EMENTA: ICMS. SERVIÇO DE
COMUNICAÇÃO. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV POR ASSINATURA CONSTITUI PRESTAÇÃO
ONEROSA DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. O NEGÓCIO REALIZADO ENTRE A OPERADORA DO
SERVIÇO E O ASSINANTE TEM POR OBJETO A PRESTAÇÃO DESSE SERVIÇO, E NÃO A CESSÃO
DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS À PROGRAMAÇÃO.
A “TAXA DE ADESÃO” INTEGRA O PREÇO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PRESTADO AO
ASSINANTE E, PORTANTO, A BASE DE CÁLCULO DO ICMS. TRATA-SE DE PARTE DA
REMUNERAÇÃO DEVIDA À OPERADORA EM FUNÇÃO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, NÃO
DERIVANDO DE UMA OUTRA OBRIGAÇÃO DESVINCULADA DESTE.
CONSULTA Nº: 35/99
PROCESSO Nº: PSEF
69.468/98-2
01. CONSULTA
A empresa acima identificada,
concessionária de serviços de TV por assinatura na modalidade de TV a Cabo,
prestando serviços neste Estado, formula consulta à COPAT, indagando:
a) se a atividade realizada pela
consulente, consistente na prestação de serviço de televisão por assinatura,
“mediante licenciamento e distribuição, por sinais codificados, de programação
de sua titularidade, contra o pagamento do respectivo preço das mensalidades de
programação pelos assinantes”, constitui uma prestação onerosa de serviço de
comunicação, sujeita portanto ao ICMS;
b) se, em caso de resposta
positiva ao quesito anterior, a taxa de adesão cobrada pela consulente a seus
assinantes “antes da entrega da programação” integra a base de cálculo do
referido imposto, ou por outra, se a concessão ao assinante do direito de
acesso ao sistema de TV por assinatura configura prestação onerosa de serviço
de comunicação.
Salienta a consulente que seu
questionamento decorre da inexistência de qualquer menção explícita ao serviço
de televisão por assinatura como fato gerador de obrigação tributária na
legislação instituidora do ICMS. Teria o Estado entendido (equivocadamente,
segundo sugere a consulente) estar “implícita a incidência do ICMS sobre a
televisão por assinatura” na qualificação, pela Lei Complementar no
87/96, da prestação onerosa de serviços de comunicação como hipótese de
incidência.
Contudo, segundo entende a
consulente, a atividade que desenvolve não configura prestação de serviço de
comunicação. Afirma realizar o fornecimento de programação televisiva de que é
titular, mediante licença de direitos. Tal programação é “contida em sinais de
telecomunicações, gerados pela própria consulente, que são entregues aos
assinantes”. Sustenta, dessa forma, estribada em pareceres elaborados a seu
pedido pelos insígnes juristas Alcides Jorge Costa (fls. 23 a 37) e Bernardo
Ribeiro de Moraes (fls. 38 a 107), anexados à consulta, não haver prestação de
serviço de comunicação, uma vez que a programação transmitida é de propriedade
da própria transmitente, da mesma forma que o são os meios utilizados para tal
transmissão. O negócio realizado pela consulente com o assinante seria, segundo
Bernardo Ribeiro de Moraes, uma simples cessão de direito (ou subcessão, já que
o direito à transmissão da programação é adquirido de terceiros), que embora
também configure uma prestação de serviço, não situa-se no âmbito de incidência
do ICMS (fls. 97). Já a prestação do serviço de comunicação (que o autor
reconhece existir), consistente na transmissão da programação ao assinante, não
seria alcançada pelo ICMS por tratar-se de mero instrumento da realização do
contrato de cessão de direitos à recepção da programação (fls. 97 e 99). Ou
seja, a consulente cede os direitos à programação ao assinante e, para cumprir
esse contrato, necessita “entregar” essa programação, o que o faz através do
sistema de cabos de que é proprietária. A transmissão da programação, assim, é
uma prestação de serviço que teria como destinatário o próprio transmissor.
