EMENTA: ICMS - O
INSTITUTO DA CONSULTA OBJETIVA, EXCLUSIVAMENTE, DIRIMIR DÚVIDAS SOBRE A
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA REFERENTES
AOS IMPOSTOS DE COMPETÊNCIA ESTADUAL.
IMPOSSIBILIDADE DE SE ANALISAR, ATRAVÉS DESTE, A CONSTITUCIONALIDADE, OU NÃO,
DE CONVÊNIOS CELEBRADOS DE ACORDO COM A LEI COMPLEMENTAR N° 24/75, BEM COMO DE
LEIS E/OU DECRETOS ESTADUAIS.
AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS, INERENTES AO INSTITUTO.
CRÉDITO FÍSICO VERSUS CRÉDITO
FINANCEIRO. ATÉ O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N° 87/96, ERA VEDADO O
APROVEITAMENTO DE CRÉDITO FISCAL RELATIVO À AQUISIÇÃO DE MÁQUINAS E BENS DO
ATIVO FIXO NECESSÁRIOS AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA.
ATÉ 01.01.2000, É IGUALMENTE VEDADO O APROVEITAMENTO DE CRÉDITO RELATIVO À
ENTRADA DE BENS OU MERCADORIAS DESTINADOS AO CONSUMO DO ESTABELECIMENTO.
ATÉ A ENTRADA EM VIGOR DESTA LEI COMPLEMENTAR (01.11.96), O TIPO DE TOMADA DE
CRÉDITO FOI O MESMO DO ANTIGO ICM, ISTO É, CRÉDITOS FÍSICOS, PELO VALOR DAS
MERCADORIAS E SERVIÇOS ADQUIRIDOS EM FUNÇÃO DA PRODUÇÃO E/OU COMERCIALIZAÇÃO
DAS MERCADORIAS E SERVIÇOS TRIBUTÁVEIS, TÃO SOMENTE.
CONSULTA Nº: 24/98
PROCESSO Nº: UF15 -
29261/95-3
01 - DA CONSULTA
A empresa acima identificada
formula consulta a respeito de dispositivos da legislação tributária, argüindo
que:
a) ciente das vedações impostas
pelo artigo 50 e seguintes do RICMS/SC-89, tem lançado, até o presente
instante, os créditos do ICMS estritamente dos insumos permitidos pela
legislação pertinente;
b) entende, entretanto, que a
legislação estadual é inconstitucional, na medida em que contraria o princípio
da não-cumulatividade ao negar o direito ao crédito do imposto nas aquisições
de maquinaria, peças de reposição, pneus, materiais de escritório, etc, muito
embora sejam estes produtos, segundo sua análise, de vital importância ao
desenvolvimento da atividade mercantil da empresa;
c) por entender ser de direito
exclusivamente seu, não estando sujeito a qualquer restrições, a consulente
deseja, aplicando o princípio constitucional da não-cumulatividade tributária,
creditar-se dos valores recolhidos, a título de ICMS, em operações anteriores,
sejam estas de que espécie forem;
d) insurge-se, a consulente,
especialmente, contra os artigos 29 e 31 do Convênio ICM 66/88 por divergirem
da Lei Máxima tornando o imposto, cumulativo;
e) solicita, assim, que esta
comissão informe se seu “procedimento” é escorreito e, em caso afirmativo, se é
lícito o aproveitamento dos créditos do ICMS no período dos últimos exercícios,
sobre os quais ainda não recaiu a preclusão, visto ser este um direito seu
constitucionalmente assegurado. Indaga, ainda, se a correção dos referidos
créditos deve seguir os mesmos critérios para a apuração dos débitos fiscais do
específico tributo.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Constituição Federal, art. 155,
§ 2°, I e inc.XII, “c”;
- Decreto-lei 406/68, arts. 3°, §
1°;
- Convênio ICM 66/88, arts. 28;
29; 31; II, III e IV;
- Lei 7547/89 arts. 31, 32; 34,
II, III, IV e parágrafo único;
- Lei Complementar 87/96, arts.
