organização do Estado ficar
subordinado a uma interpretação do órgão fiscal, por mais abalizada que esta
seja. De qualquer modo, há previsão expressa na legislação de consulta ser
formulada por órgãos da administração pública, direta ou indireta. Conforme
Balera (op. cit. p. 221):
"Podem
surgir consultas formuladas por órgãos da administração estadual ou municipal
acerca de tributos federais ou vice-versa. Como se sabe, as entidades públicas
estão sujeitas a todos os tributos sobre os quais não incidam as imunidades
constitucionalmente definidas. O que nos parece indispensável, nesses casos, é
que a consulta - formulada por esferas de Governo distintas da federal em
relação aos tributos da União - só venha a furo como pronunciamento do órgão
jurídico máximo em cada esfera".
Entretanto,
divergindo do autor citado, entendemos possível a consulta por órgão da mesma
esfera de governo (e.g. autarquia ou fundação), ou de distintos Poderes, sobre
possível cumprimento (ou não) de obrigação tributária.
No
que concerne à consulta formulada por servidor fiscal, entretanto, além da
legislação não prever, não se configura como verdadeira consulta. A uma, porque
o servidor, como integrante de Administração Tributária, deve conhecer a
legislação por dever de ofício. A duas, porque não é parte obrigada ao
cumprimento da legislação tributária, como é o caso do sujeito passivo
tributário. Pelo contrário, compete ao servidor fiscal exigir e fiscalizar o
seu cumprimento. A consulta formulada por servidor não tem por supedâneo o direito
de petição. Os direitos e garantias individuais e coletivos, tutelados pela
Constituição, somente podem ser invocados pelo cidadão contra o Estado, e não o
contrário. Finalmente, pelos mesmos motivos, a consulta formulada por servidor
não vincula o Estado à resposta que, neste caso, teria valor de mero
esclarecimento. É o que leciona Valdir de Oliveira Rocha (op. cit. p. 47):
"Ora,
a Administração Pública nunca será parte diante da própria Administração. Se o
funcionário indaga nunca o faz como interessado jurídico, "em defesa de
direitos". Portanto, a "consulta" feita por órgãos da própria
Administração nunca será consulta
fiscal em seu sentido próprio com que a venho tratando neste estudo."
Essa
matéria já fora tratada em "Estudos e Pesquisas - 2001", p. 2,
"Novas Disposições sobre a Consulta Fiscal - Portaria SEF n° 226/01",
nos seguintes termos:
"A
Portaria SEF n° 213/95 previa a legitimidade dos 'funcionários fiscais' para
formular consulta. Entretanto, a Lei n° 11.847/01 não os contemplou entre os
que podem fazer consulta. Naturalmente os membros do fisco dispõe de outros
meios para serem orientados quanto à interpretação e aplicação da legislação
tributária, sem necessitar recorrer à consulta que, como modalidade do direito
de petição, é direito próprio do sujeito passivo. Em qualquer hipótese, a
consulta formulada por funcionário não produz todos os efeitos próprios do
instituto: em especial, a resposta não é vinculante para a Administração. 'As
consultas formuladas por funcionários e por órgãos da administração pública,
por sua vez, não produzem todos os efeitos próprios do instituto, mas
aproximam-se mais de um esclarecimento ou orientação'."
Ora,
se a consulta não pode ser formulada por servidor fiscal, a fortiori
também não poderá ser formulada pela Gerência Regional, repartição da Administração
Fazendária que congrega localmente os servidores fiscais e que coordena os
procedimentos fiscalizatórios levados a efeito no âmbito de sua jurisdição.
Finalmente,
os questionamentos levantados pela consulente foram já tratados na Orientação
Interna n° 11/02 que é o instrumento
próprio para orientar os funcionários fiscais, pois é de observância
obrigatória, de acordo com o princípio hierárquico, independentemente de
publicação no Diário Oficial do Estado.
À
superior consideração da Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 27 de novembro de 2002.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 29 de novembro de
2002.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário Executivo
Presidente da Copat