Também Alcides Jorge Costa afirma
a não incidência do ICMS sobre a operação em tela por tê-la como a “venda”,
pela consulente, da programação televisiva (mensagens), que é “entregue”
através da transmissão, por meios próprios, à Embratel, que por sua vez a
retransmite aos destinatários. Por ser sua (da consulente) a propriedade da
programação transmitida, já que é detentora dos direitos autorais, bem como a
dos meios utilizados para a transmissão, o serviço de comunicação realizado não
é oneroso, já que “ninguém presta serviços a si mesmo”.
Quanto à taxa de adesão,
manifesta a consulente seu entendimento de que o valor recebido a tal título
não deve ser onerado pelo ICMS, uma vez que “visa ressarcir as despesas e
investimentos com a instalação das estações de serviço, construção das redes,
entrega em comodato dos equipamentos, instalação dos equipamentos de recepção e
decodificação dos sinais”, e essas operações, “que são a base e a contrapartida
da taxa de adesão, nem de longe podem ser imaginadas como hipóteses de
incidência do ICMS”.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, art. 155,
inciso II e § 2o;
Lei federal n° 5.172/66 (CTN),
art. 109;
Lei Complementar no 87/96, arts.
2°, inciso III, e 13, inciso III;
Lei no
10.297/96, arts. 2o, inciso III, e 10, inciso, III;
Lei federal no
8.977/95, arts. 26, 30 e 33, inciso II;
Lei federal no
9.610/98, arts. 1o, 24, 25, 27, 29 e 50.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Conforme bem lembrado por Alcides
Jorge Costa em seu parecer anexo aos autos (fls. 27), é esclarecedora a lição
de Aliomar Baleeiro, ao comentar o antigo Imposto sobre Serviços de Transporte
e Comunicações, cuja base imponível foi posteriormente incorporada à do ICM,
passando à competência dos Estados, sobre o que seja serviço de comunicação:
“Igualmente, não há restrição
outra em relação ao imposto sobre comunicações senão as de que estão excluídas
as intramunicipais. Quaisquer outras que importem em transmitir ou receber
mensagens por qualquer processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais,
papéis etc., estão sob o alcance do imposto federal, desde que constituam
prestação remunerada de serviços”. (Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio
de Janeiro, 1977, 9. ed., rev. e acrescida de um apêncice, p. 258)
Segundo Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, Rio de
Janeiro, J.E.M.M. Editores, 1988), comunicação é o “ato ou efeito de emitir,
transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos
convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros
sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro
e/ou visual” e, por extensão, “a ação de utilizar os meios necessários para
realizar tal comunicação”.
Portanto, ao realizar suas
atividades, consistentes, conforme descreve a consulente, na distribuição aos
assinantes, por meios físicos ou por microondas, de sinais de telecomunicação
codificados, a consulente está realizando verdadeiramente um serviço de
comunicação, ou seja, no dizer de Baleeiro, supra transcrito, está transmitindo
mensagens (as obras audiovisuais componentes da programação televisiva) por um
processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais. Não é outro o
entendimento de Alcides Jorge Costa (fls. 36 dos autos, item 4.13 do parecer),
que afirma que difusão da programação por sinais de televisão “consiste de fato
na prestação de serviço”, e de Bernardo Ribeiro de Moraes, (fls. 97 dos autos,
item 51 do parecer) para quem a consulente, “embora ‘prestadora de serviços’”
de telecomunicação, os presta “para si própria”.
Assim, quando, nos termos
empregados pela consulente, os “conjuntos de programação televisiva multicanal”
são distribuídos aos assinantes, mediante transmissão de “sinais de
telecomunicações, codificados, (...) por meios físicos ou por microondas”
tem-se aí a comunicação tal como referida na legislação, dado que é
inegável a ocorrência do envio, da transmissão ou da retransmissão de mensagens
várias, componentes da programação da TV por assinatura (propagandas, jogos,
filmes, novelas, telejornais etc.). Trata-se, até aqui, de matéria
incontroversa.
