ESTADO DE SANTA CATARINA |
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA |
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS |
RESPOSTA CONSULTA 44/2023 |
N° Processo | 2370000021932 |
ITCMD.
FATO GERADOR. DOAÇÃO. TRANSMISSÃO DE PATRIMÔNIO COMUM ENTRE CÔNJUGES OU
COMPANHEIROS NÃO CARACTERIZA DOAÇÃO NO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. NOS
DEMAIS REGIMES É POSSÍVEL, VÁLIDA E EFICAZ A DOAÇÃO DE BENS ENTRE CÔNJUGES OU
COMPANHEIROS, TANTO DE BENS PERTENCENTES AO PATRIMÔNIO COMUM QUANTO AQUELES
PERTENCENTES AO PATRIMÔNIO PARTICULAR.
Narra o
consulente que é sócio de pessoa jurídica com atos constitutivos registrados na
Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, sendo detentor de aproximadamente
80% (oitenta por cento) das quotas societárias e que sua companheira é
detentora, atualmente, das demais quotas societárias.
Informa,
ainda, que a integralização de todo o capital social e a formação do ativo da pessoa
jurídica foram realizadas na constância da união estável e que os sócios
resolveram, através de alteração contratual, regularizar a titularidade das
quotas sociais, para que passe a constar 50% (cinquenta por cento) das quotas
sociais para cada um, de acordo com o regime de bens da união estável entre
estes.
Entende
que a regularização narrada não configura doação e, por conseguinte, não
caracteriza fato gerador do ITCMD.
Vem perante essa
Comissão perguntar se está correto seu entendimento.
O
processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado
pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas
pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de
admissibilidade.
É o
relatório, passo à análise.
Lei nº 13.136, de 25.11.2004,
art. 2º, III.
Lei nº 10.406, de
10.01.2002, arts. 1.639, 1.658, 1.659, 1.661 e 1.725.
O inciso III do
artigo 2º da Lei nº 13.136/04 elege como fato gerador do ITCMD a doação a
qualquer título de bens móveis, aí incluídos, direitos, títulos e créditos.
FLAVIO TARTUCE define
doação como sendo um negócio jurídico onde o doador transfere do seu
patrimônio bens ou vantagens para o donatário, sem a presença de qualquer
remuneração, alertando que, sendo negócio jurídico benévolo ou benéfico,
somente se admite a interpretação restritiva, nunca a interpretação declarativa
ou extensiva (in Direito Civil, Tomo 3, p.9.1).
O elemento central
da caracterização de um negócio jurídico como doação é, então, a mutação graciosa
da titularidade jurídica de determinado elemento patrimonial. Inexistindo mutação
subjetiva, o fato jurídico não se subsume à hipótese de incidência tributária
abstratamente prevista na lei.
O Código Civil,
estribando-se no princípio da liberdade de escolha, confere aos nubentes, antes
de celebrado o casamento, a possibilidade de estipular, quanto aos seus bens, o
que lhes aprouver (art. 1.639). Inexistindo, no entanto, manifestação prévia de
vontade em sentido oposto, o regime de comunhão parcial de bens aplicar-se-á ao
casamento e à união estável (art. 1.725).
Este regime prevê
a formação de um patrimônio comum ao casal pela participação nos aquestos e nas
aquisições eventuais:
Art. 1.658. No
regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Porém, como se
pode observar pela parte final do caput do artigo 1.658, há bens que não integram
o patrimônio comum do casal, denominados de patrimônio particular, e são
previstos majoritariamente nos artigos 1.659 e 1.661 do códex:
Art. 1.659.
Excluem-se da comunhão:
I - os bens que
cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do
casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens
adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação
dos bens particulares;
III - as
obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações
provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso
pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos
do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões,
meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Art. 1.661. São
incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao
casamento.
Conclui-se sem
maiores dificuldades que no regime de comunhão parcial de bens (como de resto nos
demais regimes, com maior ou menor grau) pode coexistir durante a constância do
casamento ou da união estável patrimônio comum do casal e patrimônio
particular, de domínio de um só dos cônjuges ou companheiros.
Neste ponto, a
parte final do inciso I do artigo 1.659 do Código Civil exclui da comunhão,
inclusive, os bens sub-rogados no lugar daqueles que o cônjuge possuía antes do
casamento, recebidos por doação ou sucessão.
