EMENTA: ICMS. PODE SER
UTILIZADO COMO CRÉDITO, PARA COMPENSAR O IMPOSTO DEVIDO NA SAÍDA DO PESCADO, O
QUE FOI RETIDO POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA RELATIVO AO ÓLEO DIESEL UTILIZADO
POR EMBARCAÇÕES, EMPREGADAS NA CAPTURA DE PESCADO. INTEGRAÇÃO ANALÓGICA DO ART.
22 DO ANEXO 3 DO RICMS-SC/01.
FICAM RESSALVADAS AS HIPÓTESES DO COMBUSTÍVEL SER ADQUIRIDO COM ISENÇÃO OU
ACOBERTADO COM DOCUMENTO INADEQUADO AO APROVEITAMENTO DO CRÉDITO OU, AINDA,
QUANDO A SAÍDA SUBSEQÜENTE DO PRODUTO NÃO SEJA TRIBUTADA.
PROCESSO Nº: PSEF
81.031/03-3
01 - DA CONSULTA
Informa
a consulente em epígrafe que desenvolve atividade pesqueira (captura e
industrialização). A consulta versa sobre o direito de aproveitamento de
crédito do ICMS relativo ao consumo de óleo diesel pelas embarcações
pesqueiras, com fundamento no art. 22 do Anexo 3 do RICMS-SC/01.
Conforme
a consulente, a atividade de industrialização encontra-se no momento
paralisada.
Não
consta da consulta a informação fiscal a que se refere o inciso II do § 2º do
art. 6º da Portaria SEF nº 226/01.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição
Federal, art. 155, § 2º, I e II;
Lei
Complementar nº 87/96, arts. 19 e 20;
Lei
nº 10.297/96, arts. 21 e 22;
RICMS-SC/2001,
Anexo 3, art. 22.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
presente resposta examinará apenas o crédito relativo ao consumo de óleo diesel
pelas embarcações pesqueiras, na captura de pescado. Isto porque a atividade
industrial, conforme informação da consulente, está paralisada.
Sucede,
porém, que o óleo diesel está sujeito ao recolhimento antecipado do imposto
pelo contribuinte substituto. Portanto, antes de enfrentar a questão que
constitui o objeto da consulta, devemos examinar o instituto da substituição
tributária.
3.1. Natureza da substituição
tributária “para a frente”:
A
substituição tributária é modalidade de sujeição passiva indireta em que a
responsabilidade pelo recolhimento do tributo é atribuída a pessoa diversa
daquela que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o
respectivo fato gerador” (CTN, art. 121, parágrafo único, I). Difere da
sujeição passiva “por transferência” porque a obrigação tributária nasce, desde
o início, em relação ao contribuinte substituto.
A
Lei Complementar 87/96 classificou a substituição tributária conforme a relação
temporal entre o momento em que o tributo é exigido e a ocorrência do fato
gerador correspondente. Assim o tributo exigido pode referir-se: i) a fatos
geradores já ocorridos (operações e prestações antecedentes); ii) fatos
geradores que estão ocorrendo (operações e prestações concomitantes); e iii)
fatos geradores que se presumem venham a ocorrer (operações e prestações
subseqüentes).
A
terceira das modalidades elencadas (operações e prestações subseqüentes),
também conhecida como substituição tributária “para a frente”, consiste em
exigir de contribuinte que esteja posicionado no início da cadeia de circulação
da mercadoria (fabricante, importador etc.) o imposto relativo ao fato gerador
que encerra essa mesma cadeia, ou seja, a operação com consumidor final. O fato
gerador ainda não aconteceu no momento da exigência do tributo, mas presume-se
que virá a ocorrer. A base de cálculo da imposição também é presumida.
O
fundamento da substituição tributária “para a frente” está no § 7º do art. 150
da Constituição Federal: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação
tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição,
cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e
preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador
presumido”.
A
condição para que o imposto possa ser exigido antecipadamente do contribuinte
substituto é a ocorrência do fato gerador presumido – isto é, a última operação
com o consumidor final que encerra o ciclo de comercialização. Caso não se
verifique o fato gerador presumido, torna-se indevido o tributo exigido,
devendo ser restituído, imediata e preferencialmente.