Não obstante evidente a
ocorrência, neste caso, de um serviço de comunicação, a consulente pretende ver
tal operação fora do campo de incidência do ICMS, pois entende não haver, no
caso, um serviço prestado a título oneroso a terceiro, tal como
na hipótese descrita pela Lei Complementar nº 87/96. Tal não ocorreria, no caso
em tela, segundo a consulente, posto que o negócio celebrado com o assinante do
serviço de TV a cabo consistiria antes na transmissão, ao assinante, mediante
licença ou cessão, da titularidade dos direitos da consulente sobre a
programação transmitida. Cedidos tais direitos, a programação seria entregue ao
assinante, mediante transmissão dos sinais respectivos através dos meios também
de propriedade da consulente. A atividade econômica explorada pela consulente
seria, então, a produção e aquisição (e, naturalmente, a posterior revenda,
licença ou cessão onerosa) do conteúdo da transmissão - “canais, programação,
obras, filmes, etc.” - sendo tal transmissão (a comunicação) mero instrumento
para a realização dessa atividade, vale dizer, seria apenas uma atividade-meio.
Destarte, não haveria, na hipótese, uma prestação onerosa de serviço de
comunicação, mas uma alienação, licença ou cessão onerosa de direitos autorais
à programação televisiva.
Tal entendimento, com a devida
vênia às respeitáveis opiniões nesse sentido, é completamente absurdo. O objeto
da relação obrigacional que se estabelece entre o assinante e a operadora do
serviço de TV a cabo é precisamente um serviço de comunicação, ou seja, a
operadora, quando contrata com o assinante, obriga-se a realizar a emissão
transmissão, retransmissão, repetição de sinais de áudio e vídeo tendo por
conteúdo programação televisiva. É por esse serviço que paga o assinante, e não
pelos direitos de propriedade da programação transmitida. Para a configuração
da hipótese de incidência do ICMS é absolutamente irrelevante saber quem seja
titular dos direitos autorais da programação transmitida, podendo mesmo a
operadora incluir em sua programação obras pertencentes a terceiros, desde que
pague ao autor os direitos devidos, como adiante se verá.
Direitos autorais
Os direitos de que podem ser
objeto os programas transmitidos pela consulente são os denominados direitos
autorais, quais sejam, nos termos do art. 1o da Lei no
9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera e consolida a legislação sobre
direitos autorais, “os direitos de autor e os que lhe são conexos”. A respeito,
diz J. M. de Carvalho Santos:
“Os direitos de autor de qualquer
obra literária, científica ou artística, consistem na faculdade que só ele tem
de reproduzir ou autorizar a reprodução do seu trabalho pela publicação,
tradução, representação ou execução de qualquer outro modo (...).
Já ficou explicado que o direito
de autor, pela sua natureza jurídica é, em parte, moral, sendo a paternidade da
obra um direito inalienável e imprescritível. Mas a utilidade econômica da
propriedade pode ser cedida, surgindo do direito do autor uma série de direitos
fracionários e protegidos pela lei, de natureza patrimonial, inerentes à
propriedade.” (Código Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, Rio de
Janeiro, 1977, 12. ed., vol. VIII, p. 404 e 446)
De fato, os direitos assegurados
ao autor da obra intelectual protegida, subdividem-se em direitos morais e em
direitos patrimoniais. Por força de seus direitos morais, é assegurado
ao autor, e somente a ele: a) reivindicar a autoria da obra e b) ter seu nome
indicado na obra como sendo seu autor; c) conservar a obra inédita; d)
assegurar sua integridade, opondo-se a modificações; f) retirar a obra de
circulação (Lei no 9.610/98, art. 24). Os direitos morais do
autor são inalienáveis e irrenunciáveis (Lei no 9.610/98,
art. 27), cabendo seu exercício, no caso de obras audiovisuais, como o são em
geral as obras veiculadas pelos canais televisivos, inclusive os de acesso
restrito, exclusivamente ao seu diretor (Lei no 9.610/98,
art. 25).
