EMENTA:
ITCMD. MUTUA. PREVIDENCIA
COMPLEMENTAR. ISENÇÃO DIDÁTICA. INCIDÊNCIA DO IOF, DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
1.
A instituição de mútua ou de qualquer outra instituição de previdência privada
não está compreendida na competência desta Comissão;
2.
Não incide ITCMD sobre contratos sinalagmáticos, mesmo que em benefício de terceira
pessoa, diversa dos contratantes; e
3.
A doação decorre de manifestação unilateral da vontade, em que uma pessoa, por
liberalidade, transfere bens ou vantagens de seu patrimônio para o de outra, o
que não se verifica na mútua ou no pecúlio por morte (CC, art. 538).
Disponibilizado na página da
SEF em 03.10.12
01 - DA CONSULTA
O
interessado descreve a seguinte situação:
“Uma
associação de colegas profissionais, sem fins lucrativos, tem previsto em seu
estatuto o instituto da ‘mútua’, assemelhado ao instituto do ‘pecúlio por
morte’, nos seguintes termos: quando da morte de um de seus membros, cada associado
contribui pontualmente à associação um valor fixo de seu patrimônio financeiro,
a fim de que seja repassado pela pessoa jurídica da associação o total recolhido
ao herdeiro do falecido, como uma ajuda solidária extraordinária”.
Cita
o art. 10, II, da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, que isenta o beneficiário
de “pecúlio por morte” da incidência do ITCMD.
Formula,
a seguir, os seguintes quesitos a esta Comissão:
“a) pode a ‘mútua’ ser
equiparada ao ‘pecúlio por morte’, e conseqüentemente, alterada sua
denominação?
b)
como deve ser declarada pela pessoa jurídica da associação, a entrada das contribuições
pontuais pelos associados e a posterior saída do montante recolhido ao(s)
beneficiário(s) do de cujus, a título
de ‘mútua’?”
A
autoridade fiscal, em suas informações de estilo, opina pelo não recebimento da
consulta, pelos motivos seguintes:
a)
a consulta não foi formulada por contribuinte e, portanto, não tem legitimidade,
nos termos da Portaria SEF 226/2001, art. 6º, § 2º, II, a; e
b)
cuida-se de consulta em tese, vedada pelo art. 4º, § 1º da mesma Portaria.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei
5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 63, III, e 111, II;
Lei
13.136, de 25 de novembro de 2004, arts. 2º, 5º, 7º e 10;
Lei
3.938, de 26 de dezembro de 1966, arts. 209 e 213, II.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA
Inicialmente
devemos abordar as preliminares de admissibilidade da consulta, suscitadas pela
autoridade fiscal informante: ilegitimidade do consulente e consulta em tese.
A
teor do disposto no art. 209 da Lei 3.938/1966, são partes legítimas para formular
consulta (i) o sujeito passivo e (ii) as entidades representativas de categorias
econômicas, ficando, neste último caso, a consulta restrita a matéria de interesse
comum de seus representados.
Ora,
o contribuinte do ITCMD, nos termos do art. 5º, I, da Lei 13.136, de 25 de
novembro de 2004, é o herdeiro, o legatário, o fiduciário ou o fideicomissário,
no caso de transmissão causa mortis.
Isto quer dizer que qualquer um pode vir a ser contribuinte do ITCMD, na medida
que qualquer um pode vir a ser herdeiro, legatário, fiduciário ou fideicomissário.
Em outras palavras, todos são potencialmente contribuintes do ITCMD. Com isso,
fica justificada a legitimidade de qualquer um para formular consulta sobre a
incidência do imposto de transmissão causa
mortis e doação de quaisquer bens e direitos.
No
tocante à consulta em tese, Kelly Magalhães Faleiro (Procedimento de Consulta
Fiscal. São Paulo: Noeses, 2005, p. 42) adota como pressupostos da consulta, o
enunciado prescritivo (texto legal), o fato e a dúvida. O fato “é a descrição
de uma situação de interesse do consulente que enseja dúvida”, podendo ser “uma
situação já ocorrida, ou de ocorrência certa ou possível; basta que ela seja
determinada, isto é, descrita de maneira a permitir a sua exata identificação”.
Quando a este último aspecto, prossegue a mesma autora (p. 44):
“Na oportunidade de
apresentação da consulta ainda não houve a incidência da norma, justamente
porque a situação ainda não se realizou. Mas quando a situação se realizar, a
legislação consultada deve ser apta a produzir efeitos”.
“.....”
“O consulente que formula uma
consulta descrevendo um fato de possível ocorrência pode vir a não realizá-lo;
a consulta pode servir justamente para que ele analise a conveniência de realizar
ou não determinada operação”.
Por
sua vez, Antonio da Silva Cabral (Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva,
1993, p. 493), “o importante não é o que as palavras significam e sim qual a
dúvida que determinada norma provoca ao ser aplicada a determinada situação”. Já
Hugo de Brito Machado Segundo (Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: Atlas,
2008, p. 215) enfatiza que a consulta “está sempre relacionada ao significado
de uma norma à luz de uma situação de fato. A dúvida que o consulente deseja
sanar, em última análise, está relacionada com a incidência de normas determinadas, e com os efeitos dessa
incidência (direito subjetivo)”.
