ASSUNTO: ICMS. SALDO
CREDOR ACUMULADO EM CONTA GRÁFICA - DEVOLUÇÃO EM ESPÉCIE. O CHAMADO “CRÉDITO”
DO IMPOSTO É UM ELEMENTO MERAMENTE ESCRITURAL ENQUADRÁVEL COMO ABATIMENTO E/OU
DEDUÇÃO NECESSÁRIO À DETERMINAÇÃO DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVIDA NÃO REPRESENTANDO,
NO SENTIDO OBRIGACIONAL, UM DÉBITO DO ESTADO PARA COM O CONTRIBUINTE.
INADMISSIBILIDADE.
CONSULTA Nº: 60/97
PROCESSO Nº: GR09 -
24498/96-3
01 - DA CONSULTA
A consulente, atuando
exclusivamente na exportação de produtos industrializados, gera um crédito
elevado de ICMS sobre a compra de matérias-primas e demais insumos e indaga
sobre a possibilidade de receber os créditos já acumulados em conta gráfica e
os futuros, em espécie.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Constituição Federal de 05.10.88, art. 155, § 2°, I
e inciso XII, “f”;
- Lei Complementar n° 65, de 15.05.91, art. 3°;
- Súmula n° 129 do STJ;
- RICMS/SC-89, arts. 56 e 57;
- Lei n° 10.297, de 26.12.96, art. 31.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
É inadmissível a solicitação da
consulente. Na verdade, tal pleito se baseia na premissa equivocada de que o
crédito fiscal, porventura acumulado em conta gráfica em virtude da realização
de operações que se situam fora do campo de incidência do ICMS, com expressa
manutenção do crédito decorrente das operações anteriores, tem natureza
tributária.
A premissa não é verdadeira.
O termo “crédito”, utilizado
nesse contexto de forma ambígua, não pode ser tratado no sentido obrigacional,
isto é, como correlato de um débito do Estado, ou seja, este direito de dedução
do contribuinte não consubstancia um crédito, no sentido obrigacional, contra o
Estado, dado que a ele não corresponde um débito do Estado para com o
contribuinte. O contribuinte do ICMS, assim, não é titular do direito ao
recebimento, do Estado, do montante do tributo em que se expressa o crédito
fiscal, mas sim do direito a uma dedução (aproveitamento, abatimento ou
“compensação”) de seu valor, ao ensejo da execução do cálculo do tributo a
recolher aos cofres públicos, em um determinado período.
Quem recebe uma mercadoria não
adquire, por isso, qualquer direito de crédito contra o Estado. Adquire, isto
sim, o direito de levar em conta, no cálculo do imposto que vier a dever, o
montante do imposto relativo às operações anteriores.
Conclui-se, pois, que o chamado “crédito”
de ICMS é apenas um elemento a considerar no cálculo do montante do imposto a
pagar, elemento este meramente escritural enquadrável como abatimento ou
dedução necessário à determinação da prestação tributária devida.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino,
dois renomados tributaristas e estudiosos do tema, ao analisarem a natureza
jurídica do “direito de abater”, em uma análise bastante profunda, chegam à
mesma conclusão (ICM - Abatimento Constitucional - Princípio da
Não-Cumulatividade, RDT n° 29/30, Ed. Rev. dos Tribunais, pgs.122 à 124):
... estamos diante de uma relação jurídica
obrigacional (porque dotada de conteúdo econômico), constitucional (porque
disciplinada exaustivamente na Constituição) e que se pode qualificar como financeira,
em oposição a tributária, no sentido de que, embora envolvendo valores
econômicos, nada tem a ver com as relações tributárias. Todas estas
considerações estão a mostrar que a relação jurídica de abatimento de ICM -
engendradora do chamado “crédito de ICM” - não é uma relação obrigacional
tributária, não estando sujeita, por conseqüência, à disciplina e regime
típicos do direito tributário. Em outras palavras: como a relação jurídica de
ICM é de natureza tributária, ao regime próprio da espécie se submete. Já, o
abatimento constitucional é mera figura financeira, operante no instante da
liquidação do tributo, com a função de cobrir parte de seu pagamento, por
compensação. Funciona como “moeda de pagamento”. Tem sua operacionalidade
limitada à função de atender à dedução constitucionalmente prevista.
...