Os direitos patrimoniais
do autor, por sua vez, diferentemente do que ocorre com os direitos morais,
podem ser transferidos total ou parcialmente a terceiros. Somente ao titular
dos direitos patrimoniais é facultada a exploração econômica da obra, dado que
qualquer utilização da obra, tais como a reprodução, a edição, a adaptação, a
tradução a inclusão em produção audiovisual
etc. depende de autorização prévia e expressa do titular desses
direitos, seja este o próprio autor ou terceiro a quem este os tenha
transferido (Lei no 9.610/98, art. 29).
Assim, a consulente,
concessionária de serviço de TV por assinatura, pode, de fato, ser titular de
direitos autorais. Pode ainda retransmiti-lo a terceiros, visto tratar-se o
direito patrimonial do autor de “direito dominial”, que, “ou se aliena
totalmente, ou se transfere algum de seus elementos, suscetíveis de aparição
como direitos reais limitados” (Pontes de Miranda, in Tratado de Direito
Privado, Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, 3. ed., tomo XVI, p. 65).
Contudo, na hipótese descrita na
consulta não ocorre uma tal transmissão de direitos autorais ao assinante do
serviço de TV a cabo. Ao contrário, o objeto do negócio celebrado entre a
operadora e o assinante é a prestação de um serviço, consistente no envio de
sinais contendo programação televisiva, e não a transmissão da titularidade dos
direitos relativos a essa programação. Basta ver que, em caso de inadimplemento
do contrato pela consulente, o que poderá exigir o assinante é que se realize
um serviço de comunicação, mas nunca que seja investido em qualquer das
prerrogativas asseguradas pela legislação somente ao autor ou a quem este as
houver transmitido.
Vale lembrar que a transmissão
(cessão total ou parcial) dos direitos de autor somente se pode realizar
mediante instrumento escrito específico, nos termos do art. 50 da Lei n°
9.610/98, verbis:
Art. 50. A cessão total ou
parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito,
presume-se onerosa.
§ 1o Poderá a
cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei
ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em
Cartório de Títulos e Documentos.
§ 2° Constarão do instrumento
de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do
direito quanto a tempo, lugar e preço.
É evidente, portanto, que a
contratação do serviço de TV por assinatura não corresponde a um negócio
relativo à cessão de direitos sobre a programação transmitida.
A titularidade dos direitos
autorais sequer é condição para que a consulente possa incluir determinada obra
em sua programação. Basta que para tanto haja autorização do autor, nos termos
do art. 29 da Lei no 9.610/98. Veja-se que a própria Lei que
regulamenta o serviço de TV a cabo contém disposição relativa à necessidade de
observância da legislação sobre o direito autoral quando a operadora do serviço
incluir em sua programação programas produzidos por terceiros:
Art. 30. A operadora de TV a Cabo
poderá:
I - transmitir sinais ou
programas produzidos por terceiros, editados ou não, bem como sinais ou
programas de geração própria;
(...)
Parágrafo único. O disposto no
inciso I deste artigo não exime a operadora de TV a Cabo de observar a
legislação de direito autoral. (Lei no 8.977/95, art. 30)
Assim, a programação transmitida
aos assinantes pela concessionária de TV por assinatura pode compor-se tanto de
obras cujos direitos autorais lhe pertençam,
quanto de obras cujos direitos autorais pertençam ainda ao respectivo
autor. Em um caso ou noutro, somente interessa saber quem seja o titular dos
direitos sobre a programação caso esteja-se discutindo a faculdade de a
operadora incluir ou não determinada obra na programação que transmite. Ao
assinante, contudo, pouco importa se a operadora está ou não investida dos
direitos do autor, se está ou não autorizada a explorar economicamente os
programas.
Vale lembrar (por mais óbvio que
isso possa parecer, o teor da consulta nos impõe a observação) que para
assistir determinado programa, apreciar determinada obra de arte, peça de
teatro ou obra audiovisual, ouvir uma música etc. não necessitamos ser
titulares de direitos autorais. Quanto adquirimos um CD do cantor de nossa
predileção, podemos dar-lhe uso apenas doméstico, visto que não nos tornamos
por isso titulares de direitos autorais sobre a obra. Nunca poderemos
utilizá-lo em qualquer das modalidades que somente ao autor são facultadas, nos
termos do art. 29 da Lei no 9.610/98. Portanto, ao adquirir
um CD não estamos realizando um negócio cujo objeto sejam os direitos autorais,
mas simplesmente adquirindo uma mercadoria. O fabricante desta mercadoria, sim,
está obrigado a observar a legislação sobre os direitos do autorais, posto que
não poderia reproduzir, distribuir ou incluir uma obra em fonograma ou produção
audiovisual etc. sem estar para tanto autorizado.