No
caso em tela, trata a consulta da abrangência da isenção prevista no art. 10,
II, da Lei 13.136/2004 em uma situação específica, de possível ocorrência, qual
seja: a instituição de mútua. Pode interessar ao consulente – e esse interesse
é legítimo – conhecer o entendimento da Administração Tributária catarinense,
para julgar da viabilidade de instituição da mútua.
A
esse propósito, leciona Ruy Barbosa Nogueira (Consulta e Direito Autorizado. In: Direito Tributário Atual n°
6, São Paulo: Resenha Tributária, 1986, p. 1545) que “o contribuinte, antes de
praticar o fato ou transação, se dirige à autoridade especificamente competente,
dando-lhe ciência prévia do fato e comunicando-lhe sua intenção de praticá-lo,
pede “autorização” antecipada para realizá-lo somente se ela autoridade,
operando a subsunção do fato às normas, isto é, operando a interpretação e
sobretudo a aplicação da lei”.
O
instituto da consulta radica em sede constitucional, tendo seu fundamento no
direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, a, “em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder”. Trata-se, portanto, de uma garantia do
contribuinte que não lhe deve ser negada levianamente. Sendo possível a
resposta, a consulta deve ser respondida. A esse propósito, Paulo Bonavides (Curso
de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 602),
comentando as teses de Kirchohof sobre a interpretação dos direitos fundamentais
– entre os quais está o direito de petição – diz que se trata de “direitos que
se defrontam com o Estado, com a coletividade pública, com o poder constituído.
Formam ao mesmo passo um dique da liberdade, um limite e barreira ao arbítrio
do Estado”. A seu turno, assevera José Souto Maior Borges (Sobre a preclusão da
faculdade de rever resposta pró-contribuinte em consulta fiscal e descabimento
de recurso pela administração fiscal. RDDT 154: 76-91):
“A atribuição expressa de
competência para peticionar (gênero constitucional) inclui a competência
implícita para consultar (espécie infraconstitucional). A consulta fiscal é um
dos modos pelos quais o direito de petição se manifesta.
“...”
“A consulta pode originar-se
de diversos pressupostos, tais como: (a) prevenção de uma lesão a direitos do
contribuinte, ou (b) uma situação fiscal pré-contenciosa, que se pretenda de
antemão pacificar, ou (c) um estado de incerteza quer sobre conduta a ser
adotada pelo fisco, quer sobre alternativa de interpretação sustentada pelo contribuinte
etc”.
No
tocante à matéria consultada, devemos, antes de mais nada, precisar o sentido
do vocábulo “mútua” (fem. de mútuo (do verbo “mutuar”) = recíproco; ≠
contrato de mútuo) que indica uma seguradora, uma caixa de assistência ou ainda
uma sociedade de socorros mútuos. Como exemplo emblemático, podemos citar a
mútua dos profissionais do CREA, instituída pelo art. 12 da Lei 6.496, de 7 de
dezembro de 1977.
Entre
outros benefícios, a mútua poderá instituir um pecúlio por morte, obedecida a
legislação de regência. Com efeito, o art. 6º da Lei Complementar 109, de 29 de
maio de 2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar – onde se
inserem as mútuas – dispõe que “somente poderão instituir e operar planos de
benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo as normas aprovadas
pelo órgão regulador e fiscalizador”.
A
instituição da mútua, por não se tratar de matéria tributária, não poderá ser dirimida
por esta Comissão, devendo o consulente dirigir-se aos órgãos reguladores de
planos de previdência privada ou de seguros.
No
tocante à incidência tributária, o pecúlio por morte se sujeita ao IOF, de competência
da União (CF, art. 153, III), regendo-se pelo disposto no art. 63, III, do CTN
e pela Lei 5.143, de 20 de outubro de 1966.
Tanto
a mútua como o pecúlio por morte não caracterizam doação, por não decorrerem de
manifestação unilateral da vontade. Com efeito, o art. 538 do Código Civil
conceitua doação como “o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Pelo contrário,
o pecúlio por morte decorre de contrato sinalagmático, em que o beneficiário é
terceira pessoa, que não os contratantes. Cuida-se, portanto, de hipótese de
não incidência do ITCMD, por falta de subsunção entre o fato jurídico e a
descrição hipotética contida no descritor da respectiva regra-matriz de
incidência, a despeito do disposto no art. 10, II, da Lei 13.136/2004.
Posto
isto, responda-se à consulente:
a)
a instituição de mútua ou de qualquer outra instituição de previdência privada
não está compreendida na competência desta Comissão; e
b)
a mútua submete-se à incidência do IOF, não estando compreendida no campo de
incidência do ITCMD.
À superior consideração da Comissão.
Copat,
em Florianópolis, 5 de setembro de 2012.
Velocino Pacheco
Filho
AFRE – matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 20 de setembro de 2012.
A
resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento
de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586,
de 27 de julho de 1984, ser modificada a
qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à
consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de
Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Marise Beatriz Kempa Carlos Roberto Molim
Secretária Executiva Presidente
da Copat