20 e 33
- Lei Complementar 92/97, art.
1°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Preliminarmente, e antes que
entremos no mérito da discussão das questões suscitadas pela consulente, há que
se esclarecer quais são os pressupostos que norteiam o instituto da consulta a
fim de analisarmos se o pedido da mesma
cumpre, ou não, o aspecto formal deste instituto.
O artigo 1°, “caput”, bem como o
artigo 4°, inciso II da Portaria SEF n° 213/95, de 06/03/95, que disciplina a
consulta, estabelecem que:
Art. 1° - Poderão formula
consulta sobre a interpretação e aplicação dos dispositivos da legislação
tributária estadual:
I - o sujeito passivo;
...
Art. 4° - A consulta dirigida ao
Presidente da COPAT, será formulada por escrito, em duas vias, contendo:
...
II - exposição objetiva e
minuciosa do assunto objeto da consulta, citando os dispositivos da legislação
tributária sobre cuja aplicação ou interpretação haja dúvida bem como seu
entendimento sobre a matéria e, se for o caso, os procedimentos que adotou;
Depreende-se, pois, que a
condição necessária que justifique a interposição de consulta por parte do
sujeito passivo é a existência de dúvida concreta e específica que diga
respeito à aplicação ou interpretação da legislação tributária.
Não é, todavia, o que parece
afligir a consulente. De fato, da análise do item II da petição inicial,
conclui-se que a mesma tem pleno conhecimento das restrições impostas pela
legislação infraconstitucional no que concerne ao aproveitamento do crédito do
imposto, tanto é que “... credita-se do ICMS, restritamente dos insumos permitidos
pela legislação pertinente, tendo
acatado, até o presente instante, todas as vedações impostas,
processando à compensação dos créditos com seus débitos, nos moldes do art. 50
e seguintes aplicáveis do RICMS”.
Ora, se não há dúvida de
interpretação ou aplicação destes dispositivos, não há o que consultar.
Na realidade, e este é o objetivo
implícito da peticionária, a consulente utiliza o instituto da consulta para se
insurgir contra disposições contidas no Convênio ICM 66/88, taxando-o de
inconstitucional, e espera - muito embora o Decreto-lei 406/68, este mesmo
Convênio, a Lei 7547/89 e o RICMS/SC-89 disciplinem o regime de compensação do
imposto de forma clara e com restrições - que esta comissão ratifique o
entendimento dela de que a aplicação do princípio constitucional da
não-cumulatividade tributária permite, ao contribuinte, creditar-se dos valores
recolhidos, a título de ICMS, em operações anteriores, “sejam estas de que
espécie forem” (sic).
Isto, evidentemente, não é
possível.
É conveniente que se esclareça à
peticionária que:
a) o instituto da consulta não se
presta a analisar, muito menos declarar, se os convênios celebrados e
ratificados pelas Unidades Federadas, as leis ordinárias dos Estados, ou seus
decretos, ferem, ou não, as disposições contidas na Carta Magna ou leis
complementares, hierarquicamente superiores, mas, tão somente, a dirimir
dúvidas acerca da aplicação destas disposições legais a casos específicos,
porventura suscitados pelos contribuintes sujeitos a sua obediência;
b) a via legal para questionar a
constitucionalidade da legislação tributária aplicável é a judicial e não a
administrativa;
c) igualmente, e frisamos uma vez
mais, o instituto da consulta não se presta a analisar medidas que foram, ou
que estão em vias de ser, adotadas de forma unilateral, que vão nitidamente de
encontro à legislação vigente.
É o que se depreende da seguinte
passagem (item IX da petição inicial):
“... na tentativa de minorar os
encargos da atividade empresarial, foi garantido ao contribuinte o direito de
proceder à escrituração dos créditos tributários advindos daquelas mercadorias,
em face do princípio da incumulatividade, para compensá-los com os débitos
apurados no mesmo período. Aliás, nesse sentido, vem procedendo a consulente”.
Não é demais lembrá-la que o
parágrafo 2°, artigo 7°, da mesma Portaria SEF n° 213/95 é taxativo ao
estabelecer que:
Art. 7° - 0mito
....