O mesmo ocorre com a programação
transmitida pela operadora de TV a cabo: a operadora, explorando como explora
comercialmente a programação televisiva oferecida aos assinantes, somente
poderá fazê-lo se autorizada pelo titular dos direitos autorais; com relação
aos assinantes, contudo, somente se obriga a realizar o serviço de comunicação,
transmitindo-lhe e assegurando a recepção da referida programação.
O próprio Alcides Jorge Costa, no
parecer que a consulente anexa à consulta que formula, ao referir-se à operação
realizada entre uma operadora de serviço de TV por assinatura que detém os
“direitos autorais sobre a programação e, nesta qualidade, licencia outras operadoras para que a transmitam”
(fls. 30), afirma não haver, nesse caso, a transferência da titularidade dos
direitos autorais relativos à programação transmitida. Assim se manifesta o
parecerista:
“Esta difusão não tem um direito
autoral. A programação difundida tem este direito, mas não a difusão
considerada em si mesma. O fato de o contrato entre a consulente (a titular dos
direitos) e as licenciadas determinar que cabe a estas últimas arcar com o
pagamento de direitos autorais, conexos ou correlatos devidos aos autores
intérpretes, executantes ou entidades competentes para a arrecadação dos
respectivos direitos autorais, não significa senão uma repartição de custos,
uma vez que quem detém os direitos para transmissão é a TVA (titular dos
direitos autorais).” (esclarecemos)
Não há, pois, cessão, temporária
ou não, de direitos autorais às licenciadas (...).”
Forçoso concluir, destarte, que
se não há cessão de direitos autorais entre as operadoras de TV a cabo, mesmo
quando se está diante de exploração comercial da programação pela licenciada,
tampouco se haverá de falar em cessão de tais direitos ao assinante do serviço.
Prestação de serviço de
comunicação
Conforme restou demonstrado, a
atividade descrita pela consulente, objeto da consulta, não está relacionada à
cessão (ou licença) de direitos sobre a programação televisiva. Por outro lado,
o fato de ser a consulente titular de direitos autorais não impede a
caracterização da prestação de serviço de comunicação. Como diz a própria
consulente, não é o que é comunicado que se tributa, mas sim a prestação do
serviço que possibilita a comunicação, ou seja, a transmissão, emissão,
recepção, retransmissão etc. de mensagens, e é precisamente isso que realiza a
consulente no exercício de seus fins sociais.
Tampouco a circunstância de que a
consulente é proprietária dos meios utilizados para a realização da comunicação
é suficiente para descaracterizar a prestação de serviço. De fato, uma
prestação de serviço pode consistir tanto numa atividade de natureza material
quanto numa atividade de natureza intelectual, independentemente ainda de que o
resultado dessa atividade materialize-se num bem que ocupe fisicamente o espaço
ou não (Marçal Justen Filho, O Imposto Sobre Serviços na Constituição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 82).
Para Aires F. Barreto, serviço “é
a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter
negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material
ou imaterial” (ISS e ICM - Competência municipal e estadual - limites, in
RDT, São Paulo, v. 5, n. 15/16, jan./jun. 1981, p. 200). Esse mesmo autor, em
trabalho conjunto com Geraldo Ataliba, afirma:
“A prestação de serviços tem, em
muitos casos, como imprescindível a utilização de instrumentos, aparelhos,
ferramentas, equipamentos, máquinas ou veículos. Outros há que dispensam
qualquer espécie de instrumental seja de que natureza for. Alguns, ainda, a par
desse instrumental, requerem o emprego de materiais.” (ISS - Conflitos de
competência e tributação de serviços, in RDT, São Paulo, v. 2, n. 6, out./dez.
