EMENTA: ICMS. CONSTRUÇÃO
CIVIL. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO APENAS QUANTO AOS PRODUTOS FABRICADOS PELA EMPRESA
FORA DO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
CONSULTA Nº: 17/96
PROCESSO Nº:
UF14-28455/95-9
01 - DA CONSULTA
A consulente informa que executa
serviços de engenharia de redes telefônicas (canalização subterrânea), com
fornecimento de materiais. Formula as seguintes perguntas:
a) se os materiais adquiridos de
terceiros estão sujeitos ao ICMS (no caso da entrega diretamente no local da
obra e no caso de entrega em depósito da empresa e posterior emprego na obra)?
b) os materiais empregados pela
empresa na execução da obra estariam sujeitos ao ICMS?
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
DL n° 406/68, art. 8°, §§ 1° e
2°.
LC n° 56/87, Lista de Serviços,
item 32.
Lei n° 7547/89, art. 3°, VIII,
"b".
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A questão levantada pela
consulente envolve a distinção entre as respectivas esferas de incidência do
ICMS (de competência estadual) e do ISS (de competência municipal).
A classificação econômica dos
impostos, adotada pelo direito positivo brasileiro desde a edição da Emenda
Constitucional n° 18, em 1965, reservou aos Municípios a tributação sobre a
circulação de bens imateriais (serviços) e aos Estados a de bens materiais
(produtos ou mercadorias).
Leciona Bernardo Ribeiro de
Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, Revista dos Tribunais,
São Paulo, 1978):
A noção de serviço (objeto do ISS) não pode ser
confundida com a simples "prestação de serviços" (contrato de direito
civil que corresponde ao fornecimento de trabalho). O conceito de
"serviços" nos vem da economia, do trabalho como produto. De fato, o
trabalho, aplicado à produção, pode dar como resultado duas classes de bens:
bens materiais, denominados material, produto ou mercadoria; e bens imateriais,
conhecidos como serviços. Serviço, assim, é expressão que abrange qualquer bem
imaterial, tanto atividades consideradas de "prestação de serviços"
(v.g.: atividades do médico, do advogado, de engenheiro, do corretor, etc.)
como as demais vendas de bens imateriais (v.g.: atividades do locador de bens
móveis, do transportador, do albergueiro, do vendedor de bilhete de Loteria
Federal, etc.).
Inobstante, os fenômenos
econômicos são categorias pré-jurídicas e que interessam ao mundo jurídico apenas
na medida em que são juridicizadas. Assim, a interpretação das normas jurídicas
devem se ater a categorias jurídicas, evitando-se o uso de categorias
econômicas ou sociológicas, a não ser quando a norma as faz entrar no mundo
jurídico. No caso em pauta, quando o fato gerador do tributo é uma obrigação de
fazer, estamos diante do ISS. Já o ICMS pode ter como fato gerador, obrigação
de fazer (prestação de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação) ou de dar. Não qualquer obrigação de dar, mas mercadoria, assim
entendida a coisa móvel, objeto de mercancia.
Na lição de Marçal Justem Filho (
O Imposto Sobre Serviços na Constituição. Revista dos Tribunais, São Paulo,
1985):
Somente quando a conduta do indivíduo é qualificável
como adimplemento de obrigação de fazer originada de contrato bilateral
é que nos deparamos com o fato relevante para o ISS. Nesses casos é que há
serviço economicamente relevante. Essa relevância econômica decorre de a
prestação de serviço representar uma movimentação de riqueza, exteriorizando
riqueza apropriável pelo Fisco.
O problema do conflito de
competência entre ICMS e ISS está nas operações que envolvem simultaneamente
entrega de mercadoria e prestação de serviços. O conflito de competência é, na
verdade, aparente, pois, as operações costumam estar perfeitamente
diferenciadas: ou se trata de prestação de serviço (esta é a natureza do
contrato) e as mercadorias empregadas subordinam-se ao serviço (núcleo do
negócio jurídico); ou se trata de circulação de mercadorias e os serviços
envolvidos tem um caráter complementar (como é o caso de compra de um móvel em
que o vendedor assume a obrigação de entregá-lo montado na residência do
adquirente).
A Constituição remete o deslinde
do conflito de competência para a lei complementar (art. 156, IV, "in
fine"). O Decreto-lei n° 406/68 assim dispõe sobre a matéria:
Art. 8° O imposto, de competência dos Municípios,
sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por
empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço
constante da lista anexa.
§ 1° Os serviços incluídos na lista ficam sujeitos
apenas ao imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva
fornecimento de mercadorias.
