CONSULTA 40/2019
EMENTA: ITCMD. EXTINÇÃO DE USUFRUTO E DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. NÃO INCIDE O ITCMD SOBRE A DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA, POR SER FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. OUTROSSIM, A EXTINÇÃO DO USUFRUTO DO BEM EXPROPRIADO, DECORRENTE DO ATO DESAPROPRIATÓRIO, NÃO É FATO GERADOR DO ITCMD, POR NÃO OCORRER TRANSMISSÃO DE DIREITOS REAIS A TÍTULO GRATUITO, MAS TÃO SOMENTE SUB-ROGAÇÃO DO ÔNUS NO PREÇO DA DESAPROPRIAÇÃO.
Pe/SEF em 06.06.19
Da Consulta
Trata-se de consulta tributária peticionada por empresa inscrita no CCICMS/SC no ramo de geração de energia elétrica e detentora da concessão de uso de bens públicos para a construção de uma usina hidrelétrica.
Narra que a União promoveu declaração de utilidade pública para fins de desapropriação dos bens imóveis onde será instalado o empreendimento. Dentre os bens objetos de desapropriação encontram-se aqueles gravados com o direito real do usufruto, os quais necessitam, para baixa da matrícula, a baixa do gravame.
Diante disso, questiona se é cabível a exigência, por parte do Ofício de Registro de Imóveis, do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação decorrente da baixa do usufruto averbado na matrícula do bem imóvel sujeito a desapropriação, considerando que, segundo a peticionante: (1) a desapropriação é uma forma de aquisição originária de propriedade; (2) não há transmissão de bens ou direito em razão da aquisição originária; (3) não há ato não oneroso na desapropriação e no valor da indenização inclui-se a sub-rogação do crédito do usufruto; (4) para baixa da matrícula de registro imobiliária originária é exigida a baixa do gravame de usufruto, para constituição de nova matrícula em favor da expropriante; (5) a Lei n. 13.136/2004 prevê o pagamento de ITCMD quando da extinção do usufruto, nada mencionando os casos de aquisição originária, onde não há transmissão de bens ou direitos.
É o relatório, passo à análise.
Legislação
Código Civil de 2002, art. 1.409;
Decreto-Lei 3.365/1941, art. 31;
Lei Estadual 13.136/2004, art. 2º, II e §1º;
RITCMD-SC, art. 1º, §3º.
Fundamentação
Nota-se que o objeto da consulta permeia diversos ramos do Direito.
A desapropriação por utilidade pública é ato do Estado que, usando seu poder de Império (jus imperium), e fundamentado no interesse social e na necessidade pública, limita o direito à propriedade privada, garantindo uma justa indenização.
Um dos seus efeitos é a extinção dos ônus reais que porventura se encontram gravados no imóvel, consoante art. 31 do Decreto-Lei 3.365/1941. Não poderia ser diferente, já que a desapropriação é uma forma originária de aquisição de propriedade, no entendimento pacífico na melhor doutrina administrativista.
“A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, porque não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado toma-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando os eventuais credores sub-rogados no preço.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016, p. 729)
“Por ser forma originária de aquisição de propriedade, uma vez efetuada a desapropriação, os ônus reais que incidam sobre o imóvel extinguem-se desde logo. O Poder Público adquire o bem limpo, livre de quaisquer gravames reais que sobre ele pudessem pesar.
[...]
Os terceiros titulares de direitos reais de garantia sobre o bem desapropriado têm os seus direitos sub-rogados no preço, isto é, passam a estar garantidos pelo valor pago a título de indenização na desapropriação.”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 26ª. Edição, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 864)
Em idêntica direção seguem os civilistas. Orlando Gomes, na obra “Direitos Reais”, cita a desapropriação como modo de extinção de usufruto concernente ao objeto:
“Os modos de extinção concernentes ao sujeito são:
a) a morte do usufrutuário;
b) a renúncia;
c) a culpa do usufrutuário;
Quanto ao objeto:
a) a destruição da coisa;
b) a desapropriação;
Relativos à própria relação jurídica:
a) a consolidação
b) o termo de sua duração, ou condição resolutiva;
c) a cessação da causa de que se origina;
d) a prescrição.
[...]