1978, p. 57)
Vê-se, desde logo, que o
argumento da consulente de que por serem de sua propriedade os meios de que se
vale para efetuar a transmissão da programação ao assinante não se
configuraria, na hipótese, de uma prestação de serviço.
As discussões travadas acerca da
relevância do emprego de materiais pelo obrigado, da utilização de equipamentos
de sua propriedade etc., para a caracterização de uma prestação de serviço
sempre tiveram em vista estabelecer o limite entre os campos de incidência do
ISS e do ICMS.
Embora tal discussão seja aqui
despicienda, já que não há dúvida que os serviços de comunicação são tributados
pelo ICMS, vale observar que, embora a consulente entregue ao assinante
decodificadores ou outros equipamentos, utilizados para a recepção dos sinais
transmitidos, não se tem aí uma outra espécie de obrigação, diferente da de
prestar o serviço de comunicação. Lembre-se que o fornecimento desses
equipamentos constitui obrigação legal - e não decorrente apenas do contrato
celebrado com o assinante - da operadora do serviço de TV a cabo, haja vista o
disposto no art. 33, inciso II, da Lei no 8.977/95, verbis:
Art. 33. São direitos do
assinante do serviço de TV a Cabo:
I - (...)
II - receber da operadora de TV a
Cabo os serviços de instalação e manutenção dos equipamentos necessários à
recepção dos sinais.
Ademais, tratam-se de obrigações
subjacentes à obrigação principal assumida pelo contratado, e que desta não se
desvinculam. São as denominadas atividades-meio, referidas por Aires F.
Barreto, que a respeito afirma:
“Os leigos tendem a confundir o
exercício de atividades-meio com prestação de serviço. Calcados na nomenclatura
dos serviços (...) misturam, embaralham, confundem, equiparam, tarefas-meio com
serviços. Na sua simplicidade ingênua, não distinguem a consistência do esforço
humano prestado a outrem, sob regime de direito privado, com conteúdo
econômico, das ações intermediárias que tornam possível o “fazer para
terceiros”.
(...)
A concreta indicação de uma ação
(datilografia, programação, organização, manutenção, operação, administração)
é, muitas vezes, configuradora de atos, fatos ou obras meramente constitutivos
de etapas necessárias para alcançar um fim. É inafastável - ainda que disso
muitos não se dêem conta - que o atingir um fim qualquer exija, empírica ou
cientificamente, atividades de planejamento, organização, administração,
controle, não obstante essas ações nada tenham a ver com o fim perseguido que,
por hipótese, poderia ser o de transportar pessoas.
Outras vezes, essas mesmas ações
humanas não mais se caracterizam como atividades condicionantes da
concretização de um fim, mas demarcam, ao revés, o próprio objeto colimado.
Nesses casos, a razão última dessas ações é a sua própria produção como
utilidade, para terceiros.
(...)
Para essas atividades-meio não há
cobrança de preço; mas, nem mesmo quando, em certos casos, para elas é
destacado preço, essas “ações-meio” se transformam em “ações-fim”. O serviço
médico não assume outra natureza pelo simples fato de os resultados de diagnósticos
serem fornecidos verbalmente, datilografados ou por listagem de computador,
mesmo que para os últimos houvesse uma cobrança adicional e específica de
tantos reais.
(...)
Não se pode decompor um serviço
(...) nas várias ações-meio que o integram para pretender tributá-las
separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço
autônomo”. (ISS - atividade-meio e serviço-fim, Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 5, fev. 1996, p. 81-85)
Portanto, o haver a colocação de
equipamentos na residência do assinante - o que se afirma dar-se a título de
comodato - não descaracteriza a prestação de serviço de comunicação, nem
tampouco esse fornecimento se desvincula desta, para que se tenha no caso duas
possíveis hipóteses de incidência tributária: uma relativa à prestação do
serviço de comunicação e outra relativa ao comodato.