3.2. Natureza do “crédito
fiscal” do ICMS:
O
“crédito fiscal” do ICMS decorre do princípio da não cumulatividade e tem sua
sede na própria Constituição Federal (art. 155, § 2º, I) que assegura ao
contribuinte o direito de compensar “o que for devido em cada operação relativa
à circulação de mercadoria ou prestação de serviço como o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
Roque
Antonio Carrazza (ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pg. 209)
enfatiza a natureza constitucional do crédito do ICMS: “O realizador da
operação ou prestação tem o direito constitucional subjetivo de abater do
montante de ICMS a recolher os valores cobrados (na acepção acima
fixada), a esse título, nas operações ou prestações anteriores. O contribuinte,
se for o caso, apenas recolhe, em dinheiro, aos cofres públicos a diferença
resultante da operação matemática”.
Por
outro lado, dispõe o inciso II, “b”, do mesmo dispositivo constitucional que “a
isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação,
acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Ou seja, o
direito ao crédito está vinculado estritamente à compensação do imposto devido
em cada operação ou prestação. Assim, continua atual o magistério de Ricardo
Lobo Torres (Sistemas Constitucionais Tributários. In: Tratado de
Direito Tributário Brasileiro. Coord. A. Baleeiro & F. B. Novelli, v.
II, t. II, Rio de Janeiro: Forense, 1986, pg. 305):
“Outra característica fundamental da
não-cumulatividade é a de que o crédito fiscal é condicionado à ulterior
saída tributada. Não tem nenhuma autonomia para ser oposto à Fazenda fora
da compensação financeira do tributo.
Há uma verdadeira conditio juris. O crédito pela entrada é usufruído sob
a condição resolutória da ulterior desagravação fiscal. Se vier a ser
concedida a isenção na saída, o contribuinte é obrigado a estornar o crédito.”
A
Constituição comete à lei complementar ainda a competência para “disciplinar o
regime de compensação do imposto” (inciso XII, “c”). Ela irá definir se serão
computados apenas os “crédito físicos” ou também os “créditos financeiros” ou
ainda um misto entre créditos físicos e financeiros, que foi a solução adotada
pela Lei Complementar nº 87/96.
A
origem constitucional do direito ao crédito, do ponto de vista da interpretação
do direito, resulta que, no silencio da lei, o contribuinte tem direito ao
crédito e não o contrário. É o contrário dos benefícios fiscais que somente
podem ser reconhecidos nos estritos termos da lei. Já no caso do crédito do
ICMS, o intérprete deve esmerar-se em demonstrar quando o contribuinte não tem
direito ao crédito, porque a presunção é que o direito existe.
3.3. O direito a crédito das
embarcações pesqueiras:
Na
substituição tributária “para a frente”, como visto, é exigido antecipadamente
o imposto até a última operação com o consumidor final. A conseqüência é que em
todas as etapas subseqüentes não é exigido mais nenhum recolhimento, mas também
não é permitida a apropriação de qualquer valor a título de crédito fiscal.
A
regra do art. 22 do Anexo 3 do RICMS-SC/01 constitui exceção à regra acima,
pois permite ao contribuinte substituído o creditamento do imposto retido por
substituição tributária e do correspondente à operação própria do substituído
nas hipóteses que menciona. A primeira dessas hipóteses é que as mercadorias,
adquiridas por estabelecimento industrial, se destinem a emprego como
matéria-prima ou material secundário.
Não
se trata, no caso, de benefício fiscal, cuja interpretação deva ser literal.
Pelo contrário, decorre do princípio constitucional da não-cumulatividade. O
fato gerador presumido é a saída a consumidor final. Mas, se o consumidor for
estabelecimento industrial que adquire a mercadoria para utilizá-la como insumo
para a produção de mercadoria diversa, não se confirma o pressuposto da
antecipação do imposto. Se o produto resultante da industrialização for
tributado, fica assegurado ao contribuinte o crédito do imposto para compensar
com o imposto devido pela sua própria operação.