A desapropriação é antes modificação qualitativa do usufruto do que propriamente causa de extinção. De fato. A indenização paga fica sub-rogada no ônus do usufruto. O que se extingue, portanto, é o usufruto da coisa desapropriada, mas o direito persiste por força da sub-rogação determinada em lei.” (GOMES, Orlando. Direitos Reais.14. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, pp. 305-306)
Sedimenta esse entendimento Limongi França, em sua obra "Manual Prático das Desapropriações":
“Com relação aos titulares dos ônus reais (hipoteca, penhor, alienação fiduciária etc.), bem como aos desmembramentos da propriedade (enfiteuse, usufruto, uso, habitação etc.; consulte-se, a respeito, nosso Manual de Direito Civil, vol. III, págs. 219 e segs. RT, 1971), ficam os mesmos com os seus direitos sub-rogados no preço indenizatório, uma vez que ônus e desmembramentos não acompanham a transferência do domínio para o Poder Público.” (FRANÇA, Rubens Limongi. Manual prático das desapropriações: aspectos públicos, privados e processuais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 27)
Como se vê, a desapropriação extingue o usufruto da coisa desapropriada, mas o direito persiste, pois seu locus transmuda-se para a indenização paga pelo bem expropriado, através de rendimentos oriundos da indenização.
Cito, por oportuno, o voto do relator, Des. Subst. Francisco Oliveira Neto, na Apelação Cível n. 2015.093425-7, da Segunda Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que deu parcial provimento ao recurso do réu, para reconhecer a necessidade de formação de litisconsórcio necessários com a inclusão dos usufrutuários em ação de indenização por desapropriação indireta:
“E mais, nos termos do art. 1.409 do CC, "fica sub-rogada no ônus do usufruto, em lugar do prédio, a indenização paga, se ele for desapropriado, ou a importância do dano, ressarcido pelo terceiro responsável no caso de danificação ou perda", razão pela qual o usufrutuário tem direito à indenização por desapropriação.
Ao comentar o aludido dispositivo, menciona Maria Helena Diniz que: "se a coisa for desapropriada, a indenização paga pelo expropriante ficará sub-rogada no ônus do usufruto, em lugar do prédio gravado que saiu do domínio particular (RJTJSP, 135:280; RT, 684:184). Logo, o usufrutuário passará a usufruir de rendimentos oriundos daquela indenização, enquanto durar o usufruto" (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado, 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1007).
Logo, "Verificando-se que a área objeto de desapropriação encontra-se gravada com usufruto vitalício em favor de terceiros, a indenização é devida aos nu-proprietários e aos usufrutuários, pois a indenização pela desapropriação ou pela requisição, ou se faz ao dono e ao usufrutuário, separadamente, ou globalmente aos dois, o que é a regra quase inexcetuada. O direito brasileiro adota o princípio da unicidade da indenização" (TJSC, Apelação Cível n. 2007.059908-9, de Chapecó, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 12-08-2008). Desse modo, é imprescindível para o ajuizamento da ação indenizatória e consequente recebimento da indenização a participação, tanto dos usufrutuários, quanto dos nu-proprietários, em litisconsórcio necessário."
O julgado revela que o direito pátrio adotou o princípio da unicidade, porquanto o quantum indenizatório deve englobar uma soma única, observando que:
• existirá somente uma indenização, independentemente de quantos interessados haja no polo passivo do ato expropriatório;
• quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado ficam sub-rogados no preço.
E desse princípio decorre, no seu aspecto processual, que a ação de indenização de desapropriação seja ajuizada em litisconsórcio necessário, com a participação tanto do(s) nu-proprietário(s) quanto do(s) usufrutuário(s).
No que tange à seara registral, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, em seu Boletim Eletrônico, explica os procedimentos em relação à desapropriação em caso de imóvel gravado com usufruto, citando os estudos de Ademar Fioranelli:
“Na desapropriação do imóvel gravado com usufruto – aquisição originária que independe de observância dos princípios registrários – seria outra forma da sub-rogação, na medida em que, declarada a utilidade pública, o bem expropriado não mais carrega o ônus real do usufruto, passando ao poder público competente completamente livre e desembaraçado de quaisquer ônus ou restrições, ocorrendo a sub-rogação se existente, no valor da indenização paga, conforme expressa o art. 1.409 do CC/2002.
Tanto é verdade, irregular será para o registro do título expropriatório, levar por remissão os ônus existentes (exceção à regra do disposto no art. 230 da LRP), podendo mesmo o registrador, no ato de registro, cancelar de ofício o usufruto, já que o poder expropriante recebe a propriedade plena, cabendo aos interessados, no caso os nus-proprietários, pleitearem nos autos a sua justa indenização.” (FIORANELLI, Ademar. “Usufruto e Bem de Família – Estudos de Direito Registral Imobiliário”, Quinta Editorial, São Paulo, 2013, p. 163.)