§ 2° O fornecimento de mercadorias com prestação de
serviços não especificados na lista fica sujeito ao Imposto sobre Circulação de
Mercadorias.
Discute-se na doutrina se a lista
de serviços é taxativa (numerus clausus) ou exemplificativa (numerus apertus),
ou seja, se, face à competência dada aos Municípios, pela Constituição, para
instituir imposto sobre serviços e considerando o princípio da autonomia
municipal (C.F. art. 3°, III), o legislador complementar poderia limitar a
esfera de incidência do imposto municipal.
Sem adentrar nessa tormentosa
questão, examinemos o tratamento das obras de construção civil, previstas no
item 32 da Lista de Serviços, na redação dada pela Lei Complementar n° 56/87:
32- Execução, por administração, empreitada ou
subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras
semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares
ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo
prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica
sujeito ao ICM).
Como visto, independentemente de
polêmicas sobre a taxatividade ou não da Lista de Serviços, as obras de
construção civil, inclusive serviços auxiliares, estão na esfera de competência
dos municípios, o que exclui sua tributabilidade pelos Estados. Apenas quanto
aos materiais empregados na obra, produzidos pelo prestador de serviço, fora do
local da obra, incide o ICMS, por expressa determinação da Lista de Serviços.
No magistério de Geraldo Ataliba e Aires Barreto (ISS e ICM - Conflitos,
Revista de Direito Tributário, n° 11/12, janeiro/junho de 1980, p.171).
... há serviços que requerem, como condição de sua
prestação, a aplicação de materiais, sob pena de não poderem ser prestados.
Tais Materiais são elementos concretos envolvidos na
prestação; por ela requeridos ou exigidos, sob pena de se tornar impossível o
resultado.
Aí - como a aplicação desses materiais é condição ou
requisito da produção do serviço - sua presença integra essencialmente o
próprio serviço. Dele é indissociável.
Não se suponha que sejam mercadorias disfarçadas sob o
rótulo de "materiais". Estes não são mercadorias, porque não são bens
móveis sujeitos ou destinados ao comércio .
Não são coisas da espécie mercadoria, objeto de
mercancia. Ao revés, são meros ingredientes, insumos, componentes, elementos
integrantes do serviço.
Não se pode cogitar de um parecer jurídico, escrito,
sem o emprego das folhas de papel em que se o expende. Absurdo seria insinuar,
porém, que o jurista vende papel. Mero ingrediente que não se destina ao
comércio, não é objeto de mercancia. É insumo que condiciona a prestação do
serviço: que se não destina ao comércio e, por isso, não é mercadoria. Nítido
material integrativo do serviço, neste se insere indissociavelmente, formando
unidade que não se pode decompor.
Inúmeros serviços dependem, para sua execução, do
emprego ou aplicação de materiais, como condição de seu desempenho, ou como
ingredientes da própria prestação.
O prestador do serviço não é vendedor desses
materiais. Não se configura a venda de coisas, mas seu emprego ou aplicação
como requisito necessário à prestação do serviço.
Na construção civil, o negócio
jurídico é de produzir uma obra (prédio, estrada, ponte, etc.) que adere ao
solo onde edificada. Este é o objeto do contrato. Esta a coisa que se pactua
entregar. A natureza de bem imóvel da obra a descaracteriza como mercadoria
(que é, por definição, coisa móvel). O negócio é um só, não podendo ser
desmembrado em execução de obra e venda de materiais. O empreiteiro não vende
tijolos, cimento e ferro, mas os emprega na construção da obra.
Isto posto, responda-se à
consulente:
a) a aquisição de materiais de
terceiros (comerciantes) para aplicação na obra é operação de circulação de
mercadorias, sujeitando-se à incidência do ICMS (no caso, a construtora, que
não vai promover nova operação tributável pelo ICMS, é consumidora final);
b) é irrelevante se os materiais
são entregues diretamente no local da obra ou se são entregues no
estabelecimento da construtora e, posteriormente, por ela transportados até o
local da prestação do serviço;
c) sobre a prestação do serviço
(execução de obra de construção civil) incide apenas o ISS, com exclusão do
ICMS;
d) os materiais produzidos pela
prestadora de serviços, fora do local da obra, para emprego na construção civil,
sujeitam-se à incidência do ICMS (é o caso de pré-moldados e outros materiais
que envolvem industrialização).
É o parecer que submeto à
Comissão.
GETRI, em Florianópolis, aos 02
de fevereiro de 1996.
Velocino Pacheco Filho
FTE - mat. 184.244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 04/03/1996.
Renato Luiz Hinnig João Carlos Kunzler
Presidente da COPAT Secretário Executivo