Cite-se, como
exemplo didático, a existência de um terreno pertencente ao patrimônio
particular de um cônjuge que realiza a integralização do capital social de uma
pessoa jurídica com esse bem imóvel na constância de união estável, com a devida
outorga uxória ou marital, recebendo, destarte, quotas societárias. Tal participação
societária, por se sub-rogar no lugar do terreno, mantém a incomunicabilidade com
o patrimônio comum do casal, permanecendo no domínio particular do cônjuge
proprietário do terreno.
Na hipótese de
transmissão não onerosa de patrimônio particular, sua doação faria com que
houvesse mutação subjetiva da titularidade jurídica do bem doado, saindo da
esfera de domínio do cônjuge doador e entrando na esfera de bens particulares
do cônjuge donatário, com base no inciso I do artigo 1.659 do Código Civil,
conforme aponta M. H. DINIZ: conclui-se, como parte da doutrina, que poderá
haver doação de um cônjuge a outro sendo o regime de separação convencional de
bens, de comunhão parcial (havendo patrimônio particular), ou de participação
final nos aquestos (quanto aos bens particulares) (in Código Civil
Comentado, 2005, p. 486).
A primeira
conclusão que se chega, portanto, é a necessidade de se identificar a natureza
jurídica do bem graciosamente transmitido de um cônjuge a outro como
pertencente ao patrimônio comum do casal ou pertencente ao patrimônio
particular, não havendo qualquer óbice legal ou doutrinário à doação de bem
particular de um cônjuge a outro.
Pois bem, indo
mais além, e modernizando a análise do instituto, temos alguns posicionamentos jurisprudenciais
recentes do Superior Tribunal de Justiça concluindo pela validade e eficácia de
doação de patrimônio comum do casal de um cônjuge a outro afirmando
categoricamente que: não é vedada a doação entre os conviventes, ainda que o
bem integre o patrimônio comum do casal (aquestos), desde que não implique a
redução do patrimônio do doador ao ponto de comprometer sua
subsistência, tampouco possua caráter inoficioso, contrariando interesses de
herdeiros necessários, conforme os artigos 548 e 549 do CC/2002 (REsp
1.171.488/RS).
A decisão
colacionada referia-se à doação ocorrida na constância de união estável regida
pela comunhão parcial de bens. À evidência que esta doação de patrimônio comum
se dá na meação do cônjuge doador e, por aplicação do inciso I do artigo
1.659 do Código Civil, tal bem passa a fazer parte do patrimônio particular do
cônjuge donatário.
Tal entendimento pode ser estendido aos demais regimes de bens nos quais não ocorre participação nas doações recebidas pelo outro cônjuge, o que não é o caso da comunhão universal de bens. Neste regime, as doações recebidas, regra geral, comunicam-se com o patrimônio comum, de modo que a doação de um cônjuge para outro seria, de fato, impossível, pois ao ingressar no patrimônio do cônjuge donatário, comunicar-se-ia imediatamente com o patrimônio do próprio cônjuge doador.
Bem mesmo por isso o STJ, assim como nosso Tribunal Administrativo no acórdão
nº 1570000075414, já entendeu ser nula a doação entre cônjuges no regime da comunhão
universal: Doação entre cônjuges. Incompatibilidade com o regime da comunhão
universal de bens. A doação entre cônjuges, no regime da comunhão universal de
bens, é nula, por impossibilidade jurídica do seu objeto (AR 310/PI). De
qualquer forma, na opinião de FLAVIO TARTUCE (ob. já citada), a doação nesse
regime é possível no tocante aos bens excluídos da comunhão universal (art.
1.668 do CC), caso de um bem de uso pessoal.
Pelo
exposto, responda-se ao consulente que a única conclusão
peremptória que se obtém é pela impossibilidade de doação, de um cônjuge a
outro, de bem pertencente ao patrimônio comum do casal quando o casamento ou a
união estável são regidos pela comunhão universal de bens. Nas demais
hipóteses a doação é possível, válida e eficaz.
É o
parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos
Tributários.
Nome | Cargo |
DILSON JIROO TAKEYAMA | Presidente COPAT |
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA | Gerente de Tributação |
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA | Presidente do TAT |
BERNARDO FRECHIANI LARA MACIEL | Secretário(a) Executivo(a) |
Data e Hora Emissão | 19/09/2023 17:02:38 |