Corrobora Serpa Lopes:
“Enquanto a segunda, uma vez realizada, obsta a transcrição ou inscrição de direitos que com ela estejam incompatíveis, na transcrição da desapropriação a situação difere, porquanto não pode haver incompatibilidade, pela razão óbvia de que os direitos porventura transcritos vão refletir-se na indenização e não mais no imóvel desapropriado.” (LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos Registros Públicos. Vol. IV, 6ª edição. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 156)
Passando ao direito tributário, devemos nos atentar ao aspecto temporal da instituição do usufruto e, a partir daí, analisar a configuração do fato imponível. Se o fato gerador ocorreu sob a égide da Lei 3.933/1966 ou da Lei 7.540/1988, não pode o Fisco cobrar ITCMD na extinção de usufruto, porque o valor já foi pago em sua integralidade. Porém, pela lei nova, de 2004, 50% do imposto é pago na instituição e 50% na extinção.
A Nota Técnica 016/2017 esclarece o aspecto intertemporal do ITCMD:
“A lei nova – Lei 13.136/2004 – exige metade do imposto na instituição do usufruto e metade na sua extinção. Se o contribuinte já recolheu a integralidade da exação, nos termos da lei antiga, o direito da Fazenda já foi satisfeito pelo sujeito passivo, nada mais podendo ser-lhe exigido.
Com efeito, na hipótese de tanto a instituição como a extinção do usufruto ocorrer na vigência da Lei 13.136/2004, o imposto seria devido em ambas as ocasiões, calculado sobre base de cálculo reduzida, conforme art. 7°, § 2° (“na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para cinquenta por cento do valor venal do bem”).
Porém, se o imposto – não interessa se o nomen juris for ITI, ITBI ou ITCMD – tiver sido pago integralmente no momento da instituição do direito real, não poderia ser-lhe exigido o recolhimento de mais 50%, por ocasião da extinção, pois corresponderia a um gravame tributário maior do que seria suportado na hipótese de tanto a transmissão da nua-propriedade como a sua recomposição ocorrerem na vigência da mesma lei. Tal exigência contrariaria o princípio da isonomia, insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal, que proíbe instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Com efeito, a diferença de tratamento tributário não decorreria da situação do próprio sujeito passivo, mas apenas da circunstância de a instituição do usufruto (transmissão da nua-propriedade) ter ocorrido na vigência de uma lei e a sua extinção (consolidação da propriedade plena) ter ocorrido na vigência de outra lei.”
Ou seja, caso a instituição de usufruto, a título gratuito, tenha ocorrido antes da Lei 13.136/2004, não há que se cogitar o nascimento da obrigação tributária na extinção do respectivo gravame.
Sob a ótica da Lei 13.136/2004, o ITCMD tem como fato gerador a transmissão causa mortis ou doação a qualquer título de propriedade ou domínio útil de bem imóvel, direitos reais sobre bens móveis e imóveis e bens móveis, inclusive semovente, direitos, títulos e créditos (art. 2º, Lei 13.146/2006). O legislador catarinense também equiparou a extinção do usufruto à doação pura e simples, consoante o art. 2º, §1º, da Lei do ITCMD, previsto também no art. 1º, §3º, do Decreto 2.884/2004, in verbis:
Nas transmissões de direitos reais sobre bens móveis e imóveis ocorre o fato gerador na instituição e na extinção da superfície, da servidão, do usufruto, do uso e da habitação.
Porém, in casu, essa equiparação não ocorre. Em que pese a ocorrência da extinção do usufruto do imóvel e a sub-rogação do direito real na indenização, o uso e fruição da coisa não se transmitem ao nu-proprietário, isto é, a posse direta do usufrutuário não se consolida na propriedade em virtude da substância do ato desapropriatório. Portanto, não se configura a transmissão do direito real de usufruto, a título gratuito, mas tão somente a sub-rogação do gravame na reparação recebida.
Justo, haja vista que o usufrutuário e o nu-proprietário serão indenizados em conjunto, sendo que os rendimentos recebidos pelo usufrutuário, correspondentes ao direito real de usufruto, poderão, eventualmente, ser transmitidos ao nu-proprietário, e, nesse caso, incidirá o ITCMD, bem como incidirá o imposto na extinção do usufruto sobre o valor da indenização recebida.
Resposta
Por tais fundamentos, resta claro que a desapropriação por utilidade pública, considerada uma aquisição originária de propriedade, não é fato gerador do ITCMD.
Além disso, não pode ser considerado fato imponível o rompimento do liame entre o nu-proprietário e o usufrutuário com o objeto da desapropriação, porquanto não se transmite o direito real pelo ato desapropriatório, apenas se sub-roga no valor da indenização.
É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.
GUILHERME OIKAWA GARCIA DOS SANTOS
AFRE II - Matrícula: 9576932
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 23/05/2019.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Nome Cargo
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS Presidente COPAT
CAMILA CEREZER SEGATTO Secretário(a) Executivo(a)