A propósito, lembramos ainda a
lição de Marçal Justen Filho:
“A norma tributária, como regra,
não se ocupa de determinar como deve ser executada a prestação nem como deve
efetuar-se a contratação - o que lhe importa é que se configure a execução de
uma obrigação, consubstanciando-se prestação de utilidade qualificável como
serviço. Caberá a outras normas regularem a forma do contrato e os requisitos
para qualificação jurídica da atividade como execução de obrigação.
Isso não quer significar, por
óbvio, que a norma tributária esteja compelida a aceitar a qualificação
jurídica efetuada por normas não-tributárias.” (op. cit., p. 88-89)
Vê-se, assim, que ainda que se
celebrem diversos contratos, visando desmembrar a operação realizada em
diversas outras, com denominações e naturezas jurídicas distintas, não se
produzirá o pretendido efeito de se ter cada uma dessas etapas realizadas pela
operadora tributadas como se fossem uma operação distinta e desvinculada do fim
visado pelo destinatário ao contratar o serviço.
Comunicação realizada entre
terceiros
Ao contrário do que pretende a
consulente, não estaremos diante de um serviço de comunicação somente quando o
meio de comunicação “for explorado para ser disponibilizado a terceiros o seu
uso para a comunicação de mensagens de terceiros e entre terceiros”. A
realização de qualquer espécie de comunicação, seja a mensagem emitida,
transmitida, retransmitida, repetida, recebida etc. e independentemente de qual
seja seu conteúdo, será alcançada pelo ICMS quando realizada, mediante
remuneração, como cumprimento de uma obrigação nesse sentido assumida para com
terceiros. Não é outra a lição de Roque Antônio Carrazza:
“Note-se que o ICMS não incide
sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a “relação comunicativa”, isto
é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições
materiais para que a comunicação ocorra.
Isso é feito mediante a
instalação de microfones, caixas de som, telefones, radiotransmissores etc.
Tudo, enfim, que faz parte da infra-estrutura mecânica, eletrônica e técnica
necessárias à comunicação.
O serviço de comunicação
tributável por meio do ICMS se perfaz com a só colocação à disposição do
usuário dos meios e modos aptos à transmissão e recepção de mensagens. Embora o sistema seja arcaico, um serviço de
pombos-correio posto à disposição de uma pessoa (física ou jurídica), para a
transmissão ou recepção de mensagens, pode perfeitamente ser tributado por meio
do ICMS.
São irrelevantes, para fins de
ICMS, tanto a transmissão em si mesmo considerada (“relação comunicativa”),
como o conteúdo da mensagem transmitida.” (grifos nossos) (ICMS, São Paulo, Malheiros, 4. ed, p. 115 e 116)
Taxa de adesão
Resta por fim analisar a
afirmação da consulente de que sobre o valor recebido a título de “taxa de
adesão” não incide o ICMS, uma vez tal valor constitui ressarcimento de
despesas e investimentos realizados pela consulente com vistas a possibilitar a
transmissão, recepção e decodificação dos sinais pelo assinante do serviço, e
que essas operações (instalações de equipamentos, construção de redes, entrega
de equipamentos em comodato) não constituem fato gerador do ICMS.
Como visto acima, tais atividades
não se desvinculam do serviço prestado pela consulente, enquadrando-se, antes,
na categoria das denominadas atividades-meio. Ao contrário, não se pode
conceber que o usuário do serviço de TV a cabo fosse solicitar a instalação de
equipamentos ou a construção de redes se não fosse com vistas à prestação do
serviço de TV a cabo.
Tanto é assim que tais valores
recebidos a título de adesão são devolvidos pela operadora caso se constate ser
inviável a prestação do serviço (conforme item 1.1 do Contrato de Assinatura,
modelo anexo aos autos a fls. 11, verso). Portanto, seja qual for a denominação
que se lhe dê, a referida taxa de adesão constitui parte da remuneração paga
pelo assinante à consulente pelo serviço que lhe é prestado, que não é mais que
um serviço, ou seja, o serviço de TV por assinatura. Não há, no caso, dois
serviços prestados, com remunerações distintas, embora para o adimplemento de
sua obrigação a consulente deva realizar diversas atividades.