§ 2° - É vedado ao consulente
aproveitar crédito fiscal controverso, antes da ciência da resposta da
consulta.
Qualquer iniciativa em sentido
contrário por parte da peticionária, significa infringir uma norma
complementar, nos termos do inciso I, artigo 100 do CTN e, como tal, de
observância obrigatória por parte dos contribuintes do ICMS.
Por fim, ao sujeito passivo cabe,
unicamente, cumprir as determinações contidas nos diplomas legais e apresentar
consulta apenas nos casos em que a legislação for omissa ou gerar dúvidas de
interpretação o que, por certo e neste caso, não ocorre com os artigos citados
do Convênio ICM 66/88 e seus correspondentes na Lei 7547/89, na medida em que
estes dispositivos são suficientemente claros e têm suas restrições
estabelecidas de forma expressa e precisa.
Ora, se não há, de fato, nenhuma
dúvida de interpretação dos dispositivos citados pela peticionária e se, na
verdade, a mesma utiliza o instituto da consulta para questionar a
constitucionalidade das normas legais que se referem ao princípio da
não-cumulatividade esperando que, através dele, o Estado ratifique seu
entendimento e os procedimentos que eventualmente já adotou no que diz respeito
a este tema, é evidente que sua petição não cumpre o aspecto formal implícito
na Portaria SEF n° 213/95 e, como tal, e por conseqüência, esta consulta não
tem o condão de surtir os efeitos elencados no artigo 7°, incisos I e II deste
mesmo diploma legal.
Muito embora entendamos,
portanto, que não estão presentes os pressupostos legais inerentes a este
instituto adentraremos no mérito da questão suscitada pela consulente com o
intuito único de esclarecermos qual o entendimento desta comissão a respeito da
indagação feita por esta.
É bom que se frise que, como a
consulente não especifica quais produtos entende serem passíveis de direito ao
crédito quando de suas aquisições, citando-os apenas de forma genérica, a resposta
igualmente analisará estes bens na sua classificação mais ampla (de produção e
de consumo).
A posição adotada pela consulente
de que é possível escriturar todo e qualquer crédito do imposto que tenha
onerado a operação anterior, independentemente do destino da mercadoria (ou
bem) que foi adquirido é sustentada com base no pressuposto de que o princípio
constitucional da não-cumulatividade insculpido no artigo 155 da Carta Magna
não comporta qualquer tipo de restrição e deve ser interpretado de forma ampla,
geral e restrita.
Resta analisar, portanto, até que
ponto, à luz do direito tributário, este pressuposto é correto e, uma vez
demonstrado o contrário, fatalmente a conclusão que se extraiu a partir dele,
não terá sustentação lógica.
A resposta a esta indagação já
foi dada quando da resposta à consulta a COPAT de n° 45/97 pelo que adotamos
pelos seus próprios fundamentos, o entendimento ali consubstanciado, “verbis”:
“Da Não-Cumulatividade do ICMS
A Constituição Federal, conquanto
estabeleça que o ICMS é um imposto não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de
serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal, não determina a forma como deve ser alcançada essa
não-cumulatividade.
Embora pudesse o legislador
constituinte ter esgotado a disciplina do princípio da não-cumulatividade do
ICMS, absteve-se de fazê-lo, deixando essa tarefa a cargo da lei complementar
(art. 155, § 2º, XII, “c”).
Nesse sentido, em nenhum momento
a Constituição Federal de 1988 inova em relação à anterior, onde já encontramos
o antigo ICM caracterizado pela não-cumulatividade, cuja disciplina era
igualmente remetida à lei complementar. Assim era o que dispunha o art. 23 da
Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
01/69:
Art. 23. Compete aos Estados e ao
Distrito Federal instituir impostos sobre:
...
II - operações relativas à
circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e
comerciantes, impostos que não serão cumulativos e dos quais se abaterá, nos
termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou por outro Estado.
Sobre a matéria dispõe o art. 155
da Constituição Federal de 1988:
Art. 155. Compete aos Estados e
ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
...
II - operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;
...
§ 2º O imposto previsto no inciso
II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo,
compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
...
XII - cabe à lei complementar:
...
c) disciplinar o regime de
compensação do imposto;
Como se vê, o texto
constitucional limita-se a dizer que o imposto, embora plurifásico, não deve
incidir em cascata, vale dizer, não deve haver superposição de incidências do
ICMS sobre uma mesma mercadoria.
Contudo, tanto a Constituição
Federal de 1967 quanto a de 1988 não deixam claro qual deve ser a natureza do
crédito compensável, remetendo essa tarefa à lei complementar.
Como é cediço, o princípio da
não-cumulatividade pode ser efetivado pela adoção de dois sistemas de crédito:
os denominados crédito físico e crédito financeiro.
A sistemática de crédito físico
consiste em que somente é permitido o crédito relativo a mercadorias que,
entradas no estabelecimento, serão objeto de novas saídas tributadas, vale
dizer, seguirão fisicamente circulando, seja na mesma condição em que entraram,
sem sofrer qualquer modificação (comércio), seja incorporadas em outras
mercadorias produzidas pelo contribuinte (indústria). Assim, não são permitidos
nesse sistema os créditos relativos a mercadorias entradas no estabelecimento
para incorporação ao ativo permanente ou para seu uso ou consumo.
Já na sistemática de crédito
financeiro é permitido também o crédito relativo às demais mercadorias entradas
no estabelecimento, que mesmo não sendo fisicamente incorporadas às mercadorias
produzidas, constituam custo financeiro do estabelecimento, considerando-se, assim,
financeiramente incorporadas.
Repita-se que o constituinte,
soberano que é, poderia, já no texto constitucional, ter disposto acerca de
qual dos dois sistemas deveria ser o adotado pelo legislador complementar na
disciplina da não-cumulatividade do imposto. Contudo, não o fez, tanto em
relação ao ICMS quanto ao IPI, ambos impostos plurifásicos e não-cumulativos,
delegando essa tarefa ao legislador complementar, que goza, portanto, de ampla
liberdade para a adoção do crédito físico ou do crédito financeiro, ou mesmo de
um sistema misto, que tenha características de ambos.
Essa delegação de competência ao
legislador complementar para regular a forma como se dará a não-cumulatividade
do imposto, já existente na Carta de 1967, permanece na Constituição de 1988
(art. 155, § 2º, XII, “c”).
A respeito, Alcides Jorge Costa,
comentando as alterações sofridas pelo ICMS na Constituição de 1988 em artigo
publicado na Revista de Direito Tributário (nº 46 - out. a dez./88, pp.164 e
165), assevera:
Mas não paramos aí. O imposto
continua dominado pelo princípio da não-cumulatividade que está expresso no §
2º , inc. I , que diz : O imposto ‘será não-cumulativo, compensando-se o que
for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores tendo o mesmo ou outro Estado
ou pelo Distrito Federal’.
...
Mas o problema da compensação nos
leva ao tipo de imposto que vamos ter: se vamos ter um ICM do tipo bruto; um
ICM do tipo renda ou um ICM do tipo consumo. A Constituição deixa ampla margem
ao legislador para escolher que tipo prefere; caberá à lei complementar dispor
sobre essa matéria, porque lhe cabe disciplinar o regime de compensação do
imposto. É claro que a lei complementar poderá ser estruturada de tal forma que
os Estados tenham liberdade de escolha do tipo. Poderá ser estruturada de tal
forma que essa escolha esteja predeterminada e que os Estados não tenham outra
saída senão adotar o tipo de imposto
prescrito na lei complementar. Isso vai realmente depender do legislador
complementar.
Usando dessa competência, o
legislador complementar adotou no sistema tributário pátrio a sistemática do
crédito físico, como a encontramos, ainda na vigência da Constituição de 1967,
no Decreto-Lei nº 406/68 (art. 3º, § 1º) e, após a Constituição de 1988, no
Convênio ICM nº 66/88 (art. 31), com força de lei complementar de acordo com o
art. 34 do ADCT.