Entretanto,
o óleo diesel adquirido por embarcação utilizada na captura de pescado não está
expressamente prevista entre as hipóteses do suso mencionado art. 22.
Ordinariamente, o que não está expressamente previsto na legislação tributária
não é permitido, tratando-se de benefício fiscal. Mas, esse não é o caso
presente. Trata-se de direito a crédito fiscal que tem seu fundamento no
próprio texto constitucional, caso em que a legislação tributária deve ser
interpretada conforme a Constituição.
Examinando-se
as hipóteses de creditamento previstas no art. 22, além do emprego como insumo
pela indústria, a alínea “b” do inciso I refere-se a emprego na produção por
estabelecimento agropecuário e a alínea “f” à prestação de serviço de
transporte. O que todas essas hipóteses tem em comum é que a presumida operação
com consumidor final não se concretiza, porque o consumidor utiliza a
mercadoria na produção ou na prestação de serviço, cujo resultado constitui
fato gerador do imposto e está sujeito a nova incidência tributária. Como o
pescado capturado se destina a comercialização ou industrialização para
posterior comercialização, com incidência do imposto, é legítimo supor que o
tratamento tributário, relativamente ao crédito, seja o mesmo, integrando-se
analogicamente a relação do art. 22.
Conforme
Limongi França (Hermenêutica Jurídica. 7ª e. São Paulo: Saraiva, 1999,
pg. 45), a aplicação da analogia deve obedecer aos seguintes critérios:
a)
o caso deve ser absolutamente não previsto em lei;
b)
deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e
aquele não previsto;
c)
a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o
legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio
legis.
O
primeiro critério está satisfeito, pois a legislação tributária é totalmente
omissa quanto ao tratamento do crédito fiscal relativo ao óleo diesel
(recolhido antecipadamente por substituição tributária) utilizado por
embarcações pesqueiras, na captura de pescado. Se não está incluído na
permissão do crédito do art. 22, também não há proibição expressa.
O
segundo critério também está satisfeito. Nas hipóteses do art. 22, assim como
no diesel utilizado na captura de pescado, o consumidor utiliza a mercadoria
que teve o imposto recolhido por substituição tributária na produção de nova mercadoria
ou na prestação de serviço onerados pelo imposto.
Finalmente,
está satisfeito também o terceiro critério, pois, em todos os casos, a ratio
legis é a preservação do princípio constitucional da não-cumulatividade que
assegura o direito ao crédito do imposto para compensar o imposto devido pela
operação ou prestação realizada pelo contribuinte.
Porém,
o direito ao crédito condiciona-se ao tratamento subseqüente do pescado. No
caso de isenção, fica vedado o crédito e se houver redução de base de cálculo,
o crédito deve ser aproveitado proporcionalmente. A manutenção do crédito, no
caso, constituiria benefício fiscal, devendo estar expressamente prevista na
legislação.
Também
não haverá direito a crédito se o combustível for adquirido com isenção do imposto,
como ocorre na hipótese prevista no art. 74 do Anexo 2. Além disso, deverá ser
observada a documentação fiscal própria – e. g., não é admissível apropriação
de crédito quando a aquisição estiver consignada em cupom fiscal.
Posto
isto, responda-se à consulente que o óleo diesel consumido por embarcações
pesqueiras, na captura de pescado, permite o crédito fiscal correspondente,
para compensar o imposto devido pela comercialização do pescado, ressalvadas as
hipóteses de vedação de crédito previstas na legislação. O crédito apropriável
será:
a)
o valor do imposto destacado no documento fiscal, caso não tenha havido
retenção por substituição tributária;
b)
o imposto retido e o relativo à operação própria do substituto, quando
adquirido de contribuinte substituto;
c)
o resultado da aplicação da alíquota interna sobre a base de cálculo da
substituição tributária, quando adquirido de contribuinte substituído.
À superior consideração da
Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 27 de abril de 2005.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 17 de maio de 2005
Josiane de Souza Corrêa
Silva Vera Beatriz da
Silva Oliveira
Secretário Executivo
Presidente