O direito de abatimento, assim, é direito contra o Estado, de cunho patrimonial
e natureza constitucional- financeira. O “crédito” em que ele se expressa é,
destarte, mera moeda escritural, com a única vocação constitucional de servir
como moeda de pagamento parcial do ICM.
...
Nesse sentido, é um direito patrimonial que revela certa característica
particular. Não é - como poderia parecer à primeira vista - um direito
creditório como outros, que o seu titular (o contribuinte do ICM) pudesse
normalmente “cobrar” do Estado. Na verdade o Estado, na relação de abatimento,
só pode ser compelido a adimplir sua obrigação (constitucionalmente criada) de
uma forma: aceitar passivamente uma dedução que extingue (total ou parcialmente),
por compensação, o débito do contribuinte do ICM (e seu correlativo crédito
tributário). Trata-se, pois, de crédito cuja liquidação só poderá dar-se por
essa via especial de compensação - e por nenhuma outra.
Gilberto de Ulhôa Canto, outro
renomado tributarista, analisando o mesmo tema em parecer intitulado “ICM -
Não-Cumulatividade - Abatimento Constitucional” publicado neste mesmo periódico
(pgs.203, 204, 206 e 208), compactua do mesmo entendimento:
A não-cumulatividade do ICM não é apenas um fenômeno econômico
ou financeiro, embora sejam desta índole alguns dos seus fundamentos. É,
também, e principalmente, fenômeno jurídico a partir de quando a Constituição a
enuncia como característica do tributo, que em virtude dela não poderá ser
instituído e cobrado “em cascata”. O primeiro efeito da não-cumulatividade é
que o montante global de ICM que grava determinada mercadoria ao fim do seu
ciclo de produção e circulação não poderá exceder o produto da multiplicação da
sua alíquota real pelo valor da última operação por ele tributada. (...)
Outro efeito da não-cumulatividade do tributo é
homólogo do primeiro: em qualquer fase do processo de produção e circulação por
ele atingido o seu montante acumulado será apurado mediante a multiplicação da
alíquota real pelo valor da mercadoria até então agregado.
...
O direito assegurado como forma de manter-se o ICM como imposto não-cumulativo
é exercitável pelo contribuinte nos termos em que a Constituição o enuncia e a
legislação complementar o regula. Ele não se insere no âmbito da própria
obrigação tributária, já que não afeta o fato gerador, a base de cálculo ou o
contribuinte. O seu efeito sobre o recolhimento do imposto consiste em
determinar que em cada operação de saída o montante que o contribuinte irá
desembolsar seja reduzido pelo montante pago nas operações anteriores. Trata-se
de modalidade meramente financeira de garantir que o valor do imposto a ser
desembolsado por qualquer contribuinte será apenas a diferença entre o montante
que resulte da operação por ele promovida e o total recolhido pelos
contribuintes que o antecederam no ciclo de produção e circulação.
...
O direito de abatimento assim outorgado tem de limitar-se aos fins e propósitos
que lhe justificaram a instituição. A regra do texto constitucional fala,
claramente, em impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias,
realizadas por produtores, industriais e comerciantes, que “... não serão
cumulativos ...”, “... e dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei
complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro
Estado”. Portanto, o que ela quis foi atribuir ao montante cobrado nas
operações anteriores efeito liberatório de parte do que o contribuinte terá de
recolher no fim do período.
...
Das disposições constitucionais e de leis complementares vigentes não se pode
inferir que o contribuinte ao qual faltou oportunidade para abater de cada
montante por ele devido a título de ICM valores desse mesmo tributo pagos em
operações anteriores tem o direito de receber, em dinheiro ou por outra forma
que não o abatimento referido, as importâncias que não chegou a abater. Esse
direito não decorre da própria natureza do sistema, pois já se viu que a
solução adotada pela Constituição para evitar a cumulatividade do ICM foi situada
fora do campo da obrigação tributária. Ele também não resulta de nenhuma das
disposições da legislação complementar aplicável. Somente a própria legislação
estadual poderia prevê-lo, mas se o fizesse seria necessário todo cuidado, para
que não se configurasse possível restituição indireta de imposto, em eventual
desconformidade com outras regras legais.
...