Assim dispõe o art. 3º, § 1º do
Decreto-Lei nº 406/68:
Art. 3º O imposto sobre
Circulação de Mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o
montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado.
§ 1º A lei estadual disporá de
forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado
período, entre o imposto referente às mercadorias saídas do estabelecimento e o
pago relativamente às mercadorias nele entradas. O saldo verificado em
determinado período a favor do contribuinte transfere-se para o período ou
períodos seguintes. (grifamos)
Também o art. 31 do Convênio ICM
nº 66/88 deixa clara a natureza do crédito do ICMS:
Art. 31. Não implicará crédito
para compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações
seguintes:
...
II - a entrada de bens destinados
a consumo ou à integração no ativo fixo do estabelecimento;
III - a entrada de mercadorias ou
produtos que, utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou
não integrem o produto final na condição de elemento indispensável a sua
composição;
Dispondo dessa forma, não estão
tais dispositivos estabelecendo exceções ao princípio da não-cumulatividade,
mas consagrando a adoção, relativamente ao regime de compensação do ICMS, da
sistemática do crédito físico.
Contudo, a adoção do crédito
físico não implica tornar o imposto cumulativo.
Como dito, a não-cumulatividade
visa evitar que a mercadoria, durante seu ciclo de circulação, sofra múltiplas
incidências do imposto.
Esse objetivo é plenamente
atendido pelo critério do crédito físico, uma vez que é assegurado o crédito do
imposto pago nas etapas anteriores da circulação da mercadoria. Quanto aos bens
incorporados ao ativo permanente e aos usados ou consumidos no estabelecimento,
uma vez entrados no estabelecimento não serão mais objeto de operação tributada
pelo ICMS. Daí não ser permitido o crédito em relação a estes.
Não há falar-se, portanto, em
inconstitucionalidade na adoção do crédito físico pela lei complementar ao
disciplinar o regime de compensação do imposto.
Bastante esclarecedora é a lição
de Ruy Barbosa Nogueira, estabelecendo a distinção entre crédito físico e
crédito financeiro e dizendo da compatibilidade de ambos com o princípio da
não-cumulatividade (in Direito Tributário, 1ª ed., SP, 1969, Ed. José
Bushatsky, pp. 32 e 33):
O princípio geral da não
cumulatividade expresso na Constituição e complementado pelo art. 49 do C.T.N.
que remete à lei ordinária a faculdade de estabelecer a forma de diferença a
maior através do sistema de créditos e débitos comporta dois critérios
distintos, que se podem resumir como sendo os do crédito físico e do crédito
financeiro.
Como o preceito constitucional
não fez aí qualquer opção, exigindo apenas genericamente o princípio da
não-cumulatividade, tendo por sua vez a lei complementar cometido à lei
ordinária a faculdade de estabelecer a forma, a legislação ordinária instituiu
a forma ou sistema do crédito físico.
Por isso que ao iniciarmos esta
exposição, nos referimos exclusivamente ao problema do direito de crédito do
imposto pago nas matérias primas, produtos intermediários e embalagens, que
integram o produto ou são consumidos no processo industrial. Este é o sistema
de crédito físico que admite apenas o crédito dos produtos que fisicamente se
incorporam ao produto ou se consomem no curso do processo de industrialização.
Já o crédito financeiro admite
também o aproveitamento do imposto pago na aquisição de bens necessários ao
processo produtivo como máquinas e equipamentos. Por esse segundo critério,
todos os bens de exploração adquiridos dão direito a crédito.
Destarte, estar-se-ia violando o
princípio da não-cumulatividade somente se o Estado estivesse estabelecendo
vedação ao crédito relativamente às mercadorias que serão objeto de nova
operação tributada.