Mais uma vez lembramos a lição de
Marçal Justen Filho (op. cit., p. 88-89), no sentido de que a outras normas, e
não às tributárias, cabe regular a forma do contrato e os requisitos para a
qualificação jurídica da atividade, mas que essa qualificação jurídica efetuada
por normas não-tributárias (a qualificação de determinada parcela da
remuneração do serviço como “taxa de adesão” ou “mensalidade”, por exemplo) não
interfere na configuração da hipótese de incidência tributária, in casu,
a “execução de uma obrigação, consubstanciando-se na prestação de uma utilidade
qualificável como serviço” de comunicação. O fato de que a Lei que regulamenta
o serviço de TV a cabo prescreve que a remuneração da operadora deva dar-se sob
a forma de um pagamento já no momento da contratação, ao que denomina “adesão”,
e de mensalidades pela “disponibilidade e utilização” do serviço (Lei no
8.977/95, art. 26) não prejudica a validade e a aplicação das normas
jurídico-tributárias que fixam a base de cálculo do tributo. Nesse sentido o
disposto no artigo 109 do Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de
outubro de 1966, verbis:
Art. 109. Os princípios gerais de
direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do
alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos
respectivos efeitos tributários.
A Lei no
10.297, de 26 de dezembro de 1996, repetindo os termos da Lei Complementar no
87/96, fixa, em seu artigo 10, inciso III, como base de cálculo do ICMS na
prestação de serviço de comunicação o preço do serviço.
Bernardo Ribeiro de Moraes,
falando sobre a base de cálculo do ISS, que, tal como no serviço de
comunicação, é o preço do serviço, assevera:
“Preço do serviço é, pois, a
expressão monetária do valor auferido, imediata ou diferida, pela remuneração
ou retribuição do bem imaterial (serviço) oferecido (prestado, vendido).
(...)
O legislador utiliza a expressão
“preço do serviço”, sem qualquer outro adjetivo e silenciando quanto a deduções
permitidas. Evidentemente o legislador está dispondo sobre o preço bruto (sem
dedução de qualquer parcela, mesmo a título de carreto ou imposto), e não o
líquido. O preço do serviço vem a ser, desta forma, a receita bruta que lhe
corresponda, auferida pelo prestador do bem imaterial.
(...)
O preço do serviço abrange a
receita total auferida, sem quaisquer deduções da importância entrada para o
patrimônio do contribuinte, proveniente da prestação de serviços. Abrange,
pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contrbuinte como produto da
atividade prestada. Da receita bruta, diz o Prof. Rubens Gomes de Sousa, “não
se admite qualquer dedução”. (Doutrina e prática do ISS, São Paulo, RT, 1978,
p. 518-520)
Ora, não há negar que a
denominada “taxa de adesão” somente é recebida em função da prestação de
serviço de comunicação. Ninguém vai a uma operadora de TV a cabo para contratar
a instalação de equipamentos, a construção de redes de telecomunicação, tendo
como fim último essa atividade. O objetivo último será sempre a prestação do
serviço de comunicação. A operadora, por sua vez, não realiza a prestação de
serviço de comunicação sem a cobrança da “taxa de adesão”. Resta claro,
portanto, que a “taxa de adesão” constitui remuneração pela prestação do
serviço de TV a cabo, integrando o preço (receita bruta) auferido pela
operadora em decorrência do serviço prestado, e, sendo assim, integra a base de
cálculo do ICMS. Isso fica evidenciado na análise do art. 26 da Lei no
8.977/95, pois o acesso ao serviço de TV a cabo somente é assegurado ao
assinante que houver pago ambas as parcelas (a adesão e a mensalidade). Se
pagar somente a mensalidade, o assinante terá pago apenas parte do que deve
pelo serviço.
Diante do exposto, responda-se à
consulente:
a) que o serviço de TV por
assinatura está sujeito ao ICMS; e
b) que a denominada taxa de adesão
integra a base de cálculo do imposto.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 19 de agosto de 1999.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 8 de setembro
de 1999.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente da COPAT