O direito de abater os montantes de ICM recolhidos em operações anteriores com
o mesmo produto ou matéria-prima é de natureza peculiar, específica,
inconversível. Não se trata de um crédito de que o beneficiário possa fazer o
uso que desejar, seja recebendo o seu equivalente em dinheiro, empregando na
compra de outro bem, ou eventualmente consumindo em despesas voluptuárias. Ele
só serve como elemento redutor da importância que o seu destinatário terá de
recolher ao fim do período, em decorrência das operações de circulação que
promover.
As conclusões a que se chega,
portanto, são por demais óbvias:
a) o “abatimento” a que se refere
a Constituição é uma relação jurídica de índole meramente financeira e o
princípio da não-cumulatividade não é mais que mera técnica escritural de
arrecadação;
b) o creditamento do tributo pago
na operação anterior não é, efetivamente, crédito, na acepção pura do termo. É,
como dizem referidos doutrinadores, dentre outros, “registro escritural”,
contábil;
c) não é crédito, na acepção econômico - financeira, porque não
representa um valor a ser recebido pelo contribuinte. Não é objeto de obrigação
no qual o contribuinte seja sujeito ativo. Como não existe uma relação jurídica
obrigacional por parte do Estado no dever
que o contribuinte tem de se creditar do imposto incidente nas operações
anteriores, não há que se falar em “devolução” do valor dos saldos credores
porventura acumulados em conta gráfica.;
d) não é tampouco, crédito,
porque não possui a autonomia “strictu sensu”, mas vincula-se, através da
alíquota, ao preço efetivamente praticado.
É, assim, grandeza acessória,
ligada ao preço, principal;
e) não é crédito porque seu
titular não pode exigir de outrem a sua satisfação em moeda corrente;
f) não é, conseqüentemente,
moeda. É simples registro. Uma vez abatido do débito, desaparece;
g) fosse grandeza financeira, ou
moeda, seria incorporado ao patrimônio do contribuinte; sendo mero registro
contábil, o creditamento não é influenciado pela inflação ou por qualquer outro
fenômeno de ordem econômica.
Eis porque é inviável a pretensão
da consulente.
A título de esclarecimento, no
entanto, é conveniente lembrar que, no que concerne à transferência de
créditos, a legislação estadual, atendendo aos exportadores que efetuam vendas
em menor grau para o mercado interno, ou mesmo aos que não o fazem, facultava
que os créditos fiscais, acumulados em razão das exportações, pudessem ser
transferidos para outro estabelecimento da mesma empresa (RICMS/SC-89, art. 56)
ou, comprovada sua impossibilidade, para seus fornecedores como parte do
pagamento de matérias-primas, material secundário, embalagens, máquinas e
outros materiais (art. 57, I).
A partir do advento da Lei n°
10.297, de 26.12.96, os saldos credores decorrentes de manutenção expressamente
autorizada de créditos fiscais relativos a operações ou prestações subseqüentes
que destinem ao exterior mercadorias ou serviços, podem ser transferidos a
qualquer estabelecimento do mesmo titular, neste Estado (art. 31, I), ou,
havendo saldo remanescente, a outro contribuinte deste Estado (art. 31, II),
sem as restrições contidas nos incisos do art. 57 do antigo RICMS/SC-89.
A própria legislação tributária,
portanto, viabiliza as formas através das quais a consulente pode recuperar o
imposto incidente nas operações que antecedem à exportação: é dizer, além de
manter, na íntegra um princípio basilar do ICMS - o da não-cumulatividade -,
oferece formas alternativas, que não com os débitos próprios do
estabelecimento, de “compensar” os créditos acumulados através de sua
transferência.
Mais duas observações devem ser
feitas:
a) a legislação do ICMS não prevê
a correção monetária indexatória dos saldos credores acumulados em conta
gráfica. Desta maneira, seja qual for a época em que se faça o lançamento, este
deve ser feito pelo valor nominal do crédito. Isto porque as obrigações do
campo tributário são ex lege; desta forma, qualquer indexação deve ser expressamente
prevista;
b) o exportador adquire o direito
de transferência do saldo credor do imposto, apenas quando realizar a
exportação do produto e não ao estocar a matéria-prima (Súmula n° 129 do STJ).
É o parecer que submeto à
comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 27 de outubro de 1997.
Neander Santos
FTE- Matr.187.384-9
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 04/11/1997.
Pedro Mendes Isaura Maria Seibel
Presidente da COPAT Secretária Executiva