Nesse sentido é a lição de
Fernando A. Brockstedt (in ICM - Comentários Interpretativos e Críticos, Porto Alegre,
1972, Serviços Gráficos Rotermund S/A-RS, pp. 83, 245 e 246):
Parece-nos, assim, que os Estados
quebrariam o princípio da não-cumulatividade do imposto apenas se não
reconhecessem o direito a crédito fiscal relativo a entradas de mercadorias
cujas saídas se derem com sujeição do imposto, isto é, relativo a mercadorias
que, na mesma espécie ou transformadas em outras, saindo fisicamente,
determinassem um débito fiscal ao contribuinte: é o sistema do crédito físico,
de imposto sobre valor acrescido bruto, de que nos fala Ruy B. Nogueira no
trabalho citado, embora o seu estudo - referindo-se ao IPI - chegue a
conclusões naturalmente mais amplas.
...
De abordar-se, ainda, neste
passo, que, como afirmam Ruy Barbosa Nogueira
(“Direito Tributário” cit., pp. 30 e sgts.) e Heron Arzua (“Estudos Tributários”, Ed. do Professor, Curitiba,
1968, p.46), a lei tributária nacional sobre o ICM cogitou de créditos fiscais
físicos, e não financeiros; de valor acrescido (sic) bruto, e não líquido.
Com o crédito físico (ou valor
acrescido bruto), a lei admite a dedução do imposto apenas em relação às
entradas físicas de mercadorias que, fisicamente, irão sair do estabelecimento,
mesmo que integradas a outras mercadorias. Cogita, assim, apenas, dos créditos
da própria mercadoria que irá sair, de suas matérias-primas e componentes
(“mercadorias entradas para utilização, como matéria-prima ou material
secundário, na fabricação ou embalagem dos produtos”, diz o § 3º do art. 3º do
D.L. nº 406).
Com o crédito financeiro (ou valor
acrescido líquido), admitir-se-ia (e, como vimos no item 7/10, supra, já se
admitiu parcialmente, em relação a certos equipamentos industriais, o que
depois foi revogado) o crédito fiscal de todos os bens entrados no
estabelecimento, inclusive de ativo fixo e de consumo que, embora não sejam
fisicamente incorporados ao produto obtido, são considerados como despesas
financeiras incorporadas.
Assim, independente do sistema de
crédito que se adote, restará inviolado o princípio da não-cumulatividade.
Crédito do ICMS na Lei
Complementar 87/96
Como dito, a não-cumulatividade
do imposto comporta perfeitamente a adoção da sistemática do crédito físico,
como, aliás, se fez, no sistema tributário pátrio, tanto em relação ao ICMS
quanto ao IPI.
Assim, não há cumulatividade do
imposto pelo fato de que somente dará direito ao crédito do ICMS pago nas
operações anteriores a mercadoria que fisicamente irá sair do estabelecimento,
sendo essa operação onerada pelo imposto.
Essa foi a opção do legislador
complementar até a edição da Lei Complementar nº 87/96, não havendo no fato
qualquer inconstitucionalidade.
Não obstante, a competência
atribuída ao legislador complementar pela Constituição Federal lhe permite a
qualquer tempo alterar essa sistemática, abandonando o crédito físico para
adotar a não-cumulatividade financeira em relação ao ICMS, optando pela
sistemática do crédito financeiro ou mesmo implementando um sistema misto onde
se vislumbrem características tanto do sistema de créditos físicos quanto do
sistema de créditos financeiros.
Assim se fez ao permitir a Lei
Complementar nº 87/96 que os contribuintes do imposto se creditem, a partir de
01.11.96, do imposto relativo às aquisições de bens para incorporação ao ativo
permanente do estabelecimento, bem como em relação à energia elétrica nele
consumida. Indo além, permite que, a partir de 01.01.2000, o contribuinte
aproveite para compensação também o imposto relativo às aquisições de
mercadorias destinadas ao uso e consumo no estabelecimento, admitindo, assim, o
chamado crédito financeiro. Assim dispõem os arts. 20 e 33 da referida Lei
Complementar, com a redação dada pela Lei Complementar n° 92/97, verbis:
Art. 20. Para a compensação a que
se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se
do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenham resultado a entrada
de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao
seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação
Art. 33. Na aplicação do art. 20
observar-se-á o seguinte:
I - somente darão direito de
crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele
entradas a partir de 1º de janeiro de 2000;
II - a energia elétrica usada ou
consumida no estabelecimento, dará direito de crédito a partir da data da
entrada desta Lei Complementar em vigor;
III - somente darão direito de
crédito as mercadorias destinadas ao ativo permanente, nele entradas a partir da
data da entrada desta Lei Complementar em vigor.
Isso, no entanto, é uma alteração
do regime de compensação do imposto que faz o legislador complementar usando da
competência que lhe é conferida pelo art. 155, § 2º XII, “c” da Constituição
Federal, admitindo o critério do crédito financeiro no regime de compensação do
ICMS.
Todavia, poderia não tê-lo feito,
mantendo a sistemática do crédito físico, e nem por isso o imposto passaria a
ser cumulativo, como de fato nunca foi.
Nesse sentido, destacamos a lição
de Hugo de Brito Machado, manifestada no já citado artigo publicado na Revista
Dialética de Direito Tributário (nº 16, p. 17):
Relevante, e por isto vale a
insistência neste ponto, é notar que a Constituição diz caber à Lei
Complementar ‘disciplinar o regime de compensação do imposto’. Em sendo assim,
pode o legislador complementar adotar o regime de crédito financeiro, ou o
regime de crédito físico, bem assim adotar um regime com características de um
e de outro.
Pelo regime do crédito financeiro
é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de
bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do
estabelecimento. Não importa se o bem, ou o serviço, compõem o bem a ser
vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele
serviço, já tributado anteriormente.
É um regime de não cumulatividade
absoluta. Não cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso
mesmo denominado de crédito financeiro.
Pelo regime de crédito físico,
diversamente, só o imposto relativo a entrada de bens que são vendidos pelo
estabelecimento, ou que, no caso de indústria, integram fisicamente o produto
industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto
devido na saída dos bens.
É um regime de não cumulatividade
relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em
consideração apenas o elemento físico do bem, por isso mesmo denominado regime
de crédito físico.
E conclui dizendo:
Pelas razões expostas vê-se que a
norma que assegura o direito ao crédito relativamente às entradas de bens
destinados ao consumo, ou ao ativo permanente do estabelecimento, não tem
aplicação a fatos anteriores ao início de sua vigência. Em outras palavras, não
há como se possa considerar tal norma meramente interpretativa da Constituição,
conferindo-lhe eficácia retroativa. E, pelas mesmas razões, é válido o
adiamento do início de vigência dessa norma, como está no art. 33, da Lei
Complementar n° 87/96.”
Posto isso, deve ser respondido à
consulente que:
a) a presente não se caracteriza
como consulta, não produzindo os efeitos próprios ao instituto;
b) o “abatimento” é uma relação
jurídica de índole meramente financeira e o princípio da não-cumulatividade não
é mais que mera técnica escritural de arrecadação. Este, é princípio que deve
ser examinado a partir da última operação, pois o que visou o constituinte foi,
pura e tão somente, eliminar o efeito cumulativo de operação em operação até a
última, conferindo ao imposto a característica da neutralidade.
O princípio da não-cumulatividade
é portanto apenas isto. Hipóteses incidentes anteriores devem ser consideradas
para evitar-se a tributação em cascata. Visa apenas não permitir a cumulação de
impostos incidentes. E mais nada, pois nada mais está na Constituição.
Em termos de disposição
constitucional, a não-cumulatividade foi prescrita apenas mediante a referência
ao fato de ser necessário o abatimento, em cada operação, do imposto cobrado
nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado. Referência de forma genérica,
bem-dito. Ao mesmo tempo, a própria Carta Política estabeleceu que a lei
complementar disporia de que forma (ou em que termos) este princípio deveria
ser obedecido; esta, e não aquela, portanto, é que deveria disciplinar pormenorizadamente
o princípio. E isso foi feito;
c) como nos ensina Sacha Calmon
Navarro Coelho (in Comentários à Constituição de 1988, Forense - RJ, 1990, pgs.
225 e 226), referindo-se ao artigo 155 da C.F., “... o § 2°, inciso I deixa
claro que se “compensa” em cada “operação” o “montante cobrado” nas “operações
anteriores”. Com dizer dessa forma, balizou o constituinte que a
não-cumulatividade é feita no eixo das operações de circulação, não se
estendendo ao crédito de imposto decorrente da aquisição de máquinas e bens do
ativo fixo necessários ao funcionamento da empresa, nem tampouco ao dos
produtos que não se incorporem fisicamente ao produto final ou não se consumam
no curso do processo de industrialização, sinalizando, dessa maneira, que a
matriz insumo/produto não podia extrapolar para o lado dos custos financeiros.”
Conforme esclarece o Exmo. Sr.
Ministro Carlos Mário Velloso, relator da Apelação Cível n° 60.872-CE, 3ª Turma
do antigo TFR (excerto publicado na JTFR, Ed. Lex, n° 88, pg 142):
O crédito somente será admitido
no que toca aqueles bens que, no processo de industrialização, se destroem, são
absorvidos, de modo direto, integral, transformando-se em resíduos, assim de
nenhuma valia econômica, jamais para aqueles outros que apenas se desgastam pelo
uso natural, assim bens de produção, instrumentais da indústria, bens de
capital, equipamentos, que se
depreciam, que se acabam, pela inexorável lei do desgaste, mas que, nem por
isso, ou por isso mesmo, podem ser classificados como produtos intermediários.
Estes, sim, os produtos intermediários, como acima referidos, é que autorizam o
crédito de que estamos cuidando.
d) somente darão direito o
crédito fiscal, as mercadorias destinadas ao ativo permanente, nele entradas a
partir de 01.11.96, data em que passou a vigorar a Lei Complementar n° 87/96;
e) é vedado ao contribuinte
apropriar créditos fiscais relativos à entrada de bens ou mercadorias
destinadas ao consumo do estabelecimento, ao menos até 01.01.2000, data em que
entrará em vigor o disposto no art. 33, inciso I, desse mesmo diploma legal;
f) fica, por consegüinte,
prejudicada a questão relativa à correção monetária dos créditos extemporâneos.
De qualquer forma, ainda que o aproveitamento dos créditos físicos tivesse base
legal, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Moreira Alves, nos
despachos dos Agravos de Instrumento n°s 198.891-1, SP e 181.138-2, SP
(publicados, respectivamente, no Diário da Justiça, Seção 1, n° 112, de
16.06.97, pg. 27257 e na R.D.D.T. n° 17, pg. 167), concluiu que não são
passíveis de serem corrigidos monetariamente os chamados créditos escriturais.
Do teor do primeiro despacho,
extraímos o seguinte excerto:
27.) - Estabelecida a natureza
meramente contábil, escritural do chamado “crédito” do ICMS (elemento a ser
considerado no cálculo do montante de ICMS a pagar), há que se concluir pela
impossibilidade de corrigí-lo monetariamente. Tratando-se de operação meramente
escritural, no sentido de que não tem expressão ontologicamente monetária, não
se pode pretender aplicar o instituto da correção ao creditamento do ICMS.
Em decisão ainda mais recente,
publicada na Gazeta Mercantil de 26.12.97, pg. A-8, a Segunda Turma do STF,
relator o Min. Maurício Corrêa, negou correção aos créditos extemporâneos do
imposto. Os fundamentos não discrepam do decisum supracitado: a correção dos
créditos não está prevista na legislação ordinária do Estado recorrente e, além
disso, os Ministros entendem que, por
ter natureza meramente contábil, o crédito do ICMS não pode ser atualizado,
restando preservados, ainda assim, os princípios da não-cumulatividade e da
isonomia.
No mesmo sentido, vide ainda o
Recurso Extraordinário n° 195.643-RS, relator o Min. Ilmar Galvão, de 24.04.98.
É o parecer que submeto à
comissão.
Gerência de Tributação, em Florianópolis,
30 de abril de 1998.
Neander Santos
FTE- Matr.187.384-9
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 08/05/1998.
Pedro Mendes Isaura Maria Seibel
Presidente da COPAT